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No capitulo décimo quarto, S. Agostinho procura aprofundar a relação entre os conceitos de Liberdade e Verdade. Se a Verdade pode tornar feliz quem a conhece, fica claro também para Agostinho que a verdadeira liberdade consiste em conhecer, abraçar e submeter-se a tal Verdade, pois esta garante liberdade e segurança. A Liberdade se caracteriza pela felicidade que proporciona àqueles que participam e vivenciam a Lei eterna. Esta Liberdade é plena na Verdade e no Bem263. Para Agostinho, a Liberdade consiste em estar submetido à Verdade, que é o próprio Deu, Aquele que liberta o homem da escravidão do pecado por meio do seu Filho Jesus Cristo, o qual disse aos seus apóstolos: “Se permaneceis na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos,

260 Sobre estas considerações, consultar: OLIVEIRA, N. DE A. «Tradução, Organização, introdução e notas», 262 nota 19.

261 De lib. arb. II, 7, 19.

262 CAPITANIF.DE: Il «De libero arbitrio» di S. Agostino, 125 nota 305; CAYRÉ,F.

Initiation

à la philosophie di saint Augustin, 121.

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conhecereis a verdade e a verdade vós libertará” (Jo 8, 31-32)264. Capitani, F. De observa o quanto é profunda esta ideia de Liberdade aplicada à Verdade: “Realmente, ser livre não significa fazer aquilo que se quer, mas agir de modo a realizar o fim que Deus pensou para o homem; isto é: submeter-se à Sua vontade. Todo o resto é pecado, no sentido de que é um desvio do reto caminho que conduz à beatitude”265. É o que se pode chamar de liberdade evangélica, que consiste em querer fazer sempre e somente o bem, segundo o modelo de Deus Pai: “Serás perfeito na adesão ao Senhor, teu Deus” (Dt 18, 13), e, principalmente, que “Vós, portanto, sereis perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5, 48). É quase uma utopia nesta vida, porém é, ao mesmo tempo, um ideal, um modelo, uma regra de vida, um guia no caminho da perfeição cristã. Deste modo, a verdadeira liberdade deve ser entendida, não como o poder de escolher entre o bem e o mal, entre o pecar ou não pecar, porque se assim fosse, Deus não seria livre, porque não pode querer o mal. O ideal da verdadeira liberdade está em praticar sempre o bem, por amor. O poder escolher o mal ou o poder de pecar não é liberdade, mas escravidão, servidão do pecado. O Homem é verdadeiramente livre quando possui a Verdade, pois assim pode, com segurança, gozar de bens verdadeiros e chegar à beatitude, pois “a alma de fato não goza de um bem com liberdade, se não o goza com segurança” 266. Neste sentido, para Madec, G. a alma é chamada a uma opção fundamental entre o que é superior e o que é inferior, sendo certo que ela realiza a sua verdadeira finalidade desejando o Sumo Bem, pois foi para isso que Deus a criou. Isto significa que a verdadeira liberdade não está em uma simples possibilidade de escolha, mas em uma adesão total por amor à Lei eterna, submetendo-se assim à Verdade e unindo-se ao Bem imutável, que é a Bondade mesma. Ainda segundo Madec, G. a esta liberdade se opõe o orgulho: uma falsa autonomia que o homem pensa

264 De lib. arb. II, 13, 37. «Para Agostinho, a liberdade não se define como a faculdade de escolha arbitrária entre o bem e o mal, mas como o poder de se determinar pelo bem e por Deus» (OLIVEIRA,N.DEA.«Tradução, Organização, introdução e notas», 271).

265 CAPITANIF.DE: Il «De libero arbitrio» di S. Agostino, 134. Ainda segundo Capitani, nestas palavras encontra-se o ponto culminante da ascensão filosófica que se torna mística e fideísta ao mesmo tempo. É a confluência da filosofia e a fé no pensamento de Agostinho, onde se encontra a raiz profunda da sua inspiração. Existe uma Verdade libertadora que se une àquela do homem e o faz verdadeiramente livre. Trata-se de um ponto fundamental da filosofia cristã de Agostinho, onde a verdadeira liberdade do homem é obra da Verdade divina em nós. Portanto, esta não é somente fruto do homem, mas também dom divino (CAPITANIF.DE: Il «De libero arbitrio» di

S. Agostino, 134 nota 313; 486 nota 49).

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possuir, que o desvia de Deus, o Sumo Ser, para se dirigir ao não ser. Para A. Trapè, a liberdade humana é tanto mais perfeita quanto mais próxima de Deus. A liberdade de poder escolher ou querer o bem ou o mal é uma condição provisória, uma preparação àquela com a qual o homem, verdadeiramente livre, desejará somente o bem. S. Agostinho também destaca o caráter universal da Verdade: “Pois nada da verdade torna-se propriedade de um só ou apenas de alguns, mas simultaneamente ela é toda inteira e comum a todos”267. Esta Verdade ninguém pode perdê-la contra a própria vontade268; ela é oferecida a todos, está muito próxima de todos e dura eternamente269. Ela é como um mestre interior, que torna melhor todos aqueles que a contemplam270.

267 De lib. arb. II, 14.

268 De lib. arb. II, 14. Recordar as reflexões do De lib. arb. I, 4, 10 e I, 16, 34, as quais revelam que o pecado foi teorizado como o amor daquelas realidades que cada um pode perder contra a própria vontade, enquanto a virtude e a beatitude foram entendidas como amor àquelas realidades que estão no poder obtido pelo homem, bastando para isso querer de um modo justo, sendo certo que a primeira escolha é sinônima de incerteza e instabilidade, e a segunda de estabilidade e certeza. Toda esta reflexão se desenvolve de forma a ligar o resultado da investigação desenvolvida no Livro I, sobre a liberdade, com as últimas reflexões feitas até aqui. No Livro I, chegou-se à conclusão de que a sabedoria, a virtude, a correta conduta, livre e boa consistiriam no amor às realidades que uma pessoa não pode perder contra a vontade; que é o amor às realidades eternas e imutáveis (De lib. arb. I, 16, 34). Neste ponto do Livro II, Agostinho precisa que também a verdade e a sabedoria são realidades eternas e imutáveis, as quais, portanto, não podem ser obtidas ou perdidas senão através de um ato da livre vontade. Deve-se recordar ainda que, como a verdade e a sabedoria são identificadas por Agostinho como a Verdade que é Deus (De

lib. arb. II, 13, 37) encarnada em Jesus Cristo, melhor se compreende toda a argumentação de

razão e fé desenvolvido por S. Agostinho: a liberdade é uma conquista subjetiva, mas é também o resultado de uma aceitação confiante daquilo que a razão mostra como fonte de estabilidade e segurança. Sobre estas considerações, consultar: CAPITANIF.DE: Il «De libero arbitrio» di S.

Agostino, 134-135; 486 nota 51.

269 De lib. arb. II, 14, 38.

270 De lib. arb. II, 14, 38. Esta é uma expressão típica do método agostiniano de interiorização. Para se compreender melhor é necessário referir-se aos pressupostos bíblicos que sustentam sua interpretação, especialmente o trecho de Sir. 10, 9-15, no qual se fala da soberba do homem, que destruiu o regime da interioridade que existia entre ele e Deus. Estas ideias são muito usadas por Agostinho para descrever as atitudes de pecado e soberba da humanidade. Consultar por exemplo:

De mus. 6, 13, 40; De lib. arb. III, 25, 76; Conf. VII, 16, 22; De Trin. 12, 9, 14; De civ. Dei 14,

13, 1. Ver também sobre esta questão: SOLIGNAC,A. «La condition de l’homme pécheur d’après

saint Augustin», NRTh 88 (1956) 359-387 (CAPITANI F. DE: Il «De libero arbitrio» di S.

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