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Visão geral da Lexicografia Pedagógica

Antes de tratar sobre a Lexicografia Pedagógica, é importante situar a disciplina dentro do campo de estudos do léxico. Dentro desse campo de estudos, podemos fazer uma primeira divisão em dois grandes grupos, as ciências que tratam do léxico em uma perspectiva geral e as ciências que tratam do léxico em uma perspectiva especializada. No entanto, não é fácil delimitar essas ciências, tampouco o que seja palavra ou o que seja termo e, por conseguinte, as ciências que tratam de cada um desses objetos. Em muitos casos, uma mesma unidade linguística pode ser conceituada como termo ou não de acordo com a situação comunicativa (CABRÉ, 1998 e KRIGER;

FINATTO, 2004). Temos, por exemplo, a palavra “biruta”4 que pode significar, dentro de uma conversa entre amigos, “uma pessoa inquieta, meio amalucada” (LAROUSSE, 2004, p. 95), ou, no contexto da Aeronáutica, “dispositivo feito com uma espécie de saco cônico fixado perpendicularmente a um mastro, a fim de indicar, por sua orientação, a direção do vento” (LAROUSSE, 2004, p. 95).

De fato, a maior dificuldade em definir o que seja léxico está em separar aquilo que é senso comum para as pessoas e o que é objeto de estudo para o especialista. Bezerra (2004) define, de um modo bem simples, as categorias léxico, vocabulário, item lexical e palavra. Léxico é o conjunto de unidades linguísticas que compõem uma língua. Essas unidades, ou itens lexicais, podem estar ou não dicionarizadas5. Ao fazermos uso de um subconjunto do léxico para enunciar algo, esse subconjunto é chamado de vocabulário. De modo geral, o item lexical é conhecido pelos não especialistas como palavra. Acrescentamos à definição de Bezerra (2004), o que diz Basílio (2004):

O léxico é uma espécie de banco de dados previamente classificados, um depósito de elementos de designação, o qual fornece unidades básicas para a construção dos enunciados. O léxico, portanto, categoriza as coisas sobre as quais queremos nos comunicar, fornecendo unidades de designação, as palavras, que utilizamos na construção de enunciados (BASÍLIO, 2004, p. 9).

Basílio (2004) enfatiza ainda que, mais do que um conjunto de palavras, o léxico é um sistema dinâmico em constante expansão – o que explica o surgimento de novos itens lexicais, como as terminologias. Assim, podemos afirmar que o item lexical especializado ou termo é uma unidade dotada de um conceito específico para um dado campo de estudo.

Paralelamente a essa discussão, as ciências do léxico, também, podem se dividir em ciências tidas de cunho teórico e as ciências de cunho prático. Turazza (2005) ilustra bem essa questão ao diferenciar a Lexicologia da Lexicografia: a primeira “compreende um discurso modalizado pelo “fazer-saber‟” (TURAZZA, 2005 p. 56), enquanto a Lexicografia é modalizada pelo “saber-fazer”. Desse modo, nós teremos a Lexicologia, um fazer-saber dentro dos estudos do léxico geral; a Terminologia, um fazer-saber dentro dos estudos do léxico especializado; a Lexicografia, um saber-fazer

4 Ressaltamos que o uso das aspas aqui, bem como em várias situações seguintes, é feito para explicitar que a palavra está sendo tratada como entrada de dicionário.

dentro dos estudos do léxico geral; a Terminografia, um saber-fazer dentro dos estudos do léxico especializado. Em outras palavras, tanto a Lexicologia quanto a Terminologia seriam ciências que produzem um conhecimento voltado para teorias, enquanto a Lexicografia, ao lado da Terminografia, se voltariam para práticas de produção de dicionários, glossários, banco de dados etc.

Com o tempo e o surgimento de novas teorias linguísticas, a Lexicografia, nosso foco em questão, foi deixando de se preocupar apenas com a produção de dicionários. Os pesquisadores começaram a teorizar sobre as metodologias de

produção de dicionário, isto é, novas técnicas, novos recursos, etc. Tal corrente passou

a ser chamada de Lexicografia teórica ou Metalexicografia (Welker, 2004). Por seu turno, as pesquisas na área de ensino de línguas começaram a questionar sobre o papel dos dicionários no processo de aquisição/aprendizagem de línguas. Estas obras, que há muito eram negligenciadas e sofriam preconceito por parte de professores de língua, começaram a ter sua importância revisada. A partir de então, não tardaria muito para que a atenção dos metalexicógrafos fosse voltada para a sala de aula. Não apenas isso, uma vez que a sala de aula é um ambiente bastante heterogêneo, heterogêneos também deveriam ser os dicionários de aprendizagem. Haveria dicionário para aprendizes de língua materna ou língua estrangeira, dicionário para alunos iniciantes ou intermediários ou avançados etc. Abaixo, na figura 1, segue um esquema contendo um mapa conceitual que sintetiza a área em questão e seus domínios. Destacamos em azul como esta pesquisa se insere na área, bem como o diálogo que a Lexicografia Pedagógica trava com a Teoria da Multimodalidade e os estudos sobre dicionários latinos, os três campos que servem de base para este trabalho.

A partir do exposto, podemos dizer que a Lexicografia pedagógica se define pelo caráter específico do seu objeto de estudo e seu público-alvo. Enquanto a Metalexicografia se ocupa dos dicionários de um modo geral, a Lexicografia pedagógica tem como foco o dicionário produzido com finalidades pedagógicas, isto é, dicionários para aprendizes ou dicionários escolares. Para Humblé (1998), a Lexicografia pedagógica se define a partir de duas características fundamentais: a

escolha de um público definido, o aprendiz de língua, e de um fim específico, a aprendizagem de língua materna ou estrangeira. Essas discussões ampliam a visão

que temos de dicionário escolar e de seus usos em sala de aula. Tais obras possuem muito mais utilidades do que o senso comum dita. Amorin (2004), ao definir o que significa o termo “dicionário”, ressalta sua importância:

Como é possível observarmos, o dicionário assume diferentes faces diante de perspectiva de estudo, ora é um conjunto de entradas mais partes complementares, ora é um livro ligado ao desenvolvimento da comunicação escrita, ora é o acervo léxico-cultural de uma sociedade, ou ainda uma obra Figura 1: Mapa conceitual dos estudos do léxico voltado para este trabalho

usada como complemento didático na resolução de exercícios. É necessário entendermos que, além de ser uma obra de consulta, seja do significado, seja da ortografia das palavras, oferece também outras possibilidades de uso, cabendo ao professor se sensibilizar e abrir espaço em sua prática pedagógica para um trabalho completo e eficaz com o dicionário, esgotando todos os possíveis usos. (AMORIN, 2004, p. 86)

De fato, se são várias as questões que um lexicógrafo deve levar em conta durante a confecção de um dicionário, maiores e mais complexas são as questões que orientam um dicionário com finalidades didáticas. A princípio, o lexicógrafo pedagogo define o usuário ideal da sua obra, para tanto é preciso saber seu nível de conhecimento linguístico, comunicativo e de mundo, isso fará com que o dicionarista focalize sua produção nas necessidades de aprendizagem do usuário. Percebamos, por exemplo, que são dois extremos. De um lado, há as necessidades de consulta de um aluno que está tendo contato com a língua latina pela primeira vez e, de outro, um tradutor profissional de textos clássicos. Definindo o público-alvo, o produtor do dicionário poderá trabalhar a estrutura do dicionário a favor de seu objetivo. Esses são apenas alguns pontos chave dentro das discussões que permeiam a Lexicografia pedagógica.