• Nenhum resultado encontrado

82 Asidero: ―apoio‖. 83 Pocillo: ―xícara‖.

uma abordagem que confunde sociedade com coletivo, ou seja, que utiliza a noção do social para definir o mundo comum a partir de um exercício analítico limitado a poucas entidades em interação, sem considerar novas possibilidades de associação. Para Latour, a tendência da sociologia crítica de explicar tudo coloca em questão sua legitimidade política. Goldman, cujo pensamento retoma idéias de Latour, considera que ―em lugar de abordar a política em si mesma e por si mesma, tratar-se-ia […], de tentar decodificá-la por meio de filtros oriundos de outros campos sociais‖ (GOLDMAN, 2003, p. 468-469).

Solo se puede tener alguna posibilidad de modificar determinado estado de cosas si las fuerzas están hechas de vínculos más pequeños, cuya resistencia puede ser probada uno por uno. Para decirlo sin rodeos: si existe sociedad, entonces no hay política posible (LATOUR, 2005, p. 349, grifo do autor).

É desta forma que Latour retoma a micro-sociologia de Tarde, numa tentativa de re-afinar tanto a ciência quanto a política, que para ele é a composição progressiva de um mundo comum. Dentro da proposta metodológica da Actor-Network-Theory (ANT) elaborada por Latour, vale sublinhar a noção das associações com vínculos entre agentes – atuantes – humanos e não humanos. Segundo o autor, a participação na democracia – isto é, na prática política – é semelhante ao preparo do pão, que envolve, ao mesmo tempo, o trigo, a água, o padeiro, a levedura e o próprio ato de amassar.

Sim, uma fermentacáo, o tipo de agitacão que sempre pareceu tão terrível aos olhos dos poderosos e que nem sempre, entretanto, foi suficientemente transcendente para fazer o povo se mobilizar e ser representado (LATOUR, 2001, p. 289).

Bennett, refletindo sobre a relação entre duas perguntas muito pertinentes aqui (―Is politics an exclusively human domain? Can nonhumans possess agency?‖ (BENNETT, 2005, p. 134)), considera que embora Rancière e Latour concordem na necessidade de libertar a política de um excesso de razão, eles têm divergências importantes. Rancière considera que há uma limitação para a possibilidade de

material scarcity, physical labour and social interaction. Both are concerned with the forms of symbolic violence that sustain the differentiation of social classes. But if Bourdieu's work on the French education system, for instance, clearly demonstrates how it is skewed to favour those whose privileged or leisured way of life disposes them to take an interest in 'impractical' practices like intellectual abstraction or aesthetic distance, Rancière argues that the sociologist's approach also preserves the gap between elite insight and popular ignorance. Bourdieu's critique operates on the assumption that the school system excludes poorer or 'less cultivated' people in ways these people are themselves not equipped to understand […] Rather than challenge this alleged lack of understanding, Bourdieu effectively reinforces it when, in his critique of cultural hierarchies he continues to distinguish between the fundamental detachment or impracticality of the privileged — those descendants of Plato's nobility who revel in the refinements of form, of 'art for art's sake' — from the earthy vulgarity of the masses who supposedly prefer function over form and matter over manner […] Bourdieu's critique preserves the familiar distribution of roles: challenging or experimental art is the privilege of the leisured few, while the 'people' prefer familiarity and convention […] His critique of philosophical privilege, Rancière concludes, in fact preserves its most ancient prejudice, its assumption that people who work have no time to think (HALLWARD, 2005, p. 32-33).

Rancière, um intelectual weberiano que se nutre do marxismo, faz com freqüência referência à revolução como algo que já aconteceu, ou que está pronto para acontecer, na medida que possamos re-conceber e assumir nossa própria subjetivação. Isto é, trata-se de uma revolução estética, e não de uma revolução do proletariado ou de qualquer classe social.

Outra perspectiva que pode entrar nesta controvérsia é aquela cunhada por Latour (2005), que questiona a chamada ―sociologia crítica‖ (numa critica implícita ao trabalho de Bourdieu), considerando-a

E: Sí, hay como un jalar84 a cosas que uno no hace, o porque no sabe cómo hacer, o porque son difíciles, o porque no hay esas herramientas básicas como la animación de objetos, como la animación de títeres sin palabra, que también es una corriente que ahorita ha cogido mucha fuerza, básicamente yo creo que también haciéndole el contrapeso a esa primera tradición en que el texto es muy importante. Entonces nosotros decimos que queremos crear imágenes, no hablar tanto, no decir con el vaso85 ―estoy triste‖, sino que

con el

movimiento la gente vea, sienta que está triste. Pero eso si no son en esas dinámicas de otros que se interesan por ellas, pues uno termina haciendo un proceso en 8 años, que si se comparte se hace en 6 meses.

L: Porque es mucho más fácil asumir el riesgo en un ejercicio en un match de improvisación o en un practicatorio, que hacer una obra y sentir que fracasó. O sea, uno siente como que ahí en ese laboratorio puede probar de todo, y decir sí funciona, no funciona [...] mucho mejor que arriesgarse a hacer una obra, que necesita una inversión, y que después ―ay, no, es un fracaso total‖ (Conversa com Edgar, do grupo A- garrapattta e Liliana, do grupo Materile).

Ainda falta refletir sobre um aspecto bastante importante da improvisação para o processo JUTI, refiro-me àquele relacionado ao jogo de status86, que tem a ver com as relações dinâmicas de tensões,

84 Jalar: ―puxar‖. 85 Vaso: ―copo‖.

86 Na técnica teatral de improvisação, a noção de status é central, implicando em um jogo

Figura 16. Match dedicado à animação à vista com objetos

contrastes, simetrias a assimetrias entre as personagens que fazem parte de uma situação cênica. Porém, sobre o status falarei no próximo capítulo. Por enquanto, passarei a algumas formulações que vão nos encaminhando para uma reflexão sobre ―o político‖.

2.2.2. De improviso, mais evidente a agencia como relação

Algumas semanas depois de termos desfilado pelas ruas do centro de Bogotá com a primeira comparsa feita pela JUTI, eu e vários daqueles que participaram nas oficinas de clown continuamos nos encontrando com regularidade no espaço coletivo, para treinar e jogar, para juntos criarmos alguma coisa (uma peça ou pequenos esquetes).

Em um desses encontros, depois de um aquecimento com alguns exercícios de clown e de improvisação (como já era costume), decidimos fazer um exercício mais longo e livre, com a intenção de que ele nos levasse à criação de algo que pudéssemos continuar trabalhando depois, como esquete, peça, cena de uma peça, etc. Começamos um jogo de improvisação sem restrições, apenas com uma situação inicial colocada a partir de dois personagens. À medida que as ações se desenvolviam, mais personagens eram precisos. No início, tratava-se de um seqüestrado (uma pessoa importante) e o seu seqüestrador. Essa relação inicial, na qual se propunha um jogo simples de status dinâmico (isto é, alternado), desdobrou-se com a aparição de mais seqüestradores- guerrilheiros. Eles apareceram em cena, chegando ao acampamento no meio da floresta, para posar para uma fotografia com o seqüestrado, agora reconhecido e admirado pela maioria deles. Posteriormente, o esperto seqüestrado (que acabou sendo um artista famoso) consegue fugir logo após enganar seus seqüestradores. Com o pretexto de tirar uma foto muito artística de todos eles, o seqüestrado-artista lhes explica (afinal das contas, de artes e foto ele entende) que deve se colocar a uma distância ideal, e acaba afastando-se o suficiente para ir embora correndo.

Porém, este foi só o começo: de repente, o celular de um dos seqüestradores, usado para se comunicar com o seu comandante que está fora da área no momento, começa a tocar. O dito comandante está vindo imediatamente para o acampamento, pois precisa falar urgentemente

dinâmico (isto é, flexível e mutável) das posições pelas que circulam os atores, em relação à situação encenada e a própria relação entre personagens. Ou seja, o status é sempre uma condição relacional, mas para a improvisação é fundamental que ele não assuma posições fixas.

de disputa de poder – segundo o autor, o mesmo acontece, em geral, com os outros campos187 -, por meio de uma competição pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos188. Trata-se de uma luta simbólica em dois planos simultâneos: uma luta pelo monopólio da elaboração e da difusão do princípio de di-visão legítima do mundo social, e, ao mesmo tempo, uma luta pelo monopólio da utilização dos instrumentos de poder objetivados. O autor afirma que, o segundo plano subordina-se ao primeiro, tendo o campo político uma marcada preocupação com a conquista do poder, mais do que com a produção de idéias acerca do mundo social.

Em virtude disso, Rancière estaria em desacordo com esta perspectiva do político, pois ele acha que a política é acima de tudo ―la configuración de un espacio específico, la circunscripción de una esfera particular de experiencia, de objetos planteados como comunes y que responden a una decisión común, de sujetos considerados capaces de designar a esos objetos y de argumentar sobre ellos‖ (RANCIÈRE, 2005, p. 18). As diferenças radicais entre estes dois pensadores é ilustrada por Hallward, a partir da crítica que Rancière fez ao estudo de Bourdieu sobre o sistema educativo francês189:

Bourdieu and Rancière share a suspicion of what the former calls the 'scholastic disposition', the way scholars in general and philosophers in particular assume (and then naturalize) a distance from the practical concerns of the world, of

187 O campo é um sistema de desvios de níveis diferentes onde nada tem sentido senão

relacionalmente, por meio do jogo de oposições e distinções. Portanto, uma tomada de posição é um ato que só ganha sentido relacionalmente, na diferença e pela diferença, do desvio distintivo (BOURDIEU, 2003 p. 172).

188 Para Bourdieu (2003), o campo político é aquele que limita o que é pensável ou impensável,

o que é dizível ou indizível, num jogo entre mandantes (profanos), mandatários (profissionais) e suas organizações (principalmente partidos). Na sua abordagem do campo político, o autor aplica termos que se ancoram na tradição de estudos da economia política (Marx e Weber), pois entende que a análise da luta política deve ter como fundamento as determinantes econômicas e sociais da divisão do trabalho político. Assim, ele fala de capital político (uma forma de capital simbólico), de instrumentos de produção política (geralmente em mãos dos profissionais), de produtos políticos (instrumentos de percepção e de expressão do mundo social), bem como de consumidores (os profanos) com acessos limitados. Neste sentido, apesar da existência de ―intelectuais livres‖ (pequenos produtores independentes) o mercado da política é um dos campos com menor liberdade pois é monopólio dos profissionais, diferenciados pela sua competência.

189 O estudo referido é Rancière, Jacques. Le Philosophe et ses pauvres. Paris: Fayard, 1983

tipo de tiempo y de espacio que establece, por la manera en que divide ese tiempo y puebla ese espacio (RANCIÈRE, 2005, p. 17).

Para este autor, toda arte é uma experiência que vive da iniludível tensão entre sua própria condição de ação extra-cotidiana (isto é, o que a constitui como arte) e sua condição como promessa de uma nova condição possível, na qual a vida cotidiana e a arte não estariam separadas. Paradoxalmente, esta segunda condição implicaria na negação ou desaparecimento da própria arte186. Deste modo, Rancière estabelece diferenças entre a estética da política e a dimensão política da estética, o que traz novamente à tona a poética do poder em Negara (GEERTZ, 1980), na qual a dimensão simbólica do Estado é representação e força constitutiva do seu poder.

la política no es la simple esfera de acción que vendría después de la revelación ―estética‖ del estado de las cosas. Tiene su estética propia: sus modos de creación disensuales de escenas y de personajes, de manifestaciones y de enunciaciones que se distinguen de las creaciones del arte y se oponen incluso en ocasiones a ellas. Por el otro, la estética tiene su política, o mejor dicho su tensión entre dos políticas opuestas: entre la lógica del arte que se convierte en vida al precio de suprimirse como arte y la lógica del arte que hace política con la condición expresa de no hacerla en absoluto. El arte crítico es entonces un arte que negocia la relación entre las dos lógicas estéticas: entre la tensión que empuja al arte hacia la ―vida‖ y la que separa la sensorialidad estética de las otras formas de experiencia sensible (RANCIÈRE, 2005, p. 39).

No entanto, para Bourdieu (2003) o campo político seria o lugar

186 ―[...] en la oposición académica del arte por el arte y el arte comprometido, no nos queda

más remedio que reconocer la tensión originaria y persistente de las dos grandes políticas de la estética: la política del devenir-vida del arte y la política de la forma rebelde. La primera identifica las formas de la experiencia estética con las formas de una vida diferente. Reconoce como telos del arte la construcción de nuevas formas de vida común, y por tanto su autosupresión como realidad aparte. La otra encierra, por el contrario, la promesa política de la experiencia estética en la desagregación misma del arte, en la resistencia de su forma a cualquier transformación en forma de vida‖ (RANCIÈRE, 2005, p. 37).

com o seqüestrado. Devo sublinhar, caro leitor, que da mesma forma que as situações vão aparecendo e ampliando-se aqui, neste relato, elas foram aparecendo de improviso para nós palhaços, durante o jogo. Ora, o conflito que aparece para nós seqüestradores, devido ao telefonema do comandante, é enorme! Perante o desafio de levar adiante a situação (não necessariamente de resolvê-la), de forma incrível e inexplicável (pelo menos, na minha memória, os detalhes do que aconteceu são difusos) entre alguns dos seqüestradores, rapidamente, construímos uma espécie de boneco tamanho natural sem cabeça, usando retalhos e objetos que encontramos por ali, quase todos restos dos materiais utilizados para a comparsa (espuma, tela, roupa, chapéus, varetas, e assim por diante). Antes do distraído comandante cumprimentar o falso seqüestrado (primeiro ele cumprimenta vários dos seus subalternos), eu me coloco atrás do boneco improvisado e coloco minha cabeça no lugar em que a sua cabeça deveria estar, se ela existisse, claro. Assim, a situação progride, ficando muito divertida, naquele jogo de enganar o comandante, até que o seqüestrado, surpreendentemente, volta ao acampamento e abraça o comandante, pois são velhos amigos de infância. A sessão dura mais de duas horas, mas a sensação que fica é de termos improvisado por no máximo meia hora.

e e e

Não posso ficar emaranhado na provocativa pergunta, que aparece muitas vezes quando reflete-se sobre o teatro de títeres, de ―quem manipula quem?‖, ou ―quem anima quem?‖, pois a possibilidade de resposta implica descartar alguém (o ator animador ou o objeto animado) como agente, ou melhor, como participante de uma agência. A entidade ―boneco‖ – ou ―objeto animado‖ – só é mesmo quando ―sintetizado‖ com a entidade humana (individual ou coletiva) que o sustenta ou o veste. Da mesma forma, não haveria bonequeiro sem boneco. Embora geralmente o que percebemos que acontece no teatro de animação seria uma experiência artística na qual pessoas animam objetos (construídos ou não), é possível olhar de um jeito diferente para esta questão, outorgando aos objetos certa iniciativa que inclusive pode chegar a ser imposição sobre o bonequeiro. Em outras palavras, o que acontece em toda peça de teatro de animação é basicamente um exercício dialético de agências, enquanto relações em movimento, diálogo e tensão. Assim, da mesma forma que o bonequeiro trabalha nas variações para diferentes personagens, o objeto também contém essa propriedade.

Quiero comenzar con la sorpresa que me llevé de ver los muñecos que he manipulado, con otra personalidad, incluso distintos físicamente. Los que estuvieron [no match] recordarán cómo me asombré al ver al lobo de la obra Loco-cuentos convertido en una zorra87; no me escandalizo, más bien me pone a reflexionar sobre la estabilidad con la que uno concibe a su títere, es como si nunca tuviera la posibilidad de fluctuar dentro de la espiral de una vida, solo permanece en un momento inmóvil, levitando por encima del bien y del mal. Si digo y repito […] que el títere es animado, es decir, tiene un movimiento intencional con el que demuestra que está vivo, esa vida se debe seguir reflejando en los cambios que va teniendo a través de su paso por el teatrino.88

Nos exercícios de improvisação, a partir dos quais se trabalha na criação de novas peças (ou se inova permanentemente sobre o já criado, mesmo em cena, no palco), é mais evidente perceber essa agência que circula entre animadores e objetos. Pode ser difícil estabelecer quando é que o primeiro, ou seja, o bonequeiro, propõe ações e movimentos com o objeto, e quando é o objeto que faz propostas (isto é, a partir de sua própria materialidade mesma, sua forma, textura, peso, flexibilidade, tamanho, etc.) e leva os dedos, os músculos e o corpo inteiro a mexer-se de formas particulares e, assim, responder às necessidades cinéticas desse híbrido89 que constitui o títere.

os termos ator-animador; ator-manipulador ou ator-bonequeiro não dão conta do fenômeno do