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diferentemente do que ocorre na lei brasileira, na qual a expressão faz referência

3 CASOS SELECIONADOS

3.1 DENOMINAÇÃO DE ORIGEM PROTEGIDA COMTÉ

3.1.1 Visão geral e organização

O estudo de caso do queijo Comté oferece uma análise de como uma DOP72 pode conduzir ao reconhecimento público de um produto e

gerar benefícios de ordem econômica, social e ambiental na área de interação, ou seja, desenvolvimento. Ainda, expõe como fatores chave para o sucesso da IG a necessidade de uma forte coordenação e comunicação entre as redes de produtores em todos os pontos da cadeia de produção e distribuição (GERZ; DUPONT, 2006).

O queijo Comté se caracteriza por ser um queijo semiduro feito a partir de leite de vaca e maturado por no mínimo 120 dias. Da mesma forma que ocorre em outros produtos DOP, a qualidade e a reputação do queijo Comté estão fortemente atadas à influência de determinadas condições agroecológicas encontradas em uma área específica e no saber-fazer local, incluídos métodos tradicionais de criação do gado leiteiro, fabricação do queijo e maturação (GERZ; DUPONT, 2006).

O Comté foi o primeiro queijo a ser reconhecido como DOP na França, em 1958, onde é também patrimônio cultural nacional. Já no âmbito da UE o registro data de 1996. Além do logo comunitário, o

Comté tem seu logo próprio. Representado graficamente por um sino e a

palavra Comté na cor verde, conforme figura 2, o logo está registrado como marca em diversos países além da França, o que permite uma ação rápida em caso de tentativas de uso indevido (GERZ; DUPONT, 2006). Figura 2 – Logo representativo da denominação de origem protegida Comté junto do logo institucional da União Europeia para DOPs

Fonte: Fruitière des Coteaux de Seille ([s.d.]).

O histórico da produção, no entanto, é muito mais antigo do que o registro e remonta ao século XII, época na qual os agricultores se viam forçados a transformar o leite em grandes queijos redondos, então conhecidos como vachelini. Queijos esses que podiam ser preservados por longo tempo e alimentar toda a família durante o inverno rigoroso. Além disso, sua longa duração e apuração do sabor durante a maturação

conferiram ao queijo a possibilidade de ser comercializado fora da região produtora (GERZ; DUPONT, 2006).

A necessidade de uma grande quantidade de leite para produção desse queijo conduziu à cooperação, pois os agricultores reuniam a produção diária na queijaria local (conhecida em francês como

fruitière). Essa forma de organização do trabalho centenária é marcante

na região do Jura, sendo uma das características mais antigas e tradicionais do lugar (GERZ; DUPONT, 2006).

Atualmente, a sua produção é a mais expressiva entre os queijos DOP e mostra um crescimento contínuo nos últimos 20 anos, como se vê no gráfico 1. Além disso, a prática ressalta interação da cadeia com a política agrícola comum da União Europeia, já que o setor de laticínios é um dos principais focos da organização do mercado comum dentro da UE. Logo, a etiqueta DOP afixada no Comté torna possível avaliar as interações entre políticas agrícola e de qualidade no setor de laticínios (COLINET et al., 2006).

Gráfico 1 – Aumento da produção de Comté no período de 1996 a 2015

Fonte: Comté (2015).

Geograficamente a área de produção desse queijo está delimitada na região de Franche-Comté no leste francês, próxima da fronteira com a Suíça, cuja delimitação política é dada pelos departamentos de Doubs, Jura, Haute-Saône e território de Belfort. Na prática consiste na área de Montanhas Jura (COLINET et al., 2006; GERZ; DUPONT, 2006; GROHMAN, 2015), conforme ilustra a figura 3.

Figura 3 – Localização da área de produção do queijo Comté DOP

Fonte: Gerz e Dupont (2006, p. 76).

A área de produção foi oficialmente delimitada pela primeira vez pela associação de produtores em 1958, com o objetivo de pleitear o reconhecimento como DOP, o que se deu principalmente como uma arma para combater a fraude. Havia73 diversos queijos de qualidade inferior sendo produzidos fora daquela área que utilizavam o nome

Comté e em relação aos quais os produtores queriam se diferenciar

(COLINET et al., 2006).

Em 1963, depois de reconhecida a DOP, a associação de produtores se transformou no Comité Interprofessionnelle de Gruyère de

Comté (CIGC) (Bowen, 2010b), que passou a representar toda a cadeia

produtiva do queijo Comté. Uma cadeia complexa e que envolve atores

73 Mesmo com o registro ainda se encontram várias utilizações indevidas/parasitárias do nome Comté. Exemples podem ser conhecidos no endereço a seguir, que contém um dossiê publicado no ano de 2012 pelo CIGC: <http://www.comte.com/decouvrir/textes-et-reglementations/dossier-le-danger- des-fromages-dimitation-decembre-2012.html>.

dependentes uns dos outros para a obtenção do produto final de qualidade.

Além dos produtores de leite, dos queijeiros e dos maturadores, há diversas outras pessoas envolvidas na dinâmica do Comté: fornecedores de insumos, distribuidores, agentes do turismo, entre outros (FUMEY; BÈRION, 2010). Essa interligação, na maior parte dos casos permite à comunidade colocar à disposição uma cesta de bens e serviços territorializados, já descrita no segundo capítulo.

Ou seja, o CIGC é, ao mesmo tempo, tanto representante dos atores da cadeia produtiva do Comté como dos intermediários, parceiros econômicos, políticos, administrativos e acadêmicos, que só na cadeia produtiva representam aproximadamente 3.200 produtores de leite em pequena escala, quase 200 queijarias (organizadas em cooperativas) e 15 caves de maturação. Uma rede profissional que representa uma parceria de produtores, cooperativas e empresas privadas, que estão ligados por história, cultura e interdependência econômica (GERZ; DUPONT, 2006).

Quando comparado às estruturas presentes nas IGs brasileiras, o CIGC exerce tanto funções da associação quanto do conselho regulador, através de distintas estruturas internas. Ele tanto defende os interesses dos produtores envolvidos, como organiza eventos culturais e realiza pesquisas. Incluem-se, ainda, atividades de marketing, gestão, proteção, regulação e fiscalização de conformidade do produto, comunicações, publicidade e gestão interna dos membros da cadeia produtiva. Em relação ao orçamento para custear tais ações, 95% do total tem origem nas receitas próprias, enquanto 5% vem de subvenções públicas (GERZ; DUPONT, 2006; VANDECANDELAERE et al., 2010).

Além do CIGC, outras organizações atuam na melhoria da comunicação e na manutenção das relações comerciais ao longo da cadeia produtiva do Comté. É o caso da Comissão Técnica do Comté, órgão concebido e financiado pelos usuários, pelo CIGC e pelo governo francês. É o braço técnico e científico da rede de atores da cadeia e responsável pela orientação e acompanhamento técnico, bem como controle de qualidade (COMTÉ, [s.d.]).