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CAPÍTULO 3.VIOLÊNCIA URBANA CONTRA A PESSOA IDOSA

3.4. VIOLÊNCIA URBANA CONTRA A PESSOA IDOSA

Atualmente, é comum se observar nas comunicações cotidianas e em todas as formas de comunicação midiática a afirmação de que a violência é o principal problema enfrentado nas cidades brasileiras. Nesse contexto, o grupo das pessoas com 60 anos ou mais de idade está entre os mais vulneráveis a esse tipo de violência (Minayo, & Deslandes, 2009), aqui denominada de violência urbana.

Uma das formas de analisar o impacto da violência urbana na vida das pessoas idosas é observando os indicadores de morbimortalidade por causas externas disponibilizados pelo Ministério da Saúde (Lima, Souza, Lima, et al., 2010). No que se

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refere às taxas de mortalidade, em 2008, 20.303 idosos morreram por causas externas (acidentes e violência), o que representou 3,1% das mortes dessas pessoas no Brasil, ocupando a sétima causa de óbitos nessa faixa etária (Ribeiro et al., 2012). Em 2001, a taxa de mortalidade por causas externas entre as pessoas com 60 anos ou mais foi de 97 idosos mortos para cada 100 mil habitantes e em 2009 esse número aumentou para 110,3 (IBGE, 2012).

Estudo desenvolvido por Minayo e Deslandes (2009) em cinco capitais brasileiras (Recife, Rio de Janeiro, Manaus, Curitiba e Brasília) identificou que as pessoas de 20 a 29 anos (sobretudo em Recife e no Rio de Janeiro) e de 60 ou mais anos de idade, (especialmente no Distrito Federal, Manaus e Curitiba) eram as mais afetadas pela mortalidade por causas externas. Informações disponibilizadas pelo DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde) apontam que em 2012 ocorreram 25.700 mortes de pessoas idosas por causas externas no Brasil, o que representa quase 17% do total de mortes por essa causa. Do total de mortes ocorridas no Estado da Paraíba em 2012 (3.193) por causas externas, 436 foram de pessoas com 60 anos ou mais de idade, o que representa mais de 13% do total. Desse total, 60 foram devidas a agressões e 154 a acidentes de transporte (Brasil, 2012).

De acordo com Ribeiro e Barter (2010), os registros disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) evidenciam que em 2008 foram 122.065 internações de idosos por causas externas; entre elas, 49,5% se referem a quedas, 7,2% a acidentes de transporte e 11,5% a causas externas não classificadas. As internações por agressão representaram nesse mesmo ano 1,6% dessas hospitalizações. Em 2009, as causas violentas perfizeram 6% das hospitalizações de idosos no país; na capital do Rio de Janeiro representaram 6,8% do total de idosos internados (Brasil, 2010b).

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Segundo Minayo (2003), pode-se observar uma convergência entre as causas externas específicas de mortalidade de idosos, entre os motivos de internação por maus- tratos e as expressões de violência, muito mais amplas, difusas, naturalizadas e reproduzidas na cotidianeidade das relações sociais nos diferentes contextos sociais. Mortes no trânsito e quedas, por exemplo, resultam, na maioria das vezes, de negligências, omissões e maus-tratos (Sousa et al., 2010).

Vale salientar, contudo, que os estudos que usam como fonte de dados os sistemas oficiais de informação sobre violência e acidentes (como boletins de ocorrência e laudos de exame de corpo de delito fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública; e fichas preenchidas na atenção hospitalar e ambulatorial disponibilizados pelas Secretarias Estaduaise Municipais de Saúde) fornecem dados importantes sobre o problema, mas também apresentam limitações que devem ser consideradas. As bases de dados são estaduais, não unificadas e não integradas, a subnotificação é expressiva e são poucas as pesquisas de campo sobre o assunto (IBGE, 2012). No Brasil, informações sobre doenças, lesões e traumas de causas violentas em idosos são pouco consistentes, fato observado também na literatura internacional, que ressalta elevada subnotificação em termos mundiais, com estimativas que descrevem que 70% das lesões e traumas sofridos pelos idosos não compõem as estatísticas reais (Sousa et al., 2010). De acordo com Njaine, Souza, Minayo e Assis (1997), é fácil verificar que não há consenso sobre a evolução dos indicadores sobre violência e criminalidade. Dentre os vários fatores que influenciam a credibilidade de tais indicadores, os autores destacam: a inexistência de uniformidade nos critérios utilizados para a realização dos registros, a conhecida subnotificação das ocorrências e a manipulação das estatísticas com objetivos políticos.

De maneira geral, os estudos que recorrem aos dados de denúncias em delegacias são subnotificados, principalmente porque os idosos, de modo geral, não denunciam

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abusos e agressões sofridas. Geralmente, há ausência de percepção dos idosos sobre o que seja o fenômeno da violência, além de constrangimento e medo de denunciá-la, temendo a repressão por parte de seus cuidadores, que, frequentemente, são os próprios agressores (Santos et al., 2013; Oliveira et al., 2012; Shimbo, Labronici, & Mantovani, 2011).

No que se refere aos dados advindos dos sistemas nacionais de informações da atenção hospitalar e ambulatorial, alguns estudos revelam que ainda são grandes as dificuldades enfrentadas nesse contexto, no que se refere à detecção e ao enfrentamento desses casos. A pesquisa realizada por Shimbo et al. (2011) verificou que, para os integrantes da equipe da Estratégia Saúde da Família, o entendimento sobre a defesa do idoso não era claro e eles tinham poucas alternativas para intervir no problema da violência. Resultados semelhantes foram encontrados por Araújo, Cruz e Rocha (2013), ao estudarem as representações sociais da violência na velhice entre agentes comunitários de saúde e profissionais de saúde, inseridos na Estratégia Saúde da Família, em Parnaíba- Piauí. Os autores verificaram que esses profissionais apresentaram dificuldades na elaboração da ficha de notificação, ao perceberem sinais de violência e sentiram-se despreparados para o manejo dessas situações.

Como se pode constatar a partir dos elementos destacados neste capítulo, os dados sobre violência contra as pessoas idosas no Brasil são historicamente escassos, não integrados e complexos de sistematizar. Além de se observar estatísticas de mortes e internações por causas violentas, é necessário enfatizar a existência de muitos eventos não fatais como agressões físicas e psicológicas que revelam abusos e negligências a que estão expostos os idosos no contexto familiar, na comunidade e nas instituições, mas que não são notificadas. Por esse motivo, é difícil ter a exata noção das vivências de violência urbana dos idosos brasileiros apoiando-se apenas nos dados oficiais de morbimortalidade por causas externas divulgados pelos órgãos oficiais (Ribeiro & Barter, 2010).

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Como já assinalado, a violência é um processo social relacional complexo e diverso. É um processo relacional, pois deve ser entendido na estruturação da própria sociedade e das relações interpessoais, institucionais e familiares. É um processo diversificado em suas manifestações: familiares, individuais, coletivas, no campo e na cidade, entre os diferentes grupos e segmentos, e atinge tanto o corpo como a psique das pessoas (Faleiros, 2007). Portanto, ainda que seja notável o crescimento do número de pesquisas sobre a violência contra a pessoa idosa na última década (Minayo et al., 2010), faz-se necessário ampliar os estudos no que diz respeito aos temas abordados e ao método de pesquisa. Temas como a violência urbana são pouco explorados na literatura científica, apensar de se fazerem cada vez mais presentes no cotidiano dos idosos.