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“Todos os caminhos vão dar a Santiago.” Esta podia ser uma adaptação do antigo provérbio “todos os caminhos vão dar a Roma” pois, na realidade, assim o era. Qualquer percurso permitia chegar ao apóstolo de Compostela. No entanto, nem todos eram iguais. Uns apresentavam-se mais longos outros mais curtos, uns perigosos, outros seguros, uns mais movimentados, outros menos, uns com maiores possibilidades de assistência, outros mais isolados, uns a passar em centros urbanos, outros por florestas, uns ingremes e difíceis, outros

mais a favor do peregrino.166 Desta forma, além de dar esmola, facilitar o caminho aos peregrinos

tornou-se uma obra meritória muito praticada pelas pessoas de posses que ordenavam a construção de pontes, suprimindo uma das grandes dificuldades do viajante, a travessia de rios. Colocavam, também, barcas gratuitas em alguns cursos fluviais, como é o caso da barca de Moledo, no Minho, e da do Lago, no Cávado, chamadas «barcas por Deus» ou «por amor de

Deus»,167 e chegavam, até, a mandar calcetar caminhos.168

Relativamente ao percurso seguido pelos peregrinos faltam ainda estudos de conjunto que mostrem as principais rotas. O Porto, Braga e Guimarães tornaram-se centros de partida de várias vias. Contudo, as antigas estradas romanas que ligavam as principais cidades foram, ao longo do tempo, suplantadas pelas que ligavam os principais centros a povoações próximas.

165 Para este assunto leia-se Moreira, Manuel António Fernandes, «A Misericórdia de Viana na rota dos peregrinos de Santiago», in Estudos Regionais, nº 13/14, Viana do Castelo, Centro de Estudos Regionais, 1993, p. 59.

166 Veja-se Moreira, Manuel António Fernandes, «A Misericórdia de Viana na rota dos peregrinos de Santiago»…, pp. 62- 63. 167 Sobre esta questão confira-se Marques, José, «Os Santos dos Caminhos Portugueses»…, pp. 246-247.

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No final da Idade Média, de Coimbra para Norte, os caminhantes utilizariam o percurso Coimbra-Viseu-Castro Daire e Coimbra-Águeda. De Coimbra a Lisboa seria Coimbra-Rabaçal- Tomar-Santarém, só se desenvolvendo o caminho por Leiria e Alcobaça, no século XVII. Pelo Norte usavam-se essencialmente a vias Porto-Barcelos ou Braga- Ponte de Lima- Valença e Marco de Canaveses-Guimarães-Braga-Arcos-Monção. Os caminhos que partiam do Porto- Barcelos/Guimarães/Braga-Ponte de Lima-Valença eram dos mais utilizados pelos peregrinos que

desejavam chegar a Santiago.169 Desta forma, temos em análise no nosso estudo duas

Misericórdias por onde passaria o grosso dos peregrinos que rumavam a Santiago, a de Ponte de Lima e a de Braga, ambas locais de confluência das principais vias de peregrinação, supracitadas. A partir do século XVI surgem, também, com significativa importância, embora menor que

as anteriores, a via marítima Porto-Vila do Conde-Viana da Foz do Lima-Caminha-Valença.170 Esta

era mais procurada pelos peregrinos do Mediterrâneo que vinham de barco até um dos portos

portugueses e pelos que vinham das Américas e da Índia.171 Mais uma vez o nosso estudo analisa

os registos da Misericórdia vianense que, além de ser «um ponto de passagem terrestre, seria igualmente demandada por navios que transportavam peregrinos em direção à Galiza vindos do

centro e do Sul do país e também da Europa mediterrânica».172 A região minhota era, portanto, o

principal local de passagem de peregrinos. Pelo contrário, a de Trás-os-Montes seria menos procurada, encontrando-se aí a via que partia de Viseu- Lamego-Vila Real-Vila Pouca de Aguiar- Chaves, bastante mais rápida que a via romana XIX, entre Bracara Augusta a Astorga, e a via que chegava a Bragança vindo por Penamacor-Almeida-Escalhão-Freixo de Espada à Cinta. Esta rota era especialmente utilizada por mercadores ou peregrinos espanhóis que por ali atalhavam

caminho em direção a Compostela.173 Todavia, quando a intenção era ir para Castela ou Roma

esta região tornava-se muito mais concorrida.174

Relativamente aos peregrinos ou viandantes da região do Algarve, em grande parte, recorreriam aos transportes marítimos para chegarem ao seu destino. Em caso de peregrinação a Santiago, iriam de barco até Viana da Foz do Lima de onde seguiriam a pé para a Galiza.

169 A propósito leia-se Moreno, Humberto Baquero, «Vias portuguesas de peregrinação a Santiago…», pp. 77- 78. 170 Consulte-se Almeida, Carlos Alberto Ferreira de, «Os caminhos e a assistência no Norte de Portugal»..., p. 50.

171 Para Viana da Foz do Lima veja-se o estudo de Moreira, Manuel António Fernandes, «A Misericórdia de Viana na rota dos peregrinos de Santiago»…, pp. 63.

172 Confira-se Moreno, Humberto Baquero, «Vias portuguesas de peregrinação a Santiago…», p. 79.

173 Para esta questão veja-se Moreno, Humberto Baquero, «Vias portuguesas de peregrinação a Santiago…», pp. 79-81.

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Contudo, se desejassem fazer o percurso todo a pé podiam utilizar as estradas que ligavam o

Algarve a Beja, Évora ou Santarém.175

A existência de caminhos privilegiados, quando tantos outros podiam e serviam certamente os viandantes, explica-se pelo facto de estarem em melhores condições e facilitarem os percursos. É o caso de Barcelos. A passagem do caminho de Santiago por Barcelos estava intrinsecamente ligada à existência de uma ponte que facilitava a travessia do rio. O mesmo acontecia em Ponte de Lima. A necessidade de adequar os caminhos à passagem de peregrinos ou viandantes foi, como vimos, expressa em muitos testamentos cujos legatários descriminavam valores e obras que deveriam ser feitas, de forma a facilitar o percurso dos romeiros.

8. Albergarias, hospitais e Misericórdias: o contexto assistencial aos