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As abordagens pós-estrutural e pós-fundacional nas pesquisas em

No documento tese - Marcio Bernardino Sirino - 2022 (páginas 46-51)

Descendo aos porões da casa pedagógica da Educação Integral, motivei-me a observar como os discursos sobre o nome Educação Integral vêm sendo ‘estruturados’ e ‘fundamentados’

na contemporaneidade, pois esses discursos são produtivos na problematização da importância das abordagens pós-estrutural e pós-fundacional nas pesquisas em educação.

Para esse movimento reflexivo, pus-me a analisar as contribuições do Centro de Referências em Educação Integral6 – em articulação com o Plano Nacional de Educação (2014- 2024), cujos recortes apresento a seguir.

A Educação Integral é uma concepção que compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões – intelectual, física, emocional, social e cultural – e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais. [...]

A escola se converte em um espaço essencial para assegurar que todos e todas tenham garantida uma formação integral. Ela assume o papel de articuladora das diversas experiências educativas que os alunos podem viver dentro e fora dela, a partir de uma intencionalidade clara que favoreça as aprendizagens importantes para o seu desenvolvimento integral (CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, grifo meu)7.

Meta 6 - Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica.

6.1) promover, com o apoio da União, a oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos(as) alunos(as) na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a 7 (sete) horas diárias durante todo o ano letivo, com a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola (BRASIL, 2014, Meta 6, grifos meus).

No primeiro recorte, o nome Educação Integral é estruturado como uma concepção de educação que tem o poder de garantir o desenvolvimento completo dos sujeitos. Há uma preocupação com a ideia de plenitude, que fundamenta essa concepção, como se houvesse

6 De acordo com as informações contidas no próprio site do Centro de Referências em Educação Integral, o Centro de Referência em Educação Integral promove, desde 2013, a pesquisa, o desenvolvimento

metodológico, o aprimoramento e a difusão gratuita de referências, estratégias e instrumentais que contribuam para o fortalecimento da agenda de Educação Integral no Brasil. Para tanto, a iniciativa investe em incidência, mobilizando e articulando atores-chave, temas e fóruns estratégicos, apoiando as redes municipais e estaduais na formulação, avaliação e gestão de políticas de educação integral. O programa é coordenado pela Associação Cidade Escola Aprendiz em parceria com Fundação Itaú Social, Fundação SM, Instituto Natura, Instituto Oi Futuro, Instituto Inspirare, Cenários Pedagógicos, Cenpec – Educação, Cultura e Ação Comunitária, Centro Integrado de Estudos, Programas para o Desenvolvimento Sustentável (Cieds), Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes, Movimento de Ação e Inovação Social (MAIS), Comunidade Educativa (Cedac), Avante – Educação e Mobilização, British Council e Instituto Península. Além disso, o Centro de Referência em Educação Integral conta com a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco).

7 Essa conceituação sobre Educação Integral pode ser encontrada na página do Centro de Referências em Educação Integral. Disponível em: https://educacaointegral.org.br/conceito/. Acesso em: 10 jan. 2022.

possibilidade de alcançá-la e, desse modo, solucionar todos os problemas educacionais, visto o poder de “garantia” que essa concepção evidencia.

Já no segundo recorte, a educação em tempo integral é estruturada pela ampliação da jornada escolar dentro do limiar mínimo de 7h diárias, sendo cumpridas dentro e/ou fora dos muros escolares. Há uma conotação determinista, assim como no primeiro recorte. A aposta por determinado tipo de EI pode garantir a formação desejada, que fundamenta essa proposição, como se o aumento do tempo pudesse fazer materializar – em todo e qualquer contexto – a educação significada como integral.

Ampliou-se a jornada escolar para sete horas diárias; logo, tem-se educação em tempo integral, afirma o ordenamento normativo. Compreendendo que mais tempo na escola precisa estar relacionado com uma nova concepção de educação, de escola e de ensino-aprendizagem, tem-se a ideia de que associando o tempo com novos espaços educativos e processos curriculares ampliados automaticamente se alcançará uma Educação Integral, como garante o Centro de Referências.

Nesse sentido, pode-se questionar: a articulação de tempos, espaços e currículos dará conta de fixar uma compreensão única sobre educação integral?

Coerentemente, esse tripé pode ser considerado uma das formas de significar a busca pela hegemonização desse nome, mas jamais será a única possível, tampouco a hegemonização será para sempre.

Nesse contexto, se não há uma ‘estrutura’ que dê conta de significar, de forma permanente, a Educação Integral, nem mesmo precisar de maneira uniforme a educação em tempo integral, e ainda se não há um fundamento único/último sobre o qual sentidos provisórios da temática Educação Integral e(m) Tempo Integral possam vir a ser fixados, logo, faz-se necessária uma reflexão sobre abordagens que venham problematizar essas relações diretas.

Ao propor esta reflexão inicial, utilizando as contribuições do Centro de Referências em Educação Integral e, ainda, do Plano Nacional de Educação, estou partindo de discursos produzidos socialmente que tentam fixar sentidos para o nome Educação Integral e para a ampliação da jornada escolar, como Educação em Tempo Integral, discursos esses que ganham força no cenário educacional brasileiro e que vêm se expressando em diferentes políticas e práticas na tentativa de manter as estruturas e os fundamentos que as subjazem.

No entanto, numa perspectiva discursiva, faz-se necessário problematizar essas construções dadas como verdade. Movimento que, por sua vez, me aproximou de diferentes correntes que se utilizam do prefixo ‘pós’ para a construção de suas problematizações.

Desse modo, tive a oportunidade de alinhavar reflexões a partir de Lemos (2018) com suas notas sobre as bases do pensamento “pós” – em articulação com Cunha e Lopes (2013), Laclau (2011), Lopes e Macedo (2011), Lopes (2013), Peters (2000) e Stronach, Miller e Whalley (2015), que tecem contribuições significativas sobre a abordagem pós-estruturalista, e Lopes (2013; 2015), Mendonça (2021) e Veiga-Neto (2008), dentre outros, que me ajudaram a pensar sob uma perspectiva pós-fundacionalista nas pesquisas em educação.

Esses registros ‘pós’, junto com os demais, se apresentam como outras formas de compreender o funcionamento do social, registros que questionam as metanarrativas que centralizam a ciência e a atuação humana com determinações para todos os tempos, contextos e processos culturais e que trazem, ainda, de forma totalizante, tentativas de fixar o formato atual da condição moderna, seja utilizando “modernidade tardia”, “segunda modernidade”,

“hipermodernidade”, “modernidade líquida” ou mesmo “pós-modernidade” (cf. BAUMAN, 2013, p. 16). Obviamente, esses conceitos não são sinônimos, mas se encontram numa cadeia de equivalência no que tange à tentativa de fixar uma forma de compreender a sociedade contemporânea.

Nesse contexto, por meio das contribuições de Lemos (2018), tem-se a possibilidade de identificar as bases do pensamento “pós”. O autor traz à conversa as contribuições de Nietzsche, com sua discussão sobre vontade de poder; de Heidegger, com sua reflexão sobre diferença ontológica; e de Freud, com a descoberta do inconsciente – na tentativa de evidenciar que esses pensadores problematizaram os fundamentos do iluminismo, deixaram-nos numa ausência de alicerce e envidaram tentativas de compreender a subjetividade humana a partir de uma abordagem cultural.

Todo esse movimento discursivo visa problematizar “uma possível relação direta entre o conhecimento, a verdade e a certeza, quanto à possibilidade de um sujeito metafisicamente constituído” (p. 210), que as metanarrativas modernas tentam, a todo momento, apresentar como solução para os dilemas sociais.

Essa problematização oriunda do pensamento ‘pós’ corroborou para outros registros serem significados. Em texto voltado à questão, encontramos, para além da expressão “pós- moderno”, as seguintes construções: “pós-marxistas”, “pós-coloniais”, “pós-estruturais” e

“pós-fundacionais” (LOPES, 2013). Sobre estas duas últimas, deter-me-ei nos próximos parágrafos a fim de introduzir a Teoria do Discurso – referencial teórico-analítico que orienta a produção desta tese.

Pode-se caracterizar as abordagens pós-estruturalistas como um movimento teórico articulado em diferentes campos do conhecimento, abordagens que têm em comum o

desenvolvimento de reflexões críticas em defesa da flutuação de sentidos sobre o significante, pela desestruturação da unidade do signo e o abandono dos axiomas essencialistas (LOPES, 2013).

A partir das contribuições de Lemos (2018), é possível compreender que, embora haja uma tentativa de classificação do pós-estruturalismo, por James Williams, como um movimento dentro do campo do saber da Filosofia iniciado nos anos 1960, esse movimento alcançou outras áreas do conhecimento – “desde a Literatura até à Sociologia, passando pelas Artes, Política, História e crítica da cultura” (p. 196).

Peters (2000) traz estudos no campo da Antropologia, do marxismo, da Psicanálise e da Literatura a fim de criticar o estruturalismo, que, segundo Lopes (2013), confere primazia à Linguística a partir de uma concepção estruturada da linguagem evidenciada pela relação direta que estabelece entre o significante (som ou palavra) e o significado (conceito ou definição).

Se na perspectiva estruturalista o social é concebido como estrutura fixa, definida a priori, na perspectiva pós-estruturalista opera-se com a ideia de estrutura descentrada, com a compreensão de que “não há estruturas fixas que fechem de forma definitiva a significação”

(cf. LOPES, 2013, p. 13) – o que acontece são processos discursivos que, contingencialmente, são estruturados e reestruturados.

Entendendo que tudo é processo de significação (cf. LOPES; MACEDO, 2011), não se tem uma estrutura previamente definida para colocar no centro de compreensão do funcionamento do social. Nesse contexto, ao analisar as contribuições de Stronach, Miller e Whalley (2015), pode ser encontrada uma alegoria sobre uma ‘mesa’ – a fim de explicar a passagem do ‘estruturalismo’ ao ‘pós-estruturalismo’.

Os autores constroem uma narrativa descrevendo o “vaso em cima da mesa com quatro pés” para contribuir no entendimento da relação entre ‘estruturas’ e ‘funções’.

O tampo da mesa “precisa” dos pés de um jeito que não precisa do vaso: os pés são necessidades estruturais para o tampo da mesa. Se faltar um, ela cambaleia. Faltando dois, ela cai. E sua “condição de mesa” cai com ela? Todavia, talvez o vaso seja tão necessário para a mesa ser uma mesa, em vez de um tamborete ou algo onde ficar apoiado. Assim, o vaso define a mesa como mesa de maneira bem diferente. O vaso é um objeto sobre a mesa do mesmo modo que facas e garfos ou canetas e telefones poderiam ser. A sua presença (culturalmente circunscrita, como sempre, mas vamos ignorar isso por enquanto) indica que o objeto, que pode ou não se assemelhar estruturalmente ao tipo convencional de objetos que chamamos de mesa, está sendo usado como mesa. Nesta última frase, “como” significa “na função de” (STRONACH;

MILLER; WHALLEY, 2015, p. 386-387).

A alegoria inserida na citação acima auxilia no processo de compreensão da relação entre estrutura e função – que se assemelha com a discussão sobre significante e significado.

Os sentidos produzidos nessa relação não são fixos; são, sempre, parciais, provisórios,

contingentes e precários, uma vez que não existe realidade fora da linguagem – que é produzida discursivamente. Logo, “qualquer significado pode ser atribuído a um significante”, como afirmam Lopes e Macedo (2011, p. 39).

São processos culturais que se dão no terreno do indecidível e que possibilitam, inclusive, significar uma caixa de papelão como uma ‘mesa’ por estar na ‘função de’. Sem nenhum determinismo ou essencialização, é possível construir uma articulação discursiva na qual uma mesa sem um dos pés venha a ser uma ‘não mesa’, uma ‘mesa de três pés’ ou, ainda, receber outros nomes, como, por exemplo, aparador, banco, altar etc. Vale reiterar que essas construções dependem da articulação do contexto em que se insere e produz sentido sobre as estruturas e suas funções.

A partir dessa problematização, tampo, pés, vasos e mesas podem ser significados e ressignificados de diferentes formas, pois, como afirma Laclau (2011), não existe uma estrutura dada, uma vez que “toda estrutura é irremediavelmente cindida, descentrada, por mais coesa, coerente e poderosa que possa parecer” (p. 138).

Na mesma esteira de compreensão de que não há uma estrutura definida a priori que venha a dar conta de explicar o funcionamento do social, encontra-se a compreensão de que não há um fundamento fixo que construa teorias sobre a sociedade com base em princípios pontuais, sem possibilidade de modificação.

A ideia de que há um fundamento, um marco zero ou mesmo uma origem se alinha com as diferentes visões sociais de mundo (conservadora, liberal e socialista) constituídas na modernidade – matrizes político-filosóficas que se autoalimentam e que, ao longo do tempo, foram sendo hegemonizadas na tentativa de explicar como a sociedade se constitui e afirmar princípios ditos universais que devem ser postos em prática cotidianamente.

Com a crise da modernidade (cf. VEIGA-NETO, 2008), eis que as grandes narrativas que a estruturavam são questionadas e os fundamentos que as alicerçavam são problematizados por meio dessa abordagem pós-fundacionista, que não nega os fundamentos, mas, sim, questiona o status totalizante e universal atribuídos a eles.

Segundo Lopes (2013), a abordagem pós-fundacional “concorda com a impossibilidade de termos fundamentos fixos, questiona o objetivismo, valoriza a heterogeneidade, o indeterminismo e o antiessencialismo tal como o pós-estruturalismo” (p. 16). Operar nessa perspectiva significa compreender que não existem regras e princípios definidos pela ciência ou por outra construção que estejam alheios ao jogo político (cf. LOPES, 2015).

Analisando uma produção recente de Mendonça (2021), “Fundamentar ou não fundamentar? A questão do pós-fundacionalismo”, o autor não opera com a lógica da existência

de uma verdade incontestável (fundacionalismo) nem nega que existam fundamentos (perspectiva antifundacionalista), mas, sim, dialoga com a perspectiva pós-fundacionalista, em defesa da impossibilidade de um fundamento final.

Não há fundamento que fundamente desde fora uma estrutura, que a imobilize e que controle as suas possibilidades, da mesma forma como não há, sob o ponto de vista ontológico, um fundamento transcendente. Se não há tal fundamento, o que está, numa estrutura, é o jogo infinito de suas possibilidades (MENDONÇA, 2021, p. 48).

Nessa impossibilidade de um fundamento final, a compreensão de que a Educação Integral ‘garante’ o desenvolvimento humano pleno do sujeito, em ‘todas’ as suas diferentes dimensões formadoras e que ainda tem condições de ‘assegurar’ a oferta de uma ‘formação integral’ em todos os contextos – como afirma o Centro de Referências em Educação Integral (trazido no início desta seção) – evidencia a construção – discursiva – de um fundamento – provisoriamente fixado – com base em axiomas essencialistas, universalistas, deterministas, realistas e totalizantes que vêm sendo questionados por meio das perspectivas pós-estrutural e pós-fundacional – à luz da Teoria do Discurso.

Sobre essa teorização, discursivamente, será construída a próxima seção, com base nas contribuições de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.

No documento tese - Marcio Bernardino Sirino - 2022 (páginas 46-51)