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3 JORNALISMO E PROSA POÉTICA: ANÁLISE DOS TEXTOS DE A GAZETA DA TARDE

TORMENTA E BONANÇA XL

2. VULCÃO EXTINTO

E quel medesmo, Che si fue accorto Chi’io dimandava il mio Duca di lui Gridò: Qual i’fui vivo, tal son morto! DANTE – Divina Commédia.

“Rasga-se a cratera à sombra do píncaro mais alto. Precipícios sem fundo; vai-se-nos a imaginação pelas

fragas, a perder-se embaixo, impenetrável noite.

Antes de tombar sobre o vulcão este silêncio pesado, quanta vez tremeram as rochas ao rugido da lava fervente! Tentara o gigante em outros tempos incendiar a amplidão: o século o puniu.

Nada mais ficou dos grandes dias além das escarpas calcinadas, o velho esqueleto informe.Caíram para sempre os castelos de chamas que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as cenografias satânicas da conflagração; pereceu a memória das erupções triunfais!

Tudo agora está findo.

E para os espaços arreganha-se o caminho das lavas, imensa boca torcida na expressão de atroz agonia – brado estrangulado pela morte, apóstrofe muda e terrível, blasfêmia misteriosa da terra”.

Novamente, temos a presença de uma epígrafe nessa versão em livro. Como em quase todos os poemas do corpus, na sua versão em livro, este texto também apresenta um paratexto, aqui em italiano, cujo final significa “fui vivo e agora estou morto” (trad. nossa). O autor é Dante Alighieri (1265 -1321), poeta italiano, diplomata, idealista, buscou uma forma nova na lírica, menos erudita, autor de a Divina comédia (1307) que transfigura no plano poético não apenas sua própria vida, mas todo o universo contemporâneo.

A tendência de Pompéia para a disposição binária dos elementos e para a simetria, faz com que ele combine as técnicas de composição com harmonia verbal, provocando efeitos sonoros duplos que vão realçar a oposição de idéias e as sensações. Esta versão apresenta mais frases nominais e vocabulário menos erudito. Todavia, o conteúdo é o mesmo, apesar da substituição de expressões, de palavras e duas frases a menos no total da composição. O adjetivo do título do poema é trocado: “Vulcão Morto”, no original, agora “Vulcão Extinto”. A temática está relacionada ao texto anterior, trazendo como idéia básica a sugestão da epígrafe. Tudo que é vivo perecerá, como “os castelos de chamas” dos vulcões, em erupção. Talvez, devido a uma “misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade”.

Além da substituição de algumas palavras: “extinto” e “findo” em vez de “morto”, mudança na pontuação, paragrafação, no layout do texto, percebe-se o burilamento do texto que se torna mais lírico nesta versão de livro, mais sutil.

3. OS CONTINENTES

?Hont ets? – Y ay! Hont l’hermosa

solía´ls cars atraure,

lo pìlach responía: – Yo l´he engolida á nit; feste enllá les terres per sempre

‘m vull ajaure;

man llit; ay d’elles! Ay si ‘m also per dixamplar.

J. VBERDARGUER – La Atlántida.

Atlântida! Atlântida!

Onde estão agora as florestas, as torrentes caudais, as cidades, os reinos? Onde os homens, os rebanhos, as ferras? Monumentos, grandeza, poderio, exércitos, e as gloriosas artes?... Onde jaz sepultado o gênio humano, fertilizador das regiões desaparecidas? Que é feito das próprias ruínas? Como foram consumidos os venerandos restos da arquitetura – fustes truncados, capitéis caídos? E os túmulos? As ossadas dispersas, que vão ficando das gerações no roteiro dos séculos? A própria morte morreu. E as montanhas, que suspeitávamos eternas, na audaciosa majestade da pedra, familiares entre a águia e o raio, como Júpiter Deus?!

Os monstros sabem talvez – os monstros do mar profundo, que nadam lendo pelos escombros imersos, o olhar pávido, na transparência noturna do abismo; mas guardam tenazmente o formidável segredo do seu espanto. A face do oceano é muda como o mármore sem inscrições.

Debalde o sol agride com os raios irreverentes da luz a superfície da campa amplíssima. Os raios quebram-se, repelidos pela discrição lapidária do mistério. Debalde a tormenta devasta e sulca, chacal sacrílego! Com as furiosas garras a espessura esmagadora que se acama sobre o continente submergido. Terror perene e indefinível dos continentes vivos: a interrogação permanece.

Esta epígrafe é de Jacinte Verdarguer (1845–1902) poeta catalão, autor de dois grandes poemas épicos que reúnem os mitos antigos, as lendas locais e o maravilloso cristão: A Atlântida (1877) e Canigu (1885).

Às vezes a repetição de determinada comparação é reforçada pela introdução do nome abstrato da qualidade comparada. Os recursos não são produtos do acaso, nem da consciência criadora. A obra está escrupulosamente planejada. A técnica da repetição contribui para a arquitetura da prosa poética até hoje despercebida na leitura desatenta e, portanto, não estudada pela crítica que ainda não valorizou esses fenômenos idiomático-estilísticos. Este poema,"Os deuses" tem sua epígrafe extraída de El Diablo mundo de José de Esprocenda (apud POMPÉIA, 1982, p. 95) e aponta para o tema das crenças religiosas consideradas como ilusões: "Las

creencias que abandonas, / Los templos, las religiones / Que pasaron, y que luego / Por mentira reconoces, / Son, quizá, menos mentira / Que las que ahora te forges?". No lugar de Deus, o

locutor crê no sol, "no astro onipotente, criador dos dias e das cores" (1982, p. 95): Que estranha potestade és tu, glorioso sol que me deslumbras?! Sem a tua presença toda esta paisagem jazera morta. Toda esta alegria me acorda o sangue e um vivo eflúvio de fulgor, astro onipotente, criador das cores e dos dias! Ah! Eu adoro o sol que é a força. Vem do mistério como os deuses e, como os deuses vem, como os deuses, vai para o mistério. Por que buscar mais alto a Divindade?! (1982, p. 95). Percebemos o mesmo tipo de alterações: substituição de termos, palavras, mudança de pontuação, de layout, verdadeiro processo de burilamento que torna o texto mais literário.

4. OS DEUSES

No documento Raul Pompéia: jornalismo e prosa poética (páginas 172-175)