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Viagem ao Brasil – Tomo I – Cap V – “Viagem da Vila de São Salvador ao Rio Espírito

Capítulo 1: A viagem, os antecedentes e a região visitada

2.7 Viagem ao Brasil – Tomo I – Cap V – “Viagem da Vila de São Salvador ao Rio Espírito

Salvador ao Rio Espírito Santo”

Figura 10. Vista geral da expedição com muares carregados e homens armados a cavalo e a pé. 1815. Class. embaixo [pena]: “A tropa dos viajantes atravessa o território de índios hostis do Rio Itabapuana até o Itapemirim em 2 e 3 de novembro de 1815.”. Aquarela e pena. 19,3 cm x 46,0 cm. LÖSCHNER, Renate e KIRSCHSTEIN-GAMBER, Birgit (reds.). Viagem ao Brasil do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied. Biblioteca Brasiliana da Robert Bosch GmbH. Petrópolis: Kapa Editorial, 2001.

Conforme é de praxe na estrutura adotada por Maximiliano em sua escrita, este capítulo tem início com a descrição da fauna e da flora dos locais pelos quais ele passa em sua jornada até a província do Espírito Santo. Afirma, ademais, que novamente coletou diversos espécimes para sua coleção de história natural, e que o tempo já estava bastante quente na região.

Ao deparar-se com um jacaré, cuja caça é executada por moradores da região, Maximiliano afirma que a espécie é muito menor do que os animais encontrados no Novo Mundo, corroborando, assim, a tese de Buffon144.

Por conta de suas cartas de recomendação, Maximiliano e sua expedição conseguem hospedar-se na Casa da Câmara da vila da São João da Barra, onde permanecem dois dias para “preparar” o jacaré caçado no rio Paraíba.

Ao partir de São João da Barra e passar pelo rio Itapemirim, Maximiliano discorre sobre os índios Puris nômades que lá viviam, que afirma provavelmente fazerem parte do mesmo grupo que ele visitara com sua expedição, mas que eram extremamente hostis. Contaram-lhe que pouco tempo antes, um escravo negro havia sido canibalizado por membros deste grupo; a fonte de tal relato, entretanto, fora o feitor de uma fazenda próxima que constantemente tivera problemas com os Puris, e que

144 “O ‘jacaré’ da costa oriental do Brasil é muito inferior ao gigantesco crocodilo do velho mundo, e

mesmo aos existentes nos países da América do Sul mais próximos ao equador.”. WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit.,p. 119. A este respeito, ver GERBI, Antonello. La disputa del Nuevo Mundo. Historia de una polémica 1750-1900. México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1993.

acreditava que o governo deveria fazer mais para acabar com problemas com os indígenas145. Todo o relato contado para Maximiliano parece bastante fantasioso, sobretudo levando-se em conta os constantes conflitos entre os indígenas e os colonos da região.

A seguir, Maximiliano atribui as hostilidades ao mau tratamento dado pelos colonos, ao chegaram, aos índios, justificando tal tratamento pela “avidez de lucros e a sede de ouro” que acabaram com os sentimentos dos europeus; mesmo assim, reafirma que o próprio padre João de São Fidelis confirmara a prática de canibalismo entre os Puris, mas que os próprios negam tal prática, mas que tinham costume de dançar em torno dos membros dos inimigos abatidos, entre outros rituais146. Todavia, Maximiliano afirma que possivelmente houve canibalismo em algumas circunstâncias, mas que os testemunhos que recolhera o levam a crer que não se tratava de prática corrente.

Além disso, a suposta hostilidade dos índios Puris é utilizada por Maximiliano como justificativa para o estabelecimento de um Quartel Militar (ou “Destacamento das Barreiras”) que foi instalado na região. É neste quartel próximo ao rio Itapemirim que a expedição permaneceu instalada por alguns dias. Segundo Maximiliano, alguns meses antes de sua chegada houve um ataque dos Puris ao quartel, e que desde então, não se teve notícias de outros conflitos.

Maximiliano narra outros conflitos entre os moradores, membros do quartel militar e dos Puris. Afirma, ademais, que como a região é habitada por “hordas bravias de ‘Tapuias’”, os conflitos ocorrem com freqüência, mas que os Botocudos são vistos como o principal problema da região. Destarte, levando-se em consideração que o diário foi escrito após seu retorno à Europa, com base nas anotações feitas ao longo de todo percurso feito pelo Brasil, Maximiliano já vai preparando o leitor para os capítulos especificamente sobre os Botocudos, que seguem no diário. Parece claro que a disputa pelos territórios é generalizada entre todos os habitantes do local. Vale ressaltar que à

145 “Um rapazote negro, que tomava conta do gado, foi isolado dos companheiros armados, feito

prisioneiro, morto, e, segundo afirmam, assado e devorado. Acham que eles separaram os braços, as pernas e a carne do corpo, levando-os consigo; porque, pouco depois, encontraram no local a cabeça e o tronco descarnado do negrinho; porém os selvagens tinham-se internado precipitadamente nas florestas. Reconheceram, também, as mãos e os pés, assados e roídos, e dizem que até se viam as marcas dos dentes. O ‘feitor’, que está sujeito a esses ataques dos selvagens, declarou-lhes profundo ódio, acentuando, repetidamente, que mataria de bom grado o nosso jovem ‘Puri’. ‘É inconcebível’, acrescentou, ‘que o governo ainda não tenha adotado medidas efetivas para exterminar esses brutos.’”. WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 124.

146 Ibidem, p. 124.

época, e mesmo nos dias de hoje, a região do alto Itapemirim foi altamente procurada por seus minérios:

“Os ‘Botocudos’, porém, que são os verdadeiros tiranos desses ermos, ainda fazem grandes incursões rio abaixo. Conta-se que, pouco depois de terem ouvido os moradores de uma ‘fazenda’ situada à margem do rio Muriaé, um barulho e um clamor intensos vindos da floresta próxima, alguns ‘Puris’ feridos apareceram e pediram proteção aos portugueses, dizendo que os ‘Botocudos’ haviam atacado e matado muitos do seu povo. Por todos esses fatos, é evidente que essas florestas estão cheias de selvagens independentes e hostis. Acusam os ‘Tapuias’ de terem assassinado quarenta e três colonos portugueses do Itapemirim no espaço de quinze anos. Apesar de tudo, abriu-se uma estrada através dessas perigosas solidões, indo de Minas de Castelo à fronteira de Minas Gerais, num percurso de perto de vinte e duas léguas.”147

Em seu caminho rumo ao rio Espírito Santo, o príncipe passa por mais uma aldeia jesuíta, de Vila Nova de Benevente, às margens do rio Iritiba. Segundo Maximiliano, inicialmente havia seis mil índios no aldeamento, mas muitos dos índios o abandonaram por conta do trabalho excessivo. Há uma passagem curiosa, na qual o padre responsável pelo aldeamento afirma que desde que cerimônias religiosas foram celebradas na região, cessaram os ataques por parte dos índios selvagens148.

A expedição de Maximiliano segue de Iritiba até o rio Goaraparim, chegando às praias da região, e seguem seu percurso pelo litoral rumo à Vila do Espírito Santo, onde chegam ao final do capítulo do livro. Em Guaraparim, Maximiliano depara-se com uma espécie de reduto quilombola da região:

“O lugar é geralmente pobre; na vizinhança, porém, existem duas grandes ‘fazendas’. Uma delas, com quatrocentos escravos negros, é denominada Fazenda de Campos, e outra, com duzentos negros, Engenho Velho. Quando o último proprietário daquela morreu, sobreveio uma desordem geral: os escravos se revoltaram e cessaram o trabalho. Um padre informou aos herdeiros em Portugal do estado de ruína da propriedade, e ofereceu-se para restaurar a ordem, se lhe dessem parte na fazenda. Assim se combinou; mas os cabeças dos escravos mataram-no na cama, armaram-se e formaram, nessas florestas, uma república negra, que não foi fácil submeter. Tomaram posse da ‘fazenda’, viviam livres sem trabalhar muito, e caçavam nas florestas. Ao mesmo tempo, os escravos da ‘fazenda’ Engenho Velho também se libertaram e uma companhia de soldados nada pôde contra eles. [...] Os rebeldes negros das duas ‘fazendas’ acima referidas recebem os forasteiros de maneira amigável, e nesse particular, são muito diferentes dos escravos negros fugidos de Minas Gerais...”149

147 WIED-NEUWIED, Maximiliano von. Op. cit., p. 130. 148 Ibidem, p. 134.

149 Ibidem, p. 136.