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Historinhas do Herói-Menininho

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Academic year: 2022

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Historinhas

do Herói-Menininho

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Ricardo Klausiaitiz

Historinhas

do Herói-Menininho

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Copyright 2020 - C Ricardo Klausiaitiz

Editor: Rubenal Hermano Santos

Todos os direitos desta edição, reservados para o autor.

NAVEGAR GRÁFICA DISTRIBUIDORA E EDITORA LTDA MF: Navegar Editora

Endereço: Rua Coronel Emídio Piedade, 659 - São Paulo - SP CEP: 03018-010 55 11 97539-4006

Site: www.navegareditora.com.br E-mail: navegar@navegareditora.com.br

FICHA TÉCNICA

Projeto Gráfico: Rubenal Hermano Preparação de originais: Equipe Navegar

Composição e diagramação: Wilian Pinheiro Lemes de Souza Capa: Rubenal Hermano

Ilustrações: O autor Revisão: O autor

ISBN: 978-65-990719-5-9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Índice para catálogo sistemático:

1. Literatura brasileira: Bibliotecária responsável:

Aline Graziele Benitez CRB-1/3129 K69h Klausiaitiz, Ricardo

1.ed. Historinhas do herói-menininho Ricardo Klausiaitiz. – 1.ed. – São Paulo: Navegar,

2020.

ISBN: ISBN: 978-65-990719-5-9 1. Literatura infantojuvenil. 2. Saudades.

I. Título. CDD 028.5 10-2020/03 CDU 82-93

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Dedicatória

Dedicamos estas historinhas,

Joãozinho e eu, a todos os pequeninos

que, ainda na infância – cedo demais –

fizeram a misteriosa travessia.

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Sumário

Prefácio 1 _________________________ 9 Prefácio 2 _________________________11

I – Supergrito ____________________ 14

II – Olhar sossegante _______________ 19

III – Empatia _____________________ 23

IV – Um lindo afeto _________________ 28

V – Coragem ______________________ 33

VI – Hora do treino _________________ 36

VII – “Apesentando...” _______________ 40

VIII – “A panela do Zigante” __________ 44

IX – O bicão ______________________ 48

X – Passeio na Brasilândia ____________ 55

XI – Um indiozinho... ________________ 60

XII – O balanço ____________________ 65

XIII – “Quiaaai!” ___________________ 69

XIV – Telepatinha __________________ 75

XV – O bombom ____________________ 80

XVI – Superobra ___________________ 84

XVII – “Goooool!!!” __________________ 89

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XVIII – Aquilo ____________________ 94 XIX – Desmaterialização _____________ 99 XX – “... uma vitude.” _______________ 104 XXI – A fotografia ________________ 109 XXII – O Tempo ___________________114 XXIII – Superamizade ______________118 XXIV – O menino grande ____________ 123 XXV – Papai-herói _________________ 126 XXVI – A aula de natação _____________131 XXVII – “O chão é lava!” ____________ 134 XXVIII – Chute-bomba _____________ 138 XXIX – Sobre duas rodas ___________ 142 XXX – Superbeijo _________________ 146 XXXI – Um dia especial e espacial _____ 150

Acerca das citações ________________ 160

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Prefácio 1

Quando o professor Ricardo me pediu que fizesse o prefácio de sua obra, eu me vi tomada por sensações de dúvida, orgulho e medo. Dúvida e medo quanto à possibilidade de realizar uma tarefa de extrema responsabilidade que pudesse minimamente refletir o valor deste processo de criação, homenagem e amor.

A homenagem ao “pequeno-grande” herói o qual trouxe tanta vida ao professor Ricardo, um amante das palavras e dos livros – que foi tocado e alimentado pela dor, e que dela depurou memórias e belas histórias do “Herói-menininho”.

Como num HQ, a jornada do Joãozinho é apresentada de forma divertida, delicada e cheia de vida. A trajetória do pequeno herói se mistura a dos demais personagens: ora também heróis, ora adultos encantados, ora simplesmente humanos.

De início somos colocados diante de suas descobertas infantis, percebemos o movimento dos afetos construídos e docemente vivenciados no cotidiano com as pessoas.

As travessuras singelas vão delineando a

personalidade do nosso heroizinho, sua curiosidade,

solidariedade latente e coragem diante dos

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desafios que se apresentam.

Ao mesmo tempo o autor nos presenteia com belos trechos e reflexões. Há um bom exemplo disso no encontro do heroizinho com uma criança maior:

“E eis que se anuncia uma pergunta nebulosa, inexata, sem forma, sem conteúdo – que, por isso mesmo, não tem a audácia de reclamar resposta alguma – pergunta que cala e que se percebe, entanto e apenas.”

Ou ainda na notável delicadeza discursiva, quando “a Brisa e o Ventinho” trazem, ao que parece, um prenúncio de despedida e solidão.

Em tempos de internet, conexão e tecnologia, é lúdico e prazeroso apreciar este presente do autor ao seu pequeno herói, ao menino sempre movido por curiosidade e energia próprias da criança.

Perto do final da história, o “nosso pequeno”

alcança um novo patamar em sua escalada de coragem ao encontrar sua princesa e cumprir sua bela jornada. Ali não são mais necessários escudos, nem armaduras, apenas o beijo terno que transcende e toca o coração dos adultos nos oferecendo um sentido: o amor... que dura, que resiste.

Claudia Sampaio Tavares

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Prefácio 2

Depois de lido e degustado este livro, descobri que sua história é uma “bela história de amor”.

Não de um amor qualquer, mas de um “amor possível”, para um “possível resgate”, um resgate de si mesmo por meio do outro... Um amor de um homem que sempre buscou pelo herói (o tempo todo presente no imaginário de muitas pessoas) e que verdadeiramente o encontrou no afeto desse menino, desse heroizinho (não um herói imaginado, mas realmente vivido).

O que não pôde ser no passado se atualiza no presente, e os acontecimentos se misturam e se reinventam em novas possibilidades, em novas histórias.

Isso está muito claro no que li. Tudo é bastante lúdico, belo, próprio de um olhar apaixonado pelo heroizinho, fazendo com que suas peripécias, brincadeiras, jogos e fantasias se transformem também em letras, o que é comum para o professor de Português que, de uma perspectiva amorosa, eterniza em nós a jornada desse menininho.

É ainda a história da saudade de algo que foi

intensamente vivenciado e que trouxe muita

felicidade. História que me faz lembrar de uma

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canção do “Roberto”, a qual diz assim:

”das lembranças que eu trago na vida você é a saudade que eu gosto de ter”

Essa expressão sintetiza o amor do professor, escritor e contador de histórias, pelo menino Joãozinho.

Rildo Francisco Rocha

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“Estava mais isolado que o náufrago numa tábua, perdido no meio do mar. Imaginem então a minha surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou.” ¹

¹ SAINT-EXUPÉRY, Antoine de, em O Pequeno Príncipe,

com aquarelas do autor, tradução de Dom Marcos Barbosa,

18 ed., Rio de Janeiro, Agir, 1975, p. 11

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I – Supergrito

D emorou tão pouquinho, e eis que Joãozinho esgoelou sua primeira palavrinha:

“Buaaaá!!!” – falava o pequenino, e com tanta propriedade sobre o assunto que todos ao seu redor silenciavam para dar-lhe atenção.

Joãozinho precisava deixar bem claro o que queria. Então repetia o dito quase infinitas vezes:

“Buaaaá, buaaaá, buaaaá... buaaaá!”

Daí uma mulher de olhos muito grandes, que dizia ser a Mamãe, embalava-o com um jeitinho muito especial, esbanjando carinho, delicadeza e paciência, aceitando um debate dificílimo acerca das reivindicações do menino.

Um homenzarrão redondo, de pele achocolatada, que olhava a uma certa distância para aquele par de gente, tomou pela mão uma menininha bochechuda, e avançaram.

Aproximaram-se estes dois dos dois de antes e, logo, os quatro, todos bem juntinhos, formaram um lindo grupinho.

Mais tarde, mas nem tanto, além do nome

da Mamãe, Joãozinho também descobriria os

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nomes do chocolatão e da bochechudinha, que respectivamente se chamavam Papai e Mamã.

E foi em casa que aconteceu uma coisa, na hora do mamá, ou melhor, quando, por razão pouco eminente, interrompeu-se o mamá:

“BUAAAÁ!!!!”

Ouviu-se um grito extraordinário a uns vinte quilômetros dali, ou quase... com margem de erro de dois mil metros para mais ou para menos.

Faz-se necessário dizer que esse grito era extraordinário mesmo. Tratava-se de um agudo prolongado ao limite do fôlego e incrivelmente singular, um grito muito e muito escandaloso.

Vidros quebrados; gente embaixo das mesas tentando se proteger; confusão no trânsito local;

pessoas seminuas e despenteadas correndo pelas alamedas; uma velhinha corcunda batendo com a bengala num fusquinha; cachorrinhos e cachorrões latindo e sacudindo os bumbuns de um jeitinho bem esquisito; gatos piruetando sem sair do lugar; e até a imprensa querendo informações a respeito do fenômeno – pensaram que a cidade tinha sido invadida por alienígenas.

A família guardou segredo. Melhor ninguém

saber de nada. Da próxima vez, Mamãe esperaria

o bebê dormir e, só então, retiraria a fonte da

bebidinha materna da boquinha da criança. E que

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boquinha linda! Digo isso sem nenhum exagero.

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“Pus-me de pé, como atingido por um raio.

Esfreguei os olhos. Olhei bem. E vi um pedacinho de gente inteiramente extraordinário...” ²

² SAINT-EXUPÉRY, Antoine de, op. cit., páginas 11 e 12

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II – Olhar sossegante

“É uma alegria atrás de outra!” – dizia feliz da vida o vovô Vadimi a quem quer que passasse por ele, mesmo que fosse um estranho, um completo desconhecido. Distanciava um braço do outro, como se tivesse a intenção de abraçar o mundo, e mostrava seus dentes postiços arreganhando a bocarra num sorriso imenso de satisfação.

Vadimi e Zeí foram agraciados com dois filhinhos quando ainda eram muito jovens e, sem que percebessem o tempo passar, transformavam-se em vovô e vovó por duas vezes: primeiro veio a bochechudinha, depois o Joãozinho.

Existiam motivos de sobra para comemorações.

Vovô Vadimi adorava farrear. Quitutes e bebidas à vontade; algazarra; gestos engraçados;

gargalhadas; gente da família; gente amiga; e gente diferente também.

De repente, no meio daquela turma tão numerosa, Vovô Vadimi se viu sozinho, perdeu- se daqueles com quem se sentia seguro. Olhou ao redor de si, e tudo o que via era aquela gente diferente.

Onde estavam os seus? Onde estava ele

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próprio? Quedê Zeí? Quedê sua prole? Quedê seus netinhos?

Abandonou sobre uma mesinha a latinha de cerveja que segurava numa das mãos, apalpou os bolsos, talvez à procura do telefone celular, talvez pensasse em ligar para alguém, pedir socorro, talvez nem soubesse o que fazia. Já havia medo e um pouco de desespero dentro do vovô.

Então, sem que pudesse entender o motivo, compreendeu, num momento de pura magia, que precisava dar mais um passo à frente, erguer a cabeça acima dos convivas menos familiares e, fazendo assim, pôde sentir-se atraído por um olhar envolvente, pôde ver, ao alcance de suas mãos, que Joãozinho, no colo da vovó Zeí, encarava-o sorrindo com serenidade, como se dissesse:

“Sossega vovô...”

E vovô Vadimi sossegou.

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“Que será que a gente podia fazer para que eles sofressem menos?” ³

³ DRUON, Maurice, em O menino do dedo verde, tradução

de D. Marcos Barbosa, ilustrações de Marie Louise Nery, 34

ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1988, p. 52

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III – Empatia

P or essa época, Joãozinho vivia perto dos seus dois aninhos. Ficava com a vovó Zeí pela manhã e, de tarde, na companhia da vovó Tiana e da Mamã.

O pequeno assistia à historinha dos três porquinhos repetidas vezes pela TV e, então, brincava de Lobo Mau. Decorara a fala do bicho e divertia-se correndo atrás da Mamã, que, às vezes, fingia-se de porquinho e, depois, de Chapeuzinho Vermelho. No dia seguinte, os dois trocavam os papéis e voltavam à encenação.

Ninguém o diria, entanto, havia uma intenção naquilo. O menininho intuía um confronto sério com o vilão cedo ou tarde. Assim, seu interesse pelo Lobo Mau, no fundo, era estratégico.

Conhecer em detalhes um possível oponente parecia-lhe fundamental para não ser pego de calças curtas – inda que todas as suas calças fossem mesmo curtas – eu posso testemunhar acerca disso.

Desse modo, o heroizinho se inteirava de tudo a respeito do bocudo: seu jeito de andar;

sua comida preferida; onde morava; de que ria;

de que chorava; a que horas costumava dormir;

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como cantarolava; que xampu usava; qual seu desenho favorito; se temia injeção; se lia com regularidade e, principalmente, como atacava suas vítimas. Além daqueles dentes e patas poderosos, o Lobo Mau possuía o supersopro. O supersopro era bem famoso entre as crianças.

Joãozinho, contudo, até gostava de uma ventaniazinha.

O caso é que, coisa comum em histórias desse gênero, quando a situação tão esperada chegou até o menino, foi de surpresa.

Alguém se descuidou, a porta da sala se abriu, e um uivo assustador invadiu o ambiente.

Encurralados pelo enorme bicho, Joãozinho e os outros – incluindo Papai e Mamãe, que já tinham chegado do trabalho – não viram outra opção senão gritar. E gritaram...

escandalosamente.

Uma boca formidável e escancarada caiu

sobre todos. Livrou-se da investida apenas o

heroizinho, exibindo-se com uma cambalhota que

aprendera dias antes. Ele agiu rápido e passou

por detrás do sofá. Sabia que o algoz lhe viria no

encalço. E, exatamente em consonância com seu

plano, notou que o desavisado animal entalara

ali. Com outra cambalhota incrível, Joãozinho,

muito encantador e habilidoso, surgiu no meio

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da sala. Pôde enxergar melhor o seu oponente.

“Qui gândi!!” – sussurrou para si próprio e perguntou ao vilão o seu nome, para se certificar de que enfrentava mesmo o Lobo Mau.

“Chamo-me Lobolão.” – irrompeu por lá um vozeirão trovoando.

Joãozinho analisou a forma do figurão e logo entendeu o porquê daquele nome. O monstro tinha semelhança com uma bolona colossal grudada a uma careta canina.

Sem perder mais tempo, decidiu reduzir- lhe o peso. Puxou o zíper que ficava na barriga de Lobolão e viu saírem de lá Papai, Mamãe, Mamã, vovó Tiana, vovó Zeí (que fora engolida no caminho de casa), os três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho e sua própria vovó, e até o Coelhinho da Páscoa, todos bastante assustados.

Lobolão, muito sentido agora, deu outro uivo enquanto se desentalava.

Compadeceu-se o menininho, percebendo que, com aquele barrigão vazio, o grandalhão sofria demasiadamente por causa da fome.

Lembrando um episódio de Masha e o Urso

– um em que Masha fez um mingau rosa o qual

nunca acabava – pediu ajuda à vovó Tiana e

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começou a cozinhar.

Enquanto isso, Papai, Mamãe, Mamã, vovó Zeí, os três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho e sua própria vovó, o Coelhinho da Páscoa, e até o Lobolão, a turma inteirinha se acomodava no sofá.

Em poucos minutos, Joãozinho, vovó Tiana e os outros, sentados diante da TV, comiam mingau rosa.

Admirou-se a gente que soube do feito do menininho, que deu exemplo dessa capacidade rara de se colocar no lugar do outro.

“Mais mingau!” – trovejou Lobolão.

Ainda bem que tinha mingau de sobra...

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IV – Um lindo afeto

N o colo do Papai, ao nascer daquela noitinha, Joãozinho via um vídeo pelo aparelho celular.

Então teve uma ideia. Saltou para o chão, cheio de entusiasmo, e correu até o baú de brinquedos.

Retirou de lá quase todo o seu conteúdo. E, depois de alguns instantes, andar pela sala já seria uma tarefa praticamente impossível, vale dizer, impossível para qualquer pessoa, o Homem-aranha teria problemas por ali. Foi quando o heroizinho gritou:

“Achei!!!”

Com a mãozinha levantada ao máximo, ele mostrava um bonequinho colorido, ao mesmo tempo em que comemorava o feito, pulando e entoando a palavrinha berrada antes, muitas e muitas vezes:

“Achei! Achei! Achei!...”

E engrossava a vozinha à medida que, esbanjando afã, repetia a importante declaração. Quem ouvisse o efeito disso não evitaria um sorriso de encanto.

“...Achei! Achei!...” – continuava o menininho.

Contudo, não houve demora, e Mamã surgiu

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surrupiando-lhe o brinquedo inesperadamente.

A reação foi imediata. Supergritando, Joãozinho botou a goela em ação.

“IIIsaaaaaaa!!!!!”

Opa! O leitor deve se perguntar neste momento: “Isa? Ué!?”

O leitor tem razão. Esse buraquinho na narrativa em questão, necessariamente, deve ser preenchido.

Certo é dizer que as criancinhas têm como hábito mudar os nomes dos seus parentes e amigos com bastante frequência. Basta que elas se deparem com uma maneira diferente de chamar o outro, uma nova possibilidade de explorar o seu idioma, algo que soe mais interessante, e pronto. Assim, houve o tempo em que Joãozinho descobriu que a bochechudinha, além de atender pelo nome Mamã, também o fazia por aquela palavrinha de três letrinhas, Isa, que era muito mais fácil de gritar. Por isso,...

“IIIsaaaaaaa!!!!!”

Isa corria bem depressa, entanto, abalada

pelas ondas sonoras do supergrito, largou o

objeto de disputa no meio do caminho e refugiou-

se no quarto do Papai e da Mamãe.

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Joãozinho, no ápice da perseguição, encontrou o bonequinho, agachou-se imediatamente ali mesmo, no piso frio, e brincou uma aventura.

Daí o bonequinho colorido voou, desviou-se de raios e bombas, enfrentou facínoras, por pouco não foi derrotado e, no fim, salvou o dia.

Mas o bonequinho fez tudo isso em apenas um minutinho, porque logo Joãozinho pensou na Isa e decidiu convidá-la a participar da sua imaginação.

“Isa, vem bincá!”

Da sala, Papai pôde ouvir dois timbrezinhos de voz se misturando alegremente no andar de cima. Respirou o ar da tranquilidade e, tomado por uma enorme sensação de paz, segredou para si mesmo:

“Vou cochilar só um pouquinho...”

Cochilou por duas horas.

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“Saiu do salão com o rosto intacto, o que prova que a coragem é sempre recompensada.”

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4

DRUON, Maurice, op. cit., p. 123

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V – Coragem

S entadinho numa cadeira, com a coluna bem ereta, como fazia sempre, Joãozinho esperava a sua vez, careteando de medo. Isa também aparecia ao seu lado. Dava pra ver dali a tia Zéssica, à porta duma sala, no maior bate-papo com uma amiga.

Estavam num Posto de Saúde. Embora trabalhasse no lugar, tia Zéssica folgava naquele dia e aproveitava a situação para passear na companhia dos sobrinhos – bem, esse é o tipo de enrolação que alguns adultos muito mal-intencionados engendram para levar as criancinhas à vacina, especialmente, à vacina injetável.

Tia Zéssica vestia branco quase sempre.

Agora, porém – sem a pretensão de precisar os detalhes, e isso nem seria possível, pois minha memória falha – titia estava azul: jaqueta, blusinha ou ainda a calça, não importa. Algo azul na roupa da tia Zéssica distraía Joãozinho. Talvez o verbo “distrair” não traduza exatamente o que deve ser dito aqui. O menininho “focava” o azul como se mergulhasse na imensidão do mar.

Lá, o heroizinho foi desafiado por um tubarão

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assustador. Os dentes afiados quebraram-lhe o navio-pirata antes mesmo que seu condutor, o pirata Joãozinho, tentasse qualquer manobra salvadora. À deriva, cercado por ondas de dez a quinze metros, o menino convocou toda coragem que estivesse à sua disposição para lidar com a situação. O tubarão aproximou-se dele, ameaçadoramente. Enquanto nenhuma coragem dava as caras, Joãozinho imergiu bem fundo, na intenção de escapar do adversário.

Foi quando, tomado por fascinante imaginação, o heroizinho notou em torno de si lindas sereias e peixinhos coloridos incitando-o, sussurrando- lhe nos ouvidos que ele tinha a supercoragem.

Daí, supercorajosamente, Joãozinho emergiu montado no tubarão, atravessando as ondas, bradando a alegria da superação. E escutou, ao longe, tia Zéssica chamando-o.

“Vem, Joãozinho! É a sua vez.”

Minutos depois, tia Zéssica já saía da sala com a Isa e o heroizinho. Este último tagarelava pra quem quisesse ouvir:

“Eu nem chorei. Fui corazoso, né, tia?”

“Supercorajoso!” – respondeu a titia.

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VI – Hora do treino

“Q ue tal um ovinho, João?”

Ouviam-se perguntinhas semelhantes a essa o tempo todo na casa do menino. Mas, na maioria das vezes em que isso acontecia, a resposta aparecia de maneira contundente:

“Não!”

Devo acrescentar um breve comentário acerca do caso. Havia, naquele “Não!”, além da contundência, ainda uma entonação um pouco afetada, meio presunçosa e, para quem o interpelava, demasiadamente frustrante.

Existia algo de indiscutível, inquestionável e não negociável no que respondia o menininho.

Embora fosse um verdadeiro heroizinho, cheio de superpoderes, Joãozinho também tinha um ponto fraco, a falta de apetite. Um ponto fraco é coisa comum entre heróis.

Macelão, Tio Barquinho e principalmente o Papai conspiravam, esbanjando artimanhas para que o infante comesse. Diziam à pessoa que empunhava a colher:

“Não, não o deixe comer. Se o fizer, ele ficará

muito forte e, daí, fatalmente nos derrotará.”

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Agiam desse modo, provocando o pequeno, já que – é sabido pela gente – os super-heróis precisam desenvolver muitas das suas super- habilidades, inda que outras tantas faculdades extraordinárias sejam inacreditavelmente inatas nesses seres. Então, encarregavam- se dos treinos do Joãozinho os três e, eventualmente, outros adultos – parentes e amigos que estivessem por perto.

Durante os exercícios, simulavam socos atômicos, socos trogloditas, megassocos em espiral, hipersocos, ultrassocos, macrossocos de dez toneladas e – o mais poderoso de todos – o supersoco com a energia acumulada do Universo. Este último soco era a simulação preferida do Papai.

Por essa razão, nesses momentos desafiadores, o menino aceitava sua nobre responsabilidade e – sacrificando-se como o fazem os heróis habitualmente – deixava que lhe enchessem a boquinha com farofinha, churrácus, purê, sachicha, batata, arroz e mais.

Certa vez, entanto, Macelão, tio Barquinho

e Papai negligenciaram. Porque se distraíam

durante a festa com a conversação, deixaram,

eles próprios, de se alimentar. Por isso, ainda

que usassem todas as suas forças em conjunto e

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ao mesmo tempo, Joãozinho venceria o trio sem nenhum esforço, e com a possibilidade desleal de ferir seus treinadores.

Cercaram-no os três, e o menino colocou- se em postura defensiva. Assim que os golpes foram dados, o heroizinho moveu apenas uma das mãos, bloqueando o ataque alheio firmemente. A esse movimento, geralmente se seguia um leve empurrão, que fazia recuarem os agressores a alguns passos de distância. Mas, antes de completar a tarefa, Joãozinho foi capaz de perceber quão fracos estavam Macelão, tio Barquinho e Papai. Entendeu que os machucaria e, fingindo que fora pego de surpresa, ele mesmo deixou-se arremessar para trás, evitando um fim desastroso para o treino daquele dia.

Aproveito a narrativa para salientar que havia bastante beleza no jeito como Joãozinho lidava com tudo.

Depois do acontecido, após um tempo curto,

os quatro comiam com alegria à mesa, rindo

gostoso do vovô Vadimi, que, fazendo graça,

perguntava pelos seus dentes postiços, minando

a paciência da vovó Zeí.

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VII – “Apesentando...”

A noite prometia muitas emoções. Isa apresentar-se-ia em três coreografias, deixando Joãozinho extremamente orgulhoso.

Embora o Orgulho tenha a má fama de passar longe das virtudes, de andar por aí entre os vícios, nesta historinha, o tal sentimento emanava só amor e inocência, porque se tratava de coisa de criança, coisa imaculada, que os dedos compridos e pegajosos da Corrupção ainda não tocaram.

Quem olhasse para a plateia notaria, transitando de colo em colo, o heroizinho ansioso, perguntando a todos se já era a vez da Isa aparecer. Lá estavam Mamãe, Papai, vovó Tiana, vovó Zeí e vovô Vadimi, tia Zéssica e tio Buno, tio Barquinho, tia Rane, tio Sézio, tia Gá, Uetícia, Lu e mais gente querida.

Em casa, antecipando momentos assim, comumente depois do banho, tanto Isa quanto o próprio menininho reclamavam que alguém os anunciasse. Vovó Tiana e Mamãe sempre cumpriam esse papel amavelmente.

“Apresentando...”

Após isso, seguia-se o nome e, pomposamente,

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descia pela escada ou surgia à porta da cozinha o Joãozinho ou a Isa, às vezes os dois juntos, e de mãos dadas. Risos e aplausos enchiam aquela casa que abrigava bastantes desses espetaculozinhos inesquecíveis.

Espere! Estou com a impressão de que me perdi... Ah, sim! De colo em colo, Joãozinho ansiava pela aparição da Mamã. Quando, noutras ocasiões, suas bochechas gorduchinhas – um traço bem marcante no rostinho da Isa – insinuavam-se no palco, o pequenino exibia um sorriso tão lindo que, posso garantir, era o próprio retrato da Alegria.

Então, luminosamente, Isa entrou em cena na companhia de suas coleguinhas. A turminha nem precisaria dançar, pois foi ovacionada com grande entusiasmo antes mesmo do começo da música. Contudo, a música começou, e as bailarinazinhas também.

Joãozinho observava cada passo, cada giro,

cada movimento da Isa, com cara de quem tem

autoridade sobre o assunto. A dança daquela

turminha mantinha atentos toda a plateia e

também o corpo docente da escolinha de balé,

tia Selma, tio Rodigo, tia Bábara, tio Gáti, tia

Mári e outros. O cenário era uma belíssima

imagem, que parecia ter sido desenhada e

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pintada a lápis. A magia do espetáculo incitou lágrimas. Todo mundo comentou. O maior fã da Isa, o pequeno herói, gritava o nome da Mamã.

“IIIsaaaaa!”

Entretanto, havia mesmo muita gente ali.

Fácil alguém se perder.

A última coreografia chegou ao fim. Isa e suas amiguinhas do balé agradeceram ao público pelo seu reconhecimento. Daí desceram pela escada lateral do palco em direção às mamães e aos papais. A aglomeração impedia que Mamãe localizasse Isa. Empoleirado no cangote do Papai, Joãozinho pôde notar a aflição da Mamã e da Mamãe. Tão logo quanto foi possível, mas com certa moderação, o heroizinho então supergritou:

“Apesentando... IIIsaaaa!”

O teatro ecoou aquelas palavrinhas. Isa olhou imediatamente para o lugar de onde veio a voz, Mamãe fez o mesmo, e as duas caminharam ao seu encontro, porque compreenderam o estratagema do menino.

E logo que passaram por uma breve sessão de

fotos, a feliz família voltou pra casa. Papai e

Mamãe prometeram pedir comida japonesa.

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VIII – “A panela do Zigante”

“O ia lá! A panela do Zigante!”

Certa época, o menino deu para reparar em cima das casas alheias e também da sua própria casa. Algum gigante, verdadeiramente formidável, possuía numerosa quantidade de panelas, as quais eram distribuídas, sistematicamente uma a uma, sobre as casas.

A grande maioria dessas panelas exibia a cor azul. Seu formato variava um pouco. Umas se assemelhavam a caixas, enquanto que outras poderiam ser descritas como imensos cilindros achatados. Bem provável que estivessem cheias de arroz ou feijão. O gigante não era muito de variar o cardápio. Contudo ele devia comer algumas árvores de vez em quando, para ter uma dieta mais saudável.

“Existe o pé de feijão zigante?” – perguntou o heroizinho intrigado.

“Claro que não!” – respondeu prontamente o Buninho, um de seus primos mais velhos.

“Acho que sim.” – disse Joãozinho, pensativo, porém, encerrando o assunto.

Chegou o dia em que a professora colocou a

criançada diante de uma experiência: plantar

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feijão. Ela abriu um pote abarrotado de feijões e derrubou-os no chão, deixando os aluninhos à vontade para escolherem seus carocinhos.

Joãozinho enfiou a mão no pote, onde alguns feijões resistiam à saída forçada, e apanhou um bom punhado deles cantarolando com afinação de profissional uma bonita melodia.

A um passo do pedacinho de terra a ele destinado para o plantio, o heroizinho espalmou a mãozinha que usou ao se apropriar das sementes e analisou-as atentamente. Então ficou surpreso. Havia, entre aquelas sementinhas, uma enorme sementona. Certamente, ela estava ali por engano.

Bastante zeloso, o menino escondeu o achado no bolso da bermudinha. Planejou levá-lo pra casa.

Na escolinha, ninguém notou o que o pequeno tinha feito. Entretanto, em casa, quando foi botar a bermudinha suja num balde com água e sabão, a vovó Tiana investigou-lhe os bolsos.

Encontrou, em consequência disso, o feijão gigante.

“Nossa!” – espantou-se a vovó.

Resolveu que seria melhor colocar a insólita

semente numa caneca.

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Joãozinho e Isa, naquele momento, dormiam no sofá. Por causa do calorão, o pequeno – que usava apenas uma cuequinha com estampas infantis, muito engraçadinha – sentiu sede e levantou-se. Olhou à sua volta e, entendendo que precisaria ele mesmo buscar uma “agüinha”, dançou alguns passos até a cozinha, alcançou uma caneca em cima da pia e percebeu que ela, a caneca, guardava a sementona. Então o heroizinho se lembrou de algo: existia uma missão a qual ele tinha o dever de cumprir.

Joãozinho subiu numa cadeira, espiou pela janela e viu vovó Tiana ocupada com a lavação das roupas. Abriu a porta e, depois de constatar a ausência de qualquer transeunte por perto, muito rapidamente, escalou as paredes como uma aranha. Chegando bem próximo da panela do gigante que havia no telhado da sua própria casa, depositou o enorme feijão ali.

Vovó Tiana entrou na sala, e Joãozinho já fingia cochilar, refletindo acerca do sucesso de sua missão: restituíra ao gigante o seu alimento singular e, ainda, evitara que alguém lhe descobrisse outro dos seus superpoderes...

Todavia, eu assisti a tudo, secretamente. Ah!

O leitor não precisa se preocupar. Vovó Tiana

costumava esquecer as coisas. Assim, nem

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estranharia o sumiço do feijão.

(49)

IX – O bicão

“C adê o bicão da bisa?”

Sempre que se encontrava com Joãozinho, bisa Sônia reclamava-lhe um beijinho. É que o menino tinha um jeito bastante peculiar de preparar a boquinha para que esse gesto de carinho, cobrado das criancinhas sobremaneira, acontecesse – seus lábios formavam algo bem parecido com a ponta de um tentáculo, aquela parte que com lentidão se abre e se fecha no intento de perceber e apreender comida em potencial. E essa arte, sabe-se lá por quê, hipnotizava a bisa Sônia.

Naquela tarde ela se cansara de fiscalizar os afazeres domésticos da tia Mêri, então dormia pesado no sofá, com a TV ligada.

Joãozinho fora-lhe fazer uma visita na companhia de Papai, Mamãe, Isa, vovó Tiana, vovó Zeí, vovô Vadimi e tio Barquinho. Acabavam de chegar.

Tia Mêri convidou todos para um cafezinho, na cozinha, a fim de que bisa Sônia não fosse incomodada em seu soninho vespertino.

“Ai, quédu! Num gosto di café!” – o heroizinho

logo revelou seu desinteresse pelo desjejum,

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atitude já esperada pela gente toda. E digo desjejum, porque de fato aquela seria a primeira refeição do dia, pelo menos para ele. O leitor ainda deve lembrar que o apetite não era o ponto forte do menino.

Assim, permaneceu na sala, acomodado ao lado da dorminhoca. Ele olhava para a TV, com o claro propósito de entender o que se exibia ali. Não demorou muito e a turma da cozinha escutou um bramido infantil.

“Põe desenho pra mim, Mamãe!?”

Tia Mêri correu para a sala a tempo de impedir que o heroizinho acordasse sua fiscal particular.

Por sorte o supergrito não fora utilizado. Uma contida amostra dessa super-habilidade já seria suficiente para interromper os sonhos da bisa e de qualquer outro que também dormisse pela região – além de fazer com que todos os cachorros da vizinhança uivassem desesperados.

Enquanto ela procurava um canal de TV que

transmitisse algum desenho de que Joãozinho

gostasse, tio Hamito apareceu com a esposa

(tia Elâni) e, inteirando-se da situação, viu a

oportunidade zombeteira de dar mais trabalho

para a tia Mêri. Disse que, sem dúvida, o

menininho se deleitaria com um pedaço de bolo

de chocolate caseiro feito ali, naquele mesmo

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dia e, importante, pela tia Mêri.

“Sei.” – manifestou-se tia Mêri arrastando as sandálias, meio vexada.

Seguiu-a o risonho tio Hamito esquivando-se da reprimenda de tia Elâni, que o cutucava.

A tudo Joãozinho assistiu com grandes expectativas. Bolo de chocolate! Isso sim lhe agradaria de verdade o paladar.

Quando sozinho, o pequenino voltou sua atenção para a TV, que ainda não contemplava seus anseios de telespectador-mirim. Entanto, sem mais reivindicações, Joãozinho pôs-se a fantasiar. E, aproveitando-se do teor da conversa que escutara há pouco, imaginou-se um cozinheiro, dono de restaurante.

“Que você gostaria?” – perguntou ao cliente bigodudo.

Não foi possível ouvir a resposta, mas o heroizinho resolveu esse probleminha, repetindo ele próprio o pedido do cliente.

“Pizza de motadela! Hum! Tuto bônu! Mama mia!”

Afastou-se do homem e, esfuziante, voltou logo, com o prato sobre as mãozinhas cuidadosas.

Observou bastante satisfeito o quanto o

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bigodudo se deliciava com a especialidade culinária do mestre Joãozinho.

“São dez e cinco reais.” – cobrou-o amavelmente o menino.

O cliente pagou-lhe com cartão e saiu, bem no momento em que a vovó Tiana trazia-lhe um pedaço do bolo de chocolate caseiro feito ali, naquele mesmo dia, pela tia Mêri.

“Come sozinho ou quer que a vovó dá?” – perguntou vovó.

“Vô comê sozinho.” – respondeu o menininho.

Vovó Tiana voltou à cozinha. A falação por lá estava animada.

Joãozinho comeu do bolo vendo TV e, reparando que a bisa Sônia ameaçava acordar, preparou o bicão – arteiro que era – lambuzando os lábios com boa quantidade de calda de chocolate. Aproximou-se dela e, encostando-lhe a ponta do tentáculo no rosto branco, pintou-o de marrom.

Dessa vez, a bisa nem precisou solicitar-

lhe o beijinho. Daí o abraçou apaixonada e

movimentou-se até a cozinha, donde se escutaram

gargalhadas e comentários acerca daquela tinta

esquisita que lhe cobria a bochecha.

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Joãozinho ria. Divertia-se com tudo.

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“Tomava um impulso e zás... ei-lo no ar, de braços abertos, dando o salto do anjo.”

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5

DRUON, Maurice, op. cit., p. 95

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X – Passeio na Brasilândia

O s dois, Joãozinho e Isa, vestidos como se houvesse festa à vista, surgiram, sorrindo escancarado, diante da vovó Tiana.

A meninucha usava um arranjo de roupinhas que coloria o ambiente, tornando-o leve e agradável; suas bochechas redondinhas luminosamente se harmonizavam com o caráter alegre da indumentária; também as tranças que Mamãe lhe fizera com “admirável paciência”

impressionariam os cabeleireiros mais eficientes.

O leitor deve se perguntar o porquê do destaque para “admirável paciência”. Em verdade, Mamãe gostava muito de arrumar a Isa para os passeios, contudo, era comum que ela deixasse essa tarefa pra última hora e que, sob a pressão do Tempo e dos cabelos volumosos da menina, fizesse a Paciência, amedrontada, fugir com pressa. Naquele dia, porém, Mamãe se antecipou, e tudo aconteceu tranquilamente para o sossego da vovó.

Joãozinho, tanto quanto a irmã, iluminava

todo o lugar. Camisetinha de aventureiro; tênis

bem limpinho; e um par de meias novas – pelo

qual ele fazia questão de agradecer, exibindo-o

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à vovó.

“Bigádu, vovó! Eu gostei.”

As crianças combinaram um passeio à Brasilândia com a vovó Tiana.

Já o Papai e a Mamãe, em poucas dezenas de minutos haveriam de estar em oração, na igreja, rodeados de irmãos e irmãs.

“Manda bêju pro Papai do Céu!” – recomendou o heroizinho, enquanto alguém o ajeitava na cadeirinha, no banco traseiro do carro.

Joãozinho e Isa dormiram durante a viagem.

Todavia, embora o trajeto fosse mesmo longo, chegaram rapidinho à casa de Bibi, Gu e Mariazinha.

As brincadeiras, organizadas por tia Mácia, tia Dedê e Ígu, que tinham experiência em escolinha infantil, entretiveram as crianças por um tempo considerável. Estas bagunceirazinhas se entenderam em pares: Isa e Bibi, Joãozinho e Mariazinha – havia ainda algumas priminhas dos donos da casa, que também fizeram o mesmo – Gu, o mais velho, quase um adulto, cuidou dos pequenos até a hora do papá.

Depois disso, ao passo que vovó Tiana, tia

Mácia, tia Rôsi e sua prole, tia Mali, tio Bota

e sua prole conversavam – e as outras crianças

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voltavam à diversão – Joãozinho subiu na cama e, através da janela do quarto, pôde ver uma cidade inteirinha, pois a casa onde morava a tia Mácia ficava no topo daquela região. A paisagem fascinou-o. Então ele se pôs a criar aventuras, como de costume.

A capinha verde sobre as costas do menininho oscilou por causa do vento que entrou pela janela aberta. No céu havia uma nuvem em forma de carneirinho e uma outra, logo atrás, parecida com um lobo.

Compreendendo o que estava para acontecer, o heroizinho pensou rápido. Voou alto até as duas nuvens e estacionou entre lobo e cordeiro.

O menino se recordou do supersopro, habilidade que lhe ensinara o Lobolão – vilão de outrora, e de quem Joãozinho conquistou a amizade. Daí soprou a nuvem- lobo transformando-a numa nuvem-cordeiro, que, desse modo, seguiu o irmãozinho, agora se assegurando de que nada ruim lhe sobreviesse.

Feliz com o resultado de sua intervenção, Joãozinho contemplou ainda a cidade e sorriu-lhe.

Lá embaixo, sem entenderem o motivo, todos

os cidadãos sentiram algo semelhante a um

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acalanto, uma sensação de proteção.

“Ué! Cadê o João!?” – assustou-se alguém da casa.

“Tá qui na cama, bincando sozinho!” – respondeu Mariazinha com o dedinho em riste.

“Venham todos comer chocolate!” – gritou tia Mácia lá na cozinha.

Joãozinho pulou da cama insinuando um voozinho. Alguém recomendou mais cuidado.

Entanto o heroizinho, muito dono de si, retrucou:

“Eu sei vuá. Sabia!?”

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XI – Um indiozinho...

J oãozinho era desses meninos prestativos que nunca se esquivam de gente necessitada duma ajudinha. Vovô Vadimi, Papai, tio Barquinho e tantos outros testemunhariam isso com muito gosto, caso recebessem, de autoridade séria, algum tipo de convocação.

Uma parede a ser lixada; fardos pesados que demandassem braços fortes; mesmo um botijão cheio de gás precisando ser carregado;

a qualquer situação de trabalho ao seu redor o pequeno arteiro apresentava uma mãozinha.

“Dêxa qui eu ajudo.” – apressava-se ele.

Tio Buno, o magrinho faz-tudo, percebeu uma presença baixinha muito bem disposta ao seu lado. Olhou com uma cara pensativa para o minibenfazejo, como se perscrutasse os segredos dos afazeres eletrônicos, mecânicos e confusônicos, com a possível finalidade de descobrir algo em que o heroizinho lhe pudesse ser útil. Então, abriu uma caixa de ferramentas e, de lá, retirou uma chave que, pelo formato em nada hostil, poderia ser colocada sob a tutela do menino.

“Você roda a chave, assim, em cima deste

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parafuso. Daí, ele se desprende. Faça o movimento em sentido inverso, e ele se prende.”

– explicou tio Buno.

Joãozinho prestou bastante atenção e, tão logo quanto pôde, debruçou-se sobre a empreitada.

É bem fácil imaginar que o leitor, agora, sinta a falta de alguns detalhes para entender melhor esta historinha. Desse modo, digo que o pequeno e a Isa passavam o dia no apartamento da tia Zéssica e do tio Buno. Titia preparava quitutes com o auxílio da bochechudinha. O tio, no quarto de sobras – pedaços de madeira, metal e plástico – construía um banquinho ou coisa parecida.

Joãozinho viu que “coisa parecida” parecia mais interessante. Soltou que soltou e apertou que apertou o parafuso no material deixado em seu poder e construiu um barquinho, não o tio Barquinho, mas “um barquinho”. E, descendo o rio na linda embarcação, em companhia do tio Buno, tia Zéssica e, claro, da Isa, cantarolavam:

“Um, dois, três indiozinhos, quatro, cinco, seis indiozinhos...”

E Joãozinho olhou para baixo, por causa

do jacaré que se aproximara de surpresa e

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perigosamente. O barquinho quase emborcou.

Desaguando peraltice, o menino se riu do susto que a tripulação levou. Repetiu o feito muitas e muitas vezes.

Então, titia Zéssica botou ordem na casa, que, ao tempo dessa aventura aquosa, estava toda molhada. Sabe-se lá de onde, titia apareceu com um rodinho e um paninho para cada um dos indiozinhos. Incluíra-se na tarefa para que, sob sua supervisão, tudo corresse bem.

Entretanto, não demorou nada, e o heroizinho e o tio Buno já disputavam o primeiro lugar numa emocionante corrida de rodinhos. As meninas apenas olharam com moderada reprovação.

Daí, porque não conseguiriam contê-los mesmo, entraram também naquele jogo amistoso. Assim, as brincadeiras continuaram por longo período.

Foi um dia feliz sobremaneira.

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“No entanto ele sentiu... como explicá-lo... ele sentiu que alguma coisa muito triste ali estava escondida.”

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6

DRUON, Maurice, op. cit., p. 73

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XII – O balanço

O balanço seguia decidido num constante movimento de ida e vinda, vai e vem... O sol iluminava a cena toda de maneira ponderada, o que era comum àquela hora da tardezinha. Via- se um par de perninhas infantis embalando pra lá e pra cá, em concordância perfeita com o vaivém da composição. O heroizinho – segurando forte as correntes do brinquedo, por conta dalgum risco que antes lhe fora revelado por voz adulta – deixou só a cabeça pender para trás, poeticamente. Seu semblantezinho de puro regalo dizia, a quem o soubesse ler, que a vida – mesmo dura, é bem verdade – ainda tinha desses momentos encantadores, momentos que mereciam, sob reivindicação de muita gente, um tempo mais esticado, mais comprido.

Oxalá experimentasse eu o superpoder de perpetuar um instante. O leitor não duvide de que “a criancinha no balanço” estaria entre número bastante reduzido de possibilidades de escolha, pois haveria apenas, como candidatos, os instantes muito e muito raros, preciosos de verdade, aqueles infinitamente belos e cheios de amor.

Joãozinho meio-sorria. Ventinho fazia-lhe

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carinho no rosto. Este, também menino, afeiçoou- se àquele logo de cara; aventou à sua irmãzinha, Brisa, uma ideia: sussurrou-lhe que o heroizinho gostava de ouvir melodias suaves.

Então, o harmonioso dueto assoviou-lhe, pertinho das pequenas orelhas, uma musiquinha, Ventinho na frente e Brisa atrás... Joãozinho semicerrou os olhos.

Isa se achegou; reparou que o balanço ao lado estava desocupado; daí logo participava da brincadeira do irmãozinho; percebeu também a musiquinha; mas, porque se movimentava em sentido contrário, enquanto ela ouvia Ventinho, Joãozinho ouvia à Brisa, quando Isa ouvia à Brisa, Joãozinho, a Ventinho...

Assim permaneceram por longos minutos:

Joãozinho, Brisa; Isa, Ventinho; Joãozinho, Ventinho; Isa, Brisa...

E a gente que não brincava ali...

gracejando para si...

ao menos percebia,

entre as crianças, alguma poesia...

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“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...”

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7

SAINT-EXUPÉRY, Antoine de, op. cit., p. 74

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XIII – “Quiaaai!”

A penas uma fração de segundo, e o pezinho do menino deixava o chão; atingia, à boa altura, uma mão adulta que se oferecia como alvo; e voltava ao solo buscando apoio para – logo que o ecoar dum “Quiai” se interrompesse – repetir o exercício, várias e várias vezes.

“Quiaaai! Quiaaai! Quiaaai!...”

Toda gente que assistisse à incrível demonstração das habilidades marciais de Joãozinho – mesmo quem de fato também se dedicasse a algo do gênero – ficava, sem exagero nenhum, de queixo caído.

Não, o leitor não deve se preocupar. “Queixo caído” foi só uma expressão conotativa.

Joãozinho sabia que o aprimoramento de sua supertécnica não objetivava machucar ninguém.

Pois que o heroizinho defendia um princípio bem evoluído:

“Num pode fazê dodói nas pessoas!”

E, sempre que Papai tentava ver pela TV algum filme com cenas de violência, o menino opinava desfavoravelmente:

“Mamãe! O Papai tá sistindo filme feio de

novo!”

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Ao que Mamãe e Isa interferiam repreendendo o Papai.

“Tira daí!!!”

Por seu lado, o chocolatão encarava a oposição inexpressivo. Nada dizia e – sem olhar para a TV – apertava um certo botão do controle remoto, imediatamente atendendo às solicitações alheias, mudando a programação.

Fazendo assim, Papai garantia a paz.

Do caratê, além do “Quiai”, Joãozinho gostava mesmo era de fazer “kata”.

O kata lembrava uma espécie de balé, mas um pouco mais silencioso, música ausente.

E aconteceu numa tardezinha – no quintal da sua casa, com muitas testemunhas – o heroizinho dava uma impressionante demonstração de rigidez e flexibilidade, rapidez e contenção, força e leveza, equilíbrio, tudo isso enquanto levava a efeito um sofisticado kata.

Spike, o cachorro da família, interessou-se por aquela dança e se pôs a imitar o menino.

Bom... ele talvez até tivesse a intenção de imitar o menino. Contudo, o cachorro desengonçava demais: para um passo do pequeno, via-se um pulo do cachorro; para um giro, uma cambalhota;

para um chute, uma queda... Então, numa queda

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muito e muito esquisita, Spike soltou um gemido de dor.

Houve grave contusão. O animal se retorcia no chão sussurrando cains.

“Caim, caim, caim...”

Estavam por perto tio Zê e tio Sézio – bombeiros de profissão, sempre prontos a acudir uma vítima. Adiantaram-se e – tão rápido quanto foi possível um diagnóstico pós- primeiros-socorros – os dois asseveraram que seria necessário transportar o bichinho para uma clínica veterinária. Spike não escaparia duma injeção.

Ao escutar a palavra “injeção”, o cachorrinho intensificou os cains gradativamente.

“Caim! Caim!! Caim!!!...”

O heroizinho compadeceu-se de seu aprendiz.

Então, sob olhar incrédulo de toda gente presente, aproximou-se, bateu uma mãozinha contra a outra, esfregou-as ao mesmo tempo em que protagonizava umas reboladinhas divertidas e sobrepôs as palminhas quentes e energizadas sobre o dodói do Spike.

“Caim!!!!” – daí se ouviu apenas esse caim

forte.

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Um instante depois, Spike sorria saltitando em volta de Joãozinho e, balançando o rabo, latia em agradecimento.

O pequeno herói – serenidade em pessoa – alinhou-se diante de todos, com os pezinhos juntinhos e as mãozinhas espalmadas ao longo do corpo, como se estivesse em posição de sentido, e fez pequena reverência a algum tipo de natureza transcendental, demonstrando gratidão por ter alcançado êxito.

Mas, assustando a todos de repente, chutou o ar gritando:

“Quiaaai!!!”

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“No entanto, é o único que não me parece ridículo.

Talvez porque é o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio.”

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SAINT-EXUPÉRY, Antoine de, op. cit., p. 53

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XIV – Telepatinha

O “shopping” ficava a poucos minutos da casa do Joãozinho. Anunciou-se que seriam levados o heroizinho e a irmã à Praça de Diversão logo que chegassem ao tal “shopping”, e sem logro.

Mamãe, vovó Tiana e tia Zéssica bem que tentaram ludibriar as crianças. Deparando-se com o ambiente demasiado cheio, elas sugeriram uma passadinha antes por alguma loja, quem sabe comprar uma roupinha pra cada um.

“Ah! Qui chato!! A gente num ia bincá?” – protestou o menino.

“É! Vocês prometeram! – Isa o apoiou.

E os dois cruzaram os bracinhos – fechando as carinhas rechonchudas, e empacando diante das três adultas, que desse modo se viram obrigadas ao cumprimento da promessa.

Assunto encerrado, e já o grupinho enfrentava uma fila enorme para adquirir os créditos necessários à diversão.

Joãozinho, naquele dia, nem pensou muito, foi dizendo apressado que queria fazer bagunça na piscina de bolinhas.

Isa, por sua vez, planejava acumular mais

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créditos jogando bolas na cesta. Daí, ao final do entretenimento, eles poderiam trocar os créditos por brinquedos e estender a algazarra até a casinha.

Sendo assim, dividiram-se: Tia Zéssica e vovó Tiana foram para um lado com a menina, enquanto que o heroizinho ficou sob os cuidados da Mamãe.

Na piscina de bolinhas, a imaginação da garotada corria à solta. Joãozinho se viu ao lado de dinossauros gigantes; piratas da perna de pau, olho de vidro e cara de mau; homens- aranha; macacos colossais; pequenas sereias;

príncipes e princesas; mergulhadores campeões;

aventureiros de todas as cores; e muito mais.

De repente, bastou um gritinho agudo de alguma criancinha...

“Guerra de bolinhaaa!!”

E a alegria se tornou contagiante. As bolinhas voavam em várias direções, atingiam todo mundo. Até Mamãe, que num primeiro momento se contentava em rir apenas, assim que fora alvejada bem no nariz, não teve outra escolha senão revidar o ataque.

Contudo, foi o olhar de desespero de uma

mulher, fora da piscina de bolinhas, que

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seriamente reteve a atenção de Joãozinho.

Tratava-se de outra mamãe, que no meio daquela multidão feliz havia perdido seu filhinho.

Mamãe – não a outra mamãe, mas a Mamãe – parecia confusa quanto àquilo que acontecia, porque, inesperadamente, viu o heroizinho encostando seus dois dedinhos indicadores na cabecinha, um de cada lado, como se enviasse uma mensagem por telepatia.

Eu não estou aqui para lhe contar mentiras, caro leitor. Quando muito, exagero num detalhezinho aqui, noutro acolá, porque sou contador de historinhas. Entretanto, o caso é que, em verdade, o pequeno herói acabava de revelar outro superpoder, a telepatinha... É isso aí mesmo: telepatinha.

Noutra ocasião, ele próprio definiu assim essa habilidade, pois que, além dos dedinhos em posição estratégica e da carinha concentrada, também era possível se perceberem, saindo da boquinha do menino, uns “quaquás” semelhantes à forma das patinhas dizerem as coisas para as mamães patas.

Bom... fazendo isso, Joãozinho comunicou-

se de dentro da piscina de bolinhas com todas

as pessoas que estavam na Praça de Diversão;

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informou-as acerca do perigo; pediu que auxiliassem o amiguinho e sua mamãe; daí, milagrosamente, alguém gritou a certa distância:

“O garoto está aqui!!!”

Houve choro, muita gente emocionada, mamãe e filhinho juntos novamente.

O heroizinho encarou a sua Mamãe e disse que a Isa devia estar com fome.

Reuniram-se Mamãe, Joãozinho, Isa, vovó Tiana e tia Zéssica para o lanche – depois de trocarem créditos por brinquedos, claro.

Em casa, Mamãe, ninando o menininho no colo,

ainda tentava entender o que havia acontecido.

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XV – O bombom

N a casa da bisa Maria sempre havia chocolate. Ela escondia caixas e mais caixas recheadas de bombons no guarda-roupa. Dizia que, estando ali os doces, controlar-lhes a entrada e sobretudo a saída era muito mais fácil. Razão para essa preocupação existia aos montes, a demanda escorria pelas portas e janelas da casa. Imagine o leitor que bisa Maria tinha um sem-número de netos e ainda alguns bisnetos... Opa! Para ser mais preciso... algumas bisnetas, pois bisneto mesmo só o Joãozinho.

E, justamente porque sustentava sozinho esse invejável título, o menininho ganhava paparicos extras, alguns deles muito bem representados por bombons ou outras guloseimas.

Certa vez, entanto, isso lhe causou embaraço.

Visitou à bisa Maria muita gente: Dona Altina, tio Sézio, tia Gadênia e sua prole; tio Zê, tia Vâna e sua prole; Ceci, tio Val, tia Édna e sua prole; tio Ney, tia Camila e sua prole; tia Sílvia, tio Mané e sua prole; tia Lêni, tio Vágni e sua prole; tia Su, tio Dêva e sua prole; a prole de tio Vani; tia Mára, Macelão e sua prole de olhos azuis; algumas proles sem seus genitores;

outras proles já com suas próprias proles (tinha

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até uma japonesinha); estava lá o tio Vaney, que sem prole morava com bisa Maria; mas também a visitaram naquele dia bastantes agregados e agregadas, incluindo uma tia fantasiada de barata... Bom, com essa população enorme algazarreando na casa da velhinha, não é de se admirar que seu estoque de gostosuras quase acabasse.

Quando, no dia seguinte, Joãozinho passou por lá debatendo com vovó Tiana coisas importantes de criança, bisa Maria, por força do hábito, perguntou:

“Vitinho, qué bombom?”

Vitinho!? Lá vou eu com meus pequenos defeitos narrativos... O leitor deve parecer um pouco confuso mais uma vez. Explico: É que no documento de identificação do heroizinho se via registrado João Vitor de Moraes Correia. Por isso, chamavam-no também de Vitinho. Desse modo...

“Quéru!!!” – o menino respondeu sem nem pestanejar.

Bisa Maria corcundeou surpreendentemente

com desenvoltura até o quarto. Aproveitou-

lhe o vácuo Joãozinho. A boa senhora abriu o

guarda-roupa e por muito pouco não se deparou

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com decepção para ela e, principalmente, para o menino. Havia apenas um bombom sobrevivente dentro da última caixa que ainda por lá se encontrava. Satisfeita, bisa Maria deu o bombom ao heroizinho, que logo questionou:

“E o da Isa?”

Joãozinho era assim. Toda vez que ganhava algo, lembrava-se da bochechudinha.

Bisa Maria disse-lhe que guardara aquele bombom especialmente para o único bisneto homem que tinha e que, depois compraria mais chocolates, daí Isa também ganharia o seu. E bisa Maria disse mais:

“Aproveita que a Isa não veio, e come logo isso aí!”

O heroizinho, embaraçado, entanto fez cara séria, agradeceu educadamente e pediu à vovó Tiana que guardasse o mimo. Soube como desemaranhar a situação: O bombom, dividi-lo- ia com Mamã quando estivesse em casa.

Eis um gesto raro entre quase toda a gente, mas verdadeiramente comum para o pequeno herói.

Repito: Assim era Joãozinho.

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XVI – Superobra

“P apai, já fiz!”

Comum mesmo nessas horas era o menininho pedir pela Mamãe, pela vovó Tiana ou pela vovó Zeí, ou ainda pela titia Zéssica. A tarefa para a qual ele reivindicava a presença dalgum adulto exigia mãos precisas e firmes, de fato, mas também requeria mãos bastante delicadas.

Tratava-se de coisa muito, muitão, muitíssimo íntima.

O leitor pode até me julgar mal, pensar que sou dado a bisbilhotices. Entretanto, para contadores de historinhas, quando uma janelinha da vida alheia se abre – e basta um pouquinho – as cortinas, ainda que tentem ocultar um acontecimento privado, não conseguem fazê-lo.

E foi assim que, por uma pequena frestinha da privacidade do heroizinho, de sua fascinante vida privada, testemunhei isto:

“Papai, já fiz!” – com os dois pezinhos balançando alternadamente, Joãozinho bradou, sentado em cima da pri... Bom, o leitor já sabe.

“Fez cocô ou xixi?” – interrogou o chocolatão

demonstrando suave preocupação.

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O heroizinho naquele momento necessitava de enorme cuidado para continuar o diálogo.

O assunto era grave. Havia coisas demasiado eminentes em jogo. Ele mergulhou em profunda reflexão; procurou com todo jeitinho por palavras adequadas àquela situação; e, depois de alguns segundos silenciosos, emergiu sorridente, dizendo:

“Xi! Num é xixi...”

Papai já tinha percebido no ar que a coisa estava mesmo mais séria que o normal. Entanto, demonstrando simpatia, alcançou um rolo de papel higiênico e disse:

“Não tem problema! Papai limpa você.”

Antes, porém, Joãozinho ainda queria discutir mais um ponto importante.

“Mas... você sabe limpá meu bumbum direito?”

As observações feitas no início desta historinha justificam a indagação do pequeno herói.

“Sei sim!” – respondeu o homenzarrão e prosseguiu com ar de entendido – “Quando você era bem bebezinho, o Papai também trocou suas fraldas, um bocado de vezes!”

Ouvindo isso, o menino decidiu pôr fé no Papai.

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Daí, com a ajudinha deste, desceu do assento privativo.

Então, o conteúdo depositado no interior do vaso se revelou, acertando, agora violentamente, dois dos cinco sentidos do chocolatão: o olfato e a visão.

Papai contraiu o semblante e sentiu que devia desabafar.

“Nossa! Que superobra, hein!”

O heroizinho riu e completou.

“É um supercocô, né, Papai?”

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“É que para cuidar direito dos homens é preciso amá-los bastante.”

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DRUON, Maurice, op. cit., p. 78

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XVII – “Goooool!!!”

H avia cumplicidade inegável entre aqueles dois, bola e menino. Aquela, como se fosse uma aliada em missão de arte, aparecia onde e quando o heroizinho precisasse, nem sempre para marcarem, juntos, o gol – às vezes engendravam apenas a beleza do drible, do passe, de todo tipo de movimento gingado que costuma assanhar a torcida.

Papai sentia-se orgulhoso sobremaneira. Dizia que Joãozinho lhe puxara todo o talento, mas que certamente seria maior entre os grandes, porque o menino lhe era ainda superior.

E foi num dia de festa que – com um monte de especialistas em futebol, os homens da família – o pequenino fez história.

Estavam lá tio Barquinho, Macelão da Mára, Macelo da Nêssa, tio Sézio, tio Zê, tio Buno, tio Ney, Buninho, Luca, tio Vágni, Vaguinho, tio Vaney, Lu, tio Dêva, Ândesson, Alân, vovô Vadimi, tio Sinval, Êdesson, Dêgo (que alardeava ser profissional), Aléx, Zuninho, Cris e, é claro, Papai.

Para que o leitor não me tome por

preconceituoso, e para que esta historinha seja

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realmente honesta, devo mencionar também a presença de duas meninas em campo: Vivi, a irmã da Nêssa, e titia Zéssica. Essas aí dificilmente perdiam uma pelada.

Gritaria e gargalhadas, a bagunça imperava sobre o lugar, até que se organizou a algazarra.

Dividiu-se a turma em cinco times, dois deles entrariam no campinho com vantagem numérica.

Joãozinho testou o gramado com chutinhos, pulinhos e ainda uma cambalhotazinha. E disse sério:

“É bom.”

Tudo certo, e a bola rolou.

Sempre que um time levava um gol, dava vez ao próximo.

O heroizinho fingia que era o rei do campinho, dominava a brincadeira, porém não foi o único a fazer gol. Todo mundo deixou a bola na rede ao menos uma vez; todo mundo protagonizou pelo menos um lance bonito, uma embaixadinha, uma bela defesa, um chapeuzinho, um rolinho; todo mundo estava feliz; todo mundo... menos um, o vovô Vadimi.

O leitor já deve ter escutado que “filho

de peixe peixinho é”, contudo garanto que –

embora essa máxima valesse para Joãozinho e

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