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VIOLÊNCIA E VELHICE: DETERMINANTES E CONCEITOS

CAPÍTULO 3.VIOLÊNCIA URBANA CONTRA A PESSOA IDOSA

3.1. VIOLÊNCIA E VELHICE: DETERMINANTES E CONCEITOS

De acordo com Lima, Souza, Lima, et al., (2010), em comparação com as doenças transmissíveis, compreender os fatores que contribuem para a violência contra a pessoa idosa é bem mais complexo. É preciso considerar elementos históricos, culturais, políticos, sociais e até mesmo demográficos na compreensão do fenômeno. Segundo Ribeiro, Souza e Valadare (2012), a violência contra a pessoa idosa tem se tornado mais visível devido ao aumento desse grupo na população e pelas conquistas de direitos em leis e políticas nacionais e internacionais. No Brasil, por exemplo, a proporção da população idosa passou de 9% em 2001, para 12,1 em 2011 (IBGE, 2012). De acordo com a projeção mais recente,

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realizada pelo IBGE e divulgada em agosto de 2013, o aumento do grupo de idosos na participação relativa é acentuado, passando de 13,8%, em 2020, para 33,7%, em 2060, ou seja, um aumento de 20 pontos percentuais. O grupo de idosos de 60 anos ou mais de idade será maior que o grupo de crianças com até 14 anos de idade após 2030, e em 2055 a participação de idosos na população total será maior que a de crianças e jovens com até 29 anos de idade (IBGE, 2013b).

Além disso, enquanto processo biopsicossocial, o envelhecimento gera dificuldade nos campos de percepção e equilíbrio, além do declínio no sistema músculo esquelético e sensorial (Lima, Souza, Lima, et al., 2010). Essas modificações corporais comprometem ou dificultam a mobilidade física, agilidade e autonomia das pessoas idosas (Papalia, Olds, & Feldman, 2010; Lima, Souza, Acioli, & Bezerra, 2010). O processo de envelhecimento pode ainda provocar debilidades emocionais e déficit cognitivo que, somados aos fatores citados anteriormente, dificultam as interações desse grupo na sociedade moderna que gira, cada vez mais, em torno da rapidez da informação, do alto nível de informatização, do individualismo e da competitividade (Gondim & Costa, 2006).

De acordo com Debert (1997), uma das características da pós-modernidade seria a

“descronologização da vida” em decorrência das mudanças ocorridas no processo

produtivo, no domínio da família e nas concepções de envelhecimento. Essa descronologização da vida faz com que os idosos percam cada vez mais status e importância social. O processo de informatização e aceleração da implementação de novas tecnologias tornaram a relação entre grades de idade e carreira mais complicadas, na medida em que se dispensa cada vez mais a experiência como um valor e se enaltece a versatilidade. No domínio da família, a idade cronológica deixa de ser relevante para marcar os momentos de formação pessoal e das famílias. A compreensão do envelhecimento bem-sucedido é cada vez mais visto como sendo resultado de

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comportamentos adequados ao longo da vida, responsabilizando e “culpabilizando” a parcela da população idosa que evoluiu com algum grau de fragilidade e/ou dependência.

Com isso, as limitações físicas e os modos desajeitados das pessoas pertencentes a esse grupo podem provocar exclusão ou agressividade dos jovens e dos adultos, além de dificultar a reação dos idosos a ataques, assaltos, estupros e outros tipos de violência. Todos esses processos contribuem para a construção de representações sociais da velhice que acentuam características desvalorizadas socialmente e que tornam esse grupo vulnerável à violência.

A questão da violência contra a pessoa idosa situa-se, segundo Faleiros (2007), no contexto estruturante de negação da vida, de destruição do poder legitimado pelo direito, seja pela transgressão da norma e da tolerância, seja pela transgressão da confiança intergeracional, seja pela negação da diferença ou pelo impedimento da participação dos idosos na vida da sociedade. O autor cita como exemplos concretos dessa violência o desgaste pelas condições de vida e pela exclusão social que diminuem os anos de vida das pessoas idosas (a maioria a população idosa ganha entre ½ e 4 salários mínimos; falta de acesso à saúde e a remédios) e os preconceitos contra os idosos (valorização da juventude por oposição ao velho).

Para Minayo (2003), apesar de haver, nos diferentes contextos históricos, uma

atribuição de poderes para cada ciclo da vida, faz parte da história um “desinvestimento”

político e social na pessoa do idoso. A maioria das culturas tende a separar esses indivíduos, segregá-los e, real ou simbolicamente, a desejar sua morte. Na sociedade brasileira, esse desejo social de morte dos idosos se expressa, sobretudo, nos conflitos intergeracionais, onde há casos de maus tratos e negligências. As violências contra a geração a partir dos 60 anos se expressam também em tradicionais formas de

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social”. Além disso, segundo Mello e Moysés (2010), as pessoas idosas sofrem violência

por parte do Estado, uma vez que tem sido cada vez mais responsabilizado pelo custo insustentável da Previdência Social e, ao mesmo tempo, sofre uma enorme omissão quanto a políticas e programas de proteção específicos. No âmbito das instituições de assistência social e saúde e das instituições familiares também são frequentes as denúncias de maus tratos e negligências contra pessoas idosas.

Balanço divulgado em junho de 2013 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mostrou que o número de denúncias de violação dos direitos das pessoas idosas no primeiro semestre de 2012 foi de 9.468 e no mesmo período de 2013 foi de 22.754, o que representou um aumento de 140% nas denúncias. Ainda segundo esse balanço, o tipo de violação mais recorrente contra pessoas idosas é a negligência (75%), seguida da violência psicológica (56%), do abuso financeiro e econômico (45%) e da violência física (28%); 91% das violações acontecem na casa da vítima, do suspeito ou de terceiros. As instituições de longa permanência e os espaços urbanos são onde acontecem aproximadamente 4% dos casos (Brasil, 2013).

Com o incremento do número de idosos, crescem também os problemas relativos à violência nessa população em função de variados fatores. A convivência dos idosos com indivíduos mais jovens parece gerar conflitos em virtude da dependência existente, seja financeira, social, física ou psicológica, tornando a relação entre ambos insustentável – seja no âmbito familiar ou institucional (Correia, Leal, Marques, Salgado, & Melo, 2012). No que se refere especificamente à violência doméstica ou intrafamiliar contra a pessoa idosa, a literatura aponta como principais fatores geradores, a saber: o ambiente de convivência ser de pouca comunicação, pouco afeto e vínculos frouxos; haver isolamento social da família e da pessoa idosa; história de violência na família; o cuidador ter sido vítima de violência doméstica e/ou ser dependente de drogas e a presença de qualquer tipo

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de sofrimento mental ou psiquiátrico (Valadares, & Souza, 2010; Machado, & Queiroz, 2006; Melo, Cunha, & Falbo Neto, 2006; Minayo, 2003).

Na literatura científica que trata especificamente da violência contra a pessoa idosa, a definição do termo a ser utilizado é uma das primeiras questões que deve ser levada em consideração ao se abordar o tema. Adota-se, além do termo violência, as expressões "maus-tratos” e “abuso" para definir o fenômeno da violência nessa população. A definição de maus tratos contra idosos elaborada pela organização inglesa Action on Elder Abuse (AEA) e adotada pela OMS, pela INPEA (International Network for the Prevention of Elder Abuse) e pelo Ministério da Saúde do Brasil já é amplamente aceita e utilizada (Sanches et al., 2008). Segundo essa organização, os maus tratos contra idosos são

definidos como “ato único ou repetido, ou ainda, ausência de ação apropriada, ocorrendo

dentro de um relacionamento de confiança e que cause dano, sofrimento ou angústia para a

pessoa idosa”. Já o abuso pode ser de natureza física ou psicológica ou pode envolver

maus tratos de ordem financeira ou material (WHO, 2008, p.1).

A OMS classifica a violência contra a pessoa idosa em cinco categorias:

a) violência física – quando há inflição de dor ou dano, coerção física, restrição física ou restrição quimicamente induzida;

b) violência psicológica ou emocional – que implica em promover angústia mental ao idoso;

c) violência financeira ou material – caracteriza-se pela exploração imprópria ou ilegal e uso de recursos financeiros;

d) violência sexual – que requer contato não consensual de qualquer tipo com pessoas idosas; e

e) negligência – que é caracterizada pela recusa ou fracasso, intencional ou não intencional, em prover os cuidados obrigatórios ou básicos ao idoso.

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A violência contra o idoso é classificada pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2006a) em violência física, sexual, psicológica, econômica, institucional, abandono/negligência e autonegligência. Apesar do aumento da violência contra a pessoa idosa, ainda há pouca informação relativa à extensão desse problema, especialmente nos países em desenvolvimento (OMS, 2013a). Esses dois temas, violência e acidentes, abordados em conjunto e do ponto de vista geriátrico e gerontológico, carecem de conhecimento aprofundado, pois só recentemente foram incorporadas à agenda política do setor saúde. Tais problemas, em razão dos agravos acarretados para a população idosa em sua saúde física e mental, já têm merecido a atenção em outros países, e no Brasil são ainda questões pouco estudadas (Mello & Moysés, 2010).