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2. FAKE NEWS – AMEAÇA OU OPORTUNIDADE PARA O JORNALISMO?

2.6. Da ameaça à oportunidade – o jornalismo como antídoto da desinformação

2.6.1. Da verdade da crença à verdade do facto

As fake news têm vindo a provocar um mal-estar no seio da sociedade mediática, mais a mais porque o ser humano, acreditando mais nas suas crenças do que nos factos acaba por reagir de um modo mais emocional, inevitavelmente prejudicando a sua capacidade de distanciamento e de racionalidade.

Na área política, por exemplo, o cidadão tem tanto mais tendência a votar num candidato quanto mais ele for ao encontro às suas expetativas: “People prefer information that confirms their preexisting attitudes (…) and are inclined to accept information that pleases them (…). Prior partisan and ideological beliefs might prevent acceptance of fact checking of a given fake news story” (Lazer et all, 2018, p.3).

A simulação de um determinado modo de pensar tem um efeito poderoso naquele que se pretende influenciar e "muitos acreditam em mentiras, mesmo sabendo que são mentiras, apenas porque reforçam as suas convicções" (Pena in Lusa, 2019a).

Como refere Charaudeau, “o efeito de verdade está mais para o lado do “acreditar ser verdadeiro” do que para o do “ser verdadeiro”. Surge da subjetividade do sujeito em sua relação com o mundo” (2013, p.49). Ou seja, a verdade como algo racional não é a verdade das fake

news: “diferentemente do valor de verdade, que se baseia na evidência, o efeito de verdade

baseia-se na convicção, e participa de um movimento que se prende a um saber de opinião” (ibidem).

O filósofo José Gil, em entrevista ao jornal Público8, reforça esta premissa ao dizer que há “uma ignorância fundamental que acompanha toda a percepção dos outros” e acrescenta que “os nossos juízos de realidade estão deformados por juízos de valor influenciados pelo afecto, pelas emoções” (in Público, 2019).

Haverá sempre tendência a credibilizar aquilo que vai ao encontro à nossa própria verdade, mas é crucial que se procure sempre a verdade do facto e não a verdade da crença, a realidade objetiva em vez da subjetiva.

Em ambiente online, os rumores vão ganhando credibilidade à medida que os utilizadores os consomem (Figueira & Oliveira, 2017) e num ano de eleições europeias e legislativas é crescente a preocupação em torno das fake news, que podem condicionar os resultados eleitorais em Portugal, país onde os cidadãos mais confiam em notícias (62% assumiram confiar, numa amostra de 37 países) (OBERCOM, 2018).

8 https://www.publico.pt/2019/03/05/sociedade/noticia/fake-news-sao-velhas-humanidade-mudou-instrumentos-

O investigador da Universidade do Minho, Sérgio Denicoli, vê esta questão com preocupação, afirmando que “a transparência da informação ficou no século passado” e que

também os mais jovens serão afetados (in Observador, 2019).

Além daquela estimativa, o Eurobarómetro de outono de 2018 revelou que “os portugueses parecem estar menos conscientes da exposição a notícias falsas, menos preparados para identificá-las, e menos dispostos a considerá-las um problema no seu país e para o funcionamento das democracias”, quando comparados com os restantes 28 estados-membros da União Europeia (Comissão Europeia, 2018, p.12).

Dados deste relatório permitiram ainda concluir que 48% dos portugueses “tem facilidade em identificar notícias e informação que acredita deturparem a realidade” (Comissão Europeia, 2018, p.12). Ou seja, mais de metade dos portugueses tem dificuldade em identificar fake news. Quando se trata da “qualidade e independência dos média e notícias falsas”, 66% dos portugueses afirmam que “a comunicação social no país fornece informações de confiança”, 77% acredita que esta “fornece uma diversidade de pontos de vista e opiniões”, e 50% acha que a informação veiculada não é sujeita a pressão política ou comercial (Comissão Europeia, 2018, p.12).

No que diz respeito ao grau de confiança nas notícias, 62% confia, “a maior parte das vezes”, nas notícias que consome. Há, portanto, “tendência para que os indivíduos não se encontrem especialmente preocupados com a falta de qualidade das notícias com que são confrontados” (OBERCOM, 2018, pp.57 - 58). Ainda assim, 67,5% dos inquiridos mostra-se preocupado com o “jornalismo de má qualidade” (ibidem, p.62).

As redes sociais geram ainda desconfiança – apenas 26% admite confiar neste meio (Comissão Europeia, 2018) – sendo que quando falemos de confiança nas notícias veiculas através dessas plataformas 42,6% admite não poder “confiar (…) a maior parte das vezes”, contra 28,9% que admite confiar (OBERCOM, 2018, pp.59 - 60).

E embora 71,3% se preocupe “com o que é real ou falso na internet”, ainda existe uma percentagem de 41% que confia neste meio (Comissão Europeia, 2018, p.11). Mais uma vez se prova que nem sempre há uma desconfiança relativa à qualidade das notícias veiculadas online. Já os meios tradicionais reúnem os maiores níveis de confiança, com 68% de confiança tanto na televisão como na rádio, seguido da imprensa escrita, com 61% (Comissão Europeia, 2018).

Relativamente aos “graus de confiança em marcas de comunicação noticiosas”, a RTP lidera, seguida dos jornais Expresso e Público. No final da lista, onde constam doze marcas noticiosas, encontra-se o Correio da Manhã, o que não deixa de ser um dado interessante visto

ser esta a marca jornalística que mais divulga conteúdos sensacionalistas em Portugal (OBERCOM, 2018).

Nas marcas televisivas, lidera igualmente a RTP (7,48%), seguida da SIC (7,16%) e da TVI (6,61%). Quanto aos jornais, temos o Expresso (7,32), o Público (7,2) e o Jornal de

Notícias (7,16), ao passo que nas rádios se encontram a Rádio Renascença (7,11) e a Antena 1

(7,08%) (OBERCOM, 2018).

De um modo geral, os portugueses parecem confiar nas marcas jornalísticas (confiança média de 6,91%), mas como já vimos “a marca que menos confiança inspira nas pessoas parece ser, tendencialmente, a que se encontra (…) mais ligada a notícias sensacionalistas, factor que faz oscilar o grau de confiança em relação à sua comunicação e, em última análise, à sua qualidade informativa” (OBERCOM, 2018, p.58).

Vale ainda salientar que em Portugal os meios tradicionais são, por excelência, aqueles onde mais se procura obter informação: 87% recorrem à televisão, 38% à imprensa escrita e 30% à rádio, em contraposição às redes sociais, que apenas obtiveram 14% das respostas, pelo menos no que toca à “política nacional” (Comissão Europeia, 2018, p.13).

Esta situação ilustra bem o estado paradoxal em que se encontra a sociedade, pelo menos do ponto de vista informativo: as pessoas têm consciência de que a internet e as redes sociais são espaços onde circulam inúmeras mensagens, nem sempre oficiosas. No entanto, optam por se informar através desse meio, dado que a maioria, se não todas as instituições e marcas noticiosas em quem tanto se confia têm presença nesses espaços.

Aliar a confiança que se tem nestas mesmas marcas com a facilidade em aceder à internet e às notícias em redes sociais é uma clara vantagem para quem quer estar minimamente informado. Ainda assim, é imperativo que não se deposite uma confiança cega em tudo aquilo que se vê porque até os meios de comunicação ditos fiáveis têm probabilidade de falhar quando entram no jogo concorrencial pela luta de audiências.

É também disto que se tem feito o jornalismo: de exclusivos, de ascensão lucrativa, de rapidez por dar a notícia bombástica, ao invés do empenho em ser o primeiro a dar as informações corretas. Desse ponto de vista, é necessário repensar os padrões do jornalismo. No fundo, procurar alternativas que permitam colocar as marcas noticiosas em diferentes canais, mas sem ceder às pressões que esses exigem, seja instantaneidade, enfermidade ou sensacionalismo.

Há que estar presente nessas plataformas, mas de uma forma equilibrada que permita ao jornalismo continuar a sobreviver em nome da informação relevante e de interesse público.