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Viés estratégico da firma: a Visão Baseada em Recursos (RBV)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Viés estratégico da firma: a Visão Baseada em Recursos (RBV)

A Visão da Firma Baseada em Recursos (Resource-BasedFirm of The View – RBV) é um arcabouço teórico robusto, útil para explicar algumas pontuações colocadas neste estudo sobre a construção do perfil estratégico organizacional: voluntarismo, diferenciação e vantagens competitivas culminando com o desempenho característico das empresas.

Primeiro, o voluntarismo, ou seja, a capacidade dos gestores de, ante as pressões externas (ver Figura 1), definirem como e quais serão as opções da firma rumo à adequação – definição e busca pelos recursos que são tomados como “trampolim” para a diferenciação. Segundo, todos os recursos, somados às competências inerentes à organização (idiossincrasia do perfil organizacional) poderão trazer à empresa, após a adaptação, vantagens competitivas no mercado, grupo ou setor, onde elas atuam. Terceiro, com a autonomia estratégica e a capacidade adaptativa da empresa, seguidas elas pelas competências específicas individuais da firma e perseguição da diferenciação rumo às vantagens competitivas, estas últimas podem vir a resultar nas distinções de desempenho observadas entre empresas – eis o conceito de desempenho superior e persistente.

No tocante à avaliação dos múltiplos aspectos das firmas que podem corroborar, ou não, as discrepâncias de performance, um quadro abrangente do alcance das pressuposições da RBV é apresentado no estudo de Carvalho, Kayo e Martin (2010, p. 872), que denotam: “preconiza a RBV que os recursos e competências são distribuídos de forma heterogênea entre as firmas, sendo a principal causa da variação observada entre seus desempenhos”. Mais além, acrescem os autores que “quando esses recursos são raros, valiosos e difíceis de serem imitados e a firma dispõe de estrutura organizacional adequada para explorá-los, eles têm o potencial de promover desempenho acima da média e persistente” (grifo nosso).

A definição apresentada reconhece que a firma precisa de uma estrutura mínima que a torne apta à edificação da diferenciação estratégica a partir dos recursos explorados. O fato é que a capacidade de usufruto dos recursos que poderão provocar, em última instância, essas vantagens competitivas e redundar no desempenho caracterizado pela superioridade e também pela persistência, em horizontes de longo prazo, é única para cada organização. Explicando melhor, todas as empresas possuem um portfólio de recursos, sejam eles físicos, intangíveis (marcas e imagem), organizacionais (cultura e arranjos administrativos), e recursos humanos. E a partir desse portfólio as firmas podem criar vantagens competitivas (FLEURY; FLEURY, 2003). A conclusão é coerente, por que não, até certo ponto, óbvia: mesmo que as empresas dispusessem igualmente dos recursos (e não dispõem), haveria sim diferenças de desempenho, pois a utilidade e a exploração dos recursos pelas organizações diferem entre elas.

Nesse caso, existem duas perspectivas, minimamente passíveis de análise quanto às perspectivas de abordagem da RBV. O desempenho superior, segundo Carvalho, Kayo e Martin (2010, p. 875), “pode ser obtido por meio da utilização de recursos ou capacidades

recursos, sim, podem ou não estar disponíveis no mercado, porém as capacidades nunca o são, visto é impossível transferi-las ou emprestá-las, por exemplo. Essa é a primeira perspectiva, que ignora parcialmente a segunda possibilidade, como demonstram Fleury e Fleury (2003, p. 132): “outra premissa básica da VBR é de que as firmas diferem de forma fundamental em seus modos de operar porque cada uma delas possuirá um agrupamento singular de recursos – seus ativos, competências e capacitações específicas”.

É justamente nesse ponto que se deve destacar a individualidade do gestor e sua contribuição na construção do perfil estratégico da firma, porque, ressaltando-se uma vez mais, a autonomia da gestão afeta a diferenciação, mesmo que a disposição dos recursos seja uniforme no mercado.

A Visão Baseada em Recursos (RBV), como abordagem alternativa à avaliação das empresas, busca a ampliação e o refinamento do quadro de referência dos tomadores de decisões, de acordo com Fleury e Fleury (2003). Aqui está a pertinência da reflexão em torno no voluntarismo e sua parcela de contribuição na diferenciação e na construção de vantagens competitivas entre empresas de grupos ou setores específicos diferentes.

O conceito de estratégia encontra-se intimamente arraigado às bases teóricas que constroem a RBV. Assim, em termos práticos, subjugá-la a uma análise significa explorar o espaço limítrofe entre perfil estratégico e performance corporativa. Como se observa em Armstrong (2008), a estratégia detém dois conceitos fundamentais: (i) ela é para o futuro – define para onde a empresa deseja chegar e como ela chegará ao patamar estratégico estabelecido como uma de suas metas; e (ii) a estratégia interliga-se ao entendimento da adequação estratégica – partindo-se dos objetos organização e ambiente externo, admite-se que “para maximizar a vantagem competitiva de uma empresa, suas capacidades e recursos devem coincidir com as oportunidades disponíveis no ambiente externo” (ARMSTRONG, 2008, p. 22, Tradução livre). Em linhas gerais, subentende-se que a análise prevista por esta pesquisa segue as condições conceituais postuladas por Armstrong (2008), pois se visa aqui a constatação sobre o comprometimento estratégico das empresas, bem como se verificam também os reflexos desse engajamento no desempenho corporativo – perspectiva futura e adequação.

A conceituação de estratégia é anterior ao voluntarismo, por razões detalhadas adiante, e por essa razão ele fora discutido antecipadamente. Em síntese, se a definição estratégica pressupõe a visão de longo prazo e a adaptabilidade da organização às mudanças do cenário

externo, é por meio da intencionalidade da gestão que o perfil da firma será formulado, logo as suas metas pré-definidas serão estabelecidas e cumpridas.

De acordo com Rosseto e Rosseto (2005), ocorre o seguinte processo quando da ação voluntarista em detrimento da determinística: (i) o ambiente externo é percebido, depois interpretado e, só então, avaliado pelos tomadores de decisão; (ii) essa percepção converte-se em realidade e as alterações ambientais externas somente serão relevantes na medida em que são percebidas pelos tomadores de decisão; (iii) hipoteticamente, cada gestor interpreta de modo distinto os fenômenos; assim chega-se à conclusão de que (iv) o ambiente externo é atualizado pelos tomadores de decisão a partir de suas percepções, interpretações e avaliações. Dedutivamente, “distintas organizações atuam de forma diferente frente às mesmas condições ambientais, se as percepções de tais condições são distintas” (ROSSETO; ROSSETO, 2005).

As considerações de Rosseto e Rosseto apenas complementam o viés de Carvalho, Kayo e Martin (2010) e reforçam as colocações de Fleury e Fleury (2003), sustentando-se assim o posicionamento tomado por este estudo. Uma vez mais, as organizações terão, muito provavelmente, recursos diferentes, mas é praticamente certo que as percepções de seus gestores sejam discrepantes, graças às suas percepções, interpretações e avaliações do cenário exterior à firma. Dessa forma, há uma predisposição entre as empresas à diferenciação e, porquanto, ocorrência de desempenhos diferenciados entre grupos ou setores distintos.

Para uma melhor sedimentação das peculiaridades que envolvem a perspectiva voluntarista e a percepção determinística, faz-se um paralelo efêmero entre a visão baseada em recursos (VBR) e a ótica que é inerente à visão institucional. Enquanto que esta última concebe o arranjo organizacional como processo, não decorrente do racionalismo, mas oriundo de pressões externas que levam a empresa à semelhança organizacional; aquela reconhece os efeitos ambientais externos sobre os resultados das estratégias adotadas, mas admite o papel dos gestores como responsáveis pela captação de recursos e perseguição de desempenho satisfatório. Em suma, o voluntarismo, presente na RBV, considera o manuseio e a escolha dos recursos e competências específicas como causadores da diferenciação.

Par Barney (1991), a VBR considera a heterogeneidade dos recursos estratégicos e sua transferência imperfeita entre as firmas como premissas à consecução de fontes para alcance de vantagens competitivas sustentadas no longo prazo. Segundo Porter (1989), a vantagem competitiva interliga-se ao desempenho, mas não qualquer desempenho; pressupõe-se um

desempenho superior à média e de longo prazo. Ele ainda detalha a escolha e a implementação estratégica da firma, pois o seu alcance sugere a busca pelas vantagens decorrentes da diferenciação. Como destaca Penrose (1959), aquilo que é percebido pelo tomador de decisão e a capacidade de extrair benefícios daquilo que está dentro do seu raio de compreensão, condicionam-se aos recursos disponíveis para a firma com os quais ela habituou-se a atuar. Nessa perspectiva, Penrose (1959) traz à tona o significado dos tipos de recursos de organizações específicas e as relações entre os recursos da firma e capacidades, mas ainda acrescenta à essa ótica o relacionamento entre oportunidades estratégicas percebidas, os recursos e a percepção do tomador de decisão.

Rumelt (2003) deixa evidente que, quando se discute a estratégia organizacional e a vantagem competitiva, limites conceituais precisam ser destacados, pois, caso contrário, a terminologia fica esvaziada de sentido. Ao associarem-se os conceitos de vantagem competitiva constantes à RBV, apropriando-se das colocações de Penrose (1959), Porter (1989), Barney (1991), Peteraf (1993), Rosseto e Rosseto (2005) e Carvalho, Kayo e Martin (2010), destaca-se que a vantagem competitiva sustentável tem como lógica a utilização de uma ou mais estratégicas definidas por meio de uma percepção, interpretação e posterior avaliação das demandas ambientais externas à firma, capazes de levar a empresa ao atingimento de retornos considerados anormais, contínuos em horizontes de longo prazo, em relação a determinado agrupamento de referência.

Corroborando o exposto, Cardoso (2013, p. 74) interpôs à sua análise a referida colocação: “em busca do bom desempenho a gestão estratégica empresarial deve estar pautada na busca de criação de vantagem competitiva, cuja consequência seja a conquista de desempenho superior ao das empresas concorrentes, no longo prazo” (grifo nosso). Não há como renegar a influência do perfil organizacional estratégico na consecução de desempenhos diferenciados, visto que, indiscutivelmente, ela afeta os arranjos das firmas, aquela denominada por Porter (1989) de estratégia genérica. Para consolidar a essência dos argumentos em prol da gestão ou VBR, enumeram-se aqui as ponderações de Wernerfelt (1984).

Quando uma organização detém determinado recurso – isso inclui a exploração potencial do recurso, própria de cada firma –, faz-se possível a manutenção de uma posição favorável ante os concorrentes, visto que a simples posse do recurso ou competência altera os custos e ganhos daqueles em posição econômica no mercado adversa. Essa é a barreira relativa de posição, ou seja, formas de evitar que os concorrentes tenham um perfil estratégico

semelhante ao da organização que detém o recurso ou a competência (WERNERFELT, 1984).

Existem ainda as barreiras de entrada no mercado, mas essas dizem respeito a condições genéricas não administráveis na condição de recursos. A barreira de posição consiste na defesa do recurso, indicando assim potenciais retornos elevados devido à vantagem ante os concorrentes (WERNERFELT, 1984).

Considera-se, a partir da RBV, que há possibilidade de identificar “classes” de recursos de onde são constituídas as barreiras de posição. A empresa busca, em constância, encontrar-se adiante de seus concorrentes a fim de utilizar as barreiras de posição e consolidar liderança no mercado. São, justamente, as propriedades dos recursos, bem como o modo de sua aquisição, que permitem esse fenômeno, por assim dizer. Em suma, o que a firma pretende é criar uma situação onde a sua posição, decorrente da utilização do recurso, seja difícil de alcance para a concorrência (WERNERFELT, 1984). Em congruência ao exposto, Peteraf (1993) torna taxativo que o modelo da firma baseado em recursos, como propõe a teoria da RBV, é fundamentalmente preocupado com a acumulação interna dos recursos e com a especificidade deles; em menor grau reflete-se sobre os custos associados às transações para aquisição desses recursos. Sobrepõe à análise a caracterização do recurso, competência ou estratégia e sua associação com o alcance do desempenho destacado.

Considerando que a RBV preconiza “que os recursos sejam distribuídos de forma heterogênea entre as firmas; aqueles que são específicos, raros e de difícil imitação têm o potencial para promover o desempenho superior e sustentável” (CARVALHO; KAYO; MARTIN, 2010, p. 886), mas que o voluntarismo e a subjetividade do tomador de decisão imperam na formulação do perfil estratégico das empresas, e sendo as competências, condições individuais das firmas no mercado, então esta pesquisa toma a atividade de inovação e a sustentabilidade ambiental e social como hipotéticos e potenciais recursos capazes de afetar o desempenho das empresas. Se inovação e sustentabilidade socioambiental podem ser consideradas como importantes vantagens competitivas, então elas teriam algum efeito sobre o desempenho de longo prazo – mas a isso se demanda uma constatação empírica, proposta por este estudo.

Hart (1995) sugere inclusive uma releitura da RBV considerando a sustentabilidade da firma como um meio à construção de vantagens competitivas sustentáveis. A interpretação é semelhante às considerações abordadas neste estudo de que a sustentabilidade da organização e de suas atividades promovem, igualmente, vantagens e sobrevivência, pois se tornara um

requisito à continuidade operacional da empresa. Para Hart (1995), no futuro, mercados e organizações “perceberiam” sua dependência ante os sistemas naturais; dessa maneira, a estratégia e a vantagem competitiva seriam direcionadas pelas facilidades de compatibilização da atividade econômica com o ambiente natural externo (isso inclui as esferas ambiental e social, de fato) – postulava-se então a Natural-Resorce-Based View of the Firm, ou visão da firma baseada em recursos naturais.

No contexto específico a esta pesquisa, pode-se equacionar a seguinte estrutura de análise da inovação e da sustentabilidade como variáveis estratégicas que podem favorecer a consecução de vantagens competitivas, de acordo com a Figura 2, segundo a RBV de Barney (1991) e a RBV de Hart (1995), concomitantemente.

Figura 2 – Inovação, sustentabilidade e a RBV

Fonte: Elaboração própria a partir da literatura.

Vasconcelos e Cyrino (2000) colocam que a estrutura da indústria (neste caso setor ou grupo específico) determina como os agentes econômicos se comportam e, por isso, ocorre implicação na performance das firmas. Faz sentido essa afirmação quando se pensa da interpretação das mudanças que ocorreram externamente à organização, sua posterior interpretação, seguida pela ação estratégica. Ainda conforme os autores, tendo em vista essas ponderações, este estudo pode ser classificado, a partir da RBV, em dois sentidos. Primeiro, nesta pesquisa a teoria considera a vantagem competitiva atributo decorrente do posicionamento estratégico, em função de externalidades como concorrência, mercado e estrutura externa. Segundo, considera desempenho como resultante das características internas da organização, primordialmente, depois de catalisadas as interpretações do cenário externo.

Apresentam-se nas duas próximas subseções como que a inovação e a sustentabilidade podem ser elevadas à condição de perfis estratégicos essenciais à sobrevivência das empresas em qualquer mercado. Porém as origens dessas perfis, apesar de serem externos à organização (competição e responsabilidade), possuem razões que a condicionam ao status de impactantes ao desempenho por motivos diferentes. Enquanto que a primeira se refere à diferenciação,

propriamente dita, de produtos, serviços, processos, e outros no mercado; a segunda pressupõe a absorção de determinadas ações consideradas pelos stakeholders, necessárias ao negócio da empresa. Discute-se ainda nessas subseções a importância da divulgação de informações acerca do perfil estratégico inovador e sustentável para avaliação dessas opções estratégicas como meio de alcance do desempenho diferenciado. Expõem-se também como a demanda pela inovação e sustentabilidade podem ser distintas considerando-se o desenvolvimento econômico do país onde a empresa atua. Estes são os principais tópicos abarcados nas discussões seguintes.