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3.2 Os estudos foucaultianos na Consumer Culture Theory

3.2.2 Verdades mediadas pelo mercado

Uma outra categoria derivada dos estudos da Consumer Culture Theory sobre subjetividade chama-se Verdades mediadas pelo mercado, a qual discute conhecimentos dos consumidores sobre o que é o mundo que os rodeia e que os orientam em seu comportamento no mercado. Tratam-se de conceitos foucaultianos como o de verdade, discurso e saberes com outros tais como narrativas ou termos genéricos que apontam para entendimentos similares. Refere-se a como se significa o mundo a partir de

vivência no mercado, o impacto de conhecimentos sobre o consumo, legitimação de práticas de mercado a partir desses conhecimentos e configurações amplas de conhecimento relacionados ao mercado. Nesse sentido, foram identificados dois focos de investigação nos grupos de artigos de CCT, os quais foram definidos como: visões de mundo baseadas no mercado e visões de mundo no mercado originando posicionamentos. Um dos focos de discussão aponta para visões de mundo baseadas no mercado que indicam como produções de conhecimento oriundas do mercado guiam o comportamento de consumidores. Trata-se de significados compartilhados no mercado que criam condição para determinados modos de vida. Como parte dessa categoria podemos citar os estudos de Minowa (2012) sobre filosofias orientais presentes no consumo; de Mikkonen e Bajde (2012) sobre textos culturais de festivais anti-mercado; de Denegri-Knott e Tadajewski, (2017) sobre conhecimentos delimitando conflitos políticos no mercado; de Firat e Venkatesh, (1995) e Dolan (2002) sobre informações que legitimam práticas mercadológicas; de Duffy (2014) sobre conhecimentos oriundos de configurações macrossociais que legitimam práticas de mercado; e de Mikkonen et al (2011) com fluxos sociais de conhecimento anticonsumo.

Aqui, o uso da teoria de Foucault é feito por meio de conceitos como o de saber, verdade, resistência e subjetividade. O conceito de saber é utilizado associado ao de verdade, assim como jogos de verdade e regimes de verdade, de modo a tornar possível a discussão sobre conhecimentos que guiam os modos de vida permeados pelo mercado. Há observações a serem feitas, como a de que conceitos como o de jogo de verdade serem combinados com outros diversos, como aqueles referentes à tomada de decisão, o que não se mostra adequado já que a teoria foucaultiana não parte do princípio de um indivíduo que decide racionalmente sobre si, mas um sujeito que flutua de acordo com fluxos de saberes sócio históricos. Por outro lado, há que se mencionar o uso adequado desses

conceitos como legitimadores de práticas sociais, algumas vezes associados aos conceitos de resistência, com foco nos conflitos que emergem da disputa por legitimação de certos discursos.

O que chamamos de “concepção de mundo” são conceitos e noções que se referem, ou ao menos dialogam, com os conceitos foucaultianos de verdade. Utilizamos um termo mais genérico porque as discussões construídas nos artigos nem sempre colocam como central ou se restringem a esse conceito, utilizando termos como saberes ou narrativas. Foucault (2017) entende a verdade como aquilo pela qual conhecemos o mundo e com que o sujeito conhece a si mesmo e, assim, constitui sua subjetividade. Nesse sentido, eles se referem a como as verdades associadas às subjetividades dos consumidores são construídas.

Outro foco de discussão envolve visões de mundo no mercado originando posicionamentos, que indicam o estabelecimento de condições pessoais ou grupais baseadas em conhecimentos derivados do mercado. Trata-se do estabelecimento de quem as pessoas são com base nessas visões de mundo dispostas nos contextos mercadológicos. Como parte dessa categoria podemos citar os estudos de Duffy (2014), Mikkonen e Bajde, (2012) e Mikkonen et al (2011) apontam para o estabelecimento de identidades por meio de significados compartilhados no mercado.

Aqui, o uso da teoria de Foucault é feito por meio de conceitos como o de discurso, saber e regimes de verdade. Os autores se utilizam de conceitos como o de saber e regimes de verdade para discutir a formação de posicionamentos a partir de contextos sócio históricos presentes em contextos mercadológicos. Vale a crítica de que nem sempre está claro se esse posicionamento é uma identidade ou subjetividade. Analisando com mais atenção, é possível notar uma construção teórica baseada nos conceitos de Foucault, utilizando, inclusive, previamente termos como o de subjetividade, mas que nas

afirmações conclusivas são apontadas na formação de identidades. Como boa parte da análise é feita com base nos conceitos e articulações que fundamentam a subjetividade, é possível argumentar que é sobre subjetividade que se está falando, apesar do flerte com conceitos tidos como semelhantes por apontar noções que as pessoas têm de si mesmo.

É possível notar a preocupação dos autores em discutir como conhecimentos caracterizam as pessoas, posto na forma de saberes, discursos ou verdades. Pensando na teoria de Foucault (2017), isso pode ser entendido de maneira análoga a processos em que verdades são associadas a subjetividades e como esse processo se dá em relação ao sujeito que aceita tal discurso para si. Nesse sentido, podemos falar de um discurso tido como legítimo, verdadeiro, para uma subjetividade por ele ser orientada, podendo até chegar a ser aceita por contexto social maior, dando uma grande força a ele. A nossa leitura é a de que isso aponta para como certos discursos são tidos como verdadeiros por subjetividades em dinâmicas de mercado e como essas verdades podem ter amplo alcance em um determinado contexto social.