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3. SOBRE O IRAQUE E A AMBIGUIDADE DO IMPÉRIO

3.3 VERÃO E OUTONO DE 2003: ESQUERDA E IMPÉRIO

É interessante que passemos ao artigo de Nathan Newman284, publicado na edição da

Dissent Magazine do verão de 2003: Where the Peace Movement Went Wrong? Nele, podemos

observar algumas das críticas que apareceram nas páginas de Dissent dirigidas à esquerda que se opôs às guerras do Afeganistão e Iraque.

O aspecto mais interessante do artigo de Newman é que, em que pese o fato de ele se posicionar contrário à Guerra do Iraque, isso não o impede de apontar o que percebe como sendo

283

Cf. http://www.dissentmagazine.org/issue/summer-2003; http://www.dissentmagazine.org/issue/fall-2003

Acessado em: 30 de dezembro de 2012

284

Newman é advogado e sociólogo. Foi diretor executivo da Progressive States Network, uma organização política cuja missão é intervir, segundo uma orientação progressista, no debate público norte-americano. Newman escreve basicamente sobre políticas públicas e o sistema legal dos EUA. Algumas informações profissionais podem ser consultadas em seu endereço eletrônico. http://nathannewman.org/

algumas incongruências da posição antiguerra. Por exemplo, Newman acentua o fato de que em nenhum momento aqueles que se posicionaram dessa forma propuseram alternativas que soassem mais convincentes do que aquelas propostas pela Casa Branca.285

De acordo com Newman, aqueles que se opuseram à Guerra do Iraque deveriam delimitar estratégias mais efetivas de apoio à população iraquiana – sobretudo no que diz respeito à reestruturação do país após os conflitos ―de liberação‖. Newman comenta, igualmente, sobre a falha da esquerda, de um modo geral, em lançar campanhas educativas públicas acerca das violações dos direitos humanos que estavam ocorrendo com as populações curdas e xiitas, no Iraque. Quando instados pelo então presidente George H. W. Bush a se insurgirem contra o governo de Saddam, ambos os grupos ficaram desamparados política e militarmente. Newman acentua que embora o ônus principal deva recair sobre os ombros do Partido Republicano (uma vez que a guerra fora travada por eles, bem como toda a macro-estratégia fora por eles desenhada), há também um quinhão de responsabilidade a ser compartilhada com a esquerda norte-americana – que se absteve, ainda que parcialmente, de fornecer a solidariedade devida ao povo iraquiano, segundo ele.

De acordo com Newman, em janeiro e fevereiro de 2003 cerca de apenas um terço da população norte-americana estava disposta a apoiar uma intervenção que ocorresse sem chancela da ONU e sem o apoio significativo dos demais atores do sistema internacional. Em meados de março e abril, esse número havia sido acrescido em 40% da população. É precisamente esse crescimento considerável do suporte da população que Gerstle classifica como sendo fruto de uma inabilidade, de uma falta de coordenação e engajamento da esquerda norte-americana, em fornecer um contra-argumento viável ao discurso oficial. Segundo ele:

Os neoconservadores estavam se organizando intelectualmente há anos, publicando livros, organizando conferências e solidificando seus movimentos de base, a fim de criar uma segura base moral que referendasse sua agenda. Enquanto isso, a esquerda não fazia nada semelhante.

A esquerda se encontrava desorganizada politicamente, e não porque contava com poucos recursos, mas porque seus ativistas apenas não fizeram o trabalho necessário para a criação de um engajamento intelectual sério, junto às suas bases. Não tendo feito isso, sua única posição de ―unidade‖ possível foi a mensagem simplista ―Não à guerra‖, e ninguém, incluindo os propagandistas pró-Hussein, poderiam falar em nome do movimento antiguerra. A mensagem era muito frágil, e falhou.

285

Cf. http://www.orthodoxytoday.org/articles/MeadWar.php Acessado em: 30 de dezembro de 2012.

Newman argumenta que um dos principais fatores responsáveis pela eficácia reduzida dos protestos da esquerda contrária à guerra foi a sua fragmentação em uma miríade de grupos com poder relativo de influência cada vez mais restrito. Ademais, Newman argumenta que se a esquerda norte-americana quer obter êxito em suas estratégias políticas, é imperativo que ela tenha uma mensagem de solidariedade internacional que seja persuasiva e que legitime seu discurso.

Na edição do outono de 2003 de Dissent, o artigo mais relevante para a nossa análise é saído da pena de Michael Walzer. Trata-se de Is There an American Empire?. É importante que agora passemos a ele. Walzer relativiza a influência que os EUA são capazes de exercer no sistema internacional. Segundo ele, igualar capacidade militar com poder de coerção é um modo equivocado de se interpretar a política externa. Walzer ilustra seu argumento mencionando dois episódios que haviam ocorrido pouco antes da Guerra do Iraque ser deflagrada. O primeiro deles foi a tentativa norte-americana de pressionar o governo da Coréia do Sul com relação à questão da Coréia do Norte. A primeira optou por não estabelecer qualquer tipo de parceria política ou militar com os EUA – a despeito do poder deste último. O segundo episódio refere-se à recusa do governo da Turquia em permitir que os EUA utilizassem seu território para invadir o Iraque.

Walzer argumenta que o principal desafio norte-americano seria a capacidade de estabelecer um regime no Iraque que fosse dotado de autonomia e independência. Um regime que fosse capaz, inclusive, de dizer ―não‖ aos EUA e de se mover na direção contrária, se assim julgasse adequado fazê-lo.

Walzer menciona um artigo publicado na edição do verão de 2002 do World Policy

Journal, escrito por Martin Walker, cujo argumento central é o de que os EUA deveriam adotar

uma forma de exercício de poder no sistema internacional denominado ―império virtual‖. Embora Walzer demonstre algumas reservas com a expressão, suas concordâncias com a proposição de Walker são evidentes.

Walzer não se manifesta contrário à noção de império per se, na verdade ele faz uma apologia de um exercício de poder norte-americano que seja imperial, em sua natureza, mas que se detenha diante da soberania dos territórios aliados, do direito internacional e das agências multilaterais. Com efeito trata-se de uma posição razoavelmente análoga ao que intelectuais neoconservadores classificaram de ―hegemonia benevolente‖286

. Trata-se, portanto, de uma visão

286

Cf. http://www.carnegieendowment.org/1996/07/01/toward-neo-reaganite-foreign-policy/1ea Acessado em: 30 de dezembro de 2012.

de mundo inequivocamente informada por uma leitura excepcionalista do papel dos EUA ao redor do globo.