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Violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes: o estado da arte em periódicos em psicologia

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VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E

ADOLESCENTES: O ESTADO DA ARTE EM PERIÓDICOS EM PSICOLOGIA

Valesca Pinheiro de Souza

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VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E

ADOLESCENTES: O ESTADO DA ARTE EM PERIÓDICOS EM PSICOLOGIA

Dissertação elaborada sob a orientação da professora Dra. Rosângela Francischini, apresentada ao Programa de Pós Graduação em Psicologia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

(3)

A dissertação “violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes: o estado da arte em periódicos em Psicologia,” elaborada por “Valesca Pinheiro de Souza”, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora,

bem como aceita pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia, como

requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, 27 de maio de 2014.

Banca Examinadora:

Professora Dra. Rosângela Francischini _______________________

Professor Dr. Marlos Alves Bezerra _______________________

(4)

“Eu atravesso as coisas —e no meio da travessia não vejo”! só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada.

Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou (...) o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...”

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(6)

Li certa vez em um texto de filosofia que a gratidão é uma virtude, e como

tal, difícil de ser praticada, e agora aqui estou neste exercício, que muito mais que

reconhecimento, envolve partilha, implica em fazer do outro parte de nossa

felicidade, atribuir-lhe a importância devida numa conquista que muito mais que

nossa é de todos aqueles que ao fazerem parte de nossa vida, contribuíram e

contribuem todos os dias para nos tornar quem somos. Com certeza, as pessoas

a quem devo agradecimentos excedem minha breve lista. Contudo, todos aqueles

que fizeram e fazem parte da minha vida, amigos, colegas de profissão, sintam-se

lembrados e presentes neste momento de conquista.

Agradeço à minha mãe Vânia pela vida, pelo exemplo e companheirismo

cotidiano, tão importante nesta etapa de minha vida, sem você nem sei como teria

sido! Ao meu irmão Roberto pela presença constante (apesar da distância), pelos

momentos de descontração, tão importantes. Agradeço por acreditar sempre em

mim, muitas vezes mais do que eu mesma...

Ao Ranieri, meu amor de tantos anos, pelo respeito às minhas escolhas,

pelo carinho, apoio constantes e pela tranquilidade que traz à minha vida. Amo

você!

À minha amiga Rejane, as palavras são escassas para expressar minha

gratidão pelo conhecimento compartilhado, pelas aulas de filosofia, pelas

conversas, meditações, conviver com você me torna uma pessoa melhor, paz

(7)

professora comprometida e ser humano íntegro e maravilhoso. Aprendi com você

a cada encontro, a cada conversa, a cada orientação. Você foi muito mais do que

eu poderia esperar de uma orientadora, muito obrigada!

Aos Professores Marlos Alves Bezerra e Veriana de Fátima Alves Colaço,

que gentilmente aceitaram compor a banca de defesa deste trabalho.

À minha amiga Ildérica, profissional excelente, com quem primeiro

compartilhei as angústias de atender crianças vítimas de violência, e aos amigos

do Centro de Referencia Especializado de Assistência Social de Parnamirim, pela

convivência e aprendizado que fizeram surgir as primeiras inquietações que

resultaram neste trabalho.

À minha amiga Wanessa Keilla, com quem trabalhei no antigo Programa

Sentinela, pessoa maravilhosa, companhia agradável e tão presente na minha

vida...

Aos amigos que fiz no mestrado, sobretudo Cintya e Antonielli, pela

cumplicidade, pelo apoio desde o momento da seleção, pelas risadas e pela

companhia na caminhada, obrigada meninas!

Aos amigos do Centro de Referencia Especializado de Assistência Social

de Natal (Anioly, Valéria, Lourdes...) pelo respeito, pela compreensão e pela

disponibilidade em adaptar a rotina para que eu pudesse me dedicar ao

mestrado.

(8)

À Cilene, pela disponibilidade de sempre em ajudar, orientar e resolver

(9)

Sumário

Resumo ... 11

Abstract ... 12

Apresentação ... 13

1. A violência sexual intrafamiliar no contexto dos estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes ... 17

1.1 Violência sexual intrafamiliar: estudos em sexualidade infantil e o tabu do incesto como focos iniciais de atenção ... 27

1.2. O fenômeno da violência sexual intrafamiliar: um conceito ainda em construção ...... ...33

1.3. Violência sexual contra crianças e adolescentes: elementos constitutivos do conceito ... 37

2. Método: Abordagem e modalidade de pesquisa... 61

2.1. Construção do corpus da pesquisa ... 63

2.2. Análise dos Dados ... 66

3 Análise do corpus: as produções científicas em Psicologia sobre violência sexual intrafamiliar ... 68

3.1 O conceito de violência sexual intrafamiliar e seus elementos constitutivos ... 68

3.1.1 Considerações sobre as análises e discussões ... 137

3.2 Análise dos dados: Filiação teórica e percurso metodológico ... 139

3.2.1 Considerações sobre o eixo de análise 2 ... 163

Considerações Finais ... 166

REFERÊNCIAS: ... 171

Apêndice ... 180

(10)

Resumo

A violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes constitui uma temática extremamente complexa e grave do ponto de vista dos danos causados a esta população. Contudo, apesar da relevância da discussão, apenas na segunda metade do século XX a questão passa a ser abordada com a inclusão do tema, nas produções teóricas, do tema na perspectiva dos danos causados às vítimas. Diante deste contexto de abertura de discussões sobre a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes que tem se intensificado nas últimas décadas, sobretudo com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei federal 8069/90), que passa a reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, vários campos do saber dedicaram-se ao estudo desta temática. Dentre estas áreas destaca-se a Psicologia que tem subsidiado discussões teóricas e práticas interventivas, tendo como foco esta modalidade de violência. Diante das muitas possibilidades de produção do conhecimento no contexto da ciência psicológica, em virtude da diversidade teórico metodológica que a constitui, o presente trabalho tem como objetivo mapear e debater os trabalhos construídos no esteio da ciência psicológica e que tiveram como proposta discutir a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes no Brasil. Para tanto, constituiu material desta pesquisa os artigos publicados em periódicos de Psicologia. Para ir ao encontro deste objetivo, foi realizada busca no Scielo Brasil, a partir de descritores sobre a temática, escolhidos a partir de uma lista divulgada por Faleiros (2000). O recorte temporal da pesquisa foi entre 1990 a 2013; considerou, portanto, a data de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Análise de Conteúdo Temática foi o método escolhido para a análise dos dados, que se deu através da construção de dois eixos temáticos. O primeiro eixo contemplou uma análise do conceito de violência sexual intrafamiliar a partir de seus elementos constitutivos. O segundo eixo de análise abordou as estratégias teórico-metodológicas dos autores, buscando identificar e discutir as abordagens teóricas às quais os autores se afiliam, as estratégias metodológicas escolhidas para o alcance dos objetivos propostos e as justificativas que os autores apresentam para suas pesquisas. As análises dos eixos temáticos apoiaram-se na discussão teórica realizada sobre a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Por meio destas análises observou-se que ainda há dificuldades na conceituação da violência sexual intrafamiliar de maneira ampla que contemple todos os seus elementos e que a diferencie da exploração sexual. No concernente às estratégias teórico-metodológicas as pesquisas mostraram grande diversidade tanto na abordagem teórica quanto nas estratégias metodológicas, dado que contribui para a compreensão do fenômeno. Espera-se, com este estudo, contribuir com a reflexão sobre a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes, impulsionando novas pesquisas e/ou práticas interventivas.

(11)

Abstract

Intrafamily sexual violence against children and adolescents is a highly complex and serious issue in terms of the damage caused to this population. However, despite the relevance of this discussion, the matter only began to be addressed in the second half of the twentieth century, with its inclusion in academic research from the perspective of damage caused to the victims. Debate on intrafamily sexual violence against children and adolescents has intensified in recent decades, particularly with the enactment of the Statute on Children and Adolescents (Federal Law 8069/90), which recognizes children and adolescents as rights holders. Open discussion on the issue meant several fields of knowledge began to study the topic. Particularly prominent among these areas is the field of Psychology, promoting theoretical discussions and practical interventions focusing on this type of violence. Given the theoretical and methodological diversity of psychological science and the many possibilities for the production of knowledge, this study aims to map and debate research conducted in the field that discusses intrafamily sexual violence against children and adolescents in Brazil. To that end, articles published in Psychology journals were analyzed. In order to achieve this objective, a search was conducted of Scielo Brasil using descriptors on the subject, chosen from a list reported by Faleiros (2000). The time frame studied was between 1990 and 2013, therefore included the date of the enactment of the Statute of Children and Adolescents. Qualitative analysis was selected as a data analysis technique around two main themes. The first involved analyzing the concept of intrafamily sexual violence based on its components. The second analytical theme addressed the theoretical and methodological strategies used by the authors. The aim was to identify and discuss the approaches chosen to achieve the proposed objectives as well as the justifications provided by the authors for their research. Analyses of these themes were based on theoretical discussions on intrafamily sexual violence against children and adolescents. Difficulties were identified in conceptualizing intrafamily sexual violence so as to include all its elements and differentiate it from sexual exploitation. The studies assessed showed substantial diversity in both the theoretical and methodological approaches used, contributing to understanding the phenomenon. It is expected that this study will contribute to reflection on intrafamily sexual violence against children and adolescents, promoting new studies and/or practical interventions.

(12)

Apresentação

A violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes constitui

uma temática extremamente complexa. Refletir sobre esta temática não constitui

apenas uma opção pelo tema de pesquisa, mas pressupõe uma implicação e um

compromisso por parte do pesquisador. Com o trabalho que ora apresentamos

não foi diferente, as inquietações foram sendo construídas a partir do trabalho

como psicóloga no extinto Programa Sentinela, que prestava atendimento

psicossocial à crianças e adolescentes vítimas de violência sexual; em seguida

atuei também no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, atendendo crianças e adolescentes com direitos violados.

Este percurso me fez buscar qualificação profissional e me dedicar ao

estudo do tema com a finalidade de construir uma atuação que pudesse ir ao

encontro das demandas de crianças e adolescentes vítimas de violência, e

igualmente zelar pelos direitos desses sujeitos. Neste sentido, cursei a

especialização em Metodologia para o enfrentamento da violência contra crianças

e adolescentes, oferecida pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, bem

como entrei em contato com o Núcleo de Estudos Sócio Culturais da Infância e

Adolescência. Os cursos e as discussões proporcionadas nesses espaços

despertaram o desejo de ampliar e aprofundar os conhecimentos, oportunidade

que se concretizou com a entrada no mestrado e a confecção deste trabalho.

Iniciamos a apresentação deste trabalho colocando a violência sexual

(13)

conhecimento e campos do saber. Apesar da relevância da discussão do tema,

apenas na segunda metade do século XX a questão passa a ser abordada com a

inclusão, nas produções teóricas, do tema na perspectiva dos danos causados às

vítimas.

Diante deste contexto de abertura de discussões sobre a violência sexual

intrafamiliar contra crianças e adolescentes que tem se intensificado nas últimas

décadas, sobretudo com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei federal 8069/90), que passa a reconhecer crianças e adolescentes como

sujeitos de direitos, surgem as inquietações que se traduzem no presente estudo:

O que a ciência psicológica tem produzido acerca da temática da violência sexual

contra crianças e adolescentes? O que foi publicado em periódicos de

Psicologia? Com quais áreas os saberes psicológicos estão dialogando para

construir um conceito de violência sexual intrafamiliar?

Estas indagações nos fizeram optar pelo estudo denominado “Estado da Arte”, ou Estado do conhecimento, modalidade de pesquisa que propicia uma

visão panorâmica do conhecimento produzido por determinada área, em um dado

período de tempo. Este tipo de estudo nos permitiu ir ao encontro do objetivo

proposto por nossas inquietações, qual seja: mapear e analisar criticamente os

trabalhos construídos a partir da ciência psicológica e que tiveram como proposta

discutir a violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes no Brasil.

O estudo realizou-se tendo como desenho metodológico uma investigação

documental desenvolvida a partir dos artigos publicados em periódicos científicos

de Psicologia, adotando como critério para a delimitação temporal o ano de 1990,

data da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, e considerando

(14)

afirmam que as pesquisas sobre violência sexual intrafamiliar contra crianças e

adolescentes só passam a ser realizadas no Brasil, a partir do final da década de

80. Pudemos, a partir deste recorte, obter uma visão ampla do conhecimento

produzido, dos avanços e das rupturas presentes nesta trajetória.

Deste modo, a partir da concepção da Psicologia Sócio Histórica de

Vygotski, que inspirou o percurso de nosso trabalho durante a investigação,

buscamos dialogar com diferentes estudos, a fim de, em um primeiro momento,

construir um referencial teórico que pudesse discutir e conceituar a violência

sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Para tanto, elegemos

trabalhos cujas concepções permitissem a aproximação e o diálogo com esta

abordagem teórica.

Assim, no primeiro capítulo deste estudo, apresentamos uma discussão

teórica que introduz a temática da violência contra crianças e adolescentes por

meio de uma breve contextualização que visa situar a violência sexual

intrafamiliar como uma modalidade e um tipo específico no contexto das

violências contra crianças e adolescentes. Esta discussão conceitual nos permite

entrar em contato também com os elementos constitutivos do conceito desta

modalidade de violência contra crianças e adolescentes, os quais tomaremos

como referência para proceder às análises do corpus da pesquisa.

No segundo capítulo fizemos a exposição de nossas escolhas

metodológicas, detalhando o tipo de pesquisa, os critérios para a composição do

corpus da pesquisa e os procedimentos para a análise do material recuperado.

O terceiro capítulo é composto pelas análises do material, através de

categorias que emergiram das reflexões teóricas constantes no primeiro capítulo

(15)

analisados os conceitos constantes nos artigos e seus elementos constitutivos;

em seguida, os objetivos das pesquisas, como os pesquisadores justificam seus

trabalhos, quais abordagens teóricas orientam os trabalhos e quais percursos

metodológicos são traçados pelos pesquisadores para o alcance de seus

objetivos. A apresentação das análises foi diferente para cada um dos eixos

temáticos, já que para a discussão dos conceitos os artigos foram apresentados

um a um; os demais eixos temáticos foram apresentados na forma de quadros, na

intenção de propiciar ao leitor maior clareza e facilidade para compreensão dos

dados.

Por fim, são colocadas as considerações finais, muito mais no sentido de

apresentar as reflexões às quais o trabalho nos conduziu e as novas inquietações

(16)

1. A violência sexual intrafamiliar no contexto dos estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes

A infância, segundo a Enciclopédia das

Crianças, é uma época de felicidade inocente,

que se vive nas campinas entre flores e coelhos,

junto á lareira absorto num livro de contos. É uma

visão de infância totalmente alheia a ele. Nada do

que vive em Worcester, em casa ou na escola, o

faz pensar que a infância seja mais do que uma

fase de engolir em seco e suportar.

J. M. Coetzee

A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno que tem sido

bastante discutido na sociedade atual, por profissionais das Ciências Humanas e

Sociais, sobretudo a partir do paradigma da proteção integral inaugurado pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8069/90). Contudo, a

existência de uma legislação específica que altera o status de crianças e

adolescentes para sujeitos de direitos, e em peculiar situação de

desenvolvimento, não impede a incidência da violência, especialmente aquela

que ocorre no espaço privado, no contexto familiar.

O estudo da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes

desenvolve-se no contexto dos estudos sobre as outras modalidades de

violência, sobretudo a violência física, conforme apontam os trabalhos de Faleiros

(17)

abordados. Dado o exposto, faremos uma breve contextualização apoiada nos

estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes, para então situarmos a

violência sexual intrafamiliar, tema desta pesquisa.

O cenário de violência, apesar da legislação vigente, está bastante

relacionada aos fatores históricos e culturais arraigados á prática da violência

contra crianças, pois conforme Guerra (1985 p. 21): “as crianças estiveram em

muitos períodos da história sujeitas desde a tenra idade a todos os castigos e

sanções destinadas a adultos incluindo até a pena capital”. No contexto descrito

pela autora, a violência era não só praticada, mas reconhecida pelo estado como

um meio de correção e manutenção das normas.

Dando continuidade à nossa breve reflexão, Guerra (2001) aponta para

diversos momentos históricos nos quais as punições corporais eram amplamente

adotadas como método educativo, ressaltando que o século XVII, embora tenha

sido marcado por uma maior atenção dada à criança, os castigos físicos são

assumidos como método disciplinar, respaldado pelos textos bíblicos,

amplamente utilizados na época. No século XVIII, mesmo considerada em alguns

países como inadequada, a violência física continua sendo permitida, tendo, até

mesmo a recomendação de educadores e estudiosos (Guerra, 2001).

O século XIX foi marcado pelo primeiro estudo científico da violência física,

desenvolvido na França pelo médico Ambroise Tardieu, que em 1860 publica seu

estudo baseado em 32 casos, dos quais com 18 mortes, de crianças que teriam

sofrido violência física praticada por seus pais (Guerra, 2001). Contudo, o

trabalho do professor Tardieu, não teve grande repercussão, o que demonstra

que a sociedade da época não estava interessada ou preocupada com a violência

(18)

No século XX o fenômeno da violência é novamente abordado através do

trabalho de Kempe e Silverman, em 1962, esses teóricos constituíram a

expressão que se tornou conhecida por “Síndrome da Criança Espancada”. O

estudo foi construído a partir de 749 casos de crianças vítimas de violência. O

referido trabalho traz um protocolo de elementos, ou lesões que podem ser

identificados em exames clínicos ou radiológicos e podem conduzir ao

diagnóstico da síndrome. Os autores do estudo chamam ainda a atenção para a

necessidade de responsabilização dos autores das lesões bem como a

implicação dos profissionais da área médica em tais situações. (Guerra, 2001;

Sousa, 2001)

Embora a Síndrome da Criança Espancada tenha contribuído para suscitar

a discussão sobre o fenômeno, apenas nas décadas de 70 e 80 é que a temática

da violência física contra crianças passa a adquirir um novo modelo conceitual,

com contribuições de diversas áreas do conhecimento tais como a psicologia, a

antropologia, o direito, a sociologia, entre outros. A partir destes estudos a

complexidade do fenômeno ganha novos conceitos, não podendo mais ser

compreendida unicamente pelo saber médico.

Deste modo, dialogar com as definições construídas neste período de

intensas mudanças que se iniciaram na década de 70 e estende-se até a

atualidade, se faz imprescindível para uma reflexão teórica sobre a violência

contra crianças e adolescentes. Cabe ainda salientar, concordando com Minayo e

Souza (1998) que a complexidade do fenômeno da violência e suas múltiplas

causas, como será visto a seguir, conduz a uma diversidade de conceitos e

(19)

Nesse novo contexto Guerra (2001) define violência doméstica contra

crianças como:

(...) todo ato ou omissão praticado por pais parentes ou responsáveis

contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano físico,

sexual e/ou psicológico à vítima, implica, de um lado uma transgressão do

poder/dever de proteção do adulto, e, de outro, uma coisificação da

infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm

de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de

desenvolvimento. (Guerra, 2001 p.32)

Refletindo sobre o conceito construído pela autora percebe-se a

multiplicidade de aspectos envolvidos na situação de violência, que além do dano

físico, reproduz uma relação de objeto na qual a criança tem negados os direitos

previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. É importante salientar que,

para a autora, a violência doméstica coincide com a intrafamiliar1. A este conceito

Faleiros (1998) acrescenta a existência de desigualdades entre crianças,

adolescentes e os adultos, diferenças estas que se expressam na compleição

física e no desenvolvimento intelectual, uma vez que, para o autor, a violência “é uma relação de poder na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com

pesos poderes desiguais, de conhecimento, força, autoridade, experiência,

maturidade, estratégias e recursos” (Faleiros, 1998 p.68).

A partir conceitos de Guerra (2001) e Faleiros (1998) pode-se afirmar que

a violência ocorre numa relação, entre adultos e crianças, marcada pelo

(20)

autoritarismo e pela concepção de que crianças e adolescentes podem ser

tomados como objetos, conforme acrescenta Sousa (2001). Na sociedade atual,

na qual o adulto ocupa lugar privilegiado, a criança acaba sendo coisificada, e,

por conseguinte, torna-se alvo das mais variadas formas de violência que,

geralmente, encontram no contexto familiar local privilegiado para sua ocorrência.

Os pensamentos dos autores citados conduzem à percepção de aspectos

que são de grande importância para a reflexão sobre a violência, uma vez que

refletem as concepções da sociedade sobre infância e adolescência, bem como

seu comportamento frente a estes sujeitos. Elementos como a desigualdade nas

relações, a centralidade no adulto, o autoritarismo e a objetalização da criança

conduzem a pensar numa sociedade, na qual o uso da força contra esses sujeitos

está presente causando danos e violando direitos.

Conforme esboçado nos conceitos apresentados, a violência contra

crianças apresenta-se de diversas maneiras. A diversidade nas manifestações

conduz a vários modelos de classificação. Azevedo e Guerra (2007) classificam

as crianças que sofrem violência a partir do que denomina “processos fundamentais de produção de crianças vítimas” (Guerra, 2007 p.26).

Na concepção das autoras a violência contra crianças e adolescentes

pode ser organizada em duas categorias, as quais denominam “Vitimação” e “Vitimização”. A vitimação está diretamente relacionada às severas desigualdades

sociais que torna crianças suscetíveis à privação de seus direitos fundamentais,

estas crianças são classificadas pelas autoras como “crianças de alto risco”, por

estarem sofrendo com a violência estrutural e na iminência de se tornarem

(21)

A outra categoria de classificação proposta por Azevedo e Guerra (2007)

refere-se ao processo de “vitimização” que, para as autoras, é o reflexo das relações interpessoais estabelecidas entre adultos e crianças em uma sociedade

marcada pelas desigualdades. Estas relações, não raro podem resultar numa

violência física, psicológica ou sexual. As crianças, nesta situação, são

denominadas pelas autoras como “crianças em estado de sítio”, ou seja, essas

crianças já estão em um contexto cujas relações são marcadas pela violência.

Minayo (2002) constrói sua classificação a partir de três categorias:

“Violência Estrutural, Delinquência e Violência Doméstica” (p.98). Por violência estrutural a autora compreende como a incidência das condições sociais e

econômicas de crianças e adolescentes. Essas condições, marcadas pelas

desigualdades privam muitas crianças dos recursos necessários ao seu

desenvolvimento. Para a autora, a delinquência seria um fenômeno gerado pela

violência estrutural, um meio de “resistência” às condições impostas pela sociedade (Minayo, 2002, p.99). A violência doméstica é definida pela autora

como aquela praticada no contexto privado, podendo ainda ser subdividida em

violência física, sexual, psicológica e negligência.

Faleiros (2006) classifica a violência em: violência física, psicológica e

sexual. A violência sexual está ainda subdividida em abuso sexual (intra e

extrafamiliar) e exploração sexual (prostituição, pornografia, turismo sexual e

tráfico de pessoas para fins de exploração sexual) acrescentando, ainda, a esta

classificação, a violência estrutural e a violência simbólica. No presente estudo,

adotaremos esta classificação, em virtude do seu maior detalhamento e da

(22)

Contudo, embora Faleiros (2006) utilize a nomenclatura “abuso sexual” adotaremos a expressão “Violência sexual intrafamiliar”, por acreditar que a expressão “abuso sexual” partiria do pressuposto que haveria um “uso” possível

da sexualidade de uma pessoa em desenvolvimento, o que vai de encontro com

nossas concepções. Entretanto, ao referirmo-nos às pesquisas dos diversos

autores com quem aqui dialogamos, preservaremos a nomenclatura e os termos

por eles adotados. Esta discussão sobre os termos e definições será aprofundada

nas seções a seguir.

Por violência estrutural Faleiros (2006) compreende a “expressão das desigualdades” (p.66) que viola os direitos de crianças e adolescentes, quando

impede a estes o acesso às condições necessárias ao seu pleno

desenvolvimento. A este conceito Minayo (1993 citada por Faleiros, 2006)

acrescenta que grupos em situação privilegiada utilizam-se das leis para manter a

situação desigual que os beneficia. A desigualdade, nesse contexto, é o conceito

chave para se compreender a violência estrutural.

A violência simbólica consiste na imposição, pela classe dominante, de

valores, crenças, mitos que contribuem para a manutenção da dominação. Para

Faleiros (2006) é a manutenção da superioridade por meio de “mitos, símbolos, imagens, mídia” (p.68) que são construtos sociais discriminatórios e excludentes.

A negligência pode ser descrita como uma relação marcada pela omissão

em relação à criança ou adolescente, sobretudo por parte daqueles que deveriam

dispensar os cuidados essenciais à manutenção de sua existência. Para Faleiros

(2006) a negligência é “um tipo de relação entre adultos e crianças ou

adolescentes baseada na omissão, rejeição, descaso, na indiferença, no

(23)

A violência física pode ser compreendida como todo ato contra crianças e

adolescentes cujo objetivo seja causar dano físico, podendo ser desde dores até

lesões de natureza grave, com o risco de levar à morte. Esse tipo de violência é

marcado pela intencionalidade, geralmente praticada por pais ou responsáveis,

constituindo um episódio isolado ou de natureza repetitiva (Guerra, 2001;

Faleiros, 2006; Sousa, 2001; Minayo 2002). Outro dado relevante apontado por

Faleiros (2006) em sua abordagem sobre violência física, refere-se ao fato de que

a violência não pode ser considerada apenas quando provoca danos físicos, mas

como todo ato que cause dor, ainda que não haja evidência física, pode ser

considerado violência, pois: “a violência física é o uso da força contra a criança e o adolescente, causando-lhes desde uma leve dor, passando por danos e

ferimentos de média gravidade até a tentativa ou execução de um homicídio”.

(Minayo 2002 p.103)

A violência psicológica, de acordo com Faleiros (2006), é a expressão de

uma relação desigual entre crianças e adultos, na qual crianças e adolescentes

têm sua autoimagem destruída em virtude das agressões verbais que impõem

humilhações, rejeição, isolamento e desvalorização dos mesmos. Guerra (2007)

acrescenta, ainda, a este conceito as designações “negligência afetiva” que consiste na negação de afeto e interesse pela criança, e “rejeição afetiva” caracterizada pelas agressões verbais que menosprezam a criança.

A violência sexual contra crianças e adolescentes consiste na utilização da

criança ou adolescente como objeto da gratificação sexual do adulto. Para

Faleiros (2006) o adulto utiliza de seu poder para abusar da sexualidade de

(24)

em desenvolvimento” (p. 77). Segundo o autor, a violência sexual pode ocorrer na modalidade de “Abuso sexual” ou “Exploração sexual comercial”.

Faleiros (2006) define o abuso sexual a partir do conceito explicitado em

publicação da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à infância e

Adolescência – ABRAPIA (1992) que entende essa modalidade de violência como a utilização da criança ou adolescente em atividades sexuais que tenham

como objetivo principal a gratificação do adulto ou de um adolescente mais velho.

As atividades sexuais são impostas, atravessadas por relações de poder, e

podem ou não ter contato físico e uso de força.

Faleiros (2006) acrescenta que o abuso sexual pode ser classificado em

intrafamiliar ou extrafamiliar. Por abuso sexual intrafamiliar ou incestuoso, o autor

compreende as relações abusivas praticadas por um agressor que faz parte da

família, considerando também as pessoas que fazem parte do contexto familiar,

mas não são parentes consanguíneos, (tais como padrastos, madrastas,

cunhados, entre outros), bem como as famílias adotivas. Nas situações de abuso

sexual extrafamiliar o agressor não faz parte do contexto familiar e pode ou não

ser conhecido da vítima.

No concernente à exploração sexual comercial, Faleiros (2006) define

citando Leal e Leal (2002) como uma:

(...) relação de mercantilização (exploração/dominação) e abuso (poder) do

corpo de crianças e adolescentes (oferta) por exploradores sexuais

(mercadores), organizados em redes de comercialização local e global

(mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços

(25)

Faleiros complementa apresentando algumas formas de exploração sexual

comercial:

 Prostituição2: troca de atividades sexuais por dinheiro ou produtos que

satisfaçam necessidades básicas tais como roupas, alimentação ou acesso a

serviços;

 Pornografia: trata-se da produção, venda, utilização de material

pornográfico envolvendo crianças e adolescentes;

 Turismo sexual: é o “comércio sexual em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros” (Faleiros, 2006 p.86) nesse tipo de turismo

diversos atores são envolvidos tais como agências de viagens, hotéis, bares,

taxistas, entre outros, que facilitam a prática sobretudo com crianças e

adolescentes.

 Tráfico de pessoas para fins sexuais, que segundo Faleiros (2006, p.87)

“significa o recrutamento, transporte, transferência, abrigo e guarda de

pessoas por meio de ameaças, uso da força ou outras formas de coerção (...)

de uma pessoa que tenha controle sobre a outra, com propósitos de

exploração”.

Por tratar-se do objetivo do presente estudo, a seguir realizaremos uma

discussão teórica mais detalhada sobre a violência sexual intrafamiliar contra

crianças e adolescentes.

2

(26)

1.1 Violência sexual intrafamiliar: estudos em sexualidade infantil e o tabu do

incesto como focos iniciais de atenção

Tem sido uma tendência na atualidade considerar a sexualidade humana

não apenas sob o ponto de vista biológico, mas como um aspecto inserido sócio

historicamente. Deste modo, cada momento histórico e cada civilização vivencia a

sexualidade de maneira bastante particular. De acordo com Dantas (2009), a

sexualidade está submetida às regras sociais.

No concernente à criança, Freud (1923) colocou a sexualidade em lugar

privilegiado para a constituição do sujeito, atribuindo-lhe papel central, sobretudo

na formação da subjetividade. O pai da Psicanálise salienta, ainda, as diferenças

entre as sexualidades adulta e infantil. Ferenczi (1988) citado por Dantas (2009)

enfatizou as ideias de Freud falando sobre as sequelas psíquicas da violência

sexual, pois define as crianças como estando em um estágio de desenvolvimento

que classifica como “estádio da ternura”. Se nesta fase da vida há qualquer

ultrapassagem de limites por parte do adulto, haverá danos para o psiquismo da

criança.

Santos e Aguiar (2006) destacam que a sexualidade infantil envolve

diversas dimensões das quais destaca a biológica, a psicológica, a social e a

cultural. Sobre a dimensão biológica salienta que a vida sexual saudável depende

de fatores como o desenvolvimento desta sexualidade, que está sujeito a fatores

biofisiológicos.

Sobre a dimensão psicológica relata que a história de vida, experiências,

valores e vivências também compõem a sexualidade, que quando vivenciada de

(27)

Contudo, os estudiosos afirmam que a sexualidade é também um

comportamento que está sujeito “às normas, aos costumes, à moral e aos códigos definidos” (Santos & Aguiar, 2006, p.11). Ou seja, essas são também relações sociais e culturais cujas normas e valores, que de certo modo, a

regulam, refletem uma sociedade e uma época histórica.

Desta forma, há uma concordância entre diversos autores acerca do fato

de que a criança possui uma sexualidade, e que esta sexualidade manifesta-se

desde o primeiro ano de vida; contudo, de forma bastante peculiar e diferenciada

da sexualidade do adulto. Segundo Santos & Aguiar (2006) as crianças, desde o

seu nascimento, têm condições de experienciar sensações prazerosas em seu

corpo e nesse momento tem início o desenvolvimento de sua sexualidade. Nesse

sentido, o papel dos pais será o de proporcionar momentos de carinho, proteção,

segurança através do contato físico que deverá encontrar o equilíbrio entre a

omissão ou negligência e o excesso ou sensualidade impressa nestes atos.

No concernente à sexualidade na adolescência, muito embora diversos

estudos abordem esta fase da vida sob aspectos e pontos de vista diferentes, o

desenvolvimento dos aspectos biológicos da sexualidade e as repercussões

psicológicas e comportamentais para o sujeito são amplamente discutidos.

Conforme identificamos nos estudos de Coll, Marchesi e Palacios (2008), a

maturação biológica do adolescente possibilita a vivência dos desejos sexuais de

forma mais intensa, conduzindo à busca por um parceiro, Aberastury e Knobel

(1981/2011) acrescentam que esta fase da vida é marcada por mudanças

biológicas que trazem para o adolescente uma intensa curiosidade sexual, bem

(28)

Neste momento da vida os adolescentes experimentam também o “amor apaixonado”, marcado por vínculos intensos, contudo frágeis, característicos da adolescência (Aberastury & Knobel 1981/2011).

É importante salientar que muito embora o adolescente possa apresentar o

desenvolvimento biológico, sobretudo dos caracteres sexuais secundários

compatíveis com um adulto, ele ainda encontra-se em situação peculiar de

desenvolvimento, uma vez que as transformações ocorridas em seu corpo

produzem repercussões em seu psiquismo, gerando ansiedade e preocupações,

conforme aponta Aberastury e Knobel (1981/2011).

Podemos então compreender a sexualidade na adolescência de modo

mais amplo, uma vez que as mudanças que o adolescente experiencia

repercutem também na forma como ele passa a se relacionar no contexto social e

cultural, bem como a vivência da sexualidade também é influenciada por estes

fatores. Entendemos então, concordando com Marques, Vieira e Barroso (2003),

a vivência da sexualidade pelo adolescente como uma experiência complexa

atravessada por fatores biológicos (mudanças hormonais, crescimento)

psicológicos (aceitação das transformações físicas, busca por um parceiro,

paixões) e sociais (normas e tabus culturais).

Dado o exposto, é importante ressaltar, concordando com Alvin (1997), a

importância de refletir sobre a violência sexual praticada contra estes sujeitos. O

autor coloca que os adolescentes, definindo-os como “essas crianças com corpo sexuado de adulto” (p.72) aparentam menos inocência que as crianças. Assim, “não só inspiram menos compaixão, mas muitas vezes lhe são emprestadas

intenções ou uma maturidade que não possuem, particularmente nas situações

(29)

adolescente pode estar sujeito, geralmente é subestimada, o que acarreta a

ausência de intervenção e rompimento da situação de violência. Alvin (1997)

salienta que muitos casos de violência sexual contra adolescentes, quando

intrafamiliar, perduram por longo tempo, tendo início muitas vezes na infância, o

que torna a situação bastante complexa. Nesse contexto é importante considerar

que adolescentes são sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento, também

suscetíveis à violência sexual intrafamiliar.

Dado o exposto, concordando com os pressupostos da Psicologia Sócio

Histórica, salientamos que o comportamento sexual, assim como tantos outros, é

aprendido, ou ainda, internalizado pelas crianças e adolescentes mediante as

experiências vivenciadas (Santos & Aguiar 2006). E essas experiências ocorrem,

principalmente, no ambiente familiar e no convívio com os pais.

Desse modo, herdeiro dessas e de muitas outras teorias, o entendimento

contemporâneo, conforme já sinalizado, concebe que as interações entre adultos

e crianças ou adolescentes, quando ultrapassam os limites e ignoram as

peculiaridades destes sujeitos em desenvolvimento, podem ser consideradas

abusivas, e, por conseguinte, traumáticas.

Contudo, estas concepções sobre a sexualidade de crianças e

adolescentes apenas muito recentemente passaram a influenciar os estudos

sobre a violência sexual intrafamiliar contra esses sujeitos, conforme discutiremos

a seguir.

O Ministério da Educação em publicação de 2004 aponta que a violência

sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes passa a ser discutida na

perspectiva dos danos causados às vítimas nos Estados Unidos apenas na

(30)

da década de 80, no período após a ditadura, é que a questão começa a ser

debatida, segundo pontuam Felizardo, Zurcher e Melo (2003). Conforme será

abordado no curso deste trabalho, cuja perspectiva principal refere-se aos

estudos e conhecimentos produzidos no campo da Psicologia, sobre a violência

sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes, tais estudos só começaram a

ser publicados em periódicos dessa área do conhecimento, na primeira década

do século XXI.

Os trabalhos que foram desenvolvidos na primeira metade do século XX

ainda não trazem a discussão da violência sexual intrafamiliar; são pesquisas

antropológicas, (Malinowski 1927/1973; Levi-Strauss, 1949/1982) e do campo da

Psicanálise (Freud, 1930/1996) que trazem estudos sobre o tabu do incesto e sua

função na sociedade. É importante observar que, embora o incesto constitua

objeto de preocupação desses autores eles não mencionam a transgressão a

este tabu sob a perspectiva da vítima, das consequências para estes sujeitos ou

a dinâmica da violência, sobretudo quando esta ocorre no contexto familiar e as

vítimas são crianças e adolescentes.

Esses estudos sobre o incesto conceituam-no de modo geral como: “a transgressão da proibição do casamento dentro da família nuclear” (Felizardo;

Zurcher; Melo; 2003). Tal proibição estaria presente com uma função reguladora

em todas as culturas, sobretudo quando envolve membros da família nuclear com

diferença significativa de idade, ou seja, quando membros da família, sobretudo

adultos, mantém relações sexuais com crianças desta mesma família.

Freud (1923) concebe a proibição do incesto como a questão central de

sua teoria, sendo fundamental para a construção da estrutura mental, pois,

(31)

o id, o ego e o superego, sendo o id a representação da vida instintiva, o

superego nasce a partir da proibição, ou seja, da internalização da lei e das

normas sociais e o ego faria a mediação entre as manifestações da vida instintiva

e as normas sociais e culturais.

Para Freud (1923), a proibição aos desejos edipianos vivenciados pela

criança a faz renunciar aos desejos primários e entrar para a cultura, fazer parte

da sociedade. Deste modo, para a Psicanálise, o desejo incestuoso faz parte da

sexualidade primitiva do ser humano. Contudo, deve ser reprimido para que a

sociedade possa existir. Acrescenta ainda a incompatibilidade entre o incesto e a

vida em sociedade e com a própria civilização, pois “O incesto é anti-social e a

civilização consiste numa progressiva renúncia a ele” (Freud, 1930 p.68)

Malinowski, antropólogo, pesquisador polonês que desenvolveu diversos

estudos em populações tribais concluiu, em sua obra Sexo e Repressão na

Sociedade Selvagem, de 1927, que a proibição do incesto está presente mesmo

nas sociedades ditas selvagens, como reguladora da sociedade, sendo

responsável pela formação da cultura, da linguagem, da organização familiar e

religiosa. Sobre a questão, Rijnaarts (1988 apud Felizardo; Zurcher; Melo; 2003 p.

46) acrescenta:

O incesto é necessariamente proibido porque ele é incompatível com a

existência dos fatores fundamentais de uma cultura, qualquer que seja ela:

se os costumes, a moral, e a lei permitirem o incesto, a continuação da

existência da família estaria correndo risco. O momento do

amadurecimento seria ao mesmo tempo o momento do caos social.

O antropólogo Lévi-Strauss, de concepção estruturalista, em sua obra de

(32)

proibição do incesto é base da sociedade, uma vez que o casamento entre

famílias diferentes possibilita a ampliação das relações sociais (Levi-Strauss,

1949/1982). Deste modo, a sociedade com a organização familiar e relações de

parentesco que conhecemos, só foi possível a partir da proibição do incesto.

As pesquisas na área da Psicologia Social que foram desenvolvidas até a

década de 70 ocuparam-se, principalmente, da classificação da violência sexual,

a maior parte delas visando descrever o agressor como alguém com problemas

psiquiátricos, transtornos mentais ou dependentes químicos, conforme salienta

Felizardo, Zurcher e Melo (2003)

Nas pesquisas expostas acima, desenvolvidas até a década de 70 do

século XX, o fenômeno do incesto é abordado por diversas áreas do

conhecimento, com vistas a explicar a função do tabu do incesto no contexto

familiar, ou ainda descrever ou classificar o agressor sexual. Deste modo o

objetivo não era identificar as consequências deste tipo de prática, tampouco

verificar sua ocorrência na família, reflexão fundamental que passa a ser

realizada no final da década de 70 nos Estados Unidos e década de 80 na

Europa (Felizardo, Zurcher e Melo 2003).

1.2. O fenômeno da violência sexual intrafamiliar: um conceito ainda em

construção

No Brasil, apenas no final do século XX nas décadas de 80 e 90 as

pesquisas passaram a conceber o abuso sexual intrafamiliar como um fenômeno

multideterminado, necessitando de um olhar cuidadoso sobre a dinâmica familiar

(33)

discussões sobre a proteção à infância e à adolescência impulsionaram as

pesquisas e chamaram a atenção da sociedade para as consequências do abuso

sexual para crianças e adolescentes, conforme descreve Felizardo, Zurcher e

Melo (2003).

Nesse contexto, nascem algumas correntes teóricas que merecem

destaque na elucidação da violência sexual intrafamiliar praticada contra crianças

e adolescentes. São elas: o modelo sistêmico, o feminista e o psicodinâmico.

O modelo sistêmico aborda, ou ainda, conceitua o abuso sexual como o

resultado de uma família disfuncional, com pais que não exercem função

protetora. Os pais podem carregar consigo problemas trazidos de sua própria

infância. A disfuncionalidade irá refletir numa mãe distante de seus papéis

familiares, acarretando que uma das filhas passe a “ocupar” esse lugar. O pai

geralmente tenta demonstrar autoridade e poder através da relação incestuosa

com a filha (Felizardo; Zurcher; Melo; 2003).

O modelo feminista coloca como causa principal do abuso sexual infantil a

“estrutura social patriarcal e a socialização hierarquicamente desigual de homens e mulheres dentro da estrutura” (Felizardo; Zurcher; Melo; 2003). Tal argumento

está firmado no fato de que as estatísticas apontam para uma maioria de crianças

e adolescentes do sexo feminino, vitimizadas pelo abuso sexual.

O modelo psicodinâmico combina alguns fatores que identifica como

importantes para a compreensão do fenômeno, tais como a disfuncionalidade

familiar, confusão de papéis, o isolamento social e a relação difícil entre os pais.

O curso destas reflexões teóricas possibilitou o aprofundamento das

discussões e a conceitualização desta forma extremamente grave e perversa de

(34)

este fenômeno está também estreitamente relacionado a fatores históricos e

culturais que atravessam o conceito de infância e colocam crianças e

adolescentes como alvo fácil deste tipo de violação de direitos. A complexidade

do fenômeno nos leva a refletir sobre a multiplicidade de aspectos que o envolve.

Deste modo, a violência sexual não pode ser atribuída somente à

disfuncionalidade familiar ou à dominação de gênero envolve, também, as

relações sociais, culturais, os aspectos políticos e legais que constituem a

sociedade.

A partir desta concepção ampliada, discutiremos os conceitos construídos

pelos principais teóricos que têm se dedicado à temática na contemporaneidade.

Iniciamos nossa reflexão a partir do trabalho de Eva Faleiros que, em seu

texto: Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de

crianças e adolescentes, publicado em 2000, coloca uma questão bastante

pertinente: “Como conceituar e denominar as situações até então denominadas abuso sexual nas quais crianças e adolescentes são vitimizados sexualmente por

familiares, conhecidos ou desconhecidos?” (p.21).

Para responder a esta questão a autora propõe que a violência sexual seja

compreendida a partir da natureza da relação e o contexto no qual a mesma

ocorre. Define a violência como uma “relação de caráter sexual não mediatizada pelo comércio, sem fins de lucro” (Faleiros, 2000 p.21). Diferencia-a, portanto, de Exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Acrescenta que se trata

de uma relação de dominação, que ocorre de maneira forçada.

Trazendo novos elementos para a discussão, Azevedo e Guerra (2007)

definem a violência sexual contra crianças e adolescentes por meio da expressão

(35)

podem ser hetero ou homossexuais entre uma criança ou adolescente e um

adulto, tendo por objetivo a gratificação sexual deste adulto. Quando a violência é

praticada por um adulto que tem vínculo de afinidade, responsabilidade,

consanguinidade, o abuso-vitimização é classificado como intrafamiliar ou

incestuoso. As autoras acrescentam que a violência sexual pode contemplar o

contato físico (toques, carícias, penetração) ou ocorrer sem contato físico

(exibicionismo, voyerismo), e podem ser impostas à vítima pelo uso da força ou

pela indução da vontade.

Ao conceito de violência sexual intrafamiliar ou incestuosa, Cohen (1998)

define-a colocando em relevo as interações sexuais entre pessoas que são da

mesma família e não são cônjuges. Contudo, família, na opinião do autor não é

composta por membros com vínculos consanguíneos ou de afinidade, mas pelas

funções sociais de parentesco que as pessoas exercem em um determinado

grupo. Através desta definição o autor amplia a concepção de incesto e coloca

em evidência a função familiar, contemplando inclusive as famílias substitutas.

Esta compreensão é de suma importância, pois os vínculos de responsabilidade e

afinidade e a função que o agressor possui na família, por vezes, são mais

relevantes, para a criança ou adolescente, que os vínculos de consanguinidade.

Entidades como Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde

também trazem discussões sobre a violência sexual intrafamiliar. O Ministério da

Saúde (Brasil, 2002) define a violência sexual como o envolvimento de crianças e

adolescentes, por meio de coerção ou sedução, em atividades sexualizadas,

inadequadas para o seu estágio de desenvolvimento psicossocial. Enfatiza a

incapacidade e falta de recursos cognitivos para avaliar ou consentir tais atos.

(36)

parentes próximos, que estão numa posição de poder em relação à vítima. O

conceito da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization – WHO, 2003) contempla os mesmos aspectos, acrescentando que a violência sexual

contra crianças e adolescentes viola leis ou tabus sociais, gerando

consequências físicas, psicológicas e comportamentais. Cohen (1998) acrescenta

que o incesto transgride as leis sociais que regulam o funcionamento da família.

A partir dessas discussões, entendemos que a violência sexual

intrafamiliar contra crianças e adolescentes é composta por atividades sexuais

(heterossexuais ou homossexuais) que podem ou não envolver contato físico ou

uso de força, impostas por um adulto ou adolescente mais velho à uma criança ou

adolescente, que encontra-se em estágio de desenvolvimento diferente em

relação ao agressor. Nesta modalidade de violência agressor e vítima são unidos

por vínculo de consaguinidade, parentesco ou responsabilidade, o que confere ao

agressor poder em relação à vítima. A violência sexual transgride as normas e

regras da sociedade e constitui um crime previsto na legislação e que causa

danos severos ao desenvolvimento de crianças e adolescentes vítimas.

Os conceitos apresentados anteriormente evidenciam que as relações de

violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes são sempre

marcadas pela imposição do poder, que viola os direitos desses sujeitos e causa

danos a diversos aspectos de seu desenvolvimento. A seguir, faremos uma

discussão acerca de cada um destes elementos.

1.3. Violência sexual contra crianças e adolescentes: elementos constitutivos

(37)

Para compreendermos, de forma mais aprofundada, a violência sexual

contra crianças e adolescentes abordaremos os conceitos a partir de seus

elementos constitutivos mais importantes: características da violência, as relações

de poder, a violação de direitos, os danos causados à vítima e a dinâmica da

violência no contexto familiar. Tais elementos também serão fundamentais na

análise da produção científica publicada em periódicos de Psicologia, sobre a

temática da violência sexual intrafamiliar.

a) Características da violência

O primeiro elemento para análise da violência sexual intrafamiliar refere-se

às suas características, presentes em vários dos conceitos apresentados em

nossa reflexão. Não há consenso entre os teóricos sobre quais ações poderiam

ser definidas como violência sexual. Contudo, é importante salientar que neste

tipo de violência nem sempre estão presentes as marcas físicas, ou seja, não é

necessário que haja contato físico para que a violência seja caracterizada. Além

desse aspecto, as relações podem ser homossexuais ou heterossexuais, e são

impostas tanto pelo uso da força como por sedução ou indução da vontade,

conforme salientam Faleiros (2006) Guerra (2007), Ministério da Saúde (2002)

WHO (2003) e ABRAPIA (1992)

b) Relações de Poder

O segundo elemento para análise da violência sexual intrafamiliar

(38)

Para Ferrari e Vecina (2002), as relações desiguais e a percepção da criança

como a parte frágil desta relação, que envolve dominação e submissão, refletem

no comportamento sexual violento de muitos adultos que, em muitos casos, é

justificado e acobertado pela cultura do “mais forte”. A situação de abuso sexual ocorre quando o adulto aproveita-se dessa “superioridade”. Para Machado (2003), o que está em questão é, sobretudo, o desenvolvimento emocional e

intelectual da criança, dos quais o agressor aproveita-se estabelecendo uma

relação na qual o poder é imposto.

Safiotti (2007) insere esta questão do poder presente nas relações de

violência sexual contra crianças numa discussão mais ampla, por meio do

conceito de “Síndrome do pequeno poder”, definido pela autora como a

necessidade do agressor em exercer poder. Para a autora, a concentração de

renda extremamente desigual gera uma divisão de poderes também marcada por

disparidades, pois aqueles detentores do poder econômico fariam parte do

“macropoder”. No entanto, conforme ressalta a autora, a violência contra crianças não advém do “macropoder”, mas daqueles que, não possuindo o grande poder, subjugam, maltratam ou abusam sexualmente de crianças como forma de

sentirem-se superiores ou poderosos.

Ainda nessa discussão de poder, em publicação a ABRAPIA (2002)

acrescenta que o poder é exercido pela “assimetria”, ou ainda pelas diferenças

existentes entre adultos e crianças como ponto principal para a imposição da

violência. Acrescenta que nos casos de violência sexual intrafamiliar o poder é

imposto pela hierarquia existente na família, pelos laços de afetividade, bem

(39)

c) Violação de direitos

O terceiro aspecto de grande relevância a ser considerado na

compreensão do fenômeno da violência sexual intrafamiliar contra crianças e

adolescentes refere-se, como mencionamos, ao fato de que esta violência

constitui uma grave violação dos direitos dessa população.

De acordo com Dantas (2009), a violência sexual, além de violar o direito

da criança a um desenvolvimento sexual saudável, viola também o direito à

liberdade, à dignidade e ao respeito, que constituem os pilares da proteção

integral proposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

No concernente ao direito ao respeito, a autora entende que a violência

sexual fere esse princípio quando o adulto mantém uma proximidade com a

criança, proximidade esta que viola seus limites (Dantas, 2009). Pois respeitar, de

acordo, com Esquirol (2008) citado por Dantas (2009), significa guardar um

distanciamento que seja capaz de preservar a sexualidade infantil, e, não,

aproximar-se de maneira a violar o direito do outro.

Sobre a liberdade, Dantas (2009) discute que, no caso da criança, esta

liberdade não pode ser traduzida como a capacidade de escolher ou consentir o

ato sexual, uma vez que a criança não teria ainda esta capacidade, mas a

liberdade de não ter sua sexualidade violada, de poder vivenciar cada fase de sua

vida e do desenvolvimento de sua sexualidade com pessoas da sua faixa etária.

A dignidade, para Dantas (2009), consiste no direito mais importante e

para o qual os demais convergem. A referida autora salienta que todos os outros

direitos humanos derivam do direito à dignidade, que citando Kant (1974)

(40)

como um fim, jamais como um instrumento a serviço de outrem” (Dantas, 2009

p.118). A criança, quando vivencia a situação de abuso sexual, é tomada como

objeto da gratificação sexual do adulto, tendo seu direito à dignidade seriamente

violado.

A autora acrescenta que os direitos de crianças e adolescentes são,

sobretudo, um desdobramento dos direitos humanos universais acrescidos da

particularidade de que crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento

necessitam de condições especiais para desenvolver-se.

Neste sentido, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989)

vem propor e enfatizar as condições necessárias para o desenvolvimento infantil,

considerando os aspectos biopsicossociais, afetivos e intelectuais. A citada

Convenção, compreendendo a violência sexual como uma violação de direitos

que culmina em consequências para o desenvolvimento infantil, coloca em seu

artigo 19:

Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas,

administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança

contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento

negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a

criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de

qualquer outra pessoa responsável por ela.

No Brasil, os documentos que tratam dos direitos de crianças e

adolescentes, bem como das violações destes direitos, sobretudo no que se

refere à violência sexual contra crianças, são a Constituição Federal (1988), o

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8069/1990) o Código Penal

(41)

Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (2000). A

Constituição Federal, em seu art. 227, coloca que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,

exploração, violência, crueldade e opressão.

A reflexão proposta por Dantas (2009) retoma os aspectos do artigo 227

da Constituição Federal (1988) uma vez que a autora trata do direito à dignidade,

ao respeito e à liberdade, aspectos esses que a violência sexual viola de maneira

grave e cruel.

A Constituição Federal (1988) traz ainda em seu artigo 227, especificações

sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, pois em seu parágrafo 4º

postula: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também faz referência aos

direitos fundamentais de crianças e adolescentes e retoma o artigo 227 da

Constituição Federal debatendo os itens sobre o direito ao respeito, à dignidade e

à liberdade. Sobre a sexualidade, especificamente, propõe, em seu artigo 130,

medida que deverá ser aplicada aos pais ou responsáveis determinando o

afastamento do agressor.

O Código Penal Brasileiro (lei 2848/1940) referia-se à violência sexual em

(42)

penetração vaginal para que a violência fosse caracterizada. As demais formas

de violência eram caracterizadas como atentado violento ao pudor, identificadas

na citada lei em seu artigo 214. Deste modo, apenas a mulher poderia ser vítima

de estupro e o homem, o autor deste tipo de violência. Quanto às especificidades

da lei no concernente à proteção de crianças e adolescentes, a legislação de

1940 descrevia a presunção de violência, através da qual seria crime manter

relações sexuais com pessoas com idade inferior a catorze anos.

Entretanto, em 2009, a partir da lei 12.015, diversas alterações na redação

da lei mudaram significativamente seu sentido, passando a definir o estupro

como: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter

conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato

libidinoso” (Lei 12.015/2009 art.213). A partir desta nova redação, houve uma mudança significativa, uma vez que homens e mulheres passam a estar passíveis

de sofrer este tipo de violência, bem como o próprio estupro passa a ter seu

significado legal ampliado.

Estas alterações trazem em seu esteio modificações que refletem também

para crianças e adolescentes, uma vez que revogam também o artigo 224 que

tratava da presunção de violência, trazendo uma nova concepção, explicitada no

Cap. II, quando trata dos “Crimes contra Vulnerável”, definindo como vulnerável toda pessoa com idade inferior a catorze anos ou cuja deficiência mental ou

enfermidade impeça a compreensão necessária para o consentimento do ato

sexual (Código Penal Brasileiro, Lei 12.015/2009 art.217-A §1º)

Os itens expressos no Código Penal Brasileiro datam de uma recente

reformulação, realizada em 2009, na lei que não trazia, até então, as

(43)

acréscimo na legislação brasileira traduz um reconhecimento, por parte da

sociedade, de que a violação da sexualidade infantil constitui uma violação de

direitos passível de punição.

Outro documento que reflete a concepção de que a violência sexual contra

crianças é uma violação de direitos é o Plano Nacional de Enfrentamento à

violência sexual de crianças e adolescentes (2000). Esse Plano tem, por objetivo,

a articulação dos atores sociais por meio de uma rede que possa oferecer suporte

a essa população, atuando na prevenção, no atendimento e na responsabilização

dos autores deste tipo de violação.

Em concordância com o que é postulado pelos documentos nacionais e

internacionais, Faleiros e Faleiros (2001) afirmam que a violência sexual impede

que crianças e adolescentes desenvolvam-se de maneira saudável em seus

aspectos físico, moral e psicológico. Faleiros (2000) propõe a compreensão de

que o abuso sexual é uma violação de direitos humanos e legais, na qual os

limites desses direitos são ultrapassados.

d) Danos às vítimas

A violência sexual, nesse contexto só pode ser compreendida se

considerada como um fenômeno multideterminado, envolvendo aspectos legais,

sociais, psicológicos, pedagógicos e de saúde (Schmicler, 2006). Por

conseguinte, outro aspecto que a presente análise pretende abordar é a violência

sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes sob a perspectiva dos danos

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