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Viagem ao Brasil – Tomo I – Cap X – “Viagem de Caravelas ao Rio Grande de

Capítulo 1: A viagem, os antecedentes e a região visitada

2.11 Viagem ao Brasil – Tomo I – Cap X – “Viagem de Caravelas ao Rio Grande de

O início deste capítulo narra mais um encontro de Maximiliano com o capitão Bento Lourenço, que desta vez está de partida para o Rio de Janeiro, onde receberia o pagamento pelos seus serviços, a patente de coronel e o cargo de inspetor da estrada do Mucuri167. O príncipe e sua comitiva iniciam a viagem rumo ao litoral sul da Bahia, após a estadia de quatro semanas em Caravelas para receber mantimentos do Rio de Janeiro; Freyreiss e seu grupo, por sua vez, permanecem na região de Mucuri.

Quando Maximiliano está próximo ao rio Jucurucú, ele se deparou com um grupo de índios Pataxós; a descrição muito se assemelha às descrições de novos animais com os quais o príncipe se depara:

“Eram da tribo dos Pataxós, dos quais não vira nenhum até então, e tinham vindo, havia poucos dias, das florestas para as plantações. Entraram na vila completamente nus, sopesando as armas, e foram imediatamente envolvidos por um magote de gente. Traziam para vender grandes bolas de cera, tento nós conseguido uma porção de arcos e flechas em troca de facas e lenços vermelhos.

Esses selvagens não têm nenhuma aparência extraordinária, não são nem pintados nem desfigurados: alguns são baixos, a maioria é de estatura meã, um tanto delgados, de caras longas e ossudas, e feições grosseiras. [...] Comida era o principal desejo deles...”168

O príncipe faz na seqüência uma comparação entre os índios Pataxós, Puris e Maxacaris, afirmando que a despeito de algumas sutis diferenças físicas, todos são muito semelhantes “no aspecto externo”, assim como em seu comportamento. Maximiliano afirma, ainda, que os grupos se aliam contra os Botocudos e que “sempre se alimentaram suspeitas mal fundadas de que os ‘Pataxós’ comem carne humana”169.

Após a breve comparação dos grupos, novamente Maximiliano descreve os aspectos geográficos da região, sempre em relação ao interesse que esta tem para a exploração do viajante naturalista.

Ainda neste capítulo, Maximiliano compara os índios brasileiros com os demais índios sul-americanos em termos de memória; ao seu ver, o “rude tapuia” não deixou traços de civilização assim como os demais, reforçando a hipótese de que para ele, os índios brasileiros – a quem não trata por ‘nação Botocuda’, ‘nação Pataxó’ ou coisa que

167 WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 203. 168 Ibidem, p. 207.

169 Ibidem, p. 207-209.

o valha – não faziam parte da história. Como se não bastasse, compara-os tanto aos animais (“se um Botocudo ou uma fera viveram”), e parte imediatamente à descrição da flora:

“Os primitivos habitantes não deixarem, como as nações Tulteca e Asteca, monumentos que prendessem a atenção dos pósteros após milhares de anos: pois a memória do rude ‘Tapuia’ desaparece da terra com o seu corpo desnudo, que seus irmãos confiam à cova, e é indiferente, para as futuras gerações, se um Botocudo ou uma fera viveram, outrora, nesse ou naquele lugar. Achei em Jauassema uma espécie particular de palmeira, a ‘piassaba’, que será mencionada para diante com mais freqüência, caracterizando-se pelas folhas penadas, largas e eretas; ainda a não víramos antes.”170

Após mais de duas páginas de descrições sobre a geografia local, Maximiliano chega à Trancoso, na Bahia, que julga ser “deveras aprazível”, e mais uma vez confirma a sua impressão negativa a respeito dos indígenas, sobretudo dos Pataxós, em tom bastante repetido entre os viajantes, por conta da suposta devassidão moral dos índios:

“Por trás de Trancoso, as florestas mais distantes são habitadas pelos ‘Pataxós’. O ‘senhor Padre’ Inácio, o digno e velho sacerdote local, disse-me que esses aborígenes aparecem muitas vezes na vila; vão sempre completamente nus, e, se ele amarra um lenço em torno da cintura das mulheres, nunca deixam de arrancá-lo

171

imediatamente.”

s certamente não era esporádico . Maximiliano segue, então,

mo a 173

Em nenhum momento Maximiliano parece questionar o relato do padre, mesmo considerando-se que o sul da Bahia já estava passando pelo processo colonizatório pelo menos nos últimos 200 anos, e desta forma, muito provavelmente o contato entre os

índios e demais habitante 172

ru Porto Seguro .

170 WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 214. 171 Ibidem, p. 217.

172 Cf. GRÜNEWALD, Rodrigo. Os Índios do Descobrimento: tradição e turismo. Rio de Janeiro: Contra

Capa, 2001.

173 “A primitiva história de Porto Seguro registra vários e notáveis acontecimentos. Durante a guerra

holandesa no Brasil, o lugar não tinha mais de 50 habitantes, havendo nas cercanias três aldeias de índios. A esse tempo, somente 40 portugueses viviam nas margens do rio Caravelas. Na última metade do século XVII, alguns remanescentes dos ‘Tupinambás’ e ‘Tamoios’ uniram-se contra os portugueses, aos seus inimigos, os ‘Aimorés’ ou Botocudos. Os ‘Tupiniquins’ eram aliados dos portugueses; mas os inimigos destes somavam muito mais, e destruíram Porto Seguro, Santo Amaro e Santa Cruz. [...] Das aldeias indígenas mencionadas acima, nenhuma existe mais a não ser Vila Verde, situada a um pequeno dia de jornada rio acima. É inteiramente habitada por índios; apenas o padre (‘padre vigário’) e o ‘escrivão’ são portugueses. A maioria deles, entretanto, vive pelas plantações, vindo somente às casas da aldeia aos domingos e dia santos.”. WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 220.

Maximiliano inicia, então, seu percurso pelo Rio Grande de Belmonte, onde ficaria no quartel junto aos Botocudos, tema dos próximos capítulos e do segundo tomo do diário. Aos leitores, o príncipe já adianta que “as florestas das margens do Belmonte

destes capítulos, é possível perceber mudanças significativas na visão de mundo de Maximiliano, de modo que estes serão analisados no capítulo três desta tese, a seguir.

constituem o principal retiro da tribo dos ‘Botocudos’, tantas vezes referida, e em virtude da qual o rio não podia, antigamente, ser navegado sem perigo”174.

O último capítulo do primeiro tomo175 e todo o segundo tomo do diário dizem respeito ao período no qual Maximiliano esteve entre os Botocudos, bem como suas impressões e conclusões a respeito do grupo. Ao longo

174 WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 226. 175 “Estadia no Rio Grande de Belmonte e entre os Botocudos”.

Capítulo 3: Novos rumos da viagem – Maximiliano e sua percepção dos Botocudos: a presença de Guack

Conforme dito na Introdução, em Viagem ao Brasil, a sistematização da natureza perpassa os seguintes estágios. Primeiramente, Maximiliano oferece a descrição física do local visitado, incluindo dados geográficos sobre a latitude e longitude, formações rochosas, terreno e afins. Inicia, então, sua descrição da flora e fauna local, especificamente em relação às suas caçadas, que resultam em novos espécimes para sua coleção e aqueles que desconhecia ou que só conhecia com base em suas leituras prévias. A seguir, Maximiliano descreve a população que ocupa o local visitado. Se for ocupada por brasileiros – na visão de Maximiliano, os não-índios – parte-se para a descrição da arquitetura e construções do local. Já se for ocupada por índios, a passagem entre a descrição da flora e da fauna e para a da população é bastante tênue, pois começa com a descrição da cultura material e das pessoas, elementos comuns e intercambiáveis daquilo que o príncipe enxerga.

O primeiro tomo de Viagem ao Brasil foi tema do capítulo anterior desta dissertação, exceto seu último capítulo176, por se tratar do primeiro momento em que Maximiliano permanece entre os índios da tribo, e também por sua importância em relação a mudança na percepção de Maximiliano do mundo no qual ele se encontra. Destarte, este capítulo terá como foco este último capítulo do primeiro tomo e o primeiro capítulo do segundo, sobretudo no que tange a relação de Maximiliano com os Botocudos, que se dá principalmente através de Guack.

176 Capítulo XI – “Estadia no Rio Grande de Belmonte e entre os Botocudos”.