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viii A competência repressiva universal e sua relação com o arcabouço

A criação do Tribunal Penal Internacional276, após longas negociações internacionais sobre o texto do Estatuto de Roma, pareceu oferecer uma espécie de justiça internacional penal centralizada, que seria considerada uma alternativa satisfatória ao fato de a comunidade internacional não dispor de um terceiro277, com poder coercitivo. Infelizmente, o Tribunal Penal Internacional, apesar de ser um grande avanço na institucionalização da justiça internacional penal, não substitui a necessidade de um terceiro. Se este fosse o caso, os Estados não estariam envidando esforços para exercerem a competência repressiva internacional. O instituto, mesmo com a criação do Tribunal Penal Internacional, continua sendo exercido pelos Estados e discutido pelos internacionalistas278. Deste modo, resta esclarecer como ele se relaciona com os demais órgãos que compõem o arcabouço da justiça internacional penal279.

Conforme assinalamos anteriormente, o arcabouço da justiça internacional penal é composto de cinco esferas: (i) a institucional jurídica ou política; (ii) a regional; (iii) a específica; (iv) a nacional; e (v) a universal. As partes que compõem a rede de implementação dos direitos humanos formam um conjunto complexo, que inclui tanto a possibilidade da responsabilização penal individual dos agressores (itens i, iii, iv e v), quanto a dos Estados (item ii), bem como o chamado poder de embaraço internacional (parte política do item i). A intenção em agrupar estes elementos é mostrar como a comunidade internacional dispõe de instrumentos capazes de, articulados ou sobrepostos, contribuírem para a promoção e a proteção dos direitos humanos.

Devido às limitações de cada uma das esferas, ainda não é possível vislumbrar o alcance universal da justiça internacional penal que visa à implementação dos valores da comunidade internacional. Tampouco pode-se abrir mão de qualquer um dos elementos que compõem seu arcabouço. Passaremos à verificação de como a competência repressiva universal compatibiliza-se com as demais esferas da justiça internacional penal.

111 A esfera regional, cujos maiores exemplos estão na Corte Europeia de Direitos Humanos e na Corte Interamericana de Direitos Humanos conduzem julgamentos em que denúncias de desrespeito aos direitos humanos decorrentes da ação ou da omissão do Estado são apresentadas por indivíduos ou por organizações

112 quando a observância das regras anteriores não é possível e quando a violação de direitos humanos constitui um crime internacional contra os direitos humanos que enseja a competência repressiva universal. Pode-se contestar a inclusão da esfera nacional como um elemento que compõe o arcabouço da justiça internacional penal, mas entendemos que o direito internacional penal confere primazia aos órgãos estatais para a repressão das violações de direitos humanos, devido a sua maior efetividade, de modo que a inclusão dos tribunais nacionais

113 repressiva universal, como se pode depreender das próprias negociações que levaram a sua criação. Alguns Estados

114 consecução dos objetivos a que o Tribunal se propõe, de modo que sua inserção no Estatuto

115 ao Tribunal em virtude do cometimento de crimes internacionais contra os direitos humanos, de modo que restaria ao Tribunal Penal Internacional julgar nacionais de países pouco poderosos287.

Em segundo lugar, um dos critérios de admissibilidade está relacionado à incapacidade de um Estado conduzir um caso cujo crime em análise envolve uma grave violação de direitos humanos. A maioria dos Estados cujos tribunais não dispõem de aparato adequado para casos como este é composta de Estados pouco poderosos, enquanto a maioria dos Estados com legislação mais adequada ao exercício da competência repressiva universal é composta de grandes potências e potências médias. Ou seja, os Estados que não apresentam condições para conduzir um processo relativo a crimes internacionais contra os direitos humanos são os Estados menos poderosos. Mais uma vez cairíamos na situação de o Tribunal ter em seu banco dos réus acusados que são nacionais de ex-colônias. O princípio da complementaridade carrega em si o paradoxo de, ao mesmo tempo, concorrer para (i) que o Tribunal Penal Internacional torne-se uma corte onde apenas indivíduos de países menos poderosos enfrentam julgamentos e (ii) estimular todos os países a adequarem suas legislações ao direito internacional penal.

Devido ao princípio da complementaridade, o Tribunal Penal Internacional não desempenha

116 Estatuto288. O segundo fator que dificulta que o Tribunal Penal Internacional exerça um papel central no arcabouço da justiça internacional penal é a falta de força coercitiva própria do Tribunal: a instituição não dispõe de poder de polícia próprio que possa desempenhar as determinações do procurador. Neste sentido, os Estados estão melhor equipados, vez que os juízes nacionais que julgam casos de crimes internacionais contra os direitos humanos têm a sua disposição o aparato coercitivo estatal289.

Infelizmente, o Tribunal Penal Internacional ainda não desempenha o papel de órgão central da justiça internacional penal dentro do arcabouço que propusemos. O Tribunal, por ser um órgão construído a partir do interesse comum da maioria dos Estados do mundo e por ter um Estatuto próprio, apresenta vantagens em relação à competência repressiva universal no que diz respeito à segurança jurídica, à previsibilidade, e ao fato de ele já ter regulado o embate entre ordem e justiça. No entanto, embora estes aspectos demonstrem as vantagens do Tribunal, outras características desta instituição290 restringem sua atuação e tornam a competência repressiva universal indispensável na luta contra a impunidade e na necessidade de implementar os direitos humanos, de modo que o exercício da competência repressiva universal pelos tribunais estatais deve continuar, de forma complementar ao Tribunal.

De acordo com o exposto, depreende-se que a competência repressiva universal é uma das esferas da justiça internacional penal que não pode ser desconsiderada291. Em virtude das regras de competência ou de atuação das demais esferas da justiça internacional

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II. A COMPETÊNCIA REPRESSIVA UNIVERSAL NA JURISPRUDÊNCIA E NAS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL PENAL

II. i. O exercício da competência repressiva universal pelos tribunais nacionais: os

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