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XXXI – Um dia especial e espacial

No documento Historinhas do Herói-Menininho (páginas 151-161)

“U

fa!” – disse Mamãe pra si mesma, assim que pôde admirar a maravilha que se libertava nas sutilezas da decoração que ela realizara ali. Mas disse bem baixinho, e numa fortuita fraçãozinha de segundo – não quis alardear.

Sobre a mesa, as cores revelavam-se arteiras, travessas; caixinhas de tamanhos variados escondiam surpresas de açúcar e chocolate; tudo por lá se exibia com estampas de super-heróis; na geladeira, garrafas de água e de refrigerante dividiam um espaço meio apertado com o bolo, os docinhos e um bocado de salgadinhos – estes últimos tremiam de frio e não viam a hora dum bronzeamento artificial no micro-ondas.

Agora, Mamãe, Papai, Isa, vovó Tiana, tia Zéssica e tio Buno deveriam ir pra casa; tomar banho; vestir roupinha de festa; só depois voltar ao salão; e então esperar pelos convidados.

Joãozinho se lembrou de sua capinha de super-herói. Porque era o aniversariante, teve direito a escolher sua própria indumentária.

Desse modo, já muito limpinho, desceu a escada segurando a mão da Isa.

Mamãe e vovó Tiana anunciaram em uníssono:

“Apresentando... Joãozinho e Isabella!!”

A bochechudinha também se fantasiou de heroína. Aliás, Papai e Mamãe fizeram o mesmo.

A caminho do salão, dentro do carro, o grupinho cantarolava muito entusiasmado, antevia um porvir de bastantes aventuras.

Enquanto Papai estacionava, o heroizinho perguntava se o parquinho de lá já abrira.

“Acho que não, hein!” – respondeu Papai fazendo troça.

“Acho que sim...” – discordou o pequenino reflexivo.

Joãozinho acertou. Fazia alguns minutinhos, o lugar reservado para as brincadeiras escancarara com um quase exagero a bocarra, preparara-se para engolir criancinhas – no bom sentido, claro. O heroizinho e a bochechudinha foram pioneiros, avançaram em direção ao pseudossacrifício, nada temiam, tudo ansiavam.

Entanto, não houve demora, uniu-se aos dois incrível porção de priminhos e coleguinhas – filhos e filhas de parentes e outras afeições.

Tratava-se de turminha bem bagunceira, mas que não aventaria indigestão para o tal lugar, ao contrário, promover-lhe-ia contentamento

revigorante.

Assim, a família completa e o coletivo inteiro de amigos, sem exceção, aos poucos e aos montes, acharam-se presentes; ofertaram presentes para o heroizinho; e ainda muitos deles, se não todos, deliberaram manter aquela lembrança mágica sempre no tempo presente.

Nossa! Quanto presente!

Também deram as caras Lobolão, Zigante, Ventinho, Brisa, a velhinha do fusquinha, o menino maior e outros. A velhinha do fusquinha cedo se enturmou com bisa Maria, bisa Sônia, as irmãs Altinas e Ceci – papearam assuntos inacabáveis.

Distribuíram-se pelo ambiente panelinhas habituais: a panelinha dos comilões, perto da mesa de quitutes; a dos tagarelas expansivos, em espaço aberto, evitando que seus gestos exagerados causassem acidentes; a dos observadores, espalhados aleatoriamente, assistindo a tudo com discrição; a dos amadurecidos bom tanto, lembrando feitos e defeitos, sempre saudosos de épocas que não tornam mais; a dos enfeitiçados por aparelhos celulares (vale dizer, panelinha cheia essa!), e inda existiam outras minipanelas, micropanelas, panelas miúdas, minúsculas panelas...

As criancinhas saltavam obstáculos;

abraçavam umas às outras; desvencilhavam-se algumas das demais; escorregavam eufóricas afundando seus incansáveis corpinhos na piscina de bolinhas; brincavam de desequilíbrio no pula-pula; marcavam cestas oscarianas e hortencianas, cestas prodigiosas; corriam que corriam; escondiam que escondiam; riam que riam...

Então, pouco antes de cantar “Parabéns pra você”, aconteceu o insólito: piruetou, rasgando os ares, ninguém mais ninguém menos que o Homem-aranha. Piruetou até o menininho.

Efeito imediato, esse encontro com um herói popular incluía oficialmente o pequenino num grupo seleto de seres extraordinários que se ofereciam de bom grado em favor do próximo.

Percepção aguçada, o pequeno rabeou seus olhinhos para o lado direito. Ali surgiu o Capitão América.

Seguiram-se abraços e sorrisos, cumplicidade autêntica.

Ao redor do trio, toda a gente sentia o quanto Capitão, Aracnídeo e Joãozinho se identificavam; esses três aí tinham a mesma natureza, eram semelhantes, eram heróis.

Contudo, as surpresas não esgotavam.

Um urro fenomenal assustou até o Zigante, que, naquele momento, diante da moça do bufê, reclamava algo que proporcionasse mais sustância que uma minicoxinha, talvez boa porção de feijões descomunais, ou meia dúzia de árvores bem cozidas.

Quanto ao urro...

Chegava à festa de aniversário do menininho o personagem mais irritadiço dos quadrinhos, o incrível Hulk.

Cumprimentaram-se logo esse colosso e o pequeno herói – soco contra soco, jeito moderninho. A cena pedia fotografia a qual depois virasse um enorme pôster.

Entoou-se o “Parabéns pra você”. Cortaram o bolo. Tia Mêri o fizera. Uma delícia! O primeiro pedaço quem ganhou foi a bochechudinha. Não poderia ser diferente.

Daí pra frente, abriu-se o portal das aventuras fantásticas. Juntos, os quatro super-heróis combinaram seus superpoderes e enfrentaram quimeras; libertaram essências de cadeias inquebrantáveis; dançaram com criancinhas e crianções, cantarolando lindas cantigas de roda;

resgataram virtudes que gritavam por socorro

à beira dum despenhadeiro; improvisaram um espetáculo de acrobacias para entreter os convivas; defenderam sonhos, afastando negações e pesadelos horríveis, esses algozes sempre à espreita esperando qualquer brecha pra tentarem uma invasão; brincaram de casinha, de trabalho, de ócio, de criação; derrubaram muros, preconceitos, descabimentos, tiranias;

cirandearam de mãos dadas com o Perdão, a Solidariedade e a Compaixão; fizeram palhaçadas inocentes pra toda gente se divertir;

e toda gente se divertiu.

E ficou tarde.

Deveria escurecer a qualquer instante, mas isso não ocorreu.

De maneira inesperada, um clarão incomparável envolveu todo o ambiente.

Alguém soou o alarme apontando para cima:

“Olhem!!”

O céu inexplicavelmente mostrava uma multidão de heróis: homens, mulheres e alienígenas que fazem parte do mundo maravilhoso e também do mundo real.

Viam-se Hércules, Sansão, Arjuna, Mulan, Brunhilde, Siegfried, Davi, Joana d’Arc, Peri, Heitor, Kiriku, Hiawatha e tantos outros.

Mais abaixo, como se formassem uma espécie de comitiva, reconheciam-se os simpáticos cavalinhos apresentados no capítulo XXI, Malhado e Marrom, agora dotados de asas, cavalos alados. Não estavam sozinhos. Havia centenas de seus afins batendo asas em formação marcial. Todos carregavam uma menininha ou um menininho, exceto Marrom.

Sobre Malhado, sorria um menininho de semblante familiar.

Adivinhava-se com medo o inevitável.

Histórias acerca das virtudes e façanhas do heroizinho viajaram pelo mundo, subiram aos céus, fizeram-no famoso, bastante famoso, entre os melhores, aquele cuja lembrança percorrerá todos os tempos.

Agora, o Universo convocava-o. Desafios maiores viriam. Joãozinho tinha sua cota de responsabilidade reservada e não se esquivaria dela.

Ele encarou com serenidade cada pessoa ali:

cada criança, cada parente, cada amigo.

Papai, Mamãe e Isa correram a abraçá-lo.

Vovó Tiana, vovô Vadimi, vovó Zeí, tia Rane, tio Barquinho, tia Zéssica e tio Buno seguiram o exemplo, deram forma a um amálgama de gente

e pranto. Até vovó Zeí, que não chorava fazia anos, murmurou que seu netinho devolvia-lhe as lágrimas.

Todos os outros formaram seus próprios amontoados de emoção.

Alguém achou espaço entre o aglomerado e conseguiu cochichar ao ouvido da criança:

“Você é meu super-herói favorito, Joãozinho...”

Existia ainda um bocado de coisa a ser dita.

Necessitava-se de mais tempo. Reivindicava-se, com sofreguidão, que aquele instantezinho ao menos fosse eterno, que o distante ou a separação... que esse hiato grave não acontecesse.

Entanto, Joãozinho apenas sorriu, e seus pezinhos deixaram o chão. Papai e Mamãe seguraram-lhe as mãos até o último momento.

Evolou-se o menininho. E disse:

“Eu sei vuá, sabia!?”

Ninguém mais o alcançava, nem Zigante, nem Homem-aranha com suas teias.

Mas a voz da bochechudinha inda pôde ser ouvida pelo pequenino:

“Manda beijo para o Papai do Céu!”

O super-herói tão novinho acenou lá do alto pra irmã; acomodou-se nas costas do Marrom e tocou a mãozinha do menino de semblante familiar, que o esperava sobre o Malhado.

Então, a comitiva composta de centenas de pequeninos – anjinhos em seus cavalos alados – e a multidão de heróis lendários partiram, levando com eles... o Herói-menininho.

No documento Historinhas do Herói-Menininho (páginas 151-161)

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