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AS VERTENTES DA DIVISÃO SOCIAL DA CIDADE E O ESTUDO DA SEGREGAÇÃO URBANA NO MUNDO

2 A FORMAÇÃO DO PROCESSO DE SEGREGAÇÃO NAS CIDADES

2.2 AS VERTENTES DA DIVISÃO SOCIAL DA CIDADE E O ESTUDO DA SEGREGAÇÃO URBANA NO MUNDO

A divisão do espaço nas cidades ocorre pautada em uma série de questões que envolvem diferentes formas de aglomerações espaciais. Desta forma, muitas aglomerações são resultados dos fatores sociais: classe, cor, renda, escolaridade, língua, idade, dentre outros. Marcuse (2004) analisa as diferentes vertentes da divisão social nas cidades, classificando-as em três categorias: cultural, papel funcional e status hierárquico.

Diante das ideias apresentadas, a divisão cultural da cidade é realizada a partir da língua, costumes ou estilo arquitetônico. Ainda, podem instituir divisões por crença, nacionalidade, estilo de vida ou etnicidade. A característica central reside no fato de não considerar questões econômicas e de poder, considerando apenas as características associadas à cultura do grupo. Contudo, isso não quer dizer que os indivíduos não possam manter relações sociais com outros grupos, sendo que inclusive é possível desempenhar um papel econômico diferente. Assim, determinados valores culturais não dependem exatamente da sua produtividade para definir ou não a participação no grupo (MARCUSE, 2004).

Por outro lado, a divisão por papel funcional é a consequência do poder econômico sobre a cidade e ocorre a partir da divisão da área urbana em residências, fazendas, indústrias, dentre outras. O objetivo desse mecanismo é dividir o local a partir

das atividades desempenhadas no espaço. Um exemplo dessa situação é a construção de moradias para funcionários de fábricas, algo corriqueiro em determinados momentos do século passado. O desenvolvimento dessa divisão, contudo, é independente da divisão cultural, não denotando situações de superioridade ou inferioridade quando comparada as outras divisões por padrões de aglomeração.

Quando analisada a divisão por padrão de aglomeração por status hierárquico, percebe-se que o efeito nas relações predomina na exploração das benfeitorias urbanas por um determinado grupo pertencente ao setor dominante da sociedade. Marcuse (2004, p.26) cita o exemplo do reflexo existente na dominação do espaço de algumas municipalidades na África do Sul, onde “[...] dominação, exploração, serviços públicos, são exemplificadas pelo [domínio do] enclave imperial numa cidade colonial, pelas municipalidades da África do Sul.” Ou seja, quanto maior o status hierárquico do individuo, maior será a possibilidade do mesmo explorar os elementos que compõem o espaço urbano.

Em contraponto, os resultados da abordagem histórica sobre a formação do espaço urbano mostram que as três divisões discutidas podem se sobrepor ou até trabalharem como forma de contradição mútua. Assim, Marcuse (2004, p. 27) afirma que

[...] o seu entrelaçamento é um dos aspectos fascinantes na história das cidades. Diferenças culturais podem ser usadas para reforçar diferenças de status ao ponto de as duas à primeira vista parecerem idênticas. Isto é notoriamente o caso das diferenças negro/branco, imperial/indígena, judeu/árabe. [...] Relações de status e função com frequência entram em conflito no impacto que geram sobre o espaço: empregadores gostam de ter seus empregados perto do trabalho, mas não perto de si. Afinidades culturais podem contradizer diferenças de status: no interior de cada grupo, unido por laços de cultura, pode haver grandes diferenças de classes assim como função econômica.

Além disso, a segregação pode ser estudada de diferentes formas. Nos Estados Unidos da América (EUA), o estudo da segregação ocorre através da observação da espacialização dos habitantes conforme a raça. O caso americano mostra, através de análise da literatura, que os estudos publicados em sua maioria focavam a análise do processo de segregação racial na cidade. Pautados geralmente na dualidade negro x branco, os estudos sobre o tema nos EUA não evoluíram a tal ponto de mostrar o processo de segregação visto através de outros ângulos. São poucas as análises que

privilegiam as questões socioeconômicas, sendo reduzidas as observações sobre níveis de renda ou escolaridade. Essa questão remete a concepção gradualista sobre a estratificação social (PRETECEILLE, 2004).

Por outro lado, na França, os estudos sobre a segregação estão pautados na divisão do espaço urbano a partir das classes sociais. Ao analisar os trabalhos publicados e a linha de estudo sobre segregação urbana seguida pelos autores, chega-se a conclusão que a maioria das pesquisas estão voltadas para a análise da segregação em classes sociais. Além disso, ainda existem outras pesquisas que abordam a situação de classes socioeconômicas isoladamente, balizadas a partir da classificação socioprofissional. Estas categorias são definidas pelo L'Institut National de la

Statistique et des Études Économiques (INSEE), sendo utilizadas tanto para os Censos

Demográficos como para outras pesquisas (PRETECEILLE, 2004).

Além disso, a segregação urbana na França ocorre em vias sociais, econômicas e culturais porque os moradores que residem distantes do local de trabalho têm dificuldades para se integrarem à sociedade francesa. Como ilustração, a violência que ocorreu no inverno de 2005 ratifica esta questão, haja vista Guerriec (2010, p. 4):

o principal alvo dos jovens dos subúrbios era aquilo que simbolizava o que eles não tinham: os supermercados, lugares de consumo; as escolas, lugares de aprendizagem e esperança de promoção social; os veículos privados e públicos, meios de mobilidade; e, evidentemente, a polícia e os bombeiros, que simbolizam o Estado. Nessa situação, a segregação residencial aparece claramente como resultado de uma relegação que não concerne somente ao lugar de residência, mas a todas as formas de pertencimento à sociedade.

No Brasil os estudos focam principalmente na segregação socioespacial. Os principais trabalhos que tratam da análise étnico-racial datam principalmente do século passado. Um exemplo é a pesquisa de Costa Pinto que, em 1953, analisava a segregação étnica no Rio de Janeiro envolvendo o negro. A pesquisa constata que a cada 100 habitantes do Rio de Janeiro, 27 eram negros ou pardos (PINTO, 1998). As abordagens sobre a segregação focam na maioria dos casos a dualidade centro x periferia, sendo que em alguns casos não levam em consideração a residência da população pertencente as categorias intermediárias.

Desta forma, nota-se que há uma amplitude no significado do termo segregação. Além disso, existem muitas maneiras de empregar seu uso, sendo que as pesquisas normalmente variam conforme o país que se realiza. No caso do Brasil, a abordagem sobre a segregação tem um viés similar aos estudos publicados na França, embora, em nosso caso, a análise inclua, além das questões sociais, a formação do espaço pelos atores sociais.