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Violência sexual contra crianças e adolescentes: elementos constitutivos do

1. A violência sexual intrafamiliar no contexto dos estudos sobre a

1.3. Violência sexual contra crianças e adolescentes: elementos constitutivos do

Para compreendermos, de forma mais aprofundada, a violência sexual contra crianças e adolescentes abordaremos os conceitos a partir de seus elementos constitutivos mais importantes: características da violência, as relações de poder, a violação de direitos, os danos causados à vítima e a dinâmica da violência no contexto familiar. Tais elementos também serão fundamentais na análise da produção científica publicada em periódicos de Psicologia, sobre a temática da violência sexual intrafamiliar.

a) Características da violência

O primeiro elemento para análise da violência sexual intrafamiliar refere-se às suas características, presentes em vários dos conceitos apresentados em nossa reflexão. Não há consenso entre os teóricos sobre quais ações poderiam ser definidas como violência sexual. Contudo, é importante salientar que neste tipo de violência nem sempre estão presentes as marcas físicas, ou seja, não é necessário que haja contato físico para que a violência seja caracterizada. Além desse aspecto, as relações podem ser homossexuais ou heterossexuais, e são impostas tanto pelo uso da força como por sedução ou indução da vontade, conforme salientam Faleiros (2006) Guerra (2007), Ministério da Saúde (2002) WHO (2003) e ABRAPIA (1992)

b) Relações de Poder

O segundo elemento para análise da violência sexual intrafamiliar refere- se às relações de poder que estão implicadas no contexto de sua ocorrência.

Para Ferrari e Vecina (2002), as relações desiguais e a percepção da criança como a parte frágil desta relação, que envolve dominação e submissão, refletem no comportamento sexual violento de muitos adultos que, em muitos casos, é justificado e acobertado pela cultura do “mais forte”. A situação de abuso sexual ocorre quando o adulto aproveita-se dessa “superioridade”. Para Machado (2003), o que está em questão é, sobretudo, o desenvolvimento emocional e intelectual da criança, dos quais o agressor aproveita-se estabelecendo uma relação na qual o poder é imposto.

Safiotti (2007) insere esta questão do poder presente nas relações de violência sexual contra crianças numa discussão mais ampla, por meio do conceito de “Síndrome do pequeno poder”, definido pela autora como a necessidade do agressor em exercer poder. Para a autora, a concentração de renda extremamente desigual gera uma divisão de poderes também marcada por disparidades, pois aqueles detentores do poder econômico fariam parte do “macropoder”. No entanto, conforme ressalta a autora, a violência contra crianças não advém do “macropoder”, mas daqueles que, não possuindo o grande poder, subjugam, maltratam ou abusam sexualmente de crianças como forma de sentirem-se superiores ou poderosos.

Ainda nessa discussão de poder, em publicação a ABRAPIA (2002) acrescenta que o poder é exercido pela “assimetria”, ou ainda pelas diferenças existentes entre adultos e crianças como ponto principal para a imposição da violência. Acrescenta que nos casos de violência sexual intrafamiliar o poder é imposto pela hierarquia existente na família, pelos laços de afetividade, bem como pela dependência econômica à qual a vítima geralmente está submetida.

c) Violação de direitos

O terceiro aspecto de grande relevância a ser considerado na compreensão do fenômeno da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes refere-se, como mencionamos, ao fato de que esta violência constitui uma grave violação dos direitos dessa população.

De acordo com Dantas (2009), a violência sexual, além de violar o direito da criança a um desenvolvimento sexual saudável, viola também o direito à liberdade, à dignidade e ao respeito, que constituem os pilares da proteção integral proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

No concernente ao direito ao respeito, a autora entende que a violência sexual fere esse princípio quando o adulto mantém uma proximidade com a criança, proximidade esta que viola seus limites (Dantas, 2009). Pois respeitar, de acordo, com Esquirol (2008) citado por Dantas (2009), significa guardar um distanciamento que seja capaz de preservar a sexualidade infantil, e, não, aproximar-se de maneira a violar o direito do outro.

Sobre a liberdade, Dantas (2009) discute que, no caso da criança, esta liberdade não pode ser traduzida como a capacidade de escolher ou consentir o ato sexual, uma vez que a criança não teria ainda esta capacidade, mas a liberdade de não ter sua sexualidade violada, de poder vivenciar cada fase de sua vida e do desenvolvimento de sua sexualidade com pessoas da sua faixa etária.

A dignidade, para Dantas (2009), consiste no direito mais importante e para o qual os demais convergem. A referida autora salienta que todos os outros direitos humanos derivam do direito à dignidade, que citando Kant (1974) conceitua dignidade como o direito que todo ser humano possui de “ser tratado

como um fim, jamais como um instrumento a serviço de outrem” (Dantas, 2009 p.118). A criança, quando vivencia a situação de abuso sexual, é tomada como objeto da gratificação sexual do adulto, tendo seu direito à dignidade seriamente violado.

A autora acrescenta que os direitos de crianças e adolescentes são, sobretudo, um desdobramento dos direitos humanos universais acrescidos da particularidade de que crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento necessitam de condições especiais para desenvolver-se.

Neste sentido, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) vem propor e enfatizar as condições necessárias para o desenvolvimento infantil, considerando os aspectos biopsicossociais, afetivos e intelectuais. A citada Convenção, compreendendo a violência sexual como uma violação de direitos que culmina em consequências para o desenvolvimento infantil, coloca em seu artigo 19:

Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.

No Brasil, os documentos que tratam dos direitos de crianças e adolescentes, bem como das violações destes direitos, sobretudo no que se refere à violência sexual contra crianças, são a Constituição Federal (1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8069/1990) o Código Penal (Lei 2848/1940 através dos crimes contra vulnerável lei Nº 12.015/07.08.2009) e o

Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (2000). A Constituição Federal, em seu art. 227, coloca que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A reflexão proposta por Dantas (2009) retoma os aspectos do artigo 227 da Constituição Federal (1988) uma vez que a autora trata do direito à dignidade, ao respeito e à liberdade, aspectos esses que a violência sexual viola de maneira grave e cruel.

A Constituição Federal (1988) traz ainda em seu artigo 227, especificações sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, pois em seu parágrafo 4º postula: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também faz referência aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e retoma o artigo 227 da Constituição Federal debatendo os itens sobre o direito ao respeito, à dignidade e à liberdade. Sobre a sexualidade, especificamente, propõe, em seu artigo 130, medida que deverá ser aplicada aos pais ou responsáveis determinando o afastamento do agressor.

O Código Penal Brasileiro (lei 2848/1940) referia-se à violência sexual em seu artigo 213 como “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Nesta concepção de violência era necessário que houvesse a

penetração vaginal para que a violência fosse caracterizada. As demais formas de violência eram caracterizadas como atentado violento ao pudor, identificadas na citada lei em seu artigo 214. Deste modo, apenas a mulher poderia ser vítima de estupro e o homem, o autor deste tipo de violência. Quanto às especificidades da lei no concernente à proteção de crianças e adolescentes, a legislação de 1940 descrevia a presunção de violência, através da qual seria crime manter relações sexuais com pessoas com idade inferior a catorze anos.

Entretanto, em 2009, a partir da lei 12.015, diversas alterações na redação da lei mudaram significativamente seu sentido, passando a definir o estupro como: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (Lei 12.015/2009 art.213). A partir desta nova redação, houve uma mudança significativa, uma vez que homens e mulheres passam a estar passíveis de sofrer este tipo de violência, bem como o próprio estupro passa a ter seu significado legal ampliado.

Estas alterações trazem em seu esteio modificações que refletem também para crianças e adolescentes, uma vez que revogam também o artigo 224 que tratava da presunção de violência, trazendo uma nova concepção, explicitada no Cap. II, quando trata dos “Crimes contra Vulnerável”, definindo como vulnerável toda pessoa com idade inferior a catorze anos ou cuja deficiência mental ou enfermidade impeça a compreensão necessária para o consentimento do ato sexual (Código Penal Brasileiro, Lei 12.015/2009 art.217-A §1º)

Os itens expressos no Código Penal Brasileiro datam de uma recente reformulação, realizada em 2009, na lei que não trazia, até então, as especificações designadas pelo termo “vulnerável”. Esta mudança, ou ainda este

acréscimo na legislação brasileira traduz um reconhecimento, por parte da sociedade, de que a violação da sexualidade infantil constitui uma violação de direitos passível de punição.

Outro documento que reflete a concepção de que a violência sexual contra crianças é uma violação de direitos é o Plano Nacional de Enfrentamento à violência sexual de crianças e adolescentes (2000). Esse Plano tem, por objetivo, a articulação dos atores sociais por meio de uma rede que possa oferecer suporte a essa população, atuando na prevenção, no atendimento e na responsabilização dos autores deste tipo de violação.

Em concordância com o que é postulado pelos documentos nacionais e internacionais, Faleiros e Faleiros (2001) afirmam que a violência sexual impede que crianças e adolescentes desenvolvam-se de maneira saudável em seus aspectos físico, moral e psicológico. Faleiros (2000) propõe a compreensão de que o abuso sexual é uma violação de direitos humanos e legais, na qual os limites desses direitos são ultrapassados.

d) Danos às vítimas

A violência sexual, nesse contexto só pode ser compreendida se considerada como um fenômeno multideterminado, envolvendo aspectos legais, sociais, psicológicos, pedagógicos e de saúde (Schmicler, 2006). Por conseguinte, outro aspecto que a presente análise pretende abordar é a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes sob a perspectiva dos danos causados às vítimas.

O termo dano foi encontrado pela primeira vez na língua portuguesa em 1152 e reporta à palavra latina domnum cujo significado é detrimento, prejuízo, perda. A modificação dos conceitos através dos tempos fez com que o termo ampliasse seus significados: causar ou sofrer mal, corromper-se, condenar-se, prejuízo ou ruína, estrago, perda da qualidade deterioração (Houaiss, 2001).

Refletindo sobre estas definições podemos trazê-las para o contexto da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes, uma vez que, conforme temos discutido, a violência sexual constitui uma relação assimétrica de poder que viola os direitos destas crianças, e uma violação de direitos está inevitavelmente relacionada a prejuízos para quem sofre, seja este prejuízo de ordem física, ou psicológica, emocional. Não raro, essa violência afeta tanto aspetos físicos quanto psicológicos, uma vez que, nesses contextos de violência, dificilmente esses efeitos caminham de forma separada. Contudo, com o objetivo de facilitar a compreensão, conforme fizemos com os outros elementos que compõem a violência sexual intrafamiliar, faremos uma reflexão sobre cada um dos tipos de dano causados às crianças. Procuraremos observar as variações possíveis, considerando cada caso e, principalmente, os níveis de compreensão da criança, que são importantes para a significação que a criança produz sobre o acontecimento.

Retomando os conceitos de abuso sexual, Guerra (1997 p. 137) define abuso sexual como: “todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa”. A este conceito podemos acrescentar que esta estimulação sexual pode ocorrer com ou sem

contato físico, uma vez que atos como voyerismo e exibicionismo não incluem o toque, e com ou sem uso de força física, pois a criança pode estar sob grave ameaça e assim submeter-se ao agressor (ABRAPIA, 1992).

A partir dos conceitos expostos acima percebemos que a violência sexual intrafamiliar contra crianças manifesta-se tanto no plano físico quanto psicológico e emocional. Iniciaremos, refletindo sobre os danos físicos3, sobre os quais diversos autores fazem uma descrição minuciosa mediante estudo das consequências físicas da violência sexual para crianças e adolescentes.

Sobre estas consequências, Vitello (2007) infere que para analisar as “consequências orgânicas” (p.124), conforme terminologia utilizada pelo autor, é preciso considerar apenas os casos em que houve a manifestação da violência física, por meio de toque, carícias, manipulação da genitália, entre outros. Segue com sua reflexão colocando que crianças e adolescentes não têm ainda sua genitália completamente desenvolvida, por isso estão mais suscetíveis aos danos físicos causados por este tipo de violência.

O autor classifica as consequências físicas causadas às crianças vítimas de violência sexual em lesões físicas gerais, lesões genitais e anais, gestação, DSTs e disfunções sexuais. As lesões físicas gerais compreendem contusões, fraturas, e lesões que em grande medida refletem o sadismo do agressor, podendo, inclusive levar a criança à morte.

As lesões genitais podem ser descritas como: edemas na vagina e vulva, irritação e roturas que podem ocasionar hemorragias intensas, a violência que

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Utilizaremos a terminologia “dano” para nomear as consequências físicas e psicológicas, por considerarmos que este tipo de relação sempre traz algum tipo de dano à criança que é vítima. Contudo, no curso do trabalho preservaremos a nomenclatura atribuída pelos diversos autores quando abordam o tema.

afeta a região anal pode causar infecções, abscessos, rotura do esfíncter e incontinência fecal (Vitello, 2007).

Além das lesões acima descritas, a violência sexual contra crianças pode levar à contaminação por vírus e bactérias responsáveis pelas doenças sexualmente transmissíveis, muitas delas incuráveis. Cabe salientar que as lesões acima descritas podem ocasionar disfunções sexuais que comprometem a atividade sexual na vida adulta. Tais disfunções podem estar relacionadas tanto às lesões que podem deformar a genitália e comprometer a sua funcionalidade, quanto às doenças sexualmente transmissíveis que, não raro, estão associadas a processos inflamatórios dolorosos, que igualmente comprometem a função sexual em sua dimensão orgânica4 (Vitello, 2007)

Ainda sobre as consequências orgânicas, Vitello (2007) chama a atenção para uma consequência presente apenas para as vítimas do sexo feminino que já atingiram a puberdade: a gestação. O autor afirma que nesses casos, além dos inúmeros “problemas psíquicos e sociais” (p.132) dos quais nos ocuparemos mais adiante, são altos os índices de abortamento, que nem sempre são realizados em condições que assegurem a recuperação saudável da vítima. No caso da violência sexual intrafamiliar, esta gestação, não raro, é marcada por riscos de má formação genética, consequência dos vínculos de parentesco e consanguinidade.

Outro aspecto importante a ser abordado no concernente aos danos físicos refere-se aos sintomas somáticos5, que embora não se manifestem especificamente no órgão ou na parte do corpo afetada pela violência, são

4 Vitello (2007) afirma que a função sexual não envolve apenas aspectos orgânicos, mas como

uma função complexa envolve aspectos psicológicos e sociais. Contudo, neste momento estamos realizando uma breve reflexão sobre os danos físicos da violência sexual intrafamiliar contra crianças. Assim, os aspectos psicológicos e sociais serão abordados logo a seguir.

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sintomas orgânicos mais gerais que, não raro, manifestam-se nas situações de violência, tais como: alterações de apetite, alterações de sono, problemas gastrointestinais, alterações de peso e mudanças na aparência (Machado, 2003)

Entretanto, além dos danos físicos, a violência sexual intrafamiliar também causa danos psicológicos6, e para tanto não é necessário que haja contato físico, como no caso do dano físico. Todas as modalidades de violência sexual, seja sua forma visualizada ou verbalizada, a exposição da criança ou adolescente a material inapropriado, manter conversas com conteúdo sexualizado ou mesmo olhar seu corpo causando-lhe constrangimento, pode gerar marcas em seu psiquismo.

Conforme Lamour (1997) a relação na qual o afeto dedicado à criança é sexualizado, tende a ser mais danoso para o seu psiquismo do que a carência de afeto. Rouyer (1997) afirma que a experiência da violência sexual pode ser descrita como uma experiência traumática, causada por um fato isolado. A autora, fazendo referência à Freud, infere que a criança é submetida a um tipo de excitação excessiva e impossível de ser compreendida por ela, o que causa o terror, pois ultrapassa suas defesas.

Ferrari e Vecina (2002) expõem que crianças vítimas de violência sexual intrafamiliar, sobretudo numa idade precoce, estão sujeitas a problemas para desenvolverem relações de afeto, por meio da evitação e/ou resistência às relações interpessoais. Estão também sujeitas à depressão e problemas de autoestima, bem como problemas de conduta, tais como agressividade. A violência sexual intrafamiliar pode ser responsável também por alterações no desenvolvimento cognitivo, afetando a linguagem e o desenvolvimento escolar.

6 Utilizaremos a terminologia danos psicológicos, contudo, preservaremos os termos e definições

As autoras alertam ainda para alterações no que elas denominaram como “cognição social” (Ferrari e Vecina p.85) que se manifestam na dificuldade de percepção de si mesmo, das próprias capacidades e dificuldades em compreender as emoções de outras pessoas.

Felizardo Zurcher e Melo (2003), ao abordarem os danos psicológicos causados pela violência sexual intrafamiliar, descrevem o ato como a imposição de uma sexualidade que produz na criança e no adolescente efeitos prejudiciais, uma vez que esses sujeitos passam a acreditar que só podem obter carinho e afeto de maneira sexualizada. Para as autoras, este tipo de ação sexualizada pode afetar a criança das seguintes formas: sexualização traumática, traição da confiança, estigmatização, impotência, frigidez.

As autoras definem a sexualização traumática com efeitos como a exacerbação da sexualidade, promiscuidade, que, entretanto não significam a obtenção de prazer sexual, mas muito mais uma reprodução sintomática da situação vivida. No extremo oposto da exacerbação da sexualidade encontram-se a fobia e a dificuldade em estabelecer relacionamentos. A estigmatização estaria estreitamente relacionada à falta de autoestima, à culpa e à vergonha presentes nesse tipo de violência, bem como, aos preconceitos presentes na nossa sociedade acerca da sexualidade e da violência sexual (Felizardo, Zurcher & Melo, 2003).

A traição, conforme descrito pelas autoras, remete-se à relação vivenciada com o agressor, pautada pela traição da confiança, que pode conduzir à estados depressivos e dificuldades em estabelecer relações que envolvam confiança no outro. A impotência deriva do fato de que a violência não respeita a vontade da

criança, torna-a objeto, o que pode resultar em ataques fóbicos e compulsões (Felizardo, Zurcher & Melo, 2003).

Azevedo e Guerra (2007), revendo diversos estudos realizados sobre a temática, afirmam que as consequências psicológicas7 estão presentes na maioria dos casos de violência sexual. As autoras, citando Jehu e Gazan, relatam que os problemas geralmente são de natureza grave e remetem às dificuldades em relação ao controle sexual, identidade deteriorada, medo em manter relações com adultos, problemas de autoestima, depressão, suicídio, podendo, inclusive, levar a vítima a tornar-se um agressor na idade adulta.

Outro aspecto de grande relevância discutido por diversos autores remete- se aos fatores implicados que interferem diretamente na gravidade do dano. Rouyer (1997) cita o elo entre a criança e o agressor, a idade em que ocorre a violência, a intensidade e a duração da mesma. Sobre o elo entre a criança e o agressor afirma que quanto maior o vínculo entre a criança e o agressor maiores serão as consequências para a criança. Por este motivo, para a autora, os abusos sexuais envolvendo incesto são particularmente mais graves, devido à confusão de papéis em relação às funções parentais (Rouyer, 1997). Sobre a idade em que ocorre a violência, afirma que quanto mais jovem for a criança, mais graves serão as sequelas, posto que a criança pequena tem seu psiquismo e sua identidade em formação, podendo a violência, nessa fase, causar danos irreversíveis.

No entanto, se faz necessário refletir sobre as afirmações de Rouyer (1997), sobretudo, no que diz respeito à idade da vítima, uma vez que, para a psicologia sócio-histórica, abordagem que baliza o presente estudo, a idade da

criança interfere, de maneiras diferentes, na forma como ela vivencia as experiências colocadas pelo meio. A partir deste ponto de vista, a forma como

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