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CAPÍTULO 2: A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

2.2 Medidas socioeducativas executadas em meio aberto

2.2.1 Violações de direitos e outros desafios na execução das medidas em meio

Diante do quadro geral de violações de direitos no sistema socioeducativo, a proposta da articulação entre proteção social integral e responsabilização nas medidas em meio aberto faz estas serem reconhecidas como “uma luz no fim do túnel”, de acordo com a Nota Técnica do IPEA sobre o atendimento socioeducativo e a redução da idade penal (Silva & Oliveira, 2015). Porém, a despeito das previsões legais, o SINASE vem enfrentando dificuldades na implementação do atendimento em meio aberto como política da Assistência Social, conforme

indica a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2013b), em documento sobre diretrizes e eixos operativos para o Sistema.

Nesse documento, é apontado, dentre outros desafios: falta de articulação e interlocução tanto com as políticas setoriais, quanto entre as diferentes áreas que compõem o SINASE; falta de compreensão sobre as diferenças entre medidas protetivas e medidas socioeducativas; falta de qualificação dos municípios para implementação da política; insuficiência de recursos para o cofinanciamento da implementação das medidas em meio aberto; implantação insuficiente ou uso inadequado do Plano Individual de Atendimento; ausência e/ou insuficiência de políticas de inclusão que sejam atraentes para adolescentes e jovens e que evitem a reincidência; ausência de práticas restaurativas; e estrutura e pessoal insuficientes para garantir um serviço em meio aberto com a qualidade almejada.

Algumas queixas também tem sido apontadas por operadores do sistema socioeducativo sobre a realização da LA e da PSC (Araújo & Vidal, 2014). Ambas as medidas têm sido executadas com dificuldades em aspectos estruturais e de recursos humanos, uma vez que não há suplementação de profissionais às equipes mínimas dos CREAS e os poucos profissionais têm de se dividir entre uma vasta demanda.

As dificuldades também permeiam o caráter educativo das medidas: a LA é avaliada por alguns operadores como sendo “branda demais”, como se a sanção não fosse suficiente para que o adolescente se sinta penalizado. Em relação à PSC, as autoras apresentam que o caráter sancionatório tem se sobreposto ao pedagógico: os serviços prestados por adolescentes tem se configurado como tarefas vexatórias e humilhantes, aproximando-se muito mais de um castigo que de uma medida socioeducativa.

Ademais, há a compreensão de que o Plano Individual de Atendimento (PIA) não necessita ser construído nos casos de PSC, o que resulta no não acompanhamento de outras esferas da vida do adolescente durante o processo socioeducativo. Por fim, o número de

instituições que aceita receber adolescentes autores de ato infracional para o cumprimento da medida é baixo, devido, principalmente, ao preconceito para com este jovem.

Pesquisas tem apresentado, ainda, que, mesmo nas medidas socioeducativas em meio aberto, o caráter sacionatório tem prevalecido sobre o pedagógico. Membros da equipe técnica de referência e do próprio Poder Judiciário, muitas vezes, reproduzem discursos e ações que reforçam a culpabilização nas diversas etapas do atendimento e acompanhamento do adolescente (Munhoz, 2014; Tonon, 2014). Assim, as atividades realizadas no cumprimento de medida não fazem sentido para os adolescentes e se tornam algo que é feito apenas por obrigação, resumindo-se à sanção (Tonon, 2014).

Além disso, o serviço de medidas em meio aberto ainda não se consolidou totalmente como parte do SUAS. Dados do Censo SUAS 2014 (Brasil, 2015) mostram que, considerando uma média nacional, apenas 77,8% dos CREAS ofertam o serviço de medidas socioeducativas em meio aberto.

Dados do Censo do ano anterior20, apresentados no Levantamento Anual dos/as

Adolescentes em Conflito com a Lei (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República, 2013a), apresentam a distribuição percentual por região dos CREAS que realizavam o Serviço. De acordo com esses dados, a região Sul apresentava maior porcentual de CREAS executando LA e PSC, chegando a 88,6% das unidades. Em seguida, o Centro-Oeste possuía porcentagem de 87,8%, o Sudeste, 78,6% e o Norte, 77% das unidades. Por último, a região Nordeste ainda não havia atingido 60% da totalidade dos CREAS dispondo dos serviços de meio aberto, apresentando apenas 59,2% dos Centros, segundo os dados.

Esse mesmo documento aponta que a execução das medidas de LA e PSC ainda não estão totalmente vinculadas aos CREAS, sendo esses serviços ofertados também por outras

20 Foram utilizados dados do Censo SUAS 2013 devido ao fato de o Censo realizado em 2014, apesar de apresentar uma média nacional dos CREAS que ofertam o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa em Meio Aberto, não ter feito a discriminação porcentual dos centros por região.

unidades públicas (14,9%), por entidades privadas (6,5%) ou na própria sede do órgão gestor da Assistência (30,4%) – de modo que apenas 48,4% do total dos serviços está ocorrendo nos CREAS (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a).

Em relação ao funcionamento do meio aberto nesses centros de referência, o Censo de 2014 (Brasil, 2015) mostra que, em menos da metade dos CREAS, o adolescente é acompanhado com frequência semanal. No caso da LA, 49,3% dos CREAS realizam esse serviço com frequência semanal, enquanto que 28,7% o fazem quinzenalmente e 12,9%, mensalmente. Em relação à PSC, apenas 38% dos CREAS apresentam frequência semanal, 35% quinzenal e 17,3%, mensal – contrariando a exigência formal de ocorrência semanal.

As atividades realizadas mais frequentemente pelos CREAS nos âmbitos da LA e da PSC têm coincidido. As respostas dadas ao Censo pelas unidades mostram a prevalência do atendimento individual ao adolescente (realizada por 98,6% dos CREAS21 na LA e em 98,0%

na PSC), a visita domiciliar (97,5% na LA e 96,1% na PSC), a elaboração e encaminhamento de relatório para a Justiça da Infância e da Juventude ou Ministério Público (95,8% na LA e 96,8% na PSC), o atendimento à família do adolescente em cumprimento de medida (95,0% na LA e 93,7% na PSC), o encaminhamento do adolescente para o sistema educacional (94,7% na LA e 93,3% na PSC) e a construção do PIA (91,9% na LA e 91,5% na PSC) (Brasil, 2015).

Além disso, uma ação específica da execução da PSC, o encaminhamento do adolescente para os locais de prestação de serviços comunitários, também apresenta alta frequência (93,4%) – como era esperado, já que consiste em requisito para o cumprimento da PSC. Aliás, no tocante aos principais lugares onde o adolescente presta serviço à comunidade,

21 É importante deixar claro que o número de CREAS que responderam às perguntas geradoras desse dado não coincide com o número total de CREAS que ofertam o serviço de medidas socioeducativas em meio aberto no Brasil. De um total de 1846 unidades, 1723 responderam sobre a medida de LA e 1711, sobre a de PSC. A pouca sistematização desses dados compromete a obtenção de uma compreensão geral do cenário brasileiro do atendimento ao meio aberto e conduz à reflexão sobre por que motivo(s) dados tão importantes fazem-se ausentes em um censo nacional.

encontram-se a rede socioassistencial pública (apontada por 71,6% dos CREAS22), a rede

educacional (apontada por 60,8%) e a de saúde (apontada por 40,0%). A categoria “outras unidades da administração pública”, na qual se enquadram, por exemplo, o corpo de bombeiros e a sede da administração municipal, foi indicada por 41,8% dos CREAS, enquanto que a rede socioassistencial privada só esteve contemplada na resposta de 21,1% das unidades (Brasil, 2015).

O mesmo Censo apresenta, ainda, dados sobre as parcerias estabelecidas entre os CREAS e a rede intersetorial na inserção dos adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa na rede. Os principais parceiros dos CREAS nesse processo têm sido os serviços da área da educação (mencionados por 86,2% dos CREAS), seguidos dos da saúde (76,7% dos CREAS) e dos de esporte e lazer (56,3%). Em seguida, citados por menos da metade dos CREAS, apresentam-se os serviços de trabalho/orientação ou qualificação profissional (48,6%), os de cultura (45,0%) e os grupos ou atividades desenvolvidas por iniciativas da sociedade civil organizada (27,0%). A porcentagem de 2,5% dos CREAS relataram não contar com parceiros da rede.

Fica evidente que a educação e a saúde são os principais parceiros dos CREAS para a inserção dos adolescentes em cumprimento de LA e PSC na rede intersetorial. Tal fato é algo positivo, quando se considera que essas são políticas fundamentais na garantia de direitos básicos para a vida.

Entretanto, áreas como o esporte e o lazer, o trabalho/orientação ou qualificação profissional e a cultura também são de extrema importância para o desenvolvimento individual e social do adolescente e, mesmo assim, ainda possuem uma articulação insuficiente com os CREAS. Aliás, os percentuais de articulação dessas dimensões com os Centros têm se mantido

22 Em relação a esse dado, aplica-se a mesma observação da nota anterior. Nesse caso, as porcentagens foram feitas com base no número de 1711 respostas.

mais baixos desde 2010, como aponta o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito

com a Lei (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013a). Essas áreas

podem ter papel significativo no processo de sociabilidade e no projeto de vida do adolescente, os quais são elementos fundamentais à socioeducação e à pretensa reinserção social, prevista como sendo um dos objetivos conquistados ao final do atendimento socioeducativo.