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2.4. A prosodização das palavras funcionais na literatura

2.4.2. Vigário (1999)

Na tentativa de definir quais palavras funcionais não são acentuadas no PE, Vigário (1999) discute que tais palavras são prosodizadas, fazendo uso de estruturas de incorporação e de adjunção, assim como proposto por Selkirk (1995), Booij (1996) e Peperkamp (1996, 1997).

A autora analisa palavras funcionais monossilábicas, tais como preposição, artigos, pronomes pessoais, conjunções e complementizadores. Tais palavras são prosodicamente deficientes no sentido de que não são prosodizados no léxico como palavras de conteúdo (semântico), segundo Anderson (1992) e Booij (1996).

As pistas iniciais que distinguem tais palavras no PE são a redução da vogal e o acento. A regra de redução vocálica é um processo que alça uma vogal não-alta sem acento e centraliza a vogal não posterior. Embora essa regra não se aplique a todas as vogais não acentuadas, somente pode ocorrer com vogais em posição átona. Esse argumento serve para as formas contraídas envolvendo preposição mais artigo, como

‘da’ e ‘pelo’, pronomes pessoais e também palavras dissilábicas como ‘para’ e ‘cada’, desde que tenham todas as vogais reduzidas como // e //.

No entanto, a redução da vogal não pode ser usada para demonstrar que todas as palavras funcionais não são acentuadas, pois vogais altas, ditongos, e vogais nasais não sofrem redução. No que se refere às vogais altas, Vigário afirma que elas podem semivocalizar quando seguidas por uma vogal, como em ‘a blusa azul e a amarela’ [ja] ou em ‘queria ver o animal’ [wa].

Para as palavras funcionais restantes, como por exemplo, palavras funcionais com vogal nasal como ‘com’, a autora afirma que as vogais nasais podem reduzir, como em ‘com+a’ [kэ], perdendo a vogal nasal e se contraindo com a vogal seguinte.

Além dos processos fonológicos de redução, as palavras funcionais do PE não podem (i) receber proeminência de φ, nem ser elementos proeminentes de I, pois essa possibilidade é disponível apenas para itens lexicais acentuados, como o marcador de negação ‘não’; (ii) não podem ser o elemento proeminente de I por atribuição de acento de foco, pois essa possibilidade é disponível apenas a itens lexicais; (iii) não podem ser marcadas com acento tonal, apesar de que no PE é possível que recebam acento tonal, mesmo que não sejam núcleo de φ, e isso é possível pela posição que a palavra funcional ocupa na sentença e não pelo acento que portam, ou seja, quando a fronteira de I ocorrer à direita de uma palavra funcional, como no caso de complementizadores como o ‘que’ que introduzem uma sentença encaixada (cf. Ladd 1996 e Frota 1997).

Dentre as classes gramaticais das palavras funcionais consideradas como ‘fracas’, há algumas poucas formas pertencentes a algumas dessas classes gramaticais que não foram consideradas por falta de argumentos claros que mostrassem que são lexicalmente sem acento, tais como as conjunções ‘quer’, ‘pois’ e ‘nem’; a preposição ‘sem’; o artigo indefinido ‘um’ e o pronome relativo ou interrogativo ‘que’, o qual, funcionando como pronome interrogativo, tem forma ‘forte’ em alguns contextos, sendo um dos exemplos de variância entre forte e fraco no PE.

Assim, dentre as palavras funcionais observadas, Vigário notou que elas são prosodizadas no léxico como sílabas, mas não como pés ou Palavras Prosódicas32, e que

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esses elementos são afetados por processos fonológicos que se aplicam no léxico e, como são prosodicamente deficientes, precisam de um hospedeiro para se apoiar, porém, esse processo de união das palavras funcionais a um hospedeiro ocorre no pós- léxico.

No nível pós-lexical, os enclíticos são incorporados à Palavra Prosódica precedente, pois segundo Vigário, alguns processos segmentais mostram que a seqüência de verbo + clítico pronominal é tratada como uma única Palavra Prosódica, como por exemplo, a regra de apagamento de vogal não-posterior que tem como domínio a Palavra Prosódica. Tal regra apaga a vogal final de uma Palavra Prosódica quando seguida por outra vogal e é obrigatória entre Palavras Prosódicas, como podemos observar em ‘pede azeitonas’ [p.da.ze.to.nas]. No entanto, quando a

primeira palavra é seguida por um enclítico, a regra não se aplica na palavra lexical, podendo ocorrer na própria palavra funcional, como em ‘peço-te azeitonas’ [p.su.ta.ze.to.nas], pois a fronteira final do enclítico coincide com a fronteira final de

Palavra Prosódica.

Outras duas regras que corroboram a análise sobre a incorporação do enclítico são o processo de semivocalização das vogais altas quando precedidas por outra vogal, como em ‘esse livro, vi-o na sala’ [i/ iw], todavia não se aplica entre

Palavra Prosódica, como em ‘a velha usou a amiga’ *[w], e a regra de apagamento da

vogal posterior final em Palavra Prosódica, pois a regra só ocorre em final de Palavra Prosódica e quando uma palavra está seguida por um enclítico a vogal a ser apagada é a do enclítico e não a da palavra precedente, como em ‘esse quadro, deixo-te admirar’ [dei.u.ta.d.mi.ra].

Os últimos processos que servem como evidência de que o clítico é incorporado à palavra precedente são: (i) a ditongação da nasal, como em ‘calem-no’ [ka.lэj.no]; (ii) a centralização do /e/ acentuado seguido por uma palatal, como em ‘dê-

lha’ [de. a]; (iii) e a marcação de acento, como em ‘dávamo-vo-las’. Estes processos só

ocorrem no nível lexical, então, a incorporação do clítico não desencadeia nem os bloqueia pós-lexicalmente.

Vigário argumenta que os enclíticos se comportam como sílabas pós-tônicas no que diz respeito à marcação de proeminência no nível mais alto, pois, enclíticos não

recebem proeminência de I, mesmo em posição final, exceto os complementizadores, e também não podem receber acento enfático, possibilidade disponível a palavras funcionais proclíticas.

Já os proclíticos, tal como preposições, clíticos pronominais pré-verbais e artigos definidos, são adjungidos à Palavra Prosódica seguinte, e a evidência de que ocorre adjunção e não incorporação é impossibilidade de semivocalização de uma vogal alta iniciando um hospedeiro quando precedido por uma palavra funcional terminada também por vogal, como em ‘falo da utilização’ [u]/*[w].

Outra evidência de que os proclíticos não são incorporados a Palavra Prosódica seguinte é o fato de podermos atribuir acento enfático à palavra funcional e à sílaba seguinte a ela, pois tal acento é pista de que há fronteira inicial de Palavra Prosódica. Logo se podemos acentuar ambas, concluímos que há uma fronteira à esquerda da palavra funcional e à esquerda do hospedeiro.

Assim, os proclíticos funcionais, diferentemente dos prefixos que se adjungem à base no nível lexical, e dos enclíticos que são incorporados à Palavra Prosódica precedente, adjungem-se à esquerda da base no nível pós-lexical, pois a palavra funcional tem independência morfológica, além de poder sofrer a redução da vogal, como em ‘de organizadores’ [dj.o.a.ni.za.do.es], enquanto a redução não

ocorre em prefixos, como em ‘desocupar’ *[de.su.ku.'paR], uma vez que a redução

acontece antes de a palavra funcional se adjungir à Palavra Prosódica.

Um pouco diferente dos proclíticos e principalmente dos enclíticos do PE, os complementizadores não são prosodizados como as outras palavras funcionais, pois podem formar Palavras Prosódicas independentes se forem acentuados pós- lexicalmente. Se os complementizadores não forem acentuados, eles são clíticos prosódicos que unirão a um nó mais alto que a Palavra Prosódica, no domínio de φ ou de I.

Um complementizador se comporta como uma Palavra Prosódica independente, quando: (i) ocupam a posição final de I, ganhando proeminência de I, sendo então acentuados, por exemplo, [O João disse que] I [os teus colegas não são de confiança] I. Além do mais, os complementizadores não se lexicalizam com outras palavras funcionais, e esse fato indica que ambos não são prosodizados do mesmo modo.

Vigário ressalta que, entre todas as palavras funcionais apresentadas, somente os complementizadores têm essa possibilidade, pois a impossibilidade de as palavras funcionais monossilábicas no PE formarem Palavras Prosódicas no pós-léxico vem da deficiência lexical de serem ‘fortes’.

Em suma, as palavras funcionais monossilábicas no PE são prosodicamente deficientes, pois não são dominados pela Palavra Prosódica, nem pelo pé no nível lexical, e, sobretudo, sofrem processos fonológicos lexicais ou pós-lexicais. Devido a este fato, os monossilábicos funcionais são inseridos na cadeia prosódica no pós-léxico e podem ou ser incorporados à Palavra Prosódica precedente, no caso dos enclíticos, ou podem ser adjungidos a ela, no caso dos proclíticos, lembrando que prefixos são adjungidos à Palavra Prosódica no léxico. Ao contrário dessas funcionais, os complementizadores, devido ao seu status ‘forte’, podem ser Palavra Prosódica independentes, se pós-lexicalmente acentuados, ou se forem formas ‘fracas’, vão se unir a um constituinte prosódico mais alto que a Palavra Prosódica na hierarquia prosódica.

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