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I. Introdução

1.3. Zircónia dopada com MgO

O controlo das propriedades da zircónia é geralmente feito através da manipulação da composição química e do processamento. Existem inúmeras formulações com base na zircónia tendo em vista a adequação das propriedades à aplicação a que se destinam. Em aplicações eletroquímicas o mais comum é a adição de catiões di- ou trivalentes. A dopagem pode destinar-se ao aumento da condutividade iónica (motivação importante no caso dos sensores de oxigénio), mas em outras aplicações da zircónia a dopagem pode ser utilizada unicamente como ferramenta de estabilização da fase de alta temperatura (cúbica) [12–14].

Mediante a composição em fases cristalinas as zircónias podem ser classificadas em três categorias. Na zircónia tetragonal policristalina (TZP, de “tetragonal zirconia polycrystalline”), predomina a fase T, como o próprio nome indica. Na zircónia parcialmente estabilizada (PSZ), onde se encontram normalmente como dominantes as fases C e T, a fase M pode também estar presente em teores consideráveis. Na zircónia totalmente estabilizada (FSZ, de “fully stabilized zirconia”), assume-se a predominância absoluta da fase C.

Em aplicações que exigem elevada resistência ao choque térmico, como o caso dos sensores de oxigénio, o dopante geralmente adotado é o óxido de magnésio, eventualmente também o óxido de cálcio. Na Figura I.4 é apresentado um exemplo de um dos vários diagramas de fases do sistema ZrO2-MgO, uma peça central do presente

trabalho. A multiplicidade de diagramas sobre este sistema deve-se à lentidão associada aos processos difusivos e à contínua utilização de técnicas mais avançadas que permitem informações mais precisas sobre os fenómenos que ocorrem com a temperatura [14–18].

No fabrico de sensores de oxigénio para metais fundidos geralmente usam-se teores de magnésia à volta dos 7-9% (percentagem molar, assumida na ausência de outra especificação). Neste trabalho foi estudada uma gama mais alargada, entre 2,5 e 10% de magnésio. Este último valor está perto da fronteira com o campo da FSZ a 1600-

1800 °C (temperaturas típicas de sinterização), enquanto o primeiro limite está perto do campo T. Por ser de grande interesse prático estudou-se em maior detalhe a gama 5- 10% (assinalada no diagrama).

Figura I.4- Diagrama de fases do sistema zircónia magnésia com destaque a sombreado para a gama de temperaturas e composições estudadas com maior detalhe [15].

Nesta gama de composições (5-10%) verifica-se que acima de cerca de 1700- 2000 °C, em condições de equilíbrio termodinâmico é possível converter quase todo o material em zircónia cúbica. No fabrico de sensores de oxigénio recorre-se às já referidas temperaturas de sinterização entre 1600 e 1800 °C, assegurando-se assim uma percentagem considerável de fase C. No entanto, no arrefecimento acima de 1400 °C coexistem as fases C e T, com formação crescente da segunda. Segundo o mesmo diagrama, a 1400 °C ocorre a conversão completa da fase C em T com separação parcial do magnésio presente no sistema. A fase tetragonal abaixo dos 1240 °C transforma-se em M, com forte prejuízo para as propriedades elétricas e mecânicas do cerâmico. O magnésio residual é completamente removido da rede da zircónia nesta última transformação. No Anexo I exploram-se em maior detalhe algumas condições relevantes no fabrico de sensores. 1500 2000 1000 [MgO] (%) 20 10 0 30 40 3000 2500 T (°C) C + L C C + T 1400 °C 1240 °C T + MgO M + MgO T L 2370 °C C + MgO

Sendo esta a realidade esperada com base no diagrama de fases, na produção destes materiais não são intencionalmente atingidas as condições de equilíbrio termodinâmico e por este motivo o que se obtém após sinterização é uma mistura dos três polimorfos. A presença destas três fases cristalinas (além do MgO) resulta numa microestrutura muito característica (Figura I.5-a) onde se observam formações aciculares, tetragonais e monoclínicas, inseridas na matriz cerâmica.

Figura I.5- (a) Microestrutura típica de uma Mg-PSZ, onde são visíveis partículas de fase tetragonal coerentes em relação à matriz cúbica [19]. Em (b), representação esquemática de um exemplo de forma dos precipitados de fase T e da formação de domínios M por transformação sob tensão [4].

Os primeiros estudos sobre zircónia indicavam já a relevância destes precipitados no controlo das propriedades mecânicas e resistência ao choque térmico destes materiais. Muitos trabalhos falam mesmo no desenho da microestrutura, por forma a obter partículas dispersas de fase T (metastável) numa matriz estável C. A conservação até à temperatura ambiente destes precipitados depende de fatores críticos como a composição e a dimensão das partículas. Partículas que excedem um tamanho crítico transformam-se espontaneamente em fase M no arrefecimento. A fase T, metastável à temperatura ambiente, pode também transformar-se em M por alteração do estado de tensão local. A formação de domínios paralelos de fase M, com orientações cristalográficas decorrentes das existentes nas partículas originais de fase T, é o resultado normal da transformação das agulhas de fase T em M (Figura I.5- b) [4, 19, 20].

A conversão de partículas de fase T em M está na base do mecanismo de tenacificação na zircónia. Este mecanismo (representado na Figura I.6) confere a estes materiais elevada resistência ao choque térmico na medida em que o aumento de volume associado à transformação TM inibe ou desvia a propagação de fissuras. Desta forma é essencial ajustar o processamento destes materiais por forma a garantir o controlo da microestrutura final. A distribuição espacial das três fases é influenciada não só pela composição química, mas também pelo processamento, no qual se inclui o perfil de temperatura adotado para o ciclo de sinterização, nomeadamente o arrefecimento.

Figura I.6- Esquema do mecanismo de tenacificação da zircónia por transformação de fase: a) aspeto de uma fissura antes da propagação e b) inibição do avanço da fissura devido a transformação das partículas envolventes de fase T para M (adaptado de [21]).

Os tratamentos térmicos mais simples envolvem apenas diferentes taxas de arrefecimento. Contudo, podem ser usados patamares intermédios durante o arrefecimento, o que permite influenciar a progressão das transformações de fases junto dos limites dos diferentes campos do diagrama. A metodologia é em muito semelhante ao modelo de endurecimento por precipitação (envelhecimento artificial) praticado há muito em ligas metálicas. Desta forma consegue-se otimizar a microestrutura por forma a maximizar as propriedades mecânicas e térmicas sem detrimento das propriedades elétricas [20, 22].

Importa aqui referir que numa transformação martensítica pura a conversão de fases é somente função da temperatura a que o material se encontra. Contudo, a possível existência de pequenas variações na concentração de magnésio entre as fases T e M permite concluir que não se estará sempre na presença de uma transformação martensítica pura, envolvendo somente pequenas alterações de posições iónicas. Esta realidade possibilita que os referidos tratamentos térmicos tenham uma eficácia que doutro modo seria inconcebível. Este assunto será retomado mais tarde quando da análise detalhada do comportamento térmico destes materiais e metodologias de condicionamento do mesmo.

1.4. Defeitos e transporte iónico e eletrónico na zircónia

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