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CAPÍTULO 2 – PROJETO-GRÁFICO EDITORIAL DO LDP

2.1 PROJETO GRÁFICO-EDITORIAL DO LDP: CONSTRUÇÃO DE UM

2.1.3 A visualidade do livro didático

Nossa bibliografia mostra que, além do design do livro e da mise en page e mise en livre, também se relaciona ao projeto gráfico-editorial a ideia de “visualidade”, que já mencionamos neste trabalho, mas que passamos a discutir melhor agora.

“Visualidade” é a qualidade daquilo que é visual, isto é, relativo ou pertencente à visão (MICHAELIS, 2009, s/p). A expressão é associada ao livro didático, por exemplo, nos estudos de Moraes (2010) e Belmiro (2000). Ainda que, em seus trabalhos, não exista, de fato, uma definição do que seja “visualidade”, a partir dos significados que os autores atribuem ao termo, como veremos, não se pode dizer que se trate de um sinônimo daquilo que entendemos por “projeto gráfico-editorial do LDP”, mas, sem dúvidas, é um conceito que auxilia em nossa reflexão.

- Las estrategias ilustrativas que utiliza como retórica iconográfica asociada a la escritura. La textualidad del manual suele ser una mezcla de imágenes y palabras, armonizada siguiendo estrategias informacionales, estéticas y didácticas que intervienen en la comunicación de los contenidos e incluso en la activación de actitudes.

- El implicit reader que subyace bajo su textualidad. Todo libro destinado a la enseñanza comporta un lector in fabula, un determinado sujeto que se presupone y que ha de comportarse conforme a un protocolo de acciones en parte predeterminadas, con algún grado de indeterminación. Este lector implícito es propio del manual y diferente de los lectores de otras textualidades.

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Moraes (2010), em dissertação intitulada “Visualidade do livro didático no Brasil: o design de capas e sua renovação nas décadas de 1970 e 1980”, dedica-se a analisar, sob o ponto de vista do design, especialmente esse componente do livro didático brasileiro, chegando à conclusão que, para além das “motivações puramente comerciais envolvidas na produção de capas”, o design do livro, de forma geral, pode “cumprir também um papel pedagógico”, além dos seus objetivos “mais pragmáticos” (MORAES, 2010, p. 173).

Pela relação estabelecida no título do trabalho, depreende-se que a visualidade está sendo entendida como uma categoria maior a que pertencem o design de capas e, ainda, o design do livro de modo geral. Embora, como dissemos, o autor não defina “visualidade” em nenhum momento de seu trabalho, há pistas daquilo que quer destacar ao utilizar a expressão:

Mesmo destinada apenas à leitura de seu conteúdo linguístico e despojada de imagens ou elementos gráficos, a página do texto composto é antes de tudo e sempre visual. O texto é formado por letras que têm determinada estrutura construtiva, com relações entre os vazios e os cheios que as tornam mais pesadas ou mais leves, com inclinações ou orientação vertical mais acentuada que induzem a maior ou menor velocidade de movimento dos olhos na leitura, com características plásticas que as relacionam a períodos históricos ou áreas de conhecimento. (MORAES, 2010, p. 33)

No trecho, o autor nos chama a atenção para algo um tanto óbvio, mas nem sempre lembrado: o fato de que a mancha de texto é, a priori, tanto quanto as ilustrações, por exemplo, apenas mais um elemento gráfico na página68. Como explica Hollis (2000), a relação entre o branco e o preto, entre a área com tinta e a área sem tinta, foi, por algum tempo, a premissa para o trabalho de artistas e designers gráficos:

Até o final do século XIX, as artes gráficas eram essencialmente produzidas em branco e preto e impressas em papel. A relação entre imagem e fundo, entre o espaço com tinta e o espaço sem tinta, o positivo e o negativo, tornou-se fundamental para a estética do conjunto. A área

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Vale ressaltar que Moraes é designer de livros e, assumidamente, é a partir dessa posição que analisa seu objeto.

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sem tinta por ser visualmente tão importante quanto a área com tinta, e o fundo, portanto, suas proporções e dimensões, sua cor e textura, é parte integrante do design gráfico. Ao mesmo tempo, o fundo fornece o suporte físico para as imagens e signos. (HOLLIS, 2000, p. 3)

Na concepção adotada por Moraes, portanto, o texto também é considerado design e, assim, integra a visualidade do livro. Entendemos que o propósito do autor não é de considerar os textos do livro didático enquanto enunciados, até porque sua análise tem como foco apenas as capas do material. Entretanto, é importante ressaltar que, nessa perspectiva, existe o risco de se entender que o objetivo do design seja apenas o de se obter uma página esteticamente agradável, não se levando em conta os propósitos pedagógicos do livro didático. Como vimos, o conceito de design instrucional, que vai em direção contrária a esse entendimento, vem se estabelecendo como uma tendência na produção de livros didáticos, mas é preciso que ele se torne prática efetiva entre os designers.

Como mencionamos, o termo visualidade aparece também nos trabalhos de Belmiro, nome importante nas pesquisas sobre a teoria e a produção de livros ilustrados no Brasil. Um exemplo do uso feito pela autora está no artigo intitulado “A imagem e suas formas de visualidade nos livros didáticos de Português” (BELMIRO, 2000). Como o título anuncia, diferentemente de Moraes, Belmiro atribui a visualidade não ao livro didático, mas às imagens que o compõem, e assume que não existe uma visualidade, mas visualidades, no plural.

A teoria de referência para os estudos de Belmiro é a Semiótica. A autora entende que, para se falar no uso da imagem no livro didático, é preciso antes considerar as diferentes conceituações a seu respeito, definidas a partir de três eixos que discutem sua constituição. Belmiro explica:

o primeiro eixo, correntes que tendem para seu caráter de convencionalidade, enfatizando a criação de códigos próprios; o segundo, correntes que apontam para a semelhança da imagem com o dado real, como um espelhamento do mundo; ou, ainda, um terceiro, que se identifica com a ideia de conexão física, marca luminosa indicativa da existência do objeto, a exemplo da fotografia. (BELMIRO, 2000, p. 13)

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A autora também sustenta a ideia de uma “dimensão cognitiva de compreensão da imagem” (BELMIRO, 2000, p. 20), ou seja, da percepção visual “entendida como uma qualidade inata ao homem e descrita com categorias próprias” (BELMIRO, 2000, p. 20). Citando Samain, Belmiro aponta ainda a existência de “uma visualidade originária e constitutiva do ser humano” (SAMAIN, 1998, p. 13, apud BELMIRO, 2000, p. 20).

Partindo desse panorama, Belmiro analisa a ilustração no livro didático brasileiro em uma perspectiva histórica. A autora define como marco, nesse sentido, a década de 1970, pois, segundo ela, é nesse o período que “a indústria cultural, através da apropriação do discurso da comunicação, contamina o discurso pedagógico e faz-se presente por meio da produção de novos materiais a serem consumidos na escola” (BELMIRO, 2000, p. 19). Há, nas análises de Belmiro, a clara distinção entre as categorias “texto” e “imagem”. Ainda que mencione a “diagramação” e a “programação visual”, Belmiro não fala em “design do livro”. Seu objetivo é de compreender especificamente “o uso escolar da imagem no suporte livro didático” (BELMIRO, 2000, p. 13). Uma conclusão importante a que chega a autora aparece no trecho abaixo, no qual ela se refere às transformações pelas quais passou o livro didático nos anos 1970:

muitos projetos didáticos feitos livros não conseguiram, nessa época e ainda em nossos dias, criar modos de convivência harmoniosa do discurso estético com o discurso escolar. Ou melhor, não se conseguiu, em muitos manuais, gestar propostas de trabalho que relacionassem o discurso estético e o discurso pedagógico, sem reduzir a especificidade do discurso estético pelo filtro pedagógico. (BELMIRO, 2000, p. 20)69

A noção de visualidade, portanto, é uma categoria mais ampla que o conceito de projeto gráfico-editorial e se relaciona aos aspectos cognitivos envolvidos na percepção visual do livro. Nesse entendimento, mancha de texto, fundo, imagens são encarados como elementos gráficos que, antes de tudo, são “vistos”, sem que esteja implicada nesse ato, obrigatoriamente, uma necessidade de interpretação.

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Ideias como a de “discurso estético”, que aparece no trecho, e do livro didático como “suporte”, mencionada na citação anterior, explicitam que o referencial teórico com que a autora trabalha é diferente do nosso, o que, claro, não anula a pertinência de suas considerações.

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Moraes (2010) e Belmiro (2000) parecem concordar que o livro didático possui um papel importante na formação estética do alunado (e do professorado), mas não necessariamente relacionam essa função ao projeto pedagógico do material. Assim, por mais que a ideia de visualidade recubra o conceito de projeto gráfico-editorial, definitivamente eles não são sinônimos. Ao contrário, acreditamos que, no LDP, falar em projeto gráfico-editorial deveria ser falar também em projeto pedagógico.