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2.1 As relações sociais na sociedade capitalista

2.1.1 Violência estrutural

Com base nas reflexões desenvolvidas anteriormente, sobre as relações sociais capitalistas, que na sua essência caracterizam-se pelas desigualdades sociais e exploração de uma classe sobre a outra, é possível evidenciar que existe um tipo de violência inerente a estas relações: a violência estrutural. Esta se fundamenta na estrutura e na superestrutura da sociedade burguesa. Como refere Silva (s/d, p. 3)

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Trata-se do uso da força, não necessariamente física (ainda que não se abdique dela quando necessário), capaz de impor simultaneamente regras, valores e propostas, quase sempre consideradas naturais, normais e necessárias, que fazem parte da essência da ordem burguesa, ou seja, formam sua natureza. A violência estrutural se materializa envolvendo, ao mesmo tempo, a base econômica por onde se organiza o modelo societário (a estrutura) e sua sustentação ideológica (a superestrutura).

Tonet (2011) também corrobora com a ideia de que a violência faz parte da sociedade capitalista. Argumenta que esta forma de sociabilidade tem a violência na sua própria raiz.

Trata-se do ato fundante dessa sociedade: a compra e venda de força de trabalho, gerador da propriedade privada de tipo capitalista. Esse é um ato que, por sua própria natureza, implica a submissão violenta – embora “livremente” aceita – do trabalho ao capital. Somente na aparência este é um ato livre. (...) Este ato violento gera, necessariamente, uma sociedade permeada pela violência, nas suas formas mais diversas. Dele derivam a oposição dos homens entre si, o individualismo, a competição e a guerra de todos contra todos. Todas as outras formas de violência, ainda que não oriundas diretamente desse ato fundamental, se veem marcadas, potencializadas e ampliadas por ele (TONET, 2011, p. 6).

A violência estrutural, embora sentida pelas pessoas, na grande maioria das vezes não é percebida e/ou reconhecida como tal, pois não se resume a um ato isolado, mas caracteriza-se por um elemento constituinte da lógica reprodutiva do capital (SILVA, s/d). O mesmo autor refere que a violência estrutural está “implícita no próprio metabolismo do capitalismo contemporâneo, que é objetivada, com certa independência, por meio de ações violenta, também potencializadas por individualidades e suas respectivas subjetividades” (SILVA, 2008, p. 267).

Como exemplos de situações que decorrem da violência estrutural destacam-se o desemprego e as formas de inserção precária no mercado de trabalho e a desigualdade no acesso aos direitos sociais. Isso tudo muito perceptível em relação ao trabalho, saúde, educação e assistência social, entre outras manifestações que para serem compreendidas deve-se considerar a desigualdade social, a exploração, as relações de poder e a precariedade de condições do capitalismo moderno. Determinações estas que constituem a violência estrutural que paira em nossa sociedade e articulam-se às formas particulares de violência (GROSSI; PEDERSEN, 2011).

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A violência estrutural recebe definições e conceitos de vários autores, cabendo aqui destacar alguns. Maldonado (1997) faz referência à violência estrutural como sendo aquela caracterizada por condições extremamente adversas de vida, que geram uma imensa população de pessoas vivendo na miséria, com fome, habitação precária ou até mesmo deficiente, dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, sofrendo no cotidiano a violação sistemática dos direitos humanos. Para Minayo (1994a) a violência estrutural oferece um marco à violência do comportamento, pois se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de determinados grupos e pessoas aos quais são negadas conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis.

Nesse sentido, não se pode dissociar qualquer forma de violência da estrutura em que ela está inserida. “Longe de qualquer tentativa de fragmentar ou de generalizar mecanicamente a explicação da violência [...], é preciso partir das demandas imediatas [...] e descortinar suas conexões universais reais que jamais se realizam como atos unicamente isolados” (SILVA, 2008, p. 269).

Explicar a violência para além de sua expressão imediata requer que suas particularidades e inúmeras mediações sejam reconstruídas com o auxílio da razão (SILVA, 2008). A exploração sexual de crianças e adolescentes, mesmo quando considerada em sua singularidade, desconectada de outras formas de violência, está saturada por características universais e particularidades. O mesmo autor destaca: “se limitar a sua face singular e imediata, inviabiliza qualquer iniciativa comprometida com a reconstrução da violência como categoria sócio-histórica que se objetiva como complexo social” (SILVA, 2008, p. 268).

Com base nas discussões de Azevedo e Guerra (2007, p. 26), a violência estrutural pode ser entendida como um processo de vitimação, do qual resultam as “crianças de alto risco”.

A denominação alto-risco refere-se ao fato de que essas crianças têm uma alta probabilidade de sofrer, cotidiana e permanentemente, a violação de seus direitos humanos mais elementares: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à segurança, ao lazer etc.

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Estas situações de violação de direitos, que decorrem da violência estrutural não podem ser confundidas com negligência, ou seja, um desleixo propositadamente infligido em que a criança ou o adolescente são mal cuidados, ou mesmo, não recebem os cuidados necessários às boas condições de seu desenvolvimento físico, moral, cognitivo, psicológico, afetivo e educacional. Quando decorrente da violência estrutural é preciso considerar que as famílias também são vítimas desse processo e enfrentam dificuldades para suprir as necessidades básicas de seus membros. Em situações como estas, é o Estado quem deve intervir, garantindo as condições para que a família possa cuidar e proteger crianças e adolescentes. No entanto, sabe-se que o Estado não está aquém da reprodução das desigualdades sociais.