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4 O BRASIL NA AMÉRICA LATINA: REGIONAL POWER ALIADO NA

4.3 Wilson Center

Ao longo do período analisado identificamos duas visões distintas em relação a atuação do Brasil na América Latina no Wilson Center. Em uma das perspectivas observamos a defesa do Brasil como um líder regional alinhado aos valores liberais internacionais e um ator fundamental a manutenção da ordem regional. Exemplo dessa visão foi reconhecida na fala do convidado diplomata Thomas Shannon por ocasião de uma conferência a qual realizou no Wilson Center em 2014 — o qual embora não tenha falado em nome do think tank, manifestou uma ideia muito comum nos documentos. Para o convidado:

Pela minha experiência, tenho notado que o Brasil tenta ser muito cuidadoso em termos de como lida com seus vizinhos. Em grande parte, porque reconhece que suas maiores ambições, expressas através da UNASUL e, em certa medida, da CELAC, devem ser gerenciadas com respeito e compreensão pelas preocupações de outros países. Ele constantemente tenta se apresentar, não como uma força hegemônica, mas como uma força aglutinadora na região (SOTERO, 2014a, p.21, tradução nossa) 59.

Para o diplomata, as ações de integração do Brasil como UNASUL e CELAC eram grandes demonstrações do esforço brasileiro em reforçar o diálogo e intercâmbio regional, demonstrando o compromisso do País com a estabilidade na América Latina e, em especial, na América do Sul:

Isso não é fácil quando você é tão grande quanto o Brasil e quando faz fronteira com todos os países, exceto o Chile e o Equador […]. Os brasileiros trabalham muito nisso. Em primeiro lugar, os esforços para formar unidades

58 Haiti's actually a very positive example of the potential for U.S.Brazil cooperation. The two sides have

worked together pretty effectively in Haiti. Brazil is now a large donor to Haiti and has command of the UN forces there. Brazil and the United States need each other to cope with the daunting problems that require very deep cooperation in the twenty first century: climate change, trade, financial stability, food security. These are all big issues where you cannot reach a deal without having the United States and Brazil at the table.

59 From my experience, I have noticed that Brazil tries to be very careful in terms of how it deals with its

neighbors. Largely because it recognizes that its bigger ambitions, which are expressed through UNASUR, and to a certain extent CELAC, have to be managed with respect and understanding for the concerns of other countries. It consistently tries to present itself, not as a hegemonic force, but as a coalescing force in the region.

de integração regional, do nosso ponto de vista, são positivos. Quer seja a UNASUL [...], seja a comunidade do Caribe, todos esses esforços facilitam o diálogo e facilitam os intercâmbios que, em última análise, são para o bem- estar das sub-regiões e do hemisfério mais amplo (SOTERO, 2014a, p.21, tradução nossa)60.

No relatório Brazil as a regional power: views from the hemisphere (referente a uma conferência realizada em 2009 com o mesmo nome) o conferencista convidado Johanna Mendelson Forman (representando o CSIS) defendeu uma visão em que o Brasil era uma liderança regional responsável e com claras intenções de atuar junto a estrutura da ordem liberal. Para tanto citou a participação do Brasil na MINUSTAH, onde expôs que:

A liderança regional do Brasil é, de longe, mais visível no Haiti […]. Ao lado dos Estados Unidos, o Brasil tem sido o principal ator e motor no comprometimento da reconstrução e recuperação econômica do Haiti, um complemento ao seu papel de mantenedor da paz sob os auspícios das Nações Unidas. Nesse sentido, Mendelson Forman argumenta que o papel do Brasil no Haiti demonstra o dual desejo de Brasília em exercer uma liderança regional, porém num contexto institucional multilateral (SOTERO; ARNSON, 2010, p.12, tradução nossa)61.

Neste mesmo relatório, do mesmo modo que Shannon, o subsecretário adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado Christopher J. McMullen (em 2010) também defendeu uma visão positiva da liderança regional brasileira. McMullen colocou que a maior presença do Brasil na região não era uma ameaça aos Estados Unidos, mas ao contrário, uma força aliada ao país. Para o subsecretário:

[…] a emergência do Brasil enquanto um poder global – assim como o seu papel de liderança na promoção da integração regional – tem sido francamente saudada pelos Estados Unidos. A sabedoria convencional que sustenta que os esforços de integração sul-americanos são danosos para os interesses dos EUA é infundada; o multilateralismo é um jogo de soma positiva (SOTERO; ARNSON, 2010, p.21, tradução nossa)62.

60 This is not easy when you are as big as Brazil, and when you border on every country except Chile and

Ecuador […]. The Brazilians work very hard at this. First of all the efforts to fashion regional integration units, from our point of view, are positive. Whether it is UNASUR […], whether it is the Caribbean community, these are all efforts that facilitate dialogue and facilitate exchanges that are ultimately for the wellbeing of the sub-regions and the broader hemisphere.

61 […] Brazil’s regional leadership is by far most visible in Haiti […]. Alongside the United States, Brazil

has been the main actor and engine of commitment to Haiti’s economic recovery and reconstruction, a complement to its leading peacekeeping role under the auspices of the United Nations. In this sense, Mendelson Forman argued that Brazil’s role in Haiti demonstrates Brasília’s dual desire to exert regional leadership, but within a multilateral, institutional context.

62[…] Brazil’s emergence as a global power — as well as its leadership role in promoting regional

Nesse interim, McMullen defendeu uma visão bastante alinhada a perspectiva de socialização dos emergentes na ordem liberal. Segundo o relatório:

McMullen insistiu que Washington não vê a emergência do Brasil como uma derrota dos Estados Unidos. Os Estados Unidos apoiam ativamente um maior protagonismo de Brasília na América do Sul; de fato, os Estados Unidos têm trabalhado incansavelmente para aprofundar as relações Brasil-Colômbia. Isso é porque os Estados unidos querem que as questões regionais sejam resolvidas internamente. O papel dos EUA deve ser secundário, enquanto um facilitador das discussões; os Estados Unidos são bem-sucedidos em reunir países nas mesas de negociações. Como o Brasil vem efetuando isso cada vez mais, as relações bilaterais têm apenas a melhorar com o tempo (SOTERO; ARNSON, 2010, p.13, tradução nossa)63.

Contudo, esta perspectiva mais positiva da atuação do Brasil na América Latina conviveu com outra visão bastante negativa sobre as ações do País e suas consequências ao ordenamento liberal. Defendida principalmente pelo grupo de brasileiros que participou ativamente das atividades do think tank na temática em análise, com grande vinculação com o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) e na figura de FHC (e referido no segundo capítulo), esta visão defendeu uma visão em que o Brasil conduzia uma política externa ideológica; sem uma clara orientação e com poucas capacidades (hard power) para exercer liderança na região.

Sergio Amaral, na conferência realizada em 2007 intitulada Novos Rumos nas relações exteriores brasileiras, descreveu a política externa do Brasil do primeiro mandato de Lula como ideológica, contrária as diretrizes estadunidenses e aos organismos tradicionais na região como OEA e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Diretrizes estas, ditas como contrária a visão do próprio empresariado brasileiro:

Ele advertiu, porém, que as políticas ideológicas do primeiro mandato do presidente Lula com seu alinhamento com países como Venezuela, China e Cuba, e também o seu confronto com os EUA na ONU, a OEA e o Banco Interamericano de Desenvolvimento provocaram irritação da comunidade empresarial brasileira (WILSON CENTER, 2007a, p.5).

holds that South American integration efforts are harmful to U.S. interests is unfounded; multilateralism is a positive-sum game.

63 McMullen insisted that Washington does not see Brazil’s rise as the United States’ loss. The United

States actively supports a greater role for Brasília within South America; in fact, the United States has been working relentlessly to facilitate improved Brazilian-Colombian relations. This is because the United States wants regional issues to be resolved from within. The U.S. role should be secondary, as a facilitator of discussion; the United States excels in bringing countries together to the negotiating table. As Brazil is increasingly doing this itself, the bilateral relationship is only improving with time.

Amaury e Souza foi ainda mais enfático nas críticas. Para o conferencista, o Brasil não tinha capacidades, tanto políticas como econômicas para exercer uma liderança regional. E mais ainda, não tinha sequer uma política clara e coerente em relação aos problemas regionais. Segundo o relatório:

Amaury de Souza foi mais cauteloso na sua avaliação do papel do Brasil nos assuntos internacionais. Com base em uma força tarefa recente e em um relatório publicado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), ele acreditava que o Brasil não dispõe de recursos econômicos e políticos para exercer um papel de liderança no hemisfério. A Venezuela agora desafiava o Brasil para se tornar líder da América do Sul e, consequentemente, a pretensão do Brasil a uma liderança global fora, em grande medida, retórica. Em face das afirmações da Venezuela como potência petrolífera e o aumento da turbulência política na região, o Brasil precisava esclarecer seus interesses nacionais e desenvolver uma estratégia realista. Na busca cotidiana de seus interesses nacionais, o Brasil não havia conseguido desenvolver uma estratégia realista e coerente para a América (WILSON CENTER, 2007a, p.5).

Amaury de Souza ainda destacou a falta de uma política clara do Brasil quanto ao que considerou ser um expansionismo armamentista venezuelano, o qual foi definido como uma ameaça a estabilidade regional. Para o conferencista:

O governo havia fechado os olhos para as compras venezuelanas de armas – o que era perigoso considerando os mísseis muito sofisticados e a capacidade naval que o presidente Chávez tentava adquirir. Em vez de assumir um alcance global, os líderes de política externa do Brasil precisavam melhor compreender as mudanças no hemisfério e dedicar mais atenção às relações com seus vizinhos (WILSON CENTER, 2007a, p.5).

Nesse ínterim, o professor da Johns Hopkins University, Riordan Roett, reforçou essas perspectivas críticas da atuação do Brasil na América Latina. Para o pesquisador, o Brasil não havia investido suficientemente em capacidades de hard power:

O Brasil, que tem fronteiras com quase todos os países da América do Sul e não investiu numa grande força militar, precisava se concentrar nas tendências e ameaças hemisféricas potenciais à estabilidade que forneceu a base de seu êxito econômico corrente (WILSON CENTER, 2007a, p.6).

Leslie Bethell também foi crítico em suas análises. Para o historiador e professor da University of London, a ausência de vontade e ações políticas para construir um diálogo estratégico com os Estados Unidos dificultava o reconhecimento do País como uma liderança:

Estão os Estados Unidos preparados para permitir que o Brasil assuma um papel de liderança, pelo menos na América do Sul, especialmente se o Brasil for capaz de controlar seus vizinhos problemáticos e manter a estabilidade em uma região de baixa prioridade – um papel, que diga-se de passagem, o Brasil tem historicamente se negado a cumprir. Não será fácil para a administração Obama agora transformar o Brasil num parceiro estratégico tanto nas questões regionais quanto globais, se isso é o que ela pretende fazer, ainda mais porque o Brasil, sob o governo Lula tem demonstrado pouco interesse em fazer das relações aprofundadas com os Estados Unidos a sua principal prioridade (SOTERO; ARNSON, 2010, p.13, tradução nossa)64.