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VIOLÊNCIA URBANA: PREVALÊNCIA E IMPACTOS NA SAÚDE

CAPÍTULO 2.VIOLÊNCIA: UM FENÔMENO BIOPSICOSSOCIAL

2.3. VIOLÊNCIA URBANA: PREVALÊNCIA E IMPACTOS NA SAÚDE

Dado que a definição da violência urbana é uma tarefa complexa, quantificá-la torna-se ainda mais difícil. Os sistemas de informação adotados pelos países não são padronizados e não se encontram na mesma fase de desenvolvimento, por isso a qualidade e a confiabilidade dos dados disponíveis variam muito. A diversidade de definições do fenômeno da violência, a falta de consenso no que se refere ao tipo de informação recolhida pelas autoridades no momento do registro desse fenômeno e o número de eventos violentos que nunca são registrados, porque não chegam ao conhecimento das autoridades faz com que o processo de descrição quantitativa desses casos e a comparação dos dados entre comunidades e países diferentes seja complicado e, em alguns casos, impossível (OMS, 2002).

A seleção mais extensa e acessível de dados dessa natureza corresponde aos dados de mortalidade, aos registros de estatísticas de morbidade e informações forenses.

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Contudo, deve-se ter em consideração que essas informações representam apenas a “ponta do iceberg” uma vez que, para cada vítima morta, muito mais pessoas são lesionadas ou

ficam com diversos problemas de saúde física, sexual, reprodutiva e mental (OMS, 2002, p. 7).

A Organização Mundial da Saúde classifica os acidentes e a violência, para fins de

comparabilidade estatística entre os países, como “causas externas”. Com a denominação

de causas externas, a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) inclui agravos à saúde que causam morbidade ou mortalidade no qual se incluem as causas ditas acidentais (devidas ao trânsito, trabalho, quedas, envenenamentos, afogamentos e outros tipos de acidentes), as causas intencionais (agressões e lesões autoprovocadas) e as de intencionalidade desconhecida (Imperatori & Lopes, 2009). As causas externas, a partir da década de 1980, passaram a representar a segunda causa de morte no quadro geral de mortalidade (Gonsaga et al., 2012; Lima et al., 2012) abaixo, apenas, das doenças cardiovasculares (Minayo & Souza, 1997).

Em 2002 morreram 126.657 pessoas no Brasil devido aos acidentes e violências, constituindo 12,6% dos óbitos por todas as causas. Em 2004, houve aproximadamente 127.000 mortes por causas externas no Brasil, sendo preponderantes os homicídios (38,0%) e os acidentes de trânsito (23,0%), seguidos por suicídios (6,0%) e quedas (5,0%) (Brasil, 2010a). As causas externas foram responsáveis por 10,7% das mortes evitáveis, segundo estudo de revisão sistemática de publicações sobre mortes evitáveis em vítimas com traumatismos, entre 2000 e 2009 (Settervall, Domingues, Sousa, & Nogueira, 2012; Gonsaga et al., 2012).

Estudo desenvolvido por Minayo e Deslandes (2009), em cinco capitais brasileiras (Recife, Rio de Janeiro, Manaus, Curitiba e Brasília), identificou taxas elevadas de violência em todas as capitais analisadas. Por exemplo, no Distrito Federal, as agressões,

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juntamente com os acidentes de trânsito, totalizavam cerca de 73% das mortes por todas as causas externas. Nessa capital, quase metade das mortes de jovens e adolescentes foi causada por agressões. Em Curitiba, a tendência das violências letais estava em franco crescimento. Igualmente, as maiores taxas de mortes por acidentes de trânsito e de transporte ocorreram em Curitiba (24,9) e no Distrito Federal (22,7).

Informações disponibilizadas pelo DataSUS (Brasil, 2012) apontam que, em 2012, ocorreram 152.013 mortes por causas externas no Brasil, das quais 47.221 sucederam na região nordeste, a segunda região com maior número de mortes por essa causa. O Estado da Paraíba apresentou uma taxa de 3.193 mortes por causas externas nesse mesmo ano, sendo a maior parte devida a agressões 1.528 (47,85%) e acidentes de transporte com 996 casos (31,19%).

O Mapa da Violência 2014 elaborado por Waiselfisz (2014) a partir dos dados divulgados pelo Sistema de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e tabulados pelo SIM (Sistema de Informações de Mortalidade) traz o panorama da violência no cenário nacional. Na década que vai de 2002 a 2012, observa-se um crescimento significativo do número de vítimas nos acidentes de transporte, que passam de 33.288 para 46.581, aumento de 24,5%. Os dados revelam ainda que crescem também os homicídios. Passam de 49.695 em 2002 para 56.337 em 2012 (29 homicídios por 100 mil habitantes), crescimento de 2,1%, considerando o aumento da população. Entre 2011 e 2012, as taxas de mortalidade por homicídio apresentaram um aumento nacional de 7%.

Na região Nordeste, a maior parte das unidades federativas apresenta elevados índices de crescimento dos homicídios por armas de fogo no ano de 2010. Entre os estados que apresentaram as mais altas taxas estão Alagoas com 55,3 homicídios por 100 mil habitantes, Espírito Santo com 39,4, Pará com 34,6, Bahia com 34,4 e Paraíba com 32,8 (Waiselfisz, 2013). Na Paraíba, apesar de ter ocorrido uma moderada queda de -6,2% nas

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taxas de homicídios entre 2011 e 2012, observa-se que entre 2002 e 2012 houve um aumento geral de 130,2% nessas taxas (Waiselfisz, 2014).

Sabe-se que a violência também possui amplos impactos nas taxas de morbidade provocando internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais. Segundo Gawryszewski, Koizumi e Mello-Jorge (2004), não somente no Brasil, mas também em outros países do mundo, é principalmente a partir dos dados de mortalidade que se estudam as causas externas, em razão da facilidade de obtenção e qualidade da informação. Os dados referentes às internações e ou emergências nem sempre são facilmente disponíveis, pois, muitas vezes, dependem de estudos específicos. É somente a partir de 1997 que os dados provenientes das internações no Sistema Único de Saúde (SUS) dispõem dos códigos relativos ao tipo de causa externa, além da natureza da lesão (disponíveis desde 1992). Em 2000, as causas externas representaram 5,2% do total das internações realizadas no país, segundo o Sistema de Internações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS). As principais causas de morbidade hospitalar foram as quedas (42,8%), em segundo lugar as demais causas acidentais como acidentes domésticos (28,4%), em terceiro os acidentes de transporte (18,2%) e em quarto lugar as agressões (5,4%). Além disso, os dados revelam que a proporção de internações por causas externas aumentou progressivamente de 5,2%, em 1998, para 6,9% em 2005, assim como a proporção de gastos, que passou de 6,4% para 8,5% (Lima et al., 2012).

Estudo desenvolvido por Lima et al. (2012) analisou o perfil dos atendimentos por causas externas em um pronto-socorro de um hospital público de referência no Estado do Rio Grande do Norte. Os autores identificaram que, no período de janeiro a dezembro do ano de 2009, foram realizados 4.464 atendimentos por causas externas. A ocorrência maior de agravos incidiu na faixa etária entre 21 a 40 anos (37,70%), no sexo masculino (68,6 %). Em relação às causas, as quedas (29%) foi a maior variável; seguida de acidentes

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motociclísticos (17,98%); acidentes domésticos (16,53%); agressão física (10,43%) e o acidente ciclístico (8,84%).

A violência apresenta importantes repercussões socioeconômicas para a área de saúde pública, para as famílias e para a sociedade em geral (Lima et al., 2012; Minayo, 2009). O custo econômico de uma doença, ou problema de saúde pode ser classificado em custos diretos e indiretos. Os custos diretos referem-se aos custos médicos (exames, procedimentos, consultas, internações e reabilitação) e aos custos não médicos, às despesas de parentes e acompanhantes com transporte e dietas especiais, por exemplo. Os custos indiretos são os relacionados com a perda de produção e produtividade decorrentes da doença ou problema de saúde (Lima et al., 2012). Segundo Rodrigues, Cerqueira, Lobão e Carvalho (2009), o custo total do atendimento às vítimas de causas externas pelo sistema público de saúde em 2004 teria sido de 2,2 bilhões, o das agressões de 119 milhões e dos acidentes de trânsito de 453 milhões de reais. Esse conjunto de gastos equivaleria a cerca de 4% dos gastos totais com a saúde pública naquele ano.

O significativo impacto da violência sobre a saúde não se reduz às lesões físicas e alcança nível incomensurável quando se pensa nas relações e conexões criadas como efeito-causa e causa-efeito. Os processos violentos inibem, modificam e enfraquecem tanto a qualidade como a capacidade de vida (Minayo & Souza, 1997) pelas lesões físicas, psíquicas e morais que acarreta e pelas exigências de atenção e cuidados dos serviços médico-hospitalares. Por todos esses fatores, o campo da saúde hoje busca ultrapassar seu papel apenas curativo, definindo medidas preventivas destes agravos e de promoção à saúde, em seu conceito ampliado de bem-estar individual e coletivo (Minayo, 2004).

No Brasil, apesar de ter sido difícil a introdução dos temas acidentes e violências na agenda da política de saúde, no final da década de 90, o Ministério da Saúde criou um Comitê Técnico com a finalidade de diagnosticar e de propor ações específicas para o

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setor. Os trabalhos e discussões desse comitê foram oficializados pela portaria intitulada

P olítica Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Esse documento contém a definição dos conceitos, o diagnóstico da situação, as diretrizes e as estratégias de ação inter-setorial, ressaltando a responsabilidade do setor saúde (Minayo, 2004).

Como revelam os aspectos acima destacados, os acidentes e as violências estão entre as principais causas de morte no Brasil e respondem por significativa parcela da morbidade da população, afetando os indivíduos e sociedades em todos os níveis, principalmente econômico e de saúde (Soares, 2008). Nesse sentido, o estudo da violência urbana e suas implicações na qualidade de vida de pessoas idosas pode ser útil para a produção de conhecimentos que auxiliem os profissionais na prevenção, identificação e tratamento da violência urbana e de suas consequências, além de poder ser utilizado como subsídio na avaliação do grau de prioridade a ser dado a essas questões nas intervenções de Políticas Públicas de Saúde, Educação e Assistência Social em nossa região.

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