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O VERDADEIRO DOUTOR FEZ O DIAGNÓSTICO

No documento ILRISMAR OLIVEIRA DOS SANTOS (páginas 54-56)

como alvo direto de investigação e crítica a construção da heteronormatividade, ou seja, as regras que normatizam e naturalizam a heterossexualidade como modo “correto” de estruturar o desejo (BORBA, 2015, p. 96).

Com isso, pude entender que o meninx viadx e fateirx, que suprimia seus trejeitos e afetações em face de uma família conservadora, estava se libertando de muitos discursos simbólicos que o fizeram carregar uma culpa que nunca fora delx. Elx passou grande parte da infância e da adolescência se condenando por ser a abjeção de seu pai; por se sentir isoladx e constantemente insultadx na escola e no próprio lar.

Porém, aquele salto na passadeira de casa, a saia que lhe cortou a carne, o cabelo que nunca fora delx, os lábios vermelhos e todas as bonecas de argila construídas no barreiro foram seu modo de dizer quem era. Elx estabeleceu um estilo de vida que duelava com o disciplinamento imposto ao seu corpo, e, mesmo diante de todos os cerceamentos, deixou uma mensagem para sua família e amigxs: não há limites para os sonhos de uma criança viadx.

1.13 O VERDADEIRO DOUTOR FEZ O DIAGNÓSTICO

A minha primeira aula no Mestrado foi no componente curricular de Políticas Públicas. Cheguei atrasado. Quando abri a porta e vi os colegas, senti o primeiro medo. Afirmava-me que aquelas pessoas deveriam ser extremamente inteligentes; teria que analisar como me apresentaria. Não deveria parecer soberbo e nem ingênuo. Todavia, não demorou e tudo foi se tranquilizando.

À tarde, conheci o professor do componente de Arte na Diáspora. O cara era de uma extrema simpatia. Mostrou-nos que por estarmos ali nunca seríamos melhores que o outro do Ensino Superior. Fez-nos perceber que o curso só seria bem aproveitado se tivéssemos a plena certeza que estávamos ali pela vontade plena do conhecimento, e não por mostrar mais uma titulação.

Depois de uma semana, tive aula do componente de Fundamentos, que foi ministrado pelo meu professor-orientador. Antes de conhecê-lo pessoalmente, trocamos um e-mail, e tive medo de ele ser um cara que não se importaria com minhas opiniões no processo da escrita. Na primeira aula, observei-o atentamente. Tinha que saber sobre seu temperamento e modo de tratar x outrx. Não queria que fôssemos estranhos, mas também não poderia forçar nada. Teria que saber se ele era brincalhão, se gostava de bichos, se vivia em Teixeira, se preferia manter

certa distância do orientando fora do campo da pesquisa. No mais, queria saber quem seria esse Paulo de Tássio. Fui ao seu facebook e mandei uma solicitação de amizade. Pensei que não aceitaria, mas, para minha surpresa, solicitação aceita.

Stalkeando sua vida, vi que era um homem simples, que abraçava as minorias com paixão, que amava as causas dxs indígenas, dxs negrxs e da comunidade LGBTQIA+ com fervor. Pensei: “Ele é massa”.

Certa vez, li que devemos perceber x outrx antes de fazermos qualquer comentário que pareça estranho. Pautado nisso, busquei ser polido em nossos diálogos até que o professor sinalizasse que não era engessado no cientificismo. Não demorou, e o vi brincar com alguns colegas. Pude notar que o Doutor era humano como eu, que deveria guardar seus traumas e júbilos pessoais.

Na terceira semana de aula, os projetos já tinham sido apresentados. Alguns colegas cogitaram mudar seus temas mediante a aprovação do orientador; e eu estava tão desanimado com o meu, mas não queria falar sobre. Na realidade, fiz o projeto por achar o tema interessante, mas não almejava estar no curso. Então, o que eu faria agora? Pensei: “vou terminar os componentes e vê o que dá”.

Em um dos intervalos, aproximei-me do meu orientador, meio nervoso, apertei sua mão e decidi puxar assunto sobre o projeto. Após minhas colocações, ele disse que talvez minha proposta me saísse cara por demais, que eu já estava cursando gênero e sexualidade. Então, por que não partir por esse caminho? Ao ouvir aquilo, pensei: “Ele está me dando a chance de continuar”.

Naquele dia, rascunhei o que poderia ser esse novo projeto. Muni-me de energias, pois teria a oportunidade de pesquisar sobre o que sempre fui. Seria magnífico adentrar nas teorias e nos porquês dos estigmas e preconceitos construídos em torno do gênero e da sexualidade dxs sujeitxs. Estava tão fascinado, que comprei livros, reli alguns materiais do curso de gênero, e pensei: “Darei o meu melhor com este tema”.

Antes de ingressar no curso, um amigo me disse que eu deveria dar o meu melhor, porque o orientador não gostava de orientandx lerdx e ignorante. Isso martelou minha cabeça e, até o momento, tento fazer o possível para não me parecer com essx orientandx lerdx.

Depois da sugestão de mudança do projeto, recebi um e-mail do meu orientador com a seguinte proposta de estudo: “Trajetórias de estudantes gays e lésbicas na Educação do Campo: narrativas e memórias”. Ao ver o tema, empolguei-me com o que poderia construir. Vi grandes possibilidades de relatos e vivências extraordinárias de ex-alunxs, amigxs e conhecidxs gays e lésbicas, que enriqueceriam o trabalho.

Assim, construir uma dissertação de mestrado que coadunasse com o mundo dx outrx, com meu mundo e com tudo que eu tinha e venho passando em uma sociedade normalizadora, fez-me sentir excitação e gana por escrever, ler, pesquisar e saber mais sobre mim e x outrx. Passei a ver o curso como uma oportunidade de entender pelo que o “Bururu”, “Inha” e Yuri passaram. Estava feliz, pois o verdadeiro doutor tinha feito meu diagnóstico.

1.14 TRAJETÓRIA ACADÊMICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA

No documento ILRISMAR OLIVEIRA DOS SANTOS (páginas 54-56)