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VISITA DOMICILIAR: ESTRATÉGIA DE CUIDADO AOS PACIENTES COM

A visita domiciliar ou domiciliária (VD) é entendida como o deslocamento do profissional até o domicílio do paciente, com objetivos de atenção à saúde, aprendizagem ou investigação. Pode ainda ser utilizada como um método, uma tecnologia ou um instrumento(52) facilitador na abordagem do paciente e de sua família no atendimento de saúde(53).

Os profissionais de saúde deslocam-se às residências dos indivíduos objetivando a avaliação de suas necessidades. Esses profissionais devem considerar a família e o ambiente onde vivem, estabelecendo um plano assistencial que considere a necessidade do indivíduo, a disponibilidade do serviço e a continuidade do cuidado pelos familiares orientados(54). Devem

se envolver participativamente no processo terapêutico, juntamente com paciente e família, o que garantirá a conquista de um cuidado de qualidade(55).

O grande diferencial do cuidado domiciliar é a humanização no atendimento, reconhecida pelos pacientes, tanto pelo ambiente, visto que os profissionais estão no território do outro, quanto pela interação com a família(55).

Porém o processo de adentrar o domicílio dos usuários requer preparo, habilidades de comunicação, ética profissional, conhecimento dos mecanismos para prover à família um cuidado educativo, pautado em ações de prevenção e promoção da saúde(53).

A visita domiciliar também pode ser entendida como uma estratégia coadjuvante no seguimento de doentes crônicos, principalmente, e tem sido utilizada em vários países do mundo. Os benefícios dessa abordagem vêm sendo confirmados por diversos estudos experimentais em IC, especialmente nas duas últimas décadas(17,18,56-58).

No Brasil, essa prática surgiu em publicação do Dr. Fontelle, em 1919, abordando a educação sanitária e a necessidade de formação de enfermeiras visitadoras, tendo como objetivo a prevenção. Todavia a visita domiciliar ganhou espaço apenas na década de 1990 com a implementação da Estratégia de Saúde da Família (ESF)(53). A ESF funciona como uma reorientação do modelo assistencial, com implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Tais equipes acompanham um número estipulado de famílias em determinada área geográfica, tendo como foco das ações a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde(59).

A produção científica nacional sobre visita domiciliar ainda é incipiente, tanto na modalidade quanto nos instrumentos de avaliação utilizados(60). Já a literatura internacional apresenta uma gama de estudos experimentais que abordam a visita domiciliar (home health care, home care, home based intervention), especialmente para pacientes com doenças crônicas, sendo muito prevalente o grupo com IC.

O termo home health care, atenção domiciliar em saúde, abrange todos os tipos de cuidado a domicílio(61). O termo home care seria o atendimento, a assistência, o cuidado domiciliar, ou seja, uma estratégia de atenção à saúde. Já a visita domiciliar seria considerada uma forma de atendimento domiciliar(61).

Porém esses termos ainda têm sido aplicados como sinônimos ou similares nos estudos. Uma revisão sistemática recente descreveu o cuidado domiciliar na Europa na última década, analisando 74 estudos com informações de 18 países. Os autores concluíram que as metodologias aplicadas diferem entre os diversos países, sendo o foco, geralmente, as

características dos pacientes e o domicílio. Estudos comparativos entre diferentes abordagens foram raros(57).

No atendimento domiciliar de pacientes com IC, os enfermeiros necessitam desenvolver habilidades clínicas para avaliação de pacientes instáveis e graves, excelente comunicação e capacidade de trabalhar, independentemente da situação e do local encontrado(56). Nesse cenário, pode-se dizer que a ênfase é a manutenção da estabilidade clínica, a melhora do autocuidado, o conhecimento e a adesão dos indivíduos e de seus familiares/cuidadores ao tratamento.

Nas últimas décadas, diversos estudos têm descrito intervenções extramuros hospitalares, na tentativa de manter esses pacientes estáveis, com garantia de acompanhamento adequado e qualidade de vida digna, conforme descritos em estudos como os que seguem.

Um ensaio clínico randomizado (ECR) australiano teve por objetivo examinar o efeito de intervenções multidisciplinares domiciliares sobre readmissões e morte, em seis meses, em pacientes com IC de alto risco. Os resultados foram favoráveis à intervenção, com redução de eventos, readmissões e morte, após a alta hospitalar (P = 0,03)(62). No ano seguinte, os mesmos autores publicaram em outro periódico resultados semelhantes, porém com um tamanho amostral superior ao primeiro. Dessa vez, os grupos intervenção e controle continham 100 pacientes cada, confirmando que os pacientes acompanhados por enfermeira no domicílio tiveram redução de eventos, readmissões e morte (77 vs 129, P = 0,02) quando comparados com grupo em atendimento convencional, em seis meses de seguimento(63).

Outro estudo experimental examinou a satisfação de pacientes e familiares atendidos em cuidado domiciliar, em um programa direcionado por enfermeiras capacitadas, comparando com o atendimento convencional. A satisfação e a mortalidade não foram diferentes entre os grupos, mas taxas de readmissões e custos foram inferiores no grupo intervenção(64).

Esses dados foram confirmados por outro ECR, com 165 pacientes acompanhados por um ano, que teve por objetivo determinar se intervenções de enfermeiras especialistas melhoravam resultados em pacientes com IC crônica. Foram alocados 82 pacientes no grupo intervenção (GI), que recebia visitas domiciliares e, 75 no grupo de pacientes-controle (GC). Os resultados mostraram uma redução de reinternação e morte por IC no GI (P = 0,004 e 0,033, respectivamente). Ainda, os pacientes do GI que reinternaram apresentaram média inferior de dias de internação (7,46 vs 3,45, P = 0,005)(16).

As intervenções realizadas por enfermeiras na VD são baseadas na educação do paciente e da família, para, assim, atingir desfechos que mantenham a estabilidade clínica do paciente, conforme resultados de alguns estudos.

Uma revisão sistemática realizada em 2005 incluiu 30 ECR, dentre os quais 12 abordavam a visita domiciliar como intervenção. Os resultados do subgrupo da VD mostraram que as readmissões hospitalares, por todas as causas, foram reduzidas no GI, RR = 0,80 (IC 95% 0,71-0,89), P = 0,001, porém não houve redução quanto à mortalidade(10).

A efetividade da intervenção de educação em pacientes com IC, atendidos em cuidado domiciliar, também foi confirmada por estudo experimental que incluiu 279 pacientes que receberam uma visita domiciliar até 15 dias após a alta e três contatos telefônicos: no terceiro, no sexto e no décimo segundo mês após a alta. Os resultados para os desfechos – readmissão e morte – não apresentaram diferença significativa (P = 0,118). Todavia, dos pacientes que descompensaram devido à não adesão ao tratamento, a maioria pertencia ao grupo controle (5,6% vs 60,7%, P = 0,016)(58).

Já outro ECR mais recente, com objetivos semelhantes, teve resultados menos animadores quanto aos desfechos. Um total de 283 pacientes foram randomizados, para grupo intervenção (GI) – com visitas domiciliares mensais e contatos telefônicos a cada 15 dias, no período de um ano de seguimento – e grupo controle (GC), em tratamento convencional. O desfecho principal era a combinação de morte por todas as causas e readmissões hospitalares por piora da IC, com redução significativa no GI, P = 0,043. Entretanto, quando analisados isoladamente o número de morte por causa cardíaca e as readmissões por IC, não demonstraram diferenças significativas entre os grupos. Os desfechos secundários, como qualidade de vida, adesão ao tratamento e satisfação foram significativamente superiores no GI(18).

Resultados semelhantes também foram demonstrados para pacientes com diabetes e IC abordados por meio de visita domiciliar isolada, visita e intervenção telefônica e visita e telemonitoramento para desfechos clínicos. Houve melhora apenas para o conhecimento dos pacientes sobre a dieta e a medicação necessária, o comportamento e a severidade dos sintomas para aqueles do grupo com a intervenção de visita domiciliar, sem associação com o número de visitas recebidas (P = 0,02; 0,004)(17).

Observa-se que, mesmo em estudos bem delineados – como os ECR, que investigam os desfechos da visita domiciliar –, os pacientes apresentam melhora na qualidade de vida, conhecimento da doença, autocuidado e adesão, mas as taxas de readmissões e morte seguem elevadas ou com redução não significativa estatisticamente. Esses resultados parecem

apresentar uma piora nos últimos anos, quando comparados a estudos mais antigos. Como causa para isso, pode-se levantar a hipótese do aumento da população idosa no mundo, bem como a seleção de pacientes mais graves nos ECR.

Outro ponto importante, no que tange à visita domiciliar, envolve as habilidades clínicas do enfermeiro, como a tomada de decisão, que exige competências técnico- científicas, éticas, estéticas e humanísticas desenvolvidas(65), principalmente porque nesse ambiente, na maioria das vezes, o enfermeiro não conta com o apoio de outros profissionais. Também é necessário pensar criticamente, julgar, inferir e, assim, organizar o processo de cuidado para garantir os melhores resultados possíveis(65).

Essa forma de condução do trabalho pode ser orientada pelo processo de enfermagem e pelos sistemas de classificação de enfermagem.