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2. Contextualização da Investigação e Conceitos Relevantes

3.1. Organização e funcionamento em grupo de insetos sociais

3.1.1. Auto-organização e comunicação

A organização e a comunicação são, provavelmente, as características mais fascinantes destes seres vivos. Wilson e Hölldobler (2009) indicam que os indivíduos especialistas destas colónias, que trabalham conjuntamente como uma unidade funcional, são guiados por um conjunto de regras comportamentais. Essas regras operam da seguinte forma: se for dado um contexto, as operárias encontram um certo estímulo e previsivelmente executam uma determinada ação, já se o mesmo estímulo for recebido num contexto diferente, a operária executa um ato diferente. Não existe um blueprint no cérebro de uma operária de ordem social, tal como não existe também um supervisor ou um líder que planeie as ações a executar. Comportam-se, portanto, em resposta à informação que recebem do ambiente que os rodeia e/ou dos outros indivíduos à sua volta (Fewell, 2015; E. O. Wilson & Hölldobler, 2009).

Uma das questões mais importantes em sociedades animais é “quando então devem os animais cooperar?”. Hamilton (1964) postulou as regras através das quais a cooperação ou a competição adaptativa devem ser determinadas, quando desenvolveu a sua teoria da evolução do altruísmo por seleção de

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parentes (Hamilton, 1964). Esta teoria constata que a cooperação e a competição devem ser decididas na base da relação genética dos indivíduos, sendo mais provável que os que estão mais estreitamente relacionados entre si cooperem. Os seres vivos do género Hymenoptera são precisamente aqueles que demonstram formas mais extremas de comportamento cooperativo (R. E.

Page et al., 1991). Uma das características a destacar é, então, o reconhecimento entre parentes, por exemplo na espécie de abelha Apis mellifera L., em que os indivíduos conseguem percecionar a distinção entre companheiros de nidificação e estranhos, super irmãs e meias-irmãs, obreiras imaturas e adultas, e por fim, rainhas (Getz & Smith, 1986). Sabe-se, então, que este mecanismo depende principalmente de hidrocarbonetos cuticulares (CHCs) produzidos pelos próprios indivíduos, cuja função principal é servir de sinais químicos para o tal reconhecimento entre companheiros de nidificação e intrusos, pelos indivíduos que monitorizam a entrada do ninho (Fisher et al., 2019).

A comunicação dentro desta ordem de seres vivos normalmente é constituída em rede, podendo estas ser homogéneas, onde cada indivíduo está igualmente associado a outros indivíduos, ou ainda podendo ser heterogéneas.

Nesta segunda variante, as redes possuem alguns indivíduos altamente conectados, sendo estes responsáveis pela maioria da disseminação da informação. As abelhas, por exemplo, apresentam uma rede de comunicação heterogénea, onde apenas alguns indivíduos são os que executam as danças que disseminam a informação, o que será abordado ainda neste capítulo. Já as colónias de vespas (Ropalidia marginata), apresentam uma rede homogénea em colónias pequenas, apesar de, com o aumento do tamanho das respetivas colónias, a tendência será para uma formação mais heterogénea (Middleton &

Latty, 2016).

As colónias são um produto de auto-organização e o seu comportamento pode ser descrito como de “momento a momento”. Os efeitos cumulativos das interações locais entre operárias conseguem gerar resultados comportamentais quer a nível individual, quer a nível de grupo. Estes comportamentos de auto- organização requerem, no mínimo, dois componentes: (1) iteração, ou um

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padrão repetitivo de interações, acompanhado de (2) loops de feeback positivo, que produzem um “efeito dominó” a partir dessas mesmas interações (Fewell, 2015). Um exemplo desta auto-organização, em formigas, encontra-se ilustrado na Figura 3. Quando confrontados com uma escolha de duas rotas que, aparentemente, não apresentam diferenças entre si, ou sobre as quais não é oferecida nenhuma informação, o primeiro indivíduo escolhe um dos caminhos aleatoriamente e deposita feromonas nesse mesmo troço. Devido à presença destas feromonas, os indivíduos seguintes vão, tendencialmente, escolher o mesmo caminho. Há medida que cada vez mais indivíduos escolhem esta rota, o sinal de feromonas é amplificado e a colónia converge num único recurso (Fewell, 2015).

Os processos de auto-organização em formigas requerem, normalmente, uma combinação de feedbacks positivos e negativos, com o objetivo de permitir uma moderação flexível de resultados. O feedback negativo pode ter o papel de mudar rapidamente a rota seguida pela colónia no caso de grande aglomeração ou depleção rápida de recursos. Com esta base simples de funcionamento as

Figura 3- Esquema ilustrativo do processo de comunicação indireta a partir de feromonas realizado por formigas. Fonte: Elaboração própria.

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colónias conseguem realizar uma série de atividades que variam em grau de complexidade, desde a coleta de recursos, a construção do ninho, a manutenção da colónia, o cuidar dos juvenis, a coordenação da defesa em caso de ataque e, até, o ataque a outras colónias (Fewell, 2015; Middleton & Latty, 2016). Este método de comunicação constitui um método indireto, uma vez que as

“mensagens” químicas que são deixadas, persistem mesmo após o indivíduo que as deixou já não estar presente (Middleton & Latty, 2016).

No caso das abelhas, mais concretamente, no caso da espécie de abelha Apis mellifera, na escolha de um local para estabelecer um ninho, o objetivo comum da colónia será selecionar o melhor local para a nidificação. Durante a procura por este local, centenas de obreiras voam sobre uma vasta área para identificar potenciais locais adequados para essa nidificação. Quando algum destes indivíduos encontra um local que considera apropriado, regressa para junto da colónia e comunica a sua descoberta às restantes obreiras sob a forma

Figura 4- Esquema ilustrativo do processo de comunicação direta através de danças (waggle dance) realizado por abelhas. Fonte: Elaboração própria, adaptado de https://www.newscientist.com/article/mg20327262-400-rethinking-the-bees-waggle-dance/

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de uma dança12 que indica a posição do local em relação ao sol (Grüner et al., 2015), como exemplificado na Figura 4. Um ponto importante a referir é que uma identidade individual de uma obreira não tem importância particular, uma vez que estas operam, por norma, em grandes grupos com agendas bem alinhadas. Por conseguinte, o comportamento cooperativo da colónia faz com que o indivíduo seja relativamente anónimo (Grüner et al., 2015).

Grüner et al. (2015) descrevem que a informação fornecida através das danças não permite apenas indicar a localização, mas também a qualidade do potencial local de nidificação. Quanto maior a intensidade da dança, maior é a qualidade percebida pela abelha, do ponto de vista do seu potencial para ser o local de nidificação (Grüner et al., 2015). Como é, então, feita a tomada de decisão sobre qual é o melhor local para a colónia estabelecer um ninho?

Quando uma obreira regressa à colónia e executa a dança para comunicar o seu local escolhido, esta começa a recrutar votos de indivíduos que até agora se encontravam numa posição de neutralidade. Estes indivíduos neutros têm a capacidade de se deslocar até ao local comunicado e fazer a sua própria avaliação. Quando regressam, comunicam esta avaliação ao restante enxame, e como já referido anteriormente, o caráter e a intensidade desta dança permitem transmitir a mensagem da sua avaliação. Porém, uma obreira não está familiarizada com todas as alternativas a serem comunicadas em todo o enxame, tem apenas a informação dos locais de nidificação que foram comunicados na sua proximidade imediata. O que se sucede é que, independentemente da qualidade do potencial local de nidificação, a intensidade das danças eventualmente sofre um abrandamento, diminuindo de cada vez que uma obreira regressa do seu local de eleição. A gradual saída do “debate” expressa uma pressão13 mais duradora para locais mais adequados, do que para locais menos propícios. Se as taxas de aprovação para um local diminuírem, é permitido às abelhas obreiras lidar com esta nova informação. À medida que as taxas de aprovação para alternativas diminuem, a probabilidade de o enxame tomar uma decisão mais adequada aumenta. O testemunho para um local deve ser mantido

12 Na língua inglesa chamada “waggle dance

13 A esta “pressão” é dado o nome de “lobbying” na língua inglesa

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num longo período de tempo, uma vez que o processo de recolha de informação é sequencial e um potencial local mais adequado pode ser descoberto a posteriori. Isto acontece devido ao potencial local a ser avaliado poder ser mais distante e, consequentemente, demorar mais tempo até que os indivíduos regressem com essa informação. Esta técnica permite que a velocidade da tomada de decisão seja reduzida e permite, ainda, diminuir a probabilidade de erros. O consenso é atingido quando mais nenhum indivíduo do enxame continua a dançar para um local de nidificação alternativo. As abelhas precisam de balancear as vantagens e desvantagens entre a velocidade e a qualidade da decisão. Atingir o consenso completo pode demorar muito tempo e, consequentemente, traduzir-se em custos elevados para a colónia (Grüner et al., 2015).

É possível que um pequeno quórum de indivíduos tome uma decisão rápida, mas isso acarreta um potencial risco na seleção de um local de nidificação com qualidade insuficiente. Porém, um conjunto de 20 a 30 indivíduos a “debater” aparentam ser suficientes para uma tomada de decisão apropriada.

Estas obreiras regressam ao enxame e forçam o término das danças das restantes. Término esse que consiste numa forma agressiva de certas abelhas

“silenciarem” outras, executando esta ação através de sinais de um sibilo, consistindo num tipo de assobio, que posteriormente desencadeia as preparações para a partida do enxame inteiro (Janson et al., 2005). Este método, ao contrário do método de feromonas em formigas, trata-se de um sistema de transferência de informação direto, uma vez que a informação é transmitida diretamente de indivíduo para indivíduo (Middleton & Latty, 2016).