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2. REVOLUÇÃO, RESISTÊNCIA E SUBJETIVIDADE

2.2. Vontade de revolução e desejo de transformação

Se no momento em que o processo revolucionário ainda estava acontecendo Foucault afirmava ter chegado ao Irã apenas com uma questão em mente, a saber, o que queriam os iranianos, finalmente, meses mais tarde, em um retorno reflexivo sobre suas análises, seu olhar parece mudar e o filósofo acredita ter partido não com uma interrogação, mas com um princípio de análise. Em entrevista de 1979 a Farès Sassine, Foucault afirma ter partido ao Irã com uma referência teórica que foi determinante ao seu interesse pelo que se passava no país. Essa referência era o livro de Ernst Bloch, O princípio esperança. Segundo Foucault:

pareceu-me que havia uma relação entre o que eu estava lendo e o que estava acontecendo. E eu quis ir ver. E eu realmente fui ver isso como um exemplo, uma prova daquilo que eu estava lendo em Ernst Bloch. Foi isso. Eu estive lá, com um olhar condicionado por esse problema da relação entre revolução política e esperança ou escatologia religiosa496.

De acordo com Foucault, o livro de Bloch coloca o problema de uma percepção coletiva da história, que começa a surgir na Europa na Idade média, a qual compreende que a realidade das coisas não está definitivamente instaurada e que pode haver algo no interior mesmo da história que daria acesso a um mundo melhor. Semelhante percepção estaria na origem da própria ideia de revolução, ao mesmo tempo que faria parte do imaginário religioso. Apesar de afirmar ter sido o livro de Bloch que o fez se interessar pela revolução iraniana, Foucault não a analisa em termos de utopia e esperança, como o faz o filósofo alemão. Contudo, o livro de Bloch traz para a análise a ideia de um "desejo de mudança" que é fundamental para o projeto revolucionário, e que se torna central no entendimento do que Foucault chama de vontade de revolução.

O problema do desejo nas análises sobre o Irã aparece relacionado de modo indistinto a um outro problema que é o da vontade. Na mesma entrevista com Farès Sassine, Foucault confessa o seguinte: "mas há alguns meses e anos, justamente a respeito da análise dessas relações de poder, me parece que não podemos realizá-la adequadamente sem fazer intervir o problema da vontade"497. Vontade que é a de ser outro do que se é, vontade de ser sujeito de sua própria transformação, mas também, uma vontade coletiva que ele vê se manifestar nos insurgentes iranianos:

Entre as coisas que caracterizam este acontecimento revolucionário, há o fato de que ele faz aparecer – e isto, poucos povos tiveram a ocasião na história – uma vontade absolutamente coletiva. A vontade coletiva, é um

496 Foucault, O enigma da revolta, p. 53. 497 Foucault, O enigma da revolta, p. 83.

mito político com o qual os juristas ou os filósofos tentam analisar, ou justificar, as instituições, etc., é um instrumento teórico: a “vontade coletiva”, jamais se viu, e pessoalmente, eu pensei que a vontade coletiva era como Deus, como a alma: que jamais se encontrava. Eu não sei se vocês concordam, nós encontramos, em Teerã e em todo o Irã, a vontade coletiva de um povo. E bem, isto se saúda, isso não acontece todos os dias498.

A vontade política que Foucault diz ver se levantar no Irã é a vontade de um governo islâmico, uma vontade que é, ao mesmo tempo, um esforço em politizar as estruturas sociais e religiosas e abrir na política uma dimensão espiritual. Essa vontade, Foucault explica, é "perfeitamente unificada" e passa do médico de Teerã ao mulá que mora no interior do país. Ela não é só a vontade de um governo islâmico, mas também a recusa do governo Pahlavi e a reivindicação de que o Xá deixe o país. Contudo, não há programa para esse governo islâmico. E, de acordo com Foucault, é justamente porque não há um projeto político, porque as palavras de ordem que se difundem na multidão se diluem em sua simplicidade, que pode haver uma vontade quase unânime. Logo, o que seria exatamente essa vontade que parece ir contra uma certa ideia da política baseada na abstração de um sujeito coletivo fictício e de uma soberania popular imaginária?

De acordo com Judith Revel, essa noção de vontade "torna-se cada vez mais insistente em Foucault, sem que ele nunca realmente o explique"499. De fato, a dificuldade em definir o que ele entende por vontade é alvo de numerosas críticas e debates nos meses em que os levantes no Irã se desenrolaram. Foucault mesmo, meses antes de partir ao Irã, reconhece que a filosofia ocidental não havia sido capaz de pensar a questão da vontade de modo pertinente e que, portanto, seria preciso refletir sobre qual forma essa questão pode ser colocada500. Um dos problemas presentes nessa noção expressa a dificuldade em lidar com o caráter coletivo dos movimentos sociais. O enigma da insurreição compreende também o problema de como interpretar o desejo de levante, o desejo presente e disperso em uma multidão insurgente que sai às ruas e enfrenta um poder armado.

Segundo Naze e Brossat, a vontade coletiva de Foucault é uma versão espontânea e selvagem da vontade geral de Rousseau501. Isso quer dizer que a política, ou melhor, a vida política, partiria para Foucault do "não" da insurreição muito mais do que do "sim" do agrupamento coletivo organizado, seja ele rousseauista ou liberal. Com efeito, pode-se encontrar ideia semelhante no curso dado por Foucault no mesmo ano dos levantes no Irã. Na ocasião, Foucault escreve que "A política não é nada mais, nada menos que o que nasce com a

498 DE II, L'esprit d'un monde sans esprit, p. 746.

499 Revel, Qu’est-ce qu’un moment révolutionnaire ? « Intolérable », exposition de soi et virtualité, s/n. 500 DE II, Méthodologie pour la connaissance du monde: comment se débarraser du marxisme, p. 605. 501 Naze; Brossat, Interroger l'actualité avec Michel Foucault, p. 107.

resistência à governamentalidade, a primeira sublevação, o primeiro enfrentamento"502. Nesse caso, a constatação de Foucault, de que, no acontecimento iraniano, não havia partido ou liderança que tomava as decisões em nome de um coletivo ou que alegava deter a identidade do movimento, viria afirmar essa vontade dos iranianos de irem às ruas por eles mesmos e declarar que eles não queriam mais o regime do Xá, em um movimento que parte, portanto, de uma negação até o ato do levante503. Por esse ângulo, a vontade coletiva é aquilo que se manifesta somente nos "instantes puros" das insurreições, ao mesmo tempo em que a política é aquilo que coloca o corpo social em disputa. Nesse sentido, se o Irã está em "estado de greve política generalizada", essa greve é uma recusa em relação à política como "o sistema vigente, de fazer funcionar seus aparelhos, sua administração, sua economia"504. A vontade coletiva que se manifesta no Irã está, portanto, longe da ideia de uma política enquanto constituição de um corpo social dotado de coesão e unidade. Segundo Foucault: "É uma lei da história: mais a vontade de um povo é simples, mais a tarefa dos políticos é complexa. Sem dúvida porque a política não é o que ela pretende – a expressão de uma vontade coletiva; ela apenas respira bem aí onde esta vontade é múltipla, hesitante, confusa e obscura para si mesma"505. Logo, a vontade coletiva do povo iraniano é o oposto da concepção de Rousseau para quem a vontade geral expressa a condição na qual: "todos os móbeis do Estado são vigorosos e simples, suas máximas são claras e luminosas, não existem interesses confusos e contraditórios, o bem comum mostra-se por toda parte com evidência e não exige senão bom senso para ser percebido"506.

Esse modo de compreensão da política e da ideia de vontade coletiva toca diretamente a questão da forma que tomou as insurreições no Irã. O movimento insurrecional iraniano difere de um movimento liderado por um proletariado, organizado e orientado por organizações partidárias. Nesse sentido, segundo Naze e Brossat, "o modelo ao qual Foucault faz referência implicitamente evidencia os fenômenos de propagação horizontais, de contágio – em oposição mais uma vez ao modelo vertical segundo o qual as massas são colocadas em

502 STP, p. 535, p. 409. Foucault parece ainda descartar na mesma análise uma ideia da política que teria seu fundamento a partir da intervenção do Estado e a ideia da política Schmittiana. É contra essas duas teses que Foucault escreve que a política deve ser vista a partir da ótica do enfrentamento: "A análise da governamentalidade como generalidade singular implica que "tudo é político". Dá-se tradicionalmente dois sentidos a essa expressão: - O político se define por toda a esfera de intervenção do Estado [...]. Dizer que tudo é político é dizer que o Estado está em toda parte, direta ou indiretamente. - O político se define pela onipresença de uma luta entre dois adversários [...]. Essa outra definição é a de K. [sic] Schmitt. [...] Trata-se, antes, de dizer [...] A política não é nada mais nada menos do que o que nasce com a resistência à governamentalidade, a primeira sublevação, o primeiro enfrentamento".

503 Foucault, O enigma da revolta, p. 57. 504 DE II, Une révolte à mains nues, p. 702. 505 DE II, Une révolte à mains nues, p. 702. 506 Rousseau, O contrato social, p. 125.

movimento por diretivas vindo do alto, de Estados-maiores da revolução"507. De fato, Foucault descreve a propagação da revolução como um movimento que vai "das greves às manifestações, dos bazares às universidades, dos panfletos às pregações pelos comerciantes, operários, religiosos, professores e estudantes"508. E salienta, mais uma vez, que esse movimento se dá sem uma liderança. Desse modo "nenhum partido, nenhum homem, nenhuma ideologia política, podem por enquanto se vangloriar de representar este movimento. Ninguém pode pretender-lhe tomar à frente. Ele não tem na ordem política algum correspondente nem qualquer expressão"509. Tal forma de propagação do movimento insurrecional coloca em xeque o que Foucault, tomando de empréstimo de Ernst Bloch, chamou de o "princípio esperança", isto é, a ideia de que uma revolução é feita em torno de um proletariado organizado em um partido. A insistência e também o entusiasmo de Foucault em evidenciar a falta de um partido ou vanguarda política deve-se à relação corrente entre estrutura partidária e vontade. De acordo com Foucault:

Por meio do Partido, as vontades individuais e subjetivas tornam-se uma espécie de vontade coletiva. Mas essa última deve ser, sem falta, monolítica como se fosse uma vontade individual. O Partido transforma a multiplicidade das vontades individuais em uma vontade coletiva. E, por essa transformação, ele constitui uma classe como sujeito. Em outros termos, ele produz um tipo de sujeito individual510.

Nesse sentido, a ideia de proletariado só seria possível pela existência mesma do partido, uma vez que é o partido que permite ao proletariado aceder a uma consciência de classe. Foucault se refere nessa ocasião ao funcionamento do partido comunista que, segundo ele, impediu que os diferentes níveis da vontade fossem analisados transformando as vontades "heréticas" na vontade burocrática do partido. Tal situação impossibilitou que se colocasse "o problema de saber como as vontades individuais na revolução e na luta se articulam com os outros níveis de vontade", contudo, Foucault acredita que "hoje, essas múltiplas vontades começam a surgir na brecha da hegemonia detida pela esquerda tradicional"511.

O problema da forma que pode tomar essa vontade política após a partida do Xá é, de acordo com Foucault, o "problema prático de todas as revoluções, é o problema teórico de todas as filosofias"512. Problema importante, pois os conteúdos imaginários dessa vontade não seriam dissipados no dia em que a revolução se completaria. Após a saída de Reza Pahlavi do

507 Naze; Brossat, Interroger l'actualité avec Michel Foucault, p. 90. 508 DE II, Le chef mytique de la révolte de l'Iran, p. 715.

509 DE II, La révolte iranienne se propage sur les rubans des cassetes, p. 715

510 DE II, Méthodologie pour la connaissance du monde: comment se débarraser du marxisme, p. 614. 511 DE II, Méthodologie pour la connaissance du monde: comment se débarraser du marxisme, p. 615. 512 DE II, Une révolte à mains nues, p. 704.

Irã e a constituição da república islâmica, Foucault reconhece que se misturavam na vontade coletiva "a formidável esperança de refazer do islã uma grande civilização viva, e formas de xenofobia virulenta; os riscos mundiais e as rivalidades regionais. E o problema dos imperialismos. E a submissão das mulheres" 513. São esses os reveses de uma vontade coletiva que Foucault apenas elenca antes de encerrar o debate público sobre a revolução iraniana. No entanto, a caracterização da vontade coletiva tal como Foucault a concebe parece desconsiderar ao menos dois problemas que se apresentam no desenrolar da análise e após suas conclusões.

O primeiro problema refere-se ao "ponto de coesão" do movimento insurrecional, isto é, a figura do aiatolá Khomeini. Ainda que Foucault reconheça que não havia um partido, vanguarda política ou chefe de Estado que tomava a frente do movimento iraniano, ainda assim, ele era liderado por "um personagem quase mítico que é Khomeini". De acordo com Foucault, a ligação do povo iraniano com esse personagem dispõe de três características:

Khomeini não está aí: após quinze anos, ele vive em exílio do qual só quer retornar quando o xá partir; Khomeini não diz nada, nada mais que não – ao xá, ao regime, à dependência; enfim, Khomeini não é um homem político; não haverá o partido de Khomeini, não haverá governo Khomeini. Khomeini é o ponto de fixação de uma vontade coletiva514.

Se a figura de um homem é o que dá coesão ao movimento, se é essa figura que personaliza o "não", a recusa dessa sublevação, não haveria aí um problema de culto ou adoração que poderia encobrir as possíveis fissuras dessa sociedade? Afinal, Foucault reconhece haver outros pontos de apoio do movimento iraniano que estariam localmente situados em organizações clandestinas e disseminadas em antigos movimentos de guerrilhas islâmicas ou até mesmo marxistas. Nesse sentido, a descrição de Khomeini como um chefe mítico da insurreição não equivaleria a encobrir as especificidades do movimento? Naze e Brossat observam na identificação a Khomeini um momento problemático da revolta iraniana. Segundo os autores, Foucault "não pode ignorar que essa aproximação da comunidade identificada com seu chefe, podendo tomar forma apenas pela sua graça ou melhor, em sua própria presença, é o que os regimes totalitários têm em comum"515. Pois a coesão que Foucault vê nessa identificação ao chefe mítico que é Khomeini não repousa somente "em sua inflexível recusa", mas também, "no amor que cada um nutre individualmente por ele"516. Diante disso, não caberia aí interrogar-se sobre as possibilidades de mobilização desse afeto

513 DE II, Inutile de se soulever ?, p. 792-793.

514 DE II, Le chef mythique de la revolte de l'Iran, p. 716.

515 Naze; Brossat, Interroger l'actualité avec Michel Foucault, p. 115. 516 DE II, La révolte iranienne se propage sur les rubans des cassettes, p.702.

por parte de Khomeini? E, nesse sentido, perguntar-se também, quais seriam as transformações possíveis de uma vontade que é, ao mesmo tempo, uma vontade de outro mundo e uma vontade de ser outro do que se é, e que passa por essa identificação com um chefe mítico?

O segundo problema concernente às análises de Foucault diz respeito ao papel das mulheres durante as manifestações. Como mencionado, Foucault referiu-se às mulheres no último artigo que escreveu sobre o Irã, no qual aponta para o problema de estar misturado a vontade coletiva a "submissão das mulheres". Nenhuma palavra a mais sobre o papel dessas mulheres nas manifestações que não se encerraram com a partida do Xá e a vinda do aiatolá. Em 8 de março de 1979, um mês após a chegada de Khomeini ao Irã, as mulheres organizaram uma manifestação por ocasião do dia internacional da mulher. A manifestação ganha o tom de protesto após o aiatolá decretar o uso obrigatório do hijab. Na ocasião, as mulheres tomam as ruas de Teerã protestando com as cabeças descobertas. A amplitude de tal protesto é grande e ele se estende ainda por algumas semanas517. Se a revolução iraniana era um desejo de transformar o mundo transformando também a si mesmo, teria ela realmente acabado, ou ao menos perdido fôlego, com a chegada de Khomeini? Não teriam as mulheres que saíram as ruas, que se organizaram nas universidades, que entrevistaram pessoas e escreveram livros e distribuíram panfletos, continuado uma revolução que os partidários do aiatolá quiseram silenciar e que os analistas não quiseram ver? O interesse de Foucault pela revolução iraniana centrava-se sobre o acontecimento revolucionário enquanto tal, isto é, do instante revolucionário, da revolução enquanto instância constituinte. Contudo, se o problema de Foucault não era o governo dos mulás, a instância constituída após a revolução, então o que significam todas as manifestações das mulheres dentro desse processo revolucionário?518 Não teriam as manifestações das mulheres a mesma vontade de transformação que outrora? Ou, ao contrário, seria possível que Foucault visse nessas manifestações apenas o dissenso que teria se instaurado na dissolução pós-revolucionária da vontade coletiva que ele viu se manifestar? Se o dever do intelectual era, como escreve Foucault, o de ser respeitoso quando uma singularidade se insurge, o que significava a revolta das mulheres que colocavam suas vidas em perigo ao descer as ruas com a cabeça descoberta? Não teriam as manifestações das

517 Sobre a relação de Foucault com o Irã e o movimento das mulheres iranianas conferir o artigo de Marie-Jo Bonnet Michel Foucault em Iran: il ne voyait pas les femmes. In:

518 Foucault manifestou algumas vezes a sua recusa em analisar a situação pós-revolucionária no Irã. Tal posição já havia sido manifestada em seu artigo Le chef mythique de la revolte de l'Iran onde ele escreve "Eu não sei fazer a história do futuro. E não tenho muito jeito em prever o passado. Gostaria, no entanto, de captar o que está

em vias de acontecer, pois nestes dias nada está acabado e os dados ainda estão rolando". DE II, Le chef

mulheres mostrado que o instante revolucionário ultrapassava o que se poderia pensar ser o seu acabamento, isto é, a realização do governo islâmico? Nesse sentido, pode-se compreender que o interesse de Foucault se concentrava somente na questão do levante, isto é, nas condições pelas quais uma multidão se reúne, se insurge e reivindica a queda de um governo; no entanto, não compreender a revolta das mulheres dentro desse momento insurrecional implica não considerar a sua vontade de transformação como uma vontade de insurreição519, ou então, dilui-la na representação geral da vontade coletiva.

Um pouco mais tarde, na década de 1980, Foucault desenvolve sua análise da reflexão kantiana sobre a história e, também como uma maneira de retorno crítico sobre sua experiência no Irã, o filósofo francês retoma e modifica a noção de "jornalismo filosófico". Na ocasião, Foucault chama atenção para o fato de o texto kantiano colocar em evidência a questão do que é o presente e o que, nesse presente, faria sentido como questão filosófica. Trata-se de reconhecer na própria atualidade um acontecimento que teria um valor e uma singularidade filosófica. O texto pré-revolucionário de 1784 repercute, anos mais tarde, em um outro texto do filósofo alemão, texto pós-revolucionário, a saber a segunda dissertação de

O conflito das faculdades. Para Foucault, esse texto dá continuidade ao artigo de 1784 ao

refletir sobre a Revolução francesa e, assim, perguntar-se precisamente sobre o que é a revolução. A reflexão de Kant sobre a Revolução como acontecimento continha o problema do sentido da Revolução para aqueles que a assistiram. Desse modo, em Kant, o que importa na revolução não é seu êxito ou seu fracasso, mas o entusiasmo que esse acontecimento manifesta. O entusiasmo pela revolução é para Kant o signo de uma disposição moral, de uma vontade de revolução que se poderia sempre reativar. Assim, para Foucault, Kant teria colocado uma questão fundamental para a filosofia e a sua relação com a atualidade:

A questão para a filosofia não é determinar que parte da revolução conviria preservar e fazê-la valer como modelo. Ela consiste em saber o que há que fazer desta vontade de revolução, deste 'entusiasmo' pela revolução que é algo distinto da tarefa revolucionária em si mesma. As duas questões: 'Que é Aufklärung?' e 'Que fazer da vontade de revolução?' definem, ambos o