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Educação Integral e humanismo: o que significa ser humano?

No documento tese - Marcio Bernardino Sirino - 2022 (páginas 97-100)

Para enriquecer este debate, convém trazer as contribuições do Dicionário de Políticas Públicas, organizado por Castro, Gontijo e Amabile (2012), que, no verbete “Humanismo”, produzido por Mônica Eulália da Silva, resgata sentidos apresentados anteriormente no que tange à dimensão individualista desse ‘homem’.

Humanismo: [...] tanto a civilização grega quanto as sociedades medievais organizavam-se a partir de estruturas hierárquicas e holistas, o que impedia, assim, a presença de uma perspectiva individualista, voltada para o próprio homem. A valorização do todo coletivo sustentado pelo discurso teocêntrico, que fundamentou a sociedade ocidental até a Idade Média, relegava o desejo individual, bem como o homem, a um lugar secundário (SILVA, 2012, p. 255).

O discurso religioso da coletividade vinha sendo costurado nas civilizações antigas, construindo, assim, um ideal de ser humano – holístico ou, por que não dizer, ‘integral’. No entanto, a perspectiva ‘humanista’, por sua vez, vem romper com essa visão, percebida como religiosa, e angariar produções discursivas outras para fazer hegemonizar uma ideia de que há valor nos processos individuais e que, por meio da razão, promove-se uma ‘valorização’ do homem em sua dimensão ‘humana’, significando, assim, uma forma diferenciada de compreender a ‘integralidade’ que no homem habita – bases relacionadas com o ‘cogito’

(penso, logo existo) – que veio fundamentando a visão humanista e potencializando formas singulares e individuais de ser ‘homem’ socialmente.

Nesse sentido, Biesta (2017) vem tensionando o que significa ser humano, a definição de humanidade e o que se faz necessário para levar uma “vida humana”. Em sua obra Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano, o autor apresenta essas problematizações e a compreensão de que “certa definição do que significa ser humano é usada para excluir alguns seres do âmbito da interação humana” (p. 15).

Qualquer ser humano que não se ‘encaixe’ nessa perspectiva ‘humana’ de humanismo fica excluído, como bem sinalizou Biesta (2017) – ou seja, há uma forma de ser humano, discursivamente construída e ancorada em fundamentos humanistas, que faz com que aqueles que não se encaixem nessa ‘forma’ percam a própria significação de humano.

Essa perspectiva ‘humanista’ coloca em evidência uma suposta ‘essência’ humana, fruto da própria ‘natureza’ do ser humano e distanciando da compreensão de diferentes modos de ser humano ao ‘coisificar’ a humanidade que, no ‘humano’, jaz.

Nesse sentido, em convite à superação do humanismo, Gert Biesta apresenta-nos uma reflexão sobre a diferença entre educação e socialização – evidenciando que educação possui significação mais ampliada e que precisa ser pensada para além da “inserção do indivíduo numa ordem preexistente” (p. 25).

Trazendo olhares ampliados acerca do fenômeno educacional – em questionamento à lógica humanista de inserção à ordem imposta –, Biesta nos estimula a avançar na dimensão da subjetividade humana e construir uma forma alternativa de educação que seja dinamizada para além da ‘racionalidade’, uma vez que, segundo o autor, “não acho que a racionalidade pode ou deve ser a medida da humanidade, nem que a racionalidade pode ser compreendida fora dos limites da história humana” (p. 25).

A partir dessa compreensão de racionalidade que é produzida discursivamente, Gert Biesta investe, ainda, na defesa da pluralidade humana e nas diferentes formas de ser socialmente, contribuindo para que cada um se torne ‘presença’ num mundo “povoado por outros que não são como nós” (p. 26).

Nesse contexto, em defesa dos diferentes modos de ser humano, Biesta (2017), com base em Levinas (1981), traz a ideia de que “o humanismo tem de ser denunciado... porque não é suficientemente humano” (p. 24), o que nos possibilita indagar: se as diferentes matrizes político-filosóficas que sustentam o nome “Educação Integral” têm como fundamento o humanismo – e uma visão única de homem ideal e portador de uma ‘essência’ humana, que deve ser trabalhada para dar conta da sua racional integralidade –, seria possível chegar à significação de que a Educação Integral não é humana?

É uma questão potente a que não tenho por objetivo atribuir resposta neste momento, mas, sim, contribuir para a problematização desses fundamentos que vêm operando no nome

“Educação Integral” e, nesse contexto, produzindo cadeias de equivalência entre diferentes perspectivas político-filosóficas (conservadoras, liberais e socialistas) para hegemonizar determinada visão de ser humano – humanista – que deverá ser público-alvo da Educação Integral e(m) Tempo Integral ou mesmo parcial.

São reflexões necessárias, nesta contemporaneidade, em que, por meio de uma visão singular de ser humano, políticas e práticas ‘humanistas’ vêm sendo produzidas discursivamente e significado diferentes nomes em disputa, como, por exemplo, o nome

“Educação Integral”.

Cabe pontuar que não é incomum encontrarmos em diferentes políticas públicas educacionais de educação em tempo integral e/ou parcial a apresentação de determinados

‘perfil’ de estudantes, ‘perfil’ de profissional, ‘perfil’ de trabalho pedagógico e ‘perfil’ de concepção de educação.

Esses diferentes ‘perfis’ vêm construindo, ao longo dos tempos, um padrão de ser humano que – em espaços escolares e/ou não escolares – se quer formatar, tentando anular a diferença que constitui a sociedade e impondo, ainda, uma dada forma de ser socialmente –

vestígios de uma visão nada humana do ‘humanismo’ que fundamenta diferentes matrizes filosóficas e articula diferentes visões sociais de mundo em função da construção desse ‘perfil’

humano que, em diferentes espaços, pode ser, inclusive, significado como ‘integral’.

O exercício realizado nesta seção de problematizar os fundamentos que ancoram o nome

“Educação Integral” (tão em voga na contemporaneidade) apresenta indicações de uma luta política (des)humana que vem sendo forjada em busca da manutenção de um ‘perfil’ de ser

‘homem’ socialmente, luta essa que possibilita, por exemplo, que as perspectivas conservadoras, liberais e socialistas – com suas múltiplas variações – se articulem em cadeias de equivalência e apaguem – provisoriamente – suas diferenças em busca desse resgate à

‘essência humana’, disputando identidades dos sujeitos que fazem parte da Educação Integral.

2.4 As identidades dos sujeitos disputadas nas políticas federais de ampliação da jornada

No documento tese - Marcio Bernardino Sirino - 2022 (páginas 97-100)