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VULCÃO MORTO XXX

No documento Raul Pompéia: jornalismo e prosa poética (páginas 139-152)

3 JORNALISMO E PROSA POÉTICA: ANÁLISE DOS TEXTOS DE A GAZETA DA TARDE

VULCÃO MORTO XXX

À sombra do pico altíssimo, abre-se a cratera.

Rasgam-se precipícios sem fundo. Dominada pela vertigem, vai-se-nos a imaginação pelas fragas e perde- se na sombra impenetrável, lá embaixo. Silêncio medonho.

Antes de tombar sobre o vulcão este silêncio pesado, quanta vez tremeram estas rochas, ao rugido da lava fervente!

Tentara o gigante em outro tempo, incendiar a amplidão; os séculos o puniram. Nada mais ficou dos grandes dias, além das escarpas calcinadas, velho esqueleto informe do colosso. Caíram para sempre os castelos de chama, que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as auroras infernais que o vulcão ateava nas trevas; pereceu a memória das erupções triunfais!

Tudo agora está morto. A caminho da lava escancaram-se os espaços como uma imensa boca, torcida na expressão de atroz agonia – brado supremo tolhido pela morte, apóstrofe muda e terrível, misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade.

Figura 5: Vulcão Morto.

Fonte: A Gazeta da Tarde, 22 jan. 1886.

Como impressão inicial, a percepção da realidade que representa a presença ontológica e estética do poeta. O sintagma vulcão morto, e sua cratera “no pico altíssimo” x “precipícios sem fundo”, “vertigem da imaginação”, “silêncio agora”. Os oxímoros que se sucedem, primeiro no desvelar do outro, a natureza que define a forma estética de sua composição. “Silêncio agora” x “rugido do vulcão no passado”; “tentou incendiar a amplidão” x “punição silenciosa”; “as chamas infernais extintas” x “perecimento da memória esquecida”.

A gênese da realidade que cerca o ser de enunciação está expressa na técnica de composição do poema. “Vulcão morto” fala da gênese do vulcão, morto na atualidade. O espírito que anima a realidade da vida é a constatação de que o ato criador só pode produzir palavras. “A chama extinta” x brado supremo tolhido pela morte”, “misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra à imensidade”. O assentamento desta realidade ou a sua presentificação contra o fundo do tempo, assim como a constatação da nulidade ao final são expressos pelo eu poético. Tudo agora está morto é a síntese ou a resposta a seu questionar cosmogônico.

Observe-se a presença da visão como preponderante, seguindo a audição e o olfato. Pompéia também inova ao estabelecer relações associativas entre substantivo e adjetivo, “brado supremo tolhido pela morte, apóstrofe muda e terrível, misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade”, com a intenção de lhes ampliar o potencial de elos expressivos de significado, de funções gramaticais e de mobilidade da frase.

O autor busca afirmar no adjetivo a impressão dominante do fenômeno que vai envolver todos os outros elementos da frase. “(...) vai-se-nos a imaginação pelas fragas e perde-se na sombra impenetrável, lá embaixo. Silêncio medonho.(...) Caíram para sempre os castelos de chama, que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as auroras infernais que o vulcão ateava nas trevas; pereceu a memória das erupções triunfais! Tudo agora está morto.” Assim, ele consegue maior concentração imagística , que se torna deveras expressiva.

E, segundo Todorov (1967), a metáfora em sentido lato é a característica fundamental da linguagem poética.”Tudo agora está morto. A caminho da lava escancaram-se os espaços como uma imensa boca, torcida na expressão de atroz agonia – brado supremo tolhido pela morte, apóstrofe muda e terrível, misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade”.

Pode-se observar, ainda, a seleção vocabular e sintática como elemento rítmico da frase: “silêncio medonho”, as frases são curtas, assim como o poema:”tudo agora está morto; à sombra do pico altíssimo, abre-se a cratera”, “os séculos o puniram”, mas o conjunto forma um todo orgânico, planejado cuidadosamente.

Mais uma vez, pode-se perceber o nível narrativo: “à sombra do pico altíssimo, abre-se a cratera”, no início do texto, nesta composição piramidal contaminada pela influência do jornalismo. A canção em prosa poética está dividida em três partes, especificamente: a

introdução em nível mais narrativo, o desenvolvimento intermediário que aparece magistralmente no tempo verbal mais que perfeito, provocando efeito de distanciamento no tempo, e o final concreto: “ tudo agora está morto”, mais uma vez mostrando a influência do jornalismo nesta divisão cronológica piramidal.

No entanto, após esta constatação definitiva, a poeticidade que finaliza, mostrando o nível de cruzamento entre duas linguagens: a jornalística e a literária.”A caminho da lava escancaram-se os espaços como uma imensa boca, torcida na expressão de atroz agonia – brado supremo tolhido pela morte, apóstrofe muda e terrível, misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade”.

O elemento visual se presentifica em todo o texto, nas descrições sobre o vulcão morto. A cor que prevalece é o escuro do fundo do precipício ou da sombra, de acordo com os castelos de chamas que foram extintos. “Caíram para sempre os castelos de chama, que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as auroras infernais que o vulcão ateava nas trevas; pereceu a memória das erupções triunfais!” Todavia, aqui também o auditivo teve lugar no passado. “Antes de tombar sobre o vulcão este silêncio pesado, quanta vez tremeram estas rochas, ao rugido da lava fervente!” esse passado aparece distanciado pelo uso do tempo verbal mais que perfeito: “tentara o gigante em outro tempo incendiar a amplidão; os séculos o puniram.”

A temática continua ligada à inquietação do ser de enunciação em Pompéia: a busca de uma cosmologia em que o eu poético se utiliza de elementos externos da realidade para mostrar uma outra realidade metafísica, interior. “Tudo agora está morto. A caminho da lava escancaram-se os espaços como uma imensa boca, torcida na expressão de atroz agonia – brado supremo tolhido pela morte, apóstrofe muda e terrível, misteriosa blasfêmia arrojada, das entranhas da terra, à imensidade”. Aqui também se percebe, na questão da focalização, o pessimismo do autor em dialogismo com sua época, identificando a cosmovisão de Pompéia.

Voltando aos traços gerais da teoria do impressionismo, de Francastel (1974), estudados por Ribeiro (2001), percebemos neste texto a questão do jogo de luz e sombra, na descrição em gradação decrescente do vulcão ativo em relação ao vulcão morto, “caíram para sempre os castelos de chama, que se erguiam sobre a cratera; extinguiram-se de vez as auroras infernais que o vulcão ateava nas trevas; pereceu a memória das erupções triunfais!”.

Percebe-se também uma mudança de perspectiva a partir do eu poético, que transita e faz transitar o olhar do leitor do passado do vulcão ativo para o presente do vulcão morto. O olhar do leitor receptor caminha desde as “entranhas da terra” até “à imensidade”. As partes iniciais do texto apresentam-se distanciadas, ao longe, “caíram para sempre os castelos de chama”, o fogo é símbolo da destruição. Na última parte “tudo está morto”, passivo, sobrevivo.

OS CONTINENTES XXXIX

“Atlântida! Atlântida!

Onde estão agora as florestas, as torrentes caudais, as cidades, os reinos? Onde os homens, os rebanhos, as feras? Monumentos, grandeza, poderio, exércitos, ciências, e as gloriosas artes?...onde jaz sepultado o gênio humano fertilizador das regiões desaparecidas?

Que é feito das próprias ruínas? Como foram consumidos os restos venerandos da arquitetura – fustes decepados, capitéis caídos? E os túmulos? e as ossadas dispersas, que são o vestígios da passagem das gerações pela estrada interminável dos séculos e da morte?... E as montanhas, que pareciam eternas, na audaciosa majestade da pedra, convivendo com a águia e com o raio, como Júpiter, Deus?!...

Os monstros sabem talvez – os monstros do mar profundo, que nadam em silêncio, demorando no olhar espantado sobre o montão de escombros perdidos na fosforescente noite do abismo; mas guardam tenazmente o formidável segredo do seu espanto.

A face do oceano é discreta como um mármore sem inscrições.

Debalde o sol agride com os dardos irreverentes da luz, a superfície amplíssima da campa. Os dardos quebram-se, repelidos pela couraça impenetrável do mistério.

Debalde a tormenta rasga e dilacera, chacal sacrílego, com as furiosas garras, a espessura esmagadora que se acama sobre o continente submergido...

Terror perene e indefinível dos continentes vivos, a interrogação permanece”. (A Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1886).

Figura 6: Os Continentes.

Fonte: A Gazeta da Tarde,.22 jan. 1886.

O eu poético questiona todas as formas que desapareceram com Atlântida e faz uso de frases riquíssimas, devido às combinações sintagmáticas de relevante poeticidade. “Os monstros do mar profundo que nadam em silêncio, demorando o olhar espantado sobre o montão informe de escombros perdidos na fosforescente noite do abismo; mas guardam tenazmente o formidável segredo do espanto. A face lisa do oceano é discreta como um mármore sem inscrições”. Também a seqüência de figuras que formam verdadeiro tapete metafórico, composição altamente sensível de símbolos que se sucedem e se entrelaçam.

Nesse texto, “Os continentes”, o que fortalece o pessimismo da sua visão, isto é, todo o processo de criação é uma constante contradição, um oxímoro, cuja solução constitui-se de um desejo de criação, batalha travada contra a nulidade infinita. Isto aparece em sua linguagem poética que sugere a impotência das revoltas e das revoluções da natureza, frente à opressão da pedra, metonímia dos continentes e dos litorais rochosos que restringem os seus limites.

Entretanto, o poema "Os continentes" assim como os dois últimos que encerram nosso

corpus das Canções sem metro contradizem o pessimismo sem solução do eu poético em

outras composições. Ao término, a constatação do poeta: “Terror perene nos continentes, a interrogação permanece”, sobre o continente submerso de Atlântida.

Observe-se a inovação na ordem das palavras e na pontuação expressiva, carregada de sinais, interrogações, exclamações, reticências, vírgulas, ponto, travessão, que têm o efeito de pausa superlativa; o emprego dos tempos verbais, frases interrogativas e exclamativas com função de interjeição, criando neologismos de significado, o ritmo binário, as antíteses, o paralelismo e a simetria neste poema. “Onde estão agora as florestas, as torrentes caudais, as cidades, os reinos? “Onde os homens, os rebanhos, as feras?”. As elipses ou a omissão de verbo provocam estranhamento, trazendo maior poeticidade expressiva:“Monumentos, grandeza, poderio, exércitos, ciências, e as gloriosas artes?... onde jaz sepultado o gênio humano fertilizador das regiões desaparecidas?”

O uso freqüente da estrutura enumerativa, os cruzamentos entre as duas linguagens, jornalística e literária, relato breve e poético ao mesmo tempo, as combinações rítmicas, a prosa poética pela harmonia imitativa, pela aliteração, pelo uso da repetição como agente lírico, a similicadência, assim como a combinação dos ritmos métricos e acentuais, junto a todos os outros recursos comprovam o talento excepcional de Pompéia na criação dessa forma inovadora.Vejamos o exemplo abaixo:

“Que é feito das próprias ruínas? Como foram consumidos os restos venerandos da arquitetura – fustes decepados, capitéis caídos? E os túmulos? e as ossadas dispersas, que são o vestígios da passagem das gerações pela estrada interminável dos séculos e da morte?... E as montanhas, que pareciam eternas, na audaciosa majestade da pedra, convivendo com a águia e com o raio, como Júpiter, Deus?!...”.

O autor, ainda, busca afirmar, no adjetivo, a impressão dominante do fenômeno do desaparecimento de Atlântida, o que vai envolver todos os outros elementos da frase. E as montanhas, “que pareciam eternas, na audaciosa majestade da pedra”, Assim, ele consegue maior concentração imagística, maior expressividade. Tal como escritores românticos que pintavam a natureza subjetivamente, dando-lhe atributos além do real concreto, também Pompéia a utiliza para criar e acentuar um determinado estado da alma ou impressão subjetiva.

“E as montanhas, que pareciam eternas, na audaciosa majestade da pedra, convivendo com a águia e com o raio, como Júpiter, Deus?!...Os monstros sabem talvez – os monstros do mar profundo, que nadam em silêncio, demorando no olhar espantado sobre o montão de escombros perdidos na fosforescente noite do abismo; mas guardam tenazmente o formidável segredo do seu espanto”.

Os nomes abstratos, o lirismo ao longo do texto e a riqueza de metáforas, os temas metafísicos ligados à cosmologia, as alianças incomuns na formação de sintagmas provocando estranhamento e contribuindo sonora e inovadoramente para maior expressividade retórica. A seleção vocabular e a sintática também atuam como elemento rítmico das frases, além da comparação, freqüente no discurso poético de Pompéia. “E as montanhas, que pareciam eternas, na audaciosa majestade da pedra, convivendo com a águia e com o raio, como Júpiter, Deus?!...” A influência jornalística pode ser entrevista no nível narrativo, que permeia toda a canção, entrelaçado com o nível poético. Esse fio narrativo apresenta dimensão lírica contribuindo para a elevada poeticidade obtida pelo estilo ímpar do poeta. “Os monstros sabem talvez, os monstros do mar profundo, que nadam em silêncio, demorando o olhar espantado sobre o montão de escombros perdidos na fosforescente noite do abismo; mas guardam tenazmente o formidável segredo do seu espanto”.

A estrutura cronológica piramidal, de acordo com Vivaldi (1979) apresenta-se, assim, construída: a introdução ou início atrativo do texto que traz exclamações iniciais e interrogações oratórias, “Atlântida! Atlântida! / Onde estão agora as florestas, as torrentes caudais, as cidades, os reinos? Onde os homens, os rebanhos, as feras? Monumentos, grandeza, poderio, exércitos, ciências, e as gloriosas artes?...onde jaz sepultado o gênio humano fertilizador das regiões

desaparecidas?”; a segunda parte da pirâmide é constituída de estrutura simbólica em que as imagens e os símbolos mergulham uns no outros e é difícil separá-los, assim como é difícil perceber o que é linguagem jornalística e literária, em razão de sua imbricação e da abundância dos recursos estilísticos usados por Pompéia. Percebemos que os símbolos surpreendem e provocam a atenção do leitor. A parte derradeira da técnica piramidal é o final concreto: “terror perene e indefinível dos continentes vivos, a interrogação permanece”.

Os símbolos são inúmeros: “túmulos”, “ossadas”, para elementos desaparecidos, “montanhas”, “pedra“, para elementos considerados de longa duração, concretos, passíveis de convivência com os seres superiores, aqui simbolizados pela águia e pelo deus júpiter; “tormenta”, “chacal sacrílego”, força d´água responsável pela submersão do continente desaparecido, entre tantos outros.

Como vimos, o texto também está dividido em três partes. A primeira tem como tópico frasal um vocativo dirigido ao continente de Atlântida, seguido de dois parágrafos de interrogações sobre a mesma terra desaparecida. Nesta primeira parte o recurso de pontuação, elipse, frases nominais, substantivo e adjetivos trabalhos estilisticamente, seleção vocabular preciosa, muitas perguntas provocam efeito bastante literário imbricado à introdução que apresenta também a interferência da linguagem jornalística que chama a atenção do leitor pela série de questionamentos.

A segunda parte é constituída frases afirmativas, dando seqüência ao fio narrativo de relevante lirismo.A repetição do signo “monstros” , monstros do mar profundo, intercalado pelo advérbio “talvez”, tem um efeito deveras poético. Também a repetição do advérbio “debalde”, em dois parágrafos consecutivos, assim como a seleção de verbos com semas ligados à destruição em ordem crescente: “agride”, “quebra”, “rasga”, “dilacera” demonstra o cuidado do autor na seleção vocabular para a construção de um efeito forte, completado pelos sintagmas: “chacal sacrílego”, “furiosas garras”, “espessura esmagadora”. Depois a calma com o uso do verbo: “acama” para falar do continente submerso.

A última parte é curta e constituída de frases nominais: “terror perene e indefinível dos continentes vivos, a interrogação permanece”.

OS DEUSES XV

D’onde vens, divino sol? Que ideal te propele na infinita jornada?

Vê! Teus raios penetraram a natureza como uma vida nova; ao teu olhar, o universo ressurge e rejuvenesce. Ouve! Há risos sob a relva e canções no arvoredo!

É teu o ouro das asas do inseto; o verde dos bosques é teu; é teu o azul dos espaços. Todas estas pétalas que resplendem iriadas, recamando os prados, todas elas foram coloridas pelo minucioso pincel da tua luz. Que estranha Divindade és tu, glorioso sol, que me deslumbras?

Sem a tua presença toda esta paisagem jazera morta. Toda esta alegria que eu sinto emana de teu fulgor, astro onipotente, criador do dia e das cores...

Ah! eu adoro o sol que é a força.

Vem do mistério como os deuses, e vai para o mistério... Por que buscar, mais alto, outra divindade além?!

Entretanto, ouviu-se o sino da aldeia e o entusiasmo do sol (era o cura!) cortou arrependido a torrente blasfema dos seus transportes.

(A Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1886).

Figura 7: O Deuses.

Fonte: A Gazeta da Tarde, 25 jan. 1886.

Este poema em prosa constitui-se de uma ode ao sol, em que o ser-de-enunciação tece elogios, reverencia e declara seu amor, ao astro rei, ao qual se dirige, como: “astro onipotente”, “criador do dia e das cores...”, “sem a tua presença, toda esta paisagem jazera morta”. O poema apresenta em sua técnica de composição características semelhantes aos dos cantos entoados à natureza, sempre dirigidos à natureza-mãe. “Ah! Eu adoro o sol que é a força. Vem do mistério, como os deuses, e vai para o mistério...Por que buscar, mais alto, outra divindade além?!”

Ao final do poema, a exaltação do transporte poético é interrompida pelo badalar do sino da igreja. “Entretanto, ouviu-se o sino da aldeia e o entusiasmo do sol (era o cura!) cortou arrependido a torrente blasfema dos seus transportes”.

Ao lirismo da canção expresso por meio de imagens nucleares, junta-se o caráter cíclico de suas canções em prosa, nas quais, quase sempre, são retomados os motivos iniciais como chave final. “D’onde vens, divino sol?” (...) Ah! eu adoro o sol que é a força.(...) Por que buscar, mais alto, outra divindade além?!

Sua forma metafórica também oferece ao leitor as possibilidades de movimentação subjetiva, quando se repartem as vozes da discussão. Percebe-se ainda uma tonalidade moralizante, meio profética, concretizada sob a forma de aforismos, o que contribui para adicionar-lhes um tom de intemporalidade ou tempo mítico, às vezes marcado pela ironia originária de um pensamento filosófico. “D’onde vens, divino sol? Que ideal te propele na infinita jornada?”.

Pode-se observar que a seleção vocabular e a sintática atuam como elemento rítmico das frases. Os verbos apresentam função rítmica e musical. “Que estranha Divindade, és tu, glorioso sol, que me deslumbras? Sem a tua presença toda esta paisagem jazera morta. Toda esta alegria que eu sinto emana de teu fulgor, astro onipotente, criador do dia e das cores...” O eu poético em Pompéia faz alusão ao sol, como símbolo do princípio de tudo e sabemos que esse astro era reverenciado como a divindade dos antigos egípcios. O recurso da repetição de determinadas palavras, como elementos de musicalidade no poema também integram esta composição. “É teu o ouro das asas do inseto; o verde dos bosques é teu; é teu o azul dos espaços.”

Há inovação na ordem das palavras e na pontuação expressiva. “Entretanto, ouviu-se o sino da aldeia e o entusiasmo do sol (era o cura!) cortou arrependido a torrente blasfema dos seus transportes.”

Ao mesmo tempo, podem ser observados elementos científicos, materiais, em contraposição a elementos idealizados, ou seja, Ah! eu adoro o sol que é a força. / Vem do mistério como os deuses, e vai para o mistério... / Por que buscar, mais alto, outra divindade além?!”

O neologismo de significado aparece assim: “Entretanto, ouviu-se o sino da aldeia e o entusiasmo do sol (era o cura!) cortou arrependido a torrente blasfema dos seus transportes” .

Percebem-se alianças incomuns na formação de sintagmas provocando estranhamento e contribuindo de maneira sonora e inovadora para maior expressividade retórica do poema. Deve-se observar que os poemas em prosa de Pompéia não mencionam Deus, e rendem culto apenas à natureza, especificamente, ao sol, conforme visto nesta Canção sem metro – “Os deuses,” constante do corpus da pesquisa. Esse fato sugere uma visão do universo marcada por uma espécie de panteísmo ateu. Essa hipótese encontra respaldo em vários textos e alegorias, mas entre eles se destaca este poema, cuja epígrafe extraída de El Diablo mundo, de José de Esprocenda (apud POMPÉIA, 1982, p. 95) remete-nos ao tema das crenças religiosas consideradas como ilusões: "Las creencias que abandonas, / Los templos, las religiones / Que

pasaron, y que luego / Por mentira reconoces, / Son, quizá, menos mentira / Que las que

No documento Raul Pompéia: jornalismo e prosa poética (páginas 139-152)