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Virada Cultural, trabalho artístico e financiamento público

No documento Arte e conflito social (páginas 53-68)

3 Arte e financiamento público

3.1 Virada Cultural, trabalho artístico e financiamento público

A primeira edição da Virada Cultural de São Paulo ocorreu em 2005, concebida e realizada pelo poder público municipal no contexto imediatamente posterior ao das reformas liberalizantes levadas a cabo na década de 1990, e representa oportunidade de trabalho eventual para profissionais dos espetáculos e das artes, especialmente da música.

O evento é financiado com recursos do orçamento municipal, afirmando o interesse do poder público na cultura em momento de avanço da lógica utilitária nas artes, motivo pelo qual investigaremos a conveniência desse investimento no Brasil. A dimensão dos aportes financeiros e suas origens estão dispostas em dados institucionais de prestação de contas do evento. Os dados oficiais da transparência de 2015 estão discriminados de maneira dispersa em diversos documentos de difícil consolidação para obtenção de quadro geral. Apresentaremos, os números do ano seguinte, que estão consolidados em tabela oficial, considerando que não apresentaram variações significativas no período de um ano. O intuito é confirmar a dependência do financiamento público na realização da Virada Cultural, especialmente por meio do orçamento da SMC, e a reduzida participação patrocínio privado.

TABELA 3 - Resumo dos investimentos da Virada Cultural 2016

Tipo de investimento Valor investido

Contratação Artística Geral - R$ 8.005.543,00

Infraestrutura- Contratos com São Paulo Turismo (SP

Turis) - R$ 6.738.493,33

Estimativas de Custos – Centro e Descentralizado – Exceto CEUs*

Estimativa de Custos – CEUs*

Comunicação - R$ 174.400,00

Serviços de apoio à assessoria de imprensa Criação e Diagramação de Material Gráfico

Curadores - R$ 36.000,00

Produtores contratados por chamamento público - R$ 80.160,00

Patrocínio R$ 700.000,00

Termo de parceira

TOTAL INVESTIDO PELA SECRETARIA MUNICIPAL DE

CULTURA - R$ 14.334.596,33

* Aguardando fechamento definitivo dos custos pela São Paulo Turismo (SP Turis)

Fonte: São Paulo (Prefeitura). Virada Cultural 2016. Transparência. Disponível em: <http://www.viradacultural.prefeitura.sp.gov.br/transparencia/>. Acesso em: 24 set. 2016.

Dentre os investimentos necessários para a realização da 12ª. Virada Cultural de São Paulo, apresentados na tabela acima, contratação artística e infraestrutura se destacaram como os mais elevados. O padrão também se repete na análise dessas duas categorias para a 11ª. Virada Cultural: em 2015 os maiores montantes foram destinados a contratação artística (9.113, 757 milhões de reais) e infraestrutura (5,7 milhões de reais) por meio de contratos com a SP Turis. Ambos somaram aproximadamente 14,8 milhões de reais. 79

Considerando a tabela acima, referente a 2016, somente enquanto ilustrativa da presença do poder público no evento e da disposição aproximada desses investimentos, analisaremos a edição de 2015 e, mais especificamente as programações de música por meio dos dados da planilha oficial “Contratação Artística 2015”. Tal documento detalha individualmente os artistas contratados, valores dos cachês, origens dos recursos, locais e horários das apresentações. As tabelas que se seguem neste capítulo foram elaboradas por mim a partir do cruzamento de tais dados institucionais.

Mais de 6 mil propostas foram submetidas à curadoria para Virada Cultural de São Paulo 2015, das quais cerca de 58% foram classificadas exclusivamente como Música, de acordo com a análise do documento oficial Propostas enviadas para a Virada Cultural 2015, que disponibiliza os projetos artísticos submetidos à seleção da curadoria do evento.80Para tal edição, foram estabelecidos 533 contratos artísticos81 em 17 áreas de atuação, conforme

79 Há outros custos não contabilizados, como os da curadoria, comunicação, publicidade, acessibilidade, entre outros. Há uma diferença entre o valor da contratação artística somada por mim pela autora na planilha oficial do evento e o número contabilizado disponível originalmente no documento, que no qual não foram somadas as 13 últimas linhas , considerando até a linha G522 e não até a 535, como deveria ser.

80 Propostas enviadas para a Virada Cultural 2015. Disponível em <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/propostasvirada_1432665555.pdf>. Acesso em: 25 de jul. 2016 81 Não há informações para 2015 sobre qual porcentagem dos contratos firmados foram provenientes da seleção de prospostas e quais foram decididos pela organização do evento. Contudo em 2016, é informado que: “Dos 416 contratos artísticos realizados para o evento, 301 tratam de atividades selecionadas a partir do chamamento público,

definidas oficialmente: música, intervenção, circo, dança, sarau, cultura popular, teatro, teatro infantil, teatro adulto, teatro de rua, teatro de boneco, contação de história, artes visuais, apoio descentralização82, cinema, oficina e “não categorizado”. (Contratação Artística, 2015) As contratações de música ocuparam espaço majoritário na programação do evento, significativamente superior a intervenção, segunda área de atuação mais recorrente. (Tabela 4 e Gráfico 5)

TABELA 4 - Quantidade de programação artística contratada por área de atuação, em números absolutos – Virada Cultural de São Paulo, 2015

Tipo de Atração Quantidade Tipo de Atração Quantidade

Música 292 Artes Visuais 4

Intervenção 50 Teatro 4

Circo 39 Teatro Infantil 3

Dança 35 Teatro de Rua 2

Sarau 29 Teatro de Boneco 1

Cultura Popular 29 Apoio Descentralização 1

Teatro Adulto 29 Cinema 1

Contação de História 7 Oficina 1

*Não categorizado 6

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

totalizando 72% da programação artística da Virada Cultural deste ano.” Disponível em: < http://www.viradacultural.prefeitura.sp.gov.br/transparencia/>. Acesso em: 24 de setembro de 2016.

82 Apoio descentralização inclui atrações diversas, entre elas as de música, porém aparece em apenas uma célula na planilha, não afetando o resultado geral da análise.

Música representou mais da metade das propostas artísticas e este excedente de músicos foi refletido nas programações contratadas para a Virada Cultural 2015, conforme o gráfico acima. Música também obteve destinação de recursos privilegiada: recebeu 6,5 milhões dos mais de 9 milhões de reais investidos em cachês artísticos, conforme observado na Tab. 5. Representando 55% das programações artísticas e 70% do total investido em cachê, música recebeu proporção superior de recursos se comparado ao espaço que ocupou na programação da virada cultural.

TABELA 5 - Somatória dos valores de cachês artísticos das programações contratadas, por área de atuação (em valores absolutos):

Tipo de Atração Cachê

Música R$ 6.496.149,00

Intervenção R$ 781.950,00

Circo R$ 438.500,00

Teatro Adulto R$ 436.300,00

Dança R$ 342.879,00

GRÁFICO 5 - Quantidade de programação artística contratada por área de atuação, em porcentagem - Virada Cultural de São Paulo, 2015

Cultura Popular R$ 194.800,00 Sarau R$ 140.000,00 *Não Categorizado R$ 103.000,00 Teatro R$ 44.000,00 Apoio Descentralização R$ 30.600,00 Cinema R$ 29.000,00 Artes Visuais R$ 27.110,00 Teatro Infantil R$ 15.370,00 Contação de História R$ 11.100,00 Teatro de Boneco R$ 10.000,00 Teatro de Rua R$ 8.000,00 Oficina R$ 4.999,00

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

A Secretaria Municipal de Cultura foi a principal financiadora dos cachês artísticos da Virada Cultural, com 85% do total dos investimentos, média de aproximadamente 18 mil reais por programação. O restante originou-se da Secretaria Municipal de Educação (SME), SMPIR e Fundação Theatro Municipal de São Paulo/Secretaria Municipal de Cultura. Considerando somente os cachês das programações de música, a porcentagem oriunda da SMC

TABELA 6 - Somatória dos valores de cachês artísticos das programações contratadas, por área de atuação (em porcentagem):

foi de 80% do total, não apresentando variação significativa. Contudo, o valor médio por contrato de música foi de aproximadamente 24 mil reais, superior à média (18 mil reais) para conjunto das áreas de atuação. (Tabelas 7 e 8)

TABELA 7 - Origem dos recursos de cachês, somatória dos valores totais, quantidade de eventos e valor médio por organismo financiador (considerando todas as áreas de atuação)

Origem dos recursos em cachês

artísticos Valor total

Qtd. de

eventos Valor médio

Fundação Theatro Municipal de São

Paulo | Secretaria Municipal de Cultura83 R$ 332.000,00 1 R$ 332.000,00

Secretaria Municipal de Cultura (SMC) R$ 7.732.657,00 434 R$ 17.817,00

Secretaria Municipal de Educação (SME) R$ 440.100,00 86 R$ 5.117,00

Secretaria Municipal de Promoção da

Igualdade Racial (SMPIR) R$ 609.000,00 10 R$ 60.900,00

Total R$ 9.113.757,00 533 não se aplica

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

TABELA 8 - Origem dos recursos pagos em cachês, valores, quantidade de eventos e valor médio (considerando apenas música)

Origem dos recursos em cachês

de música Valor total

Qtd. de eventos

de música Valor médio

Fundação Theatro Municipal de São Paulo | Secretaria Municipal de Cultura

R$ 332.000,00 1 R$ 332.000,00

Secretaria Municipal de Cultura

(SMC) R$ 5.212.449,00 219 R$ 23.801,00

Secretaria Municipal de Educação

(SME) R$ 342.700,00 61 R$ 5.618,00

Secretaria Municipal de Promoção

da Igualdade Racial (SMPIR) R$ 609.000,00 10 R$ 60.900,00

Total R$ 6.496.149,00 291 não se aplica

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

Por meio dos dados apresentados acima, calculamos que o maior valor médio de cachê por órgão financiador foi o da SMPIR: 60.900 reais por contrato. A SMPIR financiou

83 O valor que a Fundação Theatro Municipal de São Paulo/Secretaria da Cultura, investiu em cachês - 332 mil reais – é referente à programação Relação de Corais, composta por dezenas de corais que se apresentaram em diversos locais e horários.

dez grandes apresentações de música em 4 palcos nas periferias da cidade (Brasilândia, Capela do Socorro, Vila Prudente e Cidade Tiradentes).84 Recursos públicos investidos em grandes apresentações musicais de artistas populares em locais mais pobres da cidade reiteram o uso da arte enquanto recurso, conforme categoria analítica empregada por Yúdice (2006)

A conveniência da arte, confirmada nos discursos no presente seria o fortalecimento da “fibra da sociedade civil” (p. 14), compensando efeitos da retirada do Estado do bem-estar social e a ausência de equipamentos públicos. Esse antídoto às convulsões sociais que poderiam surgir com a reestruturação da economia e redução do investimento social foi forjado pelos teóricos neoliberais.

O que é instrutivo na análise de Ronfeldt é a noção de que a sociedade civil precisa ser gerenciada com o interesse de maximizar a estabilidade política e a transformação econômica. Para Ronfeldt e outros defensores do neoliberalismo, a sociedade civil deveria estar conectada ao mercado a fim de impulsioná-lo na direção da manutenção do sistema capitalista, que ele considera ser o único solo fértil o suficiente para que a democracia possa se enraizar. Consequentemente, até mesmo a sociedade civil que trabalha contra o neoliberalismo - por exemplo as Ongs canadenses, americanas e transnacionais que dão apoio aos zapatistas – é, afirma, um benefício para a sociedade mercantilista porque ela ‘corrige’ os desmandos do mercado estabilizando e legitimando o sistema. (Yúdice, op.cit p. 139)

Para os teóricos neoliberais a arte é concebida como estratégia para corrigir as falhas do livre mercado com base em noção de solidariedade. Um exemplo desse processo de minimização de conflitos por meio do ativismo na música é descrição de Yúdice do grupo Afro Reggae. Este grupo utilizou a música para dar voz aos negros e pobres das favelas cariocas, estigmatizados pela associação midiática com a violência dos arrastões nas praias da zona sul, e considerados um problema para a reprodução da sociedade de classes carioca. O autor analisou vídeo institucional de apresentação desse projeto brasileiro cujo objetivo teria sido alterar estereótipos que vincularam a população jovem pobre à criminalidade, apresentando a música como solução para o acesso à cidadania e à mudança da representação sobre esses grupos.

O autor salienta que o documentário de 1998, intitulado Batidania: power in the

beat, “parece ser feito sob medida para ser apresentado às Ongs, fundações e órgãos

governamentais que procuram fortalecer os grupos populares.” A música é invocada para resgatar sua autoestima o que incorre, todavia, na manutenção do estigma da pobreza.

Mantendo-os nesse lugar comum “reiteram a premissa básica de que cultura é

autoafirmação.”85 A redenção da pobreza e sua dissociação da violência não altera a situação socioeconômica dos jovens das favelas, ainda estigmatizados pela condição social. Isto significa que tal discurso referente à arte – e, especialmente à música enquanto recurso para afastar as populações nomeadas “vulneráveis” da violência, pode difundir a representação de que se deve evitar que “os jovens da favela ‘criem problemas’. (Favela Tour, apud Yúdice, 2006, p. 213)

O Objetivo de inclusão social por meio da música também foi identificado na Virada Cultural de São Paulo, conforme analisado no capítulo precedente, assim como nas tentativas de inclusão do funk para evitar que tais festas causem problemas. Aspecto significativo das programações ocorridas nos palcos financiados pela SMPIR, por meio do projeto Funk SP em 2015, é que os 10 cachês foram destinados a apresentações de funk e pagode em bairros periféricos. Integrando a proposta de descentralização da Virada Cultural em 2015 de instalação de palcos nas regiões periféricas da cidade, os artistas e grupos que se apresentaram nos 4 palcos foram:

QUADRO 3 - Locais de programações financiadas pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR) – Virada Cultural 2015

Locais dos palcos Quantidade Artistas

Vila Prudente 5 Mc Kapela, Grupo É D mais, MC Dan PH,

Malícia, Naldo Benny

Capela do Socorro 3 Raça Negra, Grupo do Bola, Só pra Contrariar

Cidade Tiradentes 1 Jeito Moleque

Brasilândia 1 Belo

Fonte: Contratação Artística, 2015 (Elaboração própria)

Todos os artistas que se apresentaram nos palcos Funk SP são homens, incluindo os que compõem os grupos musicais enumerados na tabela acima, e predominantemente negros e pardos. O universo dos músicos é predominantemente masculino e branco, conforme demonstram as conclusões de Segnini:

Nas orquestras analisadas, nos festivais de música que constituíram campo de observação e entrevistas, ou ainda no programa Rumos Itaú Cultural Música, uma pergunta inquietava: onde estavam os músicos

pretos ou pardos, num universo visivelmente constituído de homens brancos? Eram pouquíssimos, praticamente inexistentes, de acordo com as pesquisas de campo. (SEGNINI, 2014, p.78)

A observações dos palcos Funk SP cujos cachês foram financiados pela SMPIR correspondem à descrição da autora relativas à raça, pois os locais periféricos de tais apresentações são representativos de hierarquias presentes na sociedade e da atuação do poder municipal em tais regiões para promover “inclusão social” por meio da cultura. A ausência de mulheres, também reitera as relações de gênero observadas por Segnini no campo da música:

É expressiva a participação de homens no campo da música. Essa evidência pouco se altera nos anos 2000: em 2003, eles representavam 87% (112.367) do grupo (129.418); em 2011, 85% (108.127) de um total de 127.972 ocupados que se declaravam músicos intérpretes ou regentes, compositores, arranjadores e musicólogos.86

O maior cachê de apresentação de música da Virada Cultural 2015 foi o de Caetano Veloso cantor e compositor de música popular brasileira (MPB) no valor de 150 mil reais. (Tabela 11) que ocorreu no Palco Júlio Prestes, centro da cidade, no encerramento da Virada Cultural, domingo, dia 21 de junho de 2015. Em tal palco ocorrem abertura e encerramento oficiais do evento, constituindo local privilegiado para a visibilidade dos artistas. Na 11ª. edição a programação do local foi constituída de apresentações de cantores e bandas em sua maioria conhecidos do grande público. Também observamos predomínio de homens brancos no Palco Júlio Prestes. (Tabela 9)

TABELA 9 - Programação do Palco Júlio Prestes, cachês e origem dos recursos - Virada Cultural de São Paulo 2015

Artistas Cachês (R$) Origem dos recursos

Monobloco 60.000 SMC

Daniela Mercury e Márcia Castro 99.200 SMC

Lenine 90.000 SMC Emicida87 40.000 SMC Fábio Jr 95.000 SMC Edson Gomes 75.000 SMC Demônios da Garoa 40.000 SMC 86 Ibid., p. 80.

87 A atração foi nomeada no documento como Emicida e convidados. Os convidados foram Martinho da Vila (40 mil reais) e João Donato (15 mil reais). Os cachês estão dispostos separadamente na planilha.

Nando Reis 72.000 SMC

Caetano Veloso 150.000 SMC

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

O menor cachê destinado a apresentação de música foi o de dupla infantil Canta História no valor de mil reais, ocorrida na Biblioteca Monteiro Lobato, distrito da Consolação, região central.88 O valor mais frequente (moda)89 de cachê destinado a apresentações de música foi 4 mil reais. (Tabela 10) Trata-se de valor distante do valor médio de cachê artístico em música, quase 24 mil reais, considerando somente os pagos pela SMC.

.

TABELA 10 - Valores de cachês mais frequentes pagos em música e quantidade

Valores Quantidade R$ 4.000,00 55 R$ 15.000,00 29 R$ 30.000,00 18 R$ 8.000,00 14 R$ 10.000,00 13 R$ 6.000,00 11 R$ 5.000,00 10 Outros 142

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

Para analisar panorama geral da distribuição dos cachês das 292 atrações musicais contratadas, estes foram agrupados em 5 faixas de valor90 (Gráfico 6). Foi observado que 173 contratos de música (62%) tiveram cachês de até 15 mil reais. 88 contratos, (aproximadamente 30%), tiveram cachês que variaram entre 16 mil91 a 45 mil reais. Apenas 16 artistas de música receberam cachês superiores a 60 mil reais, menos de 6% do total, conforme demonstram a

88 No ano analisado houve apenas uma apresentação musical isenta de cachê, considerando a programação contratada, a da Banda do Silêncio, composta de deficientes visuais e auditivos e que não cobra pela apresentação. A apresentação correu no CEU Pêra Marmelo, zona norte da cidade.

89 Conforme definição de Barbosa, (1968, p. 89): “moda, norma, valor dominante ou valor típico” é medida estatística que indica “valor que possuir maior frequência que os valores contíguos. ”

90 As faixas de valor foram organizadas por intervalos que dobram progressivamente a partir de 15 mil reais. 91 Para efeito de cálculo considerou-se o valor inicial de 15.001 reais para a segunda faixa de valor. Na prática os valores iniciais encontrados foram de 16 mil reais.

terceira, quarta e quinta barras do gráfico abaixo.92 Para a maior parcela dos artistas de música, portanto, os cachês estiveram consideravelmente abaixo da média.

Dentre as 16 programações de música com cachês mais elevados 11 ocorreram da região central de São Paulo, a maior parte no Palco Júlio Prestes, conforme listado na Tab. 11. As demais 5 atrações com cachês mais altos foram financiadas pela SMPIR e ocorreram nas periferias, estando entre as 9 apresentações de música com remuneração mais elevada do evento.

A Tab. 11 evidencia o predomínio de homens entre os cachês mais elevados. Há apenas três artistas mulheres na relação acima; Daniela Mercury e Marcia Castro são cantoras e compositoras de música baiana e apresentaram-se na abertura da Virada Cultural de São Paulo 2015, e Ludmilla, cantora e compositora negra de funk que se apresentou em dois locais, Arouche e Heliópolis, bairro onde se localiza uma das maiores favelas de São Paulo. Entre os maiores cachês está uma banda internacional (FAUST) de origem alemã e gênero rock.

92 – Foram ignoradas nesta tabela duas programações musicais: Roda de Choro 24h (cachê total de 180 mil reais) e Relação de Corais (cachê total de 332 mil reais) compostas de dezenas de grupos de música e centenas de músicos.

GRÁFICO 6 - Quantidade de contratos de música por faixas de valor do cachê

TABELA 11 - As 16 programações de música com cachês mais elevados e respectivos locais de apresentação e estilos musicais.

Artista de música Cachê Local Estilo

Caetano Veloso R$

150.000,00 Júlio Prestes MPB

Raça Negra R$

120.000,00 Capela do Socorro Pagode

Naldo Benny R$

100.000,00 Vila Prudente Funk

Belo R$

100.000,00 Brasilândia Pagode

Só pra Contrariar R$

100.000,00 Capela do Socorro Pagode

Daniela Mercury e Marcia

Castro R$ 99.200,00 Júlio Prestes Axé

Fábio Jr R$ 95.000,00 Júlio Prestes canção popular

Lenine R$ 90.000,00 Júlio Prestes MPB

Jeito Moleque R$ 87.000,00 Cidade Tiradentes Pagode

Ludmilla R$ 80.000,00 Arouche/Heliópolis Funk

FAUST R$ 77.000,00 Luz rock

internacional

Edson Gomes R$ 75.000,00 Júlio Prestes Reggae

Sidney Magal R$ 73.000,00 Arouche Brega

Nando Reis R$ 72.000,00 Júlio Prestes MPB

Alceu Valença R$ 70.000,00 República Forró

Gonzagão R$ 70.000,00 Princesa Isabel Forró

Fonte: Contratação Artística, 2015. Elaboração própria

Dentre os cinco maiores cachês, quatro são referentes às programações dos palcos FUNK SP. As músicas instrumentais, que se adequam à noção de cultura de minoria (WILLIAMS, 2011)93 foram quase todas reunidas em dois palcos. Na praça do Patriarca, foi organizada programação Roda de Choro 24h, com cerca de 130 músicos que se alternaram em palco de dimensões restritas e público reduzido. (Doc-realty 360º. TV Cultura, 2016)94 O valor total do investimento em cachê para tal evento foi de 180 mil reais, média, calculada por mim,

93 A noção “cultura de minoria” é discutida conforme perspectiva de Williams, 2011, e utilizada neste trabalho guardadas as devidas proporções.

94RODA DE CHORO 24H. doc-reality 360º TV Cultura. Metrópolis. São Paulo, 15 mar. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_d_YF6YzdQ8>. Acesso em: 17 ago. 2016.

de aproximadamente 1,3 mil reais por artista. Na rua Barão de Itapetininga foi montado palco instrumental, com 83 músicos e valor total de 150.000 reais, resultando em média de aproximadamente 1.800 reais. Os valores médios de cachês dos músicos instrumentais, tais como calculados, estão entre os menores dentre os artistas de música, sendo significativamente inferior ao valor mais frequente (moda) de 4 mil reais.

Dentre os 83 músicos do palco instrumental, apenas 4 são mulheres, as pianistas e compositoras Louise Woolley e Débora Gurgel, a cantora Dani Gurgel e a flautista Léa Freire.95 Na música da minoria, instrumental, erudita e jazz o público é reduzido e mais elitizado, sendo componente necessário a ser articulado com a objetivo de reduzir a concentração de pessoas no centro da cidade. O “esvaziamento” da Virada Culural na região central em 2015 foi celebrado pela mídia, conforme analisado na capítulo I, traduzida na sensação de paz e no elogio da “plateia respeitosa”:

A Virada Cultural pode ter atingido, em 2015, sua melhor equação dos últimos anos, desde que os arrastões se tornaram parte da programação. (...) Mas a paz, ou o cenário mais próximo a ela, pode ter seu preço. O que parece ligado diretamente ao maior clima de segurança é o fato de o público ter sido visivelmente menor. Houve um

No documento Arte e conflito social (páginas 53-68)

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