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Visão e audição psíquicas no estado de vigília 

No documento Portal Luz Espírita (páginas 125-132)

A  visão  e  audição  psíquicas  em  estado  de  vigília  estão  ligadas  aos  fenômenos  de  exteriorização,  neste  sentido:  necessitam  de  um  começo  de  desprendimento  no  percipiente.  Não  se  trata  mais  de  fatos  fisiológicos  ou  de  manifestações do ser vivo, a distância, e sim de uma das formas de mediunidade. 

Na visão espírita, a alma do sensitivo já se acha parcialmente exteriorizada,  isto  é,  fora  do  organismo  material.  Sua  faculdade  própria  de  visão  se  vem  acrescentar  ao  sentido  físico  da  vista.  Às  vezes  a  substituição  deste  pelo  sentido  psíquico é completa. Demonstra­o o fato de, em certos casos, o médium ver com os  olhos fechados. Fui muitas vezes testemunha desse fenômeno. 

Convém  ter  o  cuidado  de  distinguir  a  clarividência  da  visão  mediúnica.  Acontece que sonâmbulos muito lúcidos, no que se refere aos seres e às coisas deste  mundo,  são  inteiramente  cegos  a  respeito  de  tudo  o  que  concerne  ao  mundo  dos  Espíritos.  Prende­se  isso  à  natureza  das  irradiações  fluídicas  de  seu  invólucro  exteriorizado e ao modo peculiar de adestramento a que os submete o magnetizador.  É o que distingue o estado de simples lucidez do de mediunidade. Neste último caso,  já não é o magnetismo humano que intervém. O vidente se acha sob a influência do  Espírito  que  sobre  ele  opera,  visando  produzir  determinada  manifestação.  Provocando o estado de semidesprendimento, faculta ao sensitivo a visão espiritual. 

O  sentido  psíquico,  como  vimos,  é  muito  mais  sutil  que  o  sentido  físico;  pode  distinguir  formas, radiações,  combinações  da  matéria que  a  vista normal não  seria  capaz  de  perceber.  Para  tornar  mais  distinta  sua  aparição,  o  Espírito  muitas  vezes  recorre  a  um  começo  de  materialização.  Objetiva­se  mediante  as  forças  hauridas  nos  assistentes.  Nessas  condições,  sua  forma  fluídica  penetra  no  campo  visual do médium e pode mesmo, em certos casos, impressionar a placa fotográfica. 

Os  videntes  descrevem  os  Espíritos  com  particularidades  que  são  outros  tantos  elementos  de  comprovação.  Depois  vem  a  fotografia  confirmar,  ao  mesmo  tempo,  a  fidelidade  da  descrição  e  a  identidade  dos  Espíritos  que  se  manifestam.  Estes são muitas vezes desconhecidos dos médiuns. 

No grupo de estudos psíquicos de Tours (92), de 1897 a 1900, possuíamos  três  médiuns  videntes, auditivos  e  de  incorporação.  Antes de  adormecerem,  feita a

obscuridade, eles divisavam, ao pé de cada um dos assistentes, Espíritos de parentes  ou  de  amigos  que  nomeavam  quando  os  conheciam,  ou  que  descreviam  minuciosamente quando os  viam pela primeira vez. Nesse  caso, a descrição era tal  que,  conforme  a  atitude  ou  o  vestuário,  os  assistentes  reconheciam  facilmente  a  personalidade  do  manifestante.  Além  disso,  os  médiuns  ouviam  e  transmitiam  a  linguagem dos Espíritos e os desejos que estes formulavam. 

A  impressão  produzida  nos  videntes  variava  de  modo  muito  sensível,  conforme  o  desenvolvimento  das  faculdades  mediúnicas  ou  o  adiantamento  dos  Espíritos. Onde uns só distinguiam um ponto brilhante, uma chama, outro via uma  forma  radiosa.  O  mesmo  acontecia  com  a  audição,  que  variava  de  intensidade  e  precisão conforme os sensitivos. Quando um não percebia mais que um vago som,  uma  simples  vibração,  outro  escutava  uma  harmonia  doce  e  penetrante  que  o  comovia até às lágrimas. 

O  estado  de  adiantamento  do  Espírito,  como  o  sabemos,  se  revela,  à  primeira vista, no Espaço, pelo brilho ou obscuridade do seu invólucro. Em nossas  experiências,  já  os  videntes  reconheciam  o  grau  de  elevação  das  almas  pela  intensidade  de  suas  irradiações.  Muitas  vezes  fizemos  este  reparo:  médium  acordado, com os olhos abertos, percebia um certo número de Espíritos de todas as  ordens.  Fechados  os  olhos,  distinguia  somente  alguns  deles,  os  mais  adiantados,  aqueles  cujas  irradiações  sutis  –  a  exemplo  dos  raios  X  em  relação  às  placas  fotográficas – podiam, através das pálpebras cerradas, influenciar o sentido visual. 92 

A  História  está  cheia  de  fenômenos  de  visão  e  de  aparição.  Na  Judéia,  a  sombra  de  Samuel  exorta  Saul.  No  mundo  latino,  aparecem  fantasmas  a  Numa,  Brutus e Pompeu. Os anais do Cristianismo são ricos em fatos desse gênero. 93  Na Idade Média os mais notáveis fenômenos de visão e audição conhecidos  são os de Joana d'Arc. A essa virgem incomparável, o mais portentoso dos médiuns  que já produziu o Ocidente, é que se deverá sempre recorrer, toda vez que se quiser  citar brilhantes provas da intervenção do mundo invisível em nossa História.  A vida inteira da heroína está cheia de aparições e vozes, sempre idênticas,  e que jamais são desmentidas. Nos vales de Domrémy, nos campos de batalha, em  presença  de  seus  argüidores  de  Poitiers  e  dos  juízes  de  Ruão,  por  toda  parte  a 

92 Ver RESENHA DO CONGRESSO ESPÍRITA E ESPIRITUALISTA, de 1900, pág. 521.  93 

Ver também Aksakof, ANIMISMO E ESPIRITISMO, cap. IV, B, IV, vários casos de aparições de pessoas  falecidas, corroborados pelo testemunho visual de médiuns e confirmados pela fotografia transcendental,  ou  pela  simples  fotografia;  na  ausência  de  pessoas  que  conhecem  o  desencarnado,  o  que  exclui  toda  hipótese de leitura ou de fotografia do pensamento – exemplos referidos por Oxum (Meses), Down, Sra.  Conant,  Johnstone;  provas  de  identidade  das  aparições  citadas  pelo  Dr.  Thompson,  Srs.  Down,  Evans,  Snipe  e  Sra.  Conant.  Ver  também  Russel  Wallace, LES  MIRACLES  ET  LE  MODERNE  SPIRITUALISME,  pág. 102.

assistem e inspiram os Espíritos. Suas “vozes” ressoam­lhe aos  ouvidos, marcando  sua  tarefa  cotidiana  e  imprimindo  à  sua  vida  uma  direção  precisa  e  um  glorioso  objetivo.  Elas  anunciam  acontecimentos  que,  sem  exceção,  se  realizam.  Em  seu  doloroso  encarceramento,  essas  vozes  a  encorajam  e  consolam:  “Leva  tudo  com  paciência;  não  te  inquietes  com  o  teu  martírio;  chegarás  por  fim  ao  reino  do  paraíso”. 94  E  os  juízes,  a  quem  ela  comunica  esses  colóquios,  aparecem  desassossegados com semelhante predição, cujo sentido compreendem. 

A todas as perguntas pérfidas, insidiosas, que lhe dirigem, as vozes ditam a  resposta, e, se esta se fez esperar, ela o declara: “Louvar­me­ei em meu conselho”. 

Quando as vozes se calam, abandonada a si mesma, ela não é mais que uma  mulher;  fraqueja,  se  retrata,  se  submete.  Durante  a  noite,  porém,  a  voz  se  faz  novamente  ouvir. E  ela  o  repete  aos  seus  juízes:  “A  voz  me  disse  que  era  pecado  abjurar; o que eu fiz está bem feito”.  *  Certos sensitivos só obtém a visão por meio de objetos em que se concentra  o pensamento dos Espíritos sob a forma de imagens ou quadros, como, por exemplo,  um copo d’água, um espelho, um cristal. Quando o Espírito é impotente para fazer  vibrar o cérebro do médium ou provocar uma exteriorização suficiente, impregna de  fluidos  os objetos que acabamos de indicar; faz, pela ação da vontade, aparecerem  imagens,  cenas  muito  nítidas,  que  o  sensitivo  descreverá  em  suas  menores  particularidades e que outros assistentes poderão igualmente ver. 95 

Eis  aqui  um  dos  casos  mais  notáveis,  assinalado  pelo LIGHT de  16  de  fevereiro de 1901. O Espírito de um homem assassinado faz encontrarem seu corpo,  a  princípio  por  meio  da  visão  no  cristal,  e  depois,  diretamente,  pelos  sentidos  psíquicos  do  médium:  “O  Sr.  Perey­Foxwell,  corretor  de  câmbio,  residente  em  Thames Ditton, a pequena distância de Londres, saiu de casa no dia 20 de dezembro  de 1900, pela manhã, e dirigiu­se para seu escritório, na cidade. Ai não o apareceu  nesse dia nem nunca mais. Verificado o seu desaparecimento, a polícia procedeu a  longas  e  minuciosas  pesquisas,  mas  inutilmente.  Desesperançada,  a  Sra.  Foxwell  recorreu  a  um  médium,  o  Sr.  Von  Bourg,  que  obteve,  em  um  espelho,  a  visão  do  corretor de câmbio, vivo, e depois o seu corpo debaixo d’água. Numa outra sessão o  médium  vê  um  Espírito  de  pé  junto  à  Sra.  Foxwell,  indicando  com  insistência  um  relógio, uma cadeia e berloques que tem na mão. Naquele se vê gravado um nome.  A  Sra.  Foxwell,  pela  descrição,  reconhece  seu  marido  e  o  relógio,  graças  ao  qual  pôde mais tarde ser o corpo identificado. O Espírito pede que procurem seu despojo  e promete conduzir o médium ao lugar em que foi lançado à água. Faz­se uma nova 

94 Ver minha obra CRISTIANISMO E ESPIRITISMO, cap. V e nota no 6.  95 Joseph Fabre, PROCESSO DE CONDENAÇÃO, 59 interrogatório secreto.

reunião,  e  o  Espírito  desenha,  pelo  punho  do  Sr.  Von  Bourg,  a planta  do  caminho  que  será  preciso  percorrer.  Acompanhado  de  muitos  amigos  do  finado,  o  médium  toma  esse  caminho  e  segue­lhe  todas  as  sinuosidades.  Experimenta  a  repercussão  muito  viva  das  impressões  sentidas  pela  vitima.  No  próprio  local  em  que  esta  foi  ferida, quase perdeu os sentidos. Tiveram que percorrer diversas veredas, contornar  casas,  transpor  barreiras,  como  o  haviam  feito  os  assassinos.  Toda  vez  que  vacilavam  na  direção  a  tomar,  os  médiuns,  Srs.  Von  Bourg  e  Knowles,  ‘viam  claramente  o  Espírito  adiante  deles  indicando  o  caminho’. Chegaram  finalmente  à  borda  de  um  riacho,  de  águas  tranqüilas  e  profundas.  ‘É  aqui!’  declararam  os  médiuns.  Mas  havia  já  anoitecido,  e  foi  preciso  voltar  a  ponto  de  partida.  No  dia  seguinte  fizeram­se  pesquisas.  Indivíduos  munidos  de  varas  sondaram  o  fundo  do  riacho; e, pouco depois, abaixo do sitio em que se faziam as sondagens, mesmo no  lugar  em  que  o  riacho  se  encontra  com  o  Tamisa,  viu­se  boiar  um  cadáver  à  flor  d’água. Um relógio, encontrado com o fúnebre despojo, permitiu reconhecer o corpo  do  Sr.  Foxwell.  Uma  permanência  de  seis  semanas  debaixo  d’água  dera  lugar  à  decomposição das carnes. O corpo se achava revestido com os objetos descritos pelo  médium.  Pôde­se  então  reconhecer  a  identidade,  não  somente  pela  presença  do  relógio  e  dos  berloques,  como  também  por  certas  particularidades  observadas  nos  dentes, etc.” 

O  professor  Bessi  relata  na REVUE  DES  ÉTUDES  PSYCHIQUES (maio  de  1901) um outro fenômeno de visão espontânea, de que foi testemunha em uma casa  mal­assombrada da Úmbria. O caso é tanto mais digno de nota quanto o professor,  segundo sua própria confissão, era absolutamente refratário a toda idéia espírita: 

“Trabalhava  ele  alta  noite,  escrevendo  as  derradeiras  páginas  de  uma  brochura  que  ia  publicar,  quando  de  repente  se  apagou  a  lâmpada.  O  gabinete  continuava, entretanto, iluminado por débil claridade um tanto fosca. Diante dele um  espelho  refletia  uma  luz ainda  mais  viva,  e,  com  ela,  um  quarto  e  móveis  que  lhe  eram  desconhecidos.  Uma  senhora  idosa,  sentada  em  frente  a  uma  mesa,  escrevia  lentamente, em atitude muito absorta; meteu depois a folha escrita em um envelope,  que  guardou  na  gaveta.  Por  último  encostou  a  cabeça  no  espaldar  da  poltrona  e  pareceu adormecer. A luz se extinguiu e a visão desapareceu. Horas depois, vinha o  professor  a  ter noticia  do  falecimento  de  uma tia  de  sua mulher, a  qual havia  sido  encontrada morta, em sua poltrona, encontrando­se também na gaveta da mesa um  testamento ológrafo. ‘Das respostas pelo Sr. Bessi dadas às perguntas que lhe dirigi  – diz o Sr. César de Vesme, diretor da REVUE DES  ETUDES PSYCHIQUES, resulta  que a visão se produziu à meia­noite, e que a senhora idosa foi encontrada morta às  primeiras horas  da manhã’.  O  agente  teria  sido,  por  conseguinte, a  própria  finada,  amparada por alguma assistência oculta; e como só o Sr. Bessi estava acordado em  casa, à hora da manifestação, foi ele o único que a apreciou”.

O órgão da audição, em condições idênticas ao fenômeno da visão, pode ser  igualmente influenciado pelos Espíritos. 

Myers refere o seguinte fato 96 : 

“Lady  Caidly,  na  ocasião  de  tomar  um  banho,  achando­se  já  fechada  no  banheiro e despida, ouviu uma voz estranha e claramente distinta que dizia: ‘Puxe o  ferrolho!’ Ela ficou surpreendida e olhou para todos os lados, mas em vão. Quando  se  meteu  no  banho,  ouviu  ainda  a  voz  repetir  três  vezes  seguidas,  com  insistência  crescente:  ‘Puxe  o  ferrolho!’  Saiu  então  da  banheira  e  puxou  o  ferrolho.  Mas  ao  voltar ao banho, perdeu os sentidos e caiu com a cabeça dentro d’água. Por fortuna  pôde, na queda, puxar o cordão da campainha. A criada de quarto acudiu. Se a porta  estivesse trancada, ela se teria infalivelmente afogado”. 

O  Sr.  François  Coppée,  o  poeta  acadêmico,  ouviu  muitas  vezes  uma  voz  misteriosa. É o que nos informa o Sr. Jules Bois em sua pesquisa sobre L'AU­DE LÀ  ET  LÊS  FORCES  INCONNUES,  publicada  pelo  jornal LE  MATIN (7  de  outubro  de  1901): 

“E sempre quando estou deitado – escreve o poeta – e pouco depois de ter  apagado  a  luz,  que  se  produz  o  fenômeno.  Ouço  então  distintamente  uma  voz  que  me  chama por meu apelido  de  família:  Coppée!  É absolutamente  certo  que  eu não  estou  dormindo  nesse  momento;  e  a  prova  é  que,  apesar  da  viva  emoção  e  do  acelerado  palpitar  do  coração  que  sinto,  tenho  sempre  retorquido  imediatamente:  ‘Quem está aí? Quem me fala?’ Mas nunca a voz acrescentou coisa alguma no seu  simples chamado. Essa voz me é desconhecida. Não me faz lembrar a voz de meu  pai, nem a de minha mãe, nem a de qualquer outra pessoa que particularmente me  estimasse,  ou  que  eu  amasse  extremosamente  e  que  já  não  exista.  Mas, repito­o,  é  clara e distinta, e, o que é verdadeiramente notável, e vo­lo asseguro, espantoso, pela  inflexão que dá ao meu nome, tão breve como é, parece corresponder ao sentimento  que  me  anima.  Só  muito  raramente  me  tem  acontecido  ouvir  essa  voz,  e  em  circunstâncias  bastantes  graves  da  minha  vida  moral,  quando  acabrunhado  por  um  desgosto ou descontente de mim mesmo. E sempre a voz traduziu uma expressão, ou  compadecida  ou  de  reprovação,  já  seja  condoendo­se  da  minha  aflição,  ou  censurando  meu  sentimento  mau.  E nisso  tenho  a  certeza  a  mais  de  que  não  é  em  sonho que ouço essa voz; porque nunca me falou senão quando precisamente eu me  achava bem desperto por minhas preocupações”. 

Em  certos  médiuns,  o  sentido  psíquico  pode  apreender  as  vibrações  mais  sutis do pensamento dos Espíritos e mesmo perceber as penetrantes harmonias dos  espaços e dos mundos, os concertos dos Espíritos celestes. A faculdade de audição  se torna, às vezes, extensiva a todas as pessoas presentes. 

Em  sua HISTÓRIA  DO  ESPIRITUALISMO  NA  AMÉRICA,  a Sra.  Hardinge­  Britten  refere  que  a  Sra.  Tamlin  foi,  nesse  país,  o  primeiro  médium  por  cuja 

intervenção  se  ouviram  árias  tocadas  em  instrumentos  invisíveis  com  a  maior  perfeição.  Os  sons  variavam,  desde  os  mais  intensos  aos  mais  graves.  Em  certos  momentos,  dir­se­ia  serem  os  acordes  de  uma  harpa  eólea.  Parecia  que  os  sons  se  iam transformar em voz humana de esquisita doçura. 

Esses fatos se repetiam depois em meios muitíssimo diversos. 

Durante  as  célebres  sessões  dadas  por  Jesse  Shepard  em  todas  as  grandes  capitais e em presença de vários soberanos, como nas do Dr. Sant'Angelo, em Roma,  ouviram­se coros  celestes e  os acordes de múltiplos instrumentos invisíveis. Solos,  que  eram  entoados,  permitiam  reconhecer  as  vozes  de  cantores  ou  cantoras  falecidos. 97 

Quase todos os grandes compositores são sensitivos, médiuns auditivos ou  inspirados. Seus próprios testemunhos em tal sentido são dignos de fé. 

Encontram­se  em  Goethe  (CARTAS  A  UM  FILHO)  as  seguintes  particularidades acerca de Beethoven: 

“Beethoven, referindo­se à fonte de que lhe provinha a concepção de suas  obras­primas,  dizia  a  Betina:  ‘Sinto­me  obrigado  a  deixar  transbordar  de  todos  os  lados as ondas de harmonia provenientes do foco da inspiração. Procuro acompanhá­  las e delas me apodero apaixonadamente; de novo me escapam e desaparecem entre  a multidão de distrações que me cercam. Daí a pouco, torno a apreender com ardor a  inspiração;  arrebatado,  vou  multiplicando  todas  as  modulações,  e  venho  por  fim  a  me apropriar do primeiro pensamento musical. Vede agora: é uma sinfonia... Tenho  necessidade  de  viver  só  comigo  mesmo.  Sinto  que  Deus  e  os  anjos  estão  mais  próximos de mim, na minha arte, do que os outros. Entro em comunhão com eles, e  sem  temor.  A  música  é  o  único  acesso  espiritual  nas  esferas  superiores  da  inteligência’. Em seguida. a haver composto suas mais suaves harmonias, exclamava  ele: – ‘Tive um êxtase’.” 

Mozart, por sua vez, numa de suas cartas a um amigo íntimo, nos inicia nos  mistérios da inspiração musical. 98 

“Dizes  que  desejarias  saber  qual  o  meu  modo  de  compor  e  que  método  sigo.  Não  te  posso  verdadeiramente  dizer  a  esse  respeito  senão  o  que  se  segue,  porque  eu  mesmo  nada  sei  e  não  mo  posso  explicar.  Quando  estou  em  boas  disposições e inteiramente só, durante o meu passeio, os pensamentos musicais me  vêm  com  abundancia.  Ignoro  donde  procedem  a  esses  pensamentos  e  como  me  chegam; nisso não tem a minha vontade a menor intervenção.” 

No declínio de sua vida, quando já sobre ele se estendia a sombra da morte,  em um momento de  calma, de perfeita serenidade, ele chamou um de seus amigos 

97 

SUBLIMINAL  SELF, reproduzido  por Jules Bois em LE  MONDE  INVISIBLE, pág. 274. Ver também um  notável  caso  de  audição  narrado  pelo  Dr.  Berget,  examinador  na  Faculdade  de  Ciências  de  Paris,  em  L'INCONNU ET LES PROBLÈMES PSYCHIQUES, de C. Flammarion, pág. 79. 

98 Ver MIND  AND MATTER, de 10 de novembro de 1883; REVUE SPIRITE, de abril de 1884, págs. 228 e 

que  se  achavam no  quarto:  “Escuta –  disse  ele –  estou  ouvindo  música”.  O  amigo  lhe  respondeu:  “Não  ouço  nada”.  Mozart,  porém,  tomado  de  arroubo,  continua  a  perceber  as  harmonias  celestes.  E  seu  pálido  semblante  se  ilumina.  Cita  depois  o  testemunho de S. João: “E eu ouvi música no céu!” 

Foi então que compôs o seu “Requiem”. Logo que o concluiu, chamou sua  filha  Emelia  e  lhe  disse:  “Vem,  minha  Emelia,  minha  tarefa  está  terminada:  meu  ‘Requiem’  está  concluído!”  Sua  filha  cantou  algumas  estrofes;  depois,  quando  terminou,  demorando­se  nas  notas  melancólicas  e  profundas  do  trecho,  voltou­se  docemente  a  procurar  o  sorriso  aprobativo  de  seu  pai,  mas  só  encontrou  o  sorriso  calmo e repousado da morte. Mozart não era mais deste mundo. 99 

Massenet,  a  propósito  de  seu  poema  sinfônico  “Visões”,  interpretado  em  Leeds, em 1898, escrevia estas linhas reproduzidas pelo LIGHT, de Londres, 1898: 

“Há alguma coisa de mais ou menos experimental nesta composição, e eu  desejo que  os primeiros que a ouvirem não formem a seu respeito uma idéia falsa.  Vou  referir­vos  a  história  da  sua  gênese.  Há  muito  pouco  tempo  viajava  eu  no  Simplon.  Tendo  chegado  a  um  pequeno  hotel,  situado  em  meio  das  montanhas,  tomei a resolução de aí passar alguns dias numa tranqüilidade absoluta. Instalei­me,  pois,  para  gozar  um  pouco  de  repouso;  mas  na  primeira  manhã,  enquanto  estava  sentado,  sozinho,  em  meio  desse  majestoso  silêncio  das  montanhas,  escutei  uma  voz.  Que  cantava  ela?  Não  sei.  Mas  sempre  essa  voz  espiritual,  estranha,  me  ressoava aos ouvidos, e eu fiquei absorto em um sonho, nascido da voz e da solidão  das montanhas”. 

Massenet  e  Mozart  recebiam,  pois,  as  inspirações  do  exterior,  independentemente de sua vontade. 100 

Pode­se dizer que a intervenção do Alto, a comunhão do Céu e da Terra se  afirmam  de  mil  modos  na  concepção  do  pensamento  e  do  gênio,  para a  vitória  do  belo e a realização do ideal divino. 

E  esta  uma  verdade  de  todos  os  tempos.  Até  agora  foi  imperfeitamente  compreendida.  Mas  a  luz  se  faz,  e,  dentro  em  pouco,  a  Humanidade  se  adiantará,  mais  cheia  de  confiança,  por  essa  via  fecunda.  A  comunhão  entre  os  mortos  e  os  Espíritos inspiradores tornar­se­á mais efetiva, mais consciente, e com isso ganhará  em vigor e amplitude a obra humana. 

99 Essa carta foi publicada na VIDA DE MOZART, por Holmes, Londres, 1845. 

100 Allan  Kardec,  na REVUE  SPIRITE,  de  1859,  pág.  123,  reproduz  a  seguinte  comunicação  do  Espírito 

Mozart  sobre a  música  celeste: “Vós  na Terra fazeis  música; aqui toda a Natureza  faz ouvir  melodiosos  sons. Ha obras musicais e meios de execução de que os vossos não podem sequer dar uma idéia”.

XV

A força psíquica. Os fluidos.

No documento Portal Luz Espírita (páginas 125-132)