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PARTE II ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

3. RELATÓRIO DA PESQUISA

3.4. Vivências íntimas das cuidadoras em situação de cuidados

3.4.1. Vivências explícitas

A necessidade de conciliar actividades e tempo foi expressa pelas seis participantes Para duas delas (Maria e Conceição), para poderem tomar conta dos seus familiares tiveram de abandonar o trabalho fora do domicílio e as actividades que anteriormente tinham. Para outra das cuidadoras representou a separação física do marido (Angelina). A actividade profissional a tempo inteiro e as necessidades de cuidados do filho, fazem com que outra participante (Beatriz) não tenha tempo de descanso, já que o fim-de-semana é aproveitado para dar mais alguma atenção ao filho, aquela que não lhe consegue dar durante a semana. As outras duas participantes (Joaquina e Antónia), expressam a necessidade de conciliação de forma mais subtil, “andar sempre a correr”.

QUADRO 19 – A necessidade de conciliação do tempo na vida das cuidadoras

1.Vivências explícitas

Indicador Unidades de sentido

Saio.... Saio quando é preciso. Ainda ontem à tarde sai numa fugidinha. Tinha umas coisas para fazer. Fui lá fora numa fugidinha. Organizo- me...É uma hora, vou fazer o que é preciso durante uma hora, não fujo muito, além da hora não gosto muito, mas durante uma hora vou descansada.

Antónia

Deixei de passar roupa, deixei de fazer limpeza, e comecei aí a

trabalhar, mas foi a necessidade que me obrigou. Maria Sim eu tive, tive que sair do serviço para cuidar da minha filha, sim!

Tive de deixar o trabalho! Conceição

Foi muito difícil! Pois eu deixei de viver, eu até o meu marido deixei na

aldeia para vir para aqui com ele. Angelina

1.1.

Conciliação

Chega o fim-de-semana, é altura que eu tenho assim um bocadinho mais tempo para o João, para estar mais com ele, para lhe ler

inclusivamente que ele gosta que eu lhe leia livros. Beatriz

“Conciliar significa harmonizar, aproximar ou tornar compatíveis diferentes interesses ou actividades, de maneira a permitir uma coexistência isenta de fricções de stress ou de inconvenientes” (Graal, 2000).

QUADRO 20 – A preocupação sentida pelas cuidadoras

1.Vivências explicitas

Indicador Unidades de sentido

Quando eu às vezes me sinto assim menos bem, penso assim: “Ai meu Deus se eu agora fico doente como é que é? E depois não, não há quem

nos receba aos dois” Antónia

É verdade, eu estou sempre nesta preocupação. Se fosse assim uma miúda que soubesse dizer, aquela fez-me isto, aquela fez-me aquilo, aquele bateu-me, ou isto, não é?

Mas a minha filha se lhe fizerem mal, não sabe dizer nada, não sabe dizer nada.

Conceição

Custava-me deixá-lo, a não ser quando ia a alguma consulta. Mas estava constantemente a telefonar-lhe a ver se ele estava bem, porque ele nessas alturas dizia, “ó mãe vá, que eu fico na cama (…) pode ir descansada. Eu fico na cama e a mãe vá

Angelina

Eu acho que já nem consigo estar uma hora sentada numa esplanada! Percebe? É toda uma vida condicionada, determinada, em função não

sei… quer dizer, tem de ser assim. Beatriz

1.2. A

Preocupação

A minha preocupação, é que às vezes eu saísse e o encontrasse mal,

quando chegasse não estivesse bem. Joaquina

A preocupação é referida por cinco das participantes. São preocupações endereçadas à pessoa cuidada, relacionadas com o seu bem-estar, conforto, as suas inquietações ou seja tudo o que constitui a sua existência e que não se limitam aos cuidados ao corpo. A preocupação refere-se à atenção que é dedicada ao outro enquanto pessoa portador de uma identidade.

“Na acção de cuidar portadora de um sentido aberto à perseverança na existência, o cuidado derivado da nossa preocupação é uma experiencia vivida numa mistura de alegria esperança e angústia” (Honoré, 2004:157)

Cuidar de alguém adulto totalmente dependente é também, e outros estudos já o comprovaram, uma tarefa exigente que supõe um excesso de trabalho físico e cansaço psicológico, com consequências na saúde e bem-estar das cuidadoras que todas expressaram.

QUADRO 21 – O cansaço físico/psicológico sentido pelas cuidadoras

1.Vivências explicitas

Indicador Unidades de sentido

Eu às vezes sinto-me assim um pouquinho cansada, mas.... Ele come.... Meto-lhe na boca e como eu... dou-lhe o comer ali e eu como depois de lhe dar o comer a ele. Não demora tempo nenhum, mas claro incomoda, todos os dias, todos os dias…

Antónia

Ó o peso, noventa e tal quilos, ou cem quilos mesmo, acho que ele chegou a chegar a estar com cem quilos.

Não é mal nenhum eu dizer. Fui operada à mão esquerda a primeira vez e fui operada à mão direita, porque me estraguei toda não é? E mesmo hoje, tenho grandes, grandes problemas, derivados da doença dele.

Porque eu fiquei, muito, muito, nervosa, muito cansada, já não sou a mulher que eu era....

Maria

Eu não, nem tenho folga, nem tenho nada. …. Nunca descanso Nos dias que lhe dou banho, nesses dias é que fico, fico…[com dores nas costas]. É assim, é aqui…. Assim uma dor que se mete aqui, tenho de me endireitar mais de quantas vezes!

Conceição

Neste momento sinto-me um bocado cansada, talvez porque sou sozinha a tratar de tudo. E portanto a idade vai avançando. Se calhar já não tenho as forças que tinha, aos trinta anos, embora pronto, ainda não me sinta velha. Ainda me sinto uma pessoa com bastante genica e pronto, mas vou-me sentindo um bocado cansada

Beatriz 1.3. Cansaço

físico/psicológico

No verão passado estava assim um bocadinho mal, é hábito passar assim mal sempre no verão (…). Tinha que me deitar, depois do almoço e de arrumar a cozinha. Ia descansar até à hora do lanche. Depois custava-me tanto a levantar…., mas tinha que ser!

Não fiquei muito cansada, não, não fiquei.

Joaquina

QUADRO 22 – Dificuldades sentidas pelas cuidadoras

1.Vivências explícitas

Indicador Unidades de sentido

Agora tem-me atrapalhado a vida que com as senhoras da higiene não venham a horas certas, umas vezes vêm às oito e meia outras vezes às dez e meia. No sábado eram 11,30. (…) Eu acho que tudo o que me tem mais ralado e... É esta espera pelas pessoas, não saber a hora custa-me muito.

Ah! Eu precisava, eu precisava de não incomodar estas pessoas.... De não incomodar. Eu gostava de eu gostava muito que houvesse qualquer organismo mesmo pagando …. Se houvesse este, este auxilio de, de, de nos virem dar auxilio cá casa…

Antónia

A minha filha começou a trabalhar, deixou os estudos dela e foi a trabalhar, porque não havia dinheiro suficiente

Não há palavras....que descrevam as dificuldades

Dava 30 contos à D. Ana e 20 ao meu sobrinho, e o resto eu tinha mais de 80 contos por mês por vezes em medicamentos, outras vezes 40, outras vezes 30. Quando ele tinha aqueles antibióticos caros, muito caros que era logo aos 70 contos

Maria

Até quase a esta idade eu tinha fraldas de pano, porque as fraldas eram muito caras. São muito caras. E eu andava a pedir aí às vizinhas que me dessem os lençóis de flanela rotos no meio, para eu fazer as fraldas

E fazia as calças de plástico. Eu, eu é que as fazia, comprava o plástico e eu é que as fazia,

Tudo é caro. Ela só agora há uns três anos é que ela usa fraldas de deitar fora. Porque as fraldas eram muito caras. São muito caras.

Conceição

Tudo é caríssimo, tem que se pedir à Segurança Social. Ajuda por vezes há, outras vezes não dão…

Hoje eu já não posso com ele, porque ele é um homem de trinta e um anos, e eu continuo a morar num terceiro andar, tenho a dificuldade da casa porque não tem elevador.

O problema é quando a escola onde o João anda fecha. Que no Verão fecha um mês. Mais esse problema! Cada vez que a escola fecha, a quem é que eu deixo o João?

Beatriz 1.4.As

Dificuldades

Dificuldade só tinha... para deitar o meu marido é que eu precisava de ajuda.

Bom, ás vezes era um bocadinho difícil. Começava a deitar sangue ou assim, e ficava muito aflita, com ele a ter dificuldade de respirar.

Joaquina

Em relação às dificuldades sentidas durante a vivência, estas são variadas e todas as participantes as expressam. Centram-se sobretudo em torno de dois

aspectos: as relacionadas com o peso da pessoa adulta, para deitar, levantar, mudar de posição e transportar de um lado para outro e as barreiras arquitectónicas e as dificuldades de ordem económica associadas às despesas extraordinárias inerentes à satisfação das necessidades da pessoa cuidada. Uma das cuidadoras refere ainda como fonte de dificuldade a falta de equipamentos no exterior sobretudo o facto da ajuda externa não ser a horas certas o que lhe impede de organizar o tempo e de ter ritmo de vida próprio.

São portanto múltiplos e significativos os constrangimentos ligados à prestação de cuidados (no âmbito das redes formais e informais) (…). Constrangimentos estes cuja minoração passa, antes de mais por um investimento deliberado na promoção de equipamentos e serviços de apoio à família, de qualidade e a preços acessíveis à generalidade da população portuguesa (Perista, 1999:190).

Viver no próprio domicilio é a situação ideal e desejável para quem tem necessidades especiais sejam estes idosos ou não porque as pessoas continuam no espaço que lhes pertence por direito e que lhes é familiar. Mas a vivência no domicílio requer exigências próprias que passam por residências funcionais, intervenções técnicas adequadas e organizadas, cuidados médico-sanitários que transmitam segurança e permitam minimizar as dificuldades de quem cuida.

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