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Gráfico 12: bairros de moradia dos componentes da TUF, classificados pelo IDH

3 “NORDESTINANDO AS ARQUIBANCADAS”

4. OS CANGACEIROS ALVINEGROS NO UNIVERSO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS CEARENSES

4.2 Visões sobre violência entre torcidas

4.2.3 Violência e Torcidas Organizadas

Dentre as 23 perguntas que compuseram os questionários, seleciono algumas que tratam do tema da violência. Faço uma comparação entre as respostas dadas pelos Cangaceiros e pelos integrantes da Cearamor e da TUF. Busco, com isso, encontrar pontos de semelhança e de diferença entre a torcida que estudo e as maiores Organizadas do estado do Ceará, no que diz respeito à questão da violência entre grupos de torcedores.

Não custa lembrar: a maior parte das perguntas do questionário pedia que fosse dada uma nota de 1 a 5 para diferentes opções. Dar nota 1 ou 2 para uma opção significa que ela tem pouca ou nenhuma relevância; dar nota 4 ou 5 indica que ela tem muita importância na avaliação.

Uma das perguntas foi enunciada exatamente deste modo: “O que você está disposto a fazer junto com sua Torcida Organizada”? Foram dadas seis opções nesta pergunta, cada uma delas devendo ganhar uma nota de 1 a 5 de acordo com sua importância. Uma das opções foi: “eu estou disposto a brigar”:

Tabela 12: Eu estou disposto a brigar

Cangaceiros Cearamor TUF

Nota 01 83,3% 55,3% 55,4%

Nota 02 4,2% 1,2% 3,6%

Nota 03 0,0% 15,3% 7,1%

Nota 04 4,2% 2,4% 1,8%

Nota 05 8,3% 25,9% 32,1%

“Brigar” é uma atitude que pode remeter à imagem de violência, de confrontos físicos. Neste ponto é importante relativizar as respostas. É possível que alguns torcedores, mesmo estando altamente dispostos a brigar, tenham optado por escolher notas baixas ao item, por receio de que uma resposta abertamente ligada à violência pudesse de algum modo se converter em represália a eles e sua torcida. Isso porque, nas semanas em que os questionários foram realizados, as torcidas Cearamor e TUF estavam sob punição do Ministério Público em razão de confrontos físicos ocorridos no ano anterior. De qualquer modo, os números obtidos trazem informações.

Os Cangaceiros foram a torcida que mais deu notas baixas para “estou disposto a brigar”, chegando a 87,5% (somando notas 01 e 02). Chama a atenção

que as notas mais altas – ou seja, alta disposição para brigar – ainda atingiram 12,5%. Isso sugere que o discurso de não violência da torcida é o predominante, mas não é seguido por 100% dos integrantes.

Cearamor (56,5%) e TUF (59%) também deram em sua maioria notas baixas, porém em porcentagem expressivamente menor. Ainda que em uma possível situação de desconfiança com os pesquisadores, uma quantidade relevante declarou-se estar muito disposta a brigar (notas 04 e 05): 28,3% na Cearamor, 33,9% na TUF.

Os números indicam que, ao menos em discurso, a disposição para brigar dos Cangaceiros é muito menor do que as duas Organizadas tradicionais.

É possível tomar as respostas dessa pergunta dentro de uma discussão sobre gênero. A princípio, entrar em confrontos físicos poderia ser visto como uma prática mais masculina, menos condizente com a feminilidade. Entretanto, quando se vê as respostas separadas pela variável “sexo”, somando-se as três torcidas, observa-se o seguinte:

Tabela 13: Eu estou disposto a brigar, divisão por sexo

Feminino Masculino Nota 01 62,5% 56,8% Nota 02 0,0% 3,4% Nota 03 7,5% 9,3% Nota 04 5,0% 1,7% Nota 05 25,0% 28,8%

A distribuição de notas entre homens e mulheres é bastante semelhante: 30% das mulheres afirmam estar muito dispostas a brigar, praticamente o mesmo nos homens: 30,5%. 62,5% delas não estão de modo algum dispostas a isso; nos homens o valor é de 60,2%. Há uma ligeira vantagem feminina nas notas baixas, mas em quantidade bem mais discreta do que a hipótese inicial supunha. Assim, a disposição em brigar é praticamente igual entre os homens e mulheres que responderam ao questionário.

Neste ponto, lembro-me de um verso que é cantado pela Cearamor em referência às suas componentes do sexo feminino:

no mei do corredor! Bonde feminino

As gatas da Cearamor! 46

As torcedoras são ao mesmo tempo caracterizadas por um aspecto sensual – o charme e a beleza – e também pela prática violenta, a “porrada”. Assim, de acordo com o que essa música sugere, a integrante ideal de uma Torcida Organizada deve combinar esses dois elementos: o da delicadeza e o da valentia para brigar.

A Cearamor tem o “bonde”; já a TUF traz o “núcleo feminino”. Ele também ganha músicas especiais exaltando as torcedoras. Músicas, importante lembrar, feitas por homens. Raoni Marques (MARQUES, 2013) apresenta algumas. Destaco uma, apresentada pelo músico “Mc Bacana”47 na festa de aniversário de 20 anos daquela Organizada:

Elas vão para o estádio toda linda e sensual. De camisa da TUF pra mostrar que tem moral. Mas se bater de frente eu vou logo avisando o núcleo feminino deixa a carniça chorando. Desde 91 elas são disposição.

Núcleo feminino as guerreiras do leão48. (Mc Bacana apud MARQUES, 2013, p. 66).

A imagem da torcedora ideal da TUF, assim como a da Cearamor, deve aliar características de beleza e sensualidade com a disposição para o confronto. Esse aspecto do preparo à briga é ressaltado na alcunha das torcedoras: “Guerreiras do Leão”.

Essa construção que Cearamor e TUF fazem da torcedora idealizada, que alia o charme com a “porrada”, que é ao mesmo tempo sensual e guerreira, encontra reflexo nas respostas dessas integrantes sobre a disposição para brigar.

Outra pergunta do questionário: “qual sua motivação para ir ao estádio”?. Uma das opções foi “minha motivação para ir ao estádio é brigar pelo meu time”. As notas das três torcidas:

46 “Bonde” é uma expressão que vem do funk e serve de sinônimo para “grupo”, “gangue”. O “bonde” feminino é o grupo de mulheres da torcida. “Gata” ou “gato” é um adjetivo (em forma de gíria) bastante frequente para descrever uma pessoa bonita.

47 Chama-se de “MC” a pessoa que canta ou declama a música funk. A sigla vem de “Mestre de cerimônias” (ZENI, 2004, p. 230).

Tabela 14: Minha motivação para ir ao estádio é brigar pelo meu time

Cangaceiros Cearamor TUF

Nota 01 75,0% 42,4% 43,5%

Nota 02 4,2% 2,4% 3,6%

Nota 03 0,0% 15,3% 10,1%

Nota 04 4,2% 1,2% 5,4%

Nota 05 16,7% 38,8% 37,5%

A opção “minha motivação para ir ao estádio é brigar pelo meu time” é um pouco diferente da que foi vista em “eu estou disposto a brigar junto com minha Torcida Organizada”. Enquanto esta última remete a uma atitude coletiva, “brigar pelo meu time” já pode indicar também uma prática individual. Isso parece ter influenciado nas respostas, haja vista que esta opção teve uma frequência maior de notas altas.

Ainda que tenha recebido em sua maioria notas baixas, a motivação de brigar pelo time teve notas altas expressivas. Os torcedores que mais manifestaram essa motivação foram os da TUF, com 42,9%, seguidos da Cearamor, com 40%. Os Cangaceiros aparecem bem atrás, com 20,9%, tomando as duas notas mais altas.

Novamente é válido lembrar que as respostas podem ter sido influenciadas pelo fato de os torcedores não se sentirem à vontade em declarar uma motivação ligada a algo negativo (a violência), ainda mais em um período em que Cearamor e TUF estavam punidas, exatamente por conta de confrontos físicos. Em situações de maior confiança dos entrevistados, talvez as notas altas ganhassem ainda mais respostas.

É possível constatar que os Cangaceiros novamente refutaram a ideia de violência de maneira bem mais incisiva do que as outras duas. Ainda assim é notório que quase 21% de seus torcedores tenham afirmado essa grande motivação em brigar pelo time, mais uma vez mostrando que o discurso de violência é predominante nos Cangaceiros, mas não reflete 100% da opinião dos componentes.

A opção “eu estou disposto a brigar pelo meu time”, como foi visto, teve uma divisão de respostas muito semelhante entre homens e mulheres. É válido verificar se isso se repete em “minha motivação em ir para o estádio é brigar pelo meu time”:

divisão por sexo Feminino Masculino Nota 01 40% 47% Nota 02 12,5% 1,7% Nota 03 7,5% 11,4% Nota 04 10,0% 3,0% Nota 05 30,0% 36,9%

Percebe-se que a distribuição das notas continua muito semelhante ao que foi visto em “estou disposto a brigar pelo meu time”: As notas altas permanecem praticamente iguais. Exatamente 40% do sexo feminino tem em “brigar pelo meu time” uma forte motivação para ir ao estádio; esses números são de 39,9% nos homens. Do mesmo modo, as notas mais baixas também mostram uma leve superioridade das notas femininas: 52,5% x 48,7%, mas novamente é uma diferença menor do que a hipótese inicial poderia supor.

As opções “estou disposto a brigar” e “minha motivação em ir ao estádio é brigar pelo meu time” tiveram, em geral, números semelhantes em suas tabelas. Tanto naquelas que dividem as notas por torcidas quando nas que diferenciam pelo sexo. É seguro dizer com base nesses dados que a ideia de brigar pelo time é algo bem mais forte na Cearamor e na TUF do que nos Cangaceiros. Por outro lado, estes últimos possuem alguns integrantes fortemente dispostos e motivados a brigar, demonstrando que o discurso de não violência não é uma unanimidade nesta torcida. Além disso, constatou-se também que a disposição e motivação em brigar são muito semelhantes entre homens e mulheres, afastando a ideia de que a violência dos confrontos físicos é algo que atrai mais os homens que as mulheres. Isso, pelo menos, em fala, em discurso.

Duas outras perguntas relativas à questão da violência nas Organizadas foram feitas. A primeira quis saber: “O que você acha das Torcidas Organizadas em geral”? As alternativas para se dar notas: “são uma família”; “são a que mais têm o time no coração”; “são bagunceiras”; “são briguentas” e “são pacíficas”.

A segunda pergunta diz: “O que você acha da sua Torcida Organizada”, trazendo as mesmas opções. A comparação das respostas entre essas duas perguntas mostrará o que os torcedores veem de semelhante e de diferente entre sua Organizada e as demais.

Começo comparando as respostas entre “acho que as Torcidas Organizadas em geral são uma família” e “Acho que a minha Torcida organizada é uma família”. A noção de família remete a um ambiente aconchegante, seguro e de amizades, daí sua relevância para se tratar sobre a imagem de violência.

Tabela 16: Eu acho que as Torcidas Organizadas em geral são uma família

Cangaceiros Cearamor TUF

Nota 01 41,7% 12,9% 25,6%

Nota 02 25,0% 3,5% 8,3%

Nota 03 12,5% 22,4% 24,9%

Nota 04 12,5% 12,9% 6,5%

Nota 05 8,3% 48,2% 44,0%

As notas 4 e 5 para essa alternativa apontam a visão de que as Organizadas em geral são fortemente uma família, enquanto as notas mais baixas indicam o julgamento contrário. Nota-se a oposição entre as respostas dos Cangaceiros e das outras duas. Enquanto a minoria do cangaço (20,8%) acha que as Organizadas em geral são uma família, essa consideração salta para 61,1% na Cearamor e 50,5% na TUF. O julgamento de que as organizadas em geral não são uma família é compartilhado por quase 67% dos Cangaceiros, contra 16,4% na Cearamor e 33,9% na TUF. Deste modo, para os Cangaceiros, as Organizadas em geral não são uma família; Cearamor e TUF pensam o contrário. Comparando essas duas, a Cearamor traz essa visão de maneira ainda mais forte do que na sua rival.

Quando se fala sobre a sua organizada em particular, algumas respostas mudam:

Tabela 17: Eu acho que a minha Torcida Organizada é uma família

Cangaceiros Cearamor TUF

Nota 01 0,0% 1,2% 4,3%

Nota 02 0,0% 0,0% 1,8%

Nota 03 0,0% 5,9% 5,4%

Nota 04 0,0% 3,5% 5,4%

Nota 05 100% 89,4% 82,7%

Rigorosamente todos os Cangaceiros deram a nota máxima para a afirmação de que eles são uma família, portanto o oposto do que acham a respeito das Organizadas em geral. Cearamor e TUF, que já consideravam as Organizadas em geral uma família, aumentam essa visão quando se tratam delas mesmas. A