• Nenhum resultado encontrado

2. Contextualização da Investigação e Conceitos Relevantes

3.1. Organização e funcionamento em grupo de insetos sociais

3.1.2. Distribuição de tarefas e divisão de trabalho

28

num longo período de tempo, uma vez que o processo de recolha de informação é sequencial e um potencial local mais adequado pode ser descoberto a posteriori. Isto acontece devido ao potencial local a ser avaliado poder ser mais distante e, consequentemente, demorar mais tempo até que os indivíduos regressem com essa informação. Esta técnica permite que a velocidade da tomada de decisão seja reduzida e permite, ainda, diminuir a probabilidade de erros. O consenso é atingido quando mais nenhum indivíduo do enxame continua a dançar para um local de nidificação alternativo. As abelhas precisam de balancear as vantagens e desvantagens entre a velocidade e a qualidade da decisão. Atingir o consenso completo pode demorar muito tempo e, consequentemente, traduzir-se em custos elevados para a colónia (Grüner et al., 2015).

É possível que um pequeno quórum de indivíduos tome uma decisão rápida, mas isso acarreta um potencial risco na seleção de um local de nidificação com qualidade insuficiente. Porém, um conjunto de 20 a 30 indivíduos a “debater” aparentam ser suficientes para uma tomada de decisão apropriada.

Estas obreiras regressam ao enxame e forçam o término das danças das restantes. Término esse que consiste numa forma agressiva de certas abelhas

“silenciarem” outras, executando esta ação através de sinais de um sibilo, consistindo num tipo de assobio, que posteriormente desencadeia as preparações para a partida do enxame inteiro (Janson et al., 2005). Este método, ao contrário do método de feromonas em formigas, trata-se de um sistema de transferência de informação direto, uma vez que a informação é transmitida diretamente de indivíduo para indivíduo (Middleton & Latty, 2016).

29

problema fundamental: Como é que cada unidade individual decide que função executar? Notando que, a necessidade de execução de diferentes funções ou tarefas muda ao longo do tempo e, por vezes, é imprevisível. Estes sistemas complexos operam de forma descentralizada, o que torna o comportamento ao nível do grupo menos intuitivo e mais difícil de prever, mesmo quando as estratégias de comportamento dos indivíduos são conhecidas. A divisão de trabalho nestes insetos, que permite contribuir para o sucesso da colónia, é feita, normalmente, pela especialização na execução de tarefas de diferentes tipos, tais como, mas não apenas, cuidar dos juvenis, construção ou defesa. Esta especialização é muitas vezes referida como a razão do sucesso evolutivo dos insetos eussociais (Charbonneau & Dornhaus, 2015; E. O. Wilson & Hölldobler, 2009).

As estratégias de distribuição de tarefas, quer a nível individual, quer ao nível de grupo, aplicadas por estas espécies são sofisticadas. Veja-se o caso das abelhas, que decidem começar ou terminar a procura de alimento com base em processos inatos, informação aprendida e sinais sociais. Esta atividade varia consoante a quantidade de alimento armazenada, a quantidade de juvenis na colónia (a taxa de consumo) e a disponibilidade de alimento no ambiente. Isto implica que as regras de decisão usadas por um indivíduo da colónia ao iniciar a procura por alimento são tais que, ao nível do grupo, o número de abelhas que tomam a mesma responsabilidade responde a todos esses fatores (Charbonneau & Dornhaus, 2015). De forma geral, a distribuição de tarefas em colónias de insetos é flexível a mudanças na necessidade de executar diferentes trabalhos, tal como é robusta em caso de “falha individual” (Naug, 2009). A chamada “falha da operária” pode significar erros individuais (em compreender ou executar tarefas) ou mortalidade (flutuação do número de operárias, perda de grande número de indivíduos, por exemplo, depois de um ataque). A robustez e a flexibilidade, podem, no entanto, variar entre espécies, sendo que cada uma delas está provavelmente adaptada a lidar com diferentes contingências e restrições (Charbonneau & Dornhaus, 2015), consoante as condições intrínsecas e extrínsecas à espécie. Este fenómeno será abordado com maior

30

profundidade no subcapítulo 3.1.3. relativo à resistência e à resiliência destes superorganismos.

A divisão de tarefas em insetos sociais é normalmente resultado de processos descentralizados, como já foi referido, com uma necessidade mínima de processos cognitivos e sensoriais para cada indivíduo. Todas as estratégias dependem de variações inter-individuais ou de uma chamada “vontade” de realizar diferentes tipos de trabalho/tarefas. Estas podem ser divididas naquelas em que esta variação é intrínseca ao indivíduo (tarefas fixas atribuídas ou tarefas fixas preferidas) ou em tarefas através das quais os indivíduos adquirem estímulos de variações no ambiente (através de “dicas” sociais ou aprendizagem) (Charbonneau & Dornhaus, 2015). À primeira vista, a melhor maneira de dividir tarefas seria que a cada indivíduo fosse atribuído um trabalho de forma permanente para desempenhar uma tarefa específica. Em alguns insetos sociais, como já mencionado, existem castas morfológicas onde cada casta tem um conjunto específico de tarefas e características morfológicas associadas à mesma (Charbonneau & Dornhaus, 2015). Os Hymenoptera não conseguem mudar o seu tamanho e a sua forma a partir do momento em que atingem a maturidade, sendo a diferenciação permanente. Existem variados exemplos desta diferenciação. Um caso deste fenómeno acontece nas formigas do género Cephalotes que nidificam em cavidades de ramos de árvores com entradas estreitas e os “soldados” com grandes cabeças, que servem de armadura, bloqueiam a entrada para o ninho (Powell, 2008). Outro exemplo desta especialização morfológica nestes seres vivos reside num conjunto de certas espécies de formigas (army ants), nas quais as mandíbulas dos

“soldados” são morfologicamente diferenciadas e tão aumentadas que são incapazes de se alimentarem de forma independente e dependem de outros indivíduos para os alimentar (Dornhaus & Powell, 2010). Ainda um outro caso exemplificativo desta diferenciação consiste num conjunto de outras espécies de formigas que demonstram uma variação contínua do tamanho do corpo entre operárias, como no género Atta, onde as operárias maiores cortam folhas, as médias transportam-nas, as pequenas atendem aos fungos e as ainda mais

31

pequenas são transportadas em cima das folhas com o propósito de afastar moscas que as ataquem (E. O. Wilson, 1980).

Outra técnica utilizada para a distribuição de tarefas através de cargos fixos passa por distribuir essas tarefas tendo como base a idade, num processo chamado polietismo16. Apesar de não haver distinção morfológica, as operárias podem experienciar mudanças fisiológicas à medida que envelhecem, alterando as preferências por diferentes tipos de tarefas, direta ou indiretamente. Estas mudanças estão associadas a uma “hormona juvenil” que se altera com a idade e está relacionada a mudanças do papel de um indivíduo na colónia (Charbonneau & Dornhaus, 2015). Estes processos também podem ser afetados pela aprendizagem e pela informação social. Nestes casos referidos, a distribuição das tarefas é estável e independente de fatores externos como a necessidade da realização de certos trabalhos e o número de operárias disponíveis. Quando estes processos ocorrem, os indivíduos executam consistentemente o mesmo tipo de tarefas, sendo especializados e adaptando- se às tarefas atribuídas (Charbonneau & Dornhaus, 2015). Um dos problemas que poderá surgir com estes mecanismos é a eventual necessidade de realizar um trabalho de outra natureza ou tipologia. Daí advém a consequente incapacidade de redistribuir os recursos, piorando a resposta a distúrbios, mostrando falta de flexibilidade e robustez, isto é, resiliência.

Existem, todavia, possibilidades distintas para a divisão de trabalho em colónias, onde também é assumida uma diferença fixa entre indivíduos, mas que permite respostas dinâmicas face às mudanças na necessidade de realizar certas tarefas. Este mecanismo centra-se na hipótese de que os indivíduos operários diferem nos limiares de resposta ao estímulo de uma tarefa, visto que, cada indivíduo apresenta um limiar interno ou uma função de probabilidade de resposta para estímulos específicos dessa mesma tarefa. Estes estímulos podem ser, por exemplo, a temperatura do ninho (que quando elevada requer arrefecimento) ou a feromona de fome produzida pela ninhada. Se um estímulo exceder o limiar de resposta de uma operária, esta torna-se ativa nesse tipo de

16Polyethism” na língua inglesa

32

tarefa. Se este limiar de um indivíduo for menor que o dos restantes, este tende a tornar-se disponível primeiro para essa tarefa, assim que esta se apresenta como necessária para a manutenção da colónia (Charbonneau & Dornhaus, 2015). Este processo cria um feedback loop onde o próprio ato de uma operária com um menor limiar assumir uma tarefa antes das restantes, leva a que a necessidade ou estímulo para essa tarefa não atinja um nível suficientemente alto, o que, por sua vez, não desencadeia a execução desse trabalho por parte das operárias com um maior limiar de resposta. Portanto, mesmo as pequenas disparidades inter-individuais podem levar a grandes diferenças nas tarefas executadas e, consequentemente, à especialização das operárias. Nesta estratégia de distribuição de tarefas a variação de valores limiares em indivíduos e nas tarefas em si afeta o padrão de distribuição das mesmas (Charbonneau &

Dornhaus, 2015).

Talvez uma das características mais controversas destas sociedades de insetos seja o facto de altos níveis de inatividade serem algo relativamente comum. Aliás, entre 50 a 70 % das operárias de uma colónia de insetos sociais podem estar inativas a qualquer instância. Na verdade, em alguns casos, um subconjunto destas operárias apresenta consistentemente uma maior inatividade em relação aos seus companheiros de ninho (Charbonneau &

Dornhaus, 2015). Charbonneau e Dornhaus (2015) afirmam que a explicação para este fenómeno pode dever-se ao egoísmo, ao trabalho em turnos ou às condições simplificadas que são criadas em estudos laboratoriais. Já que, neste último caso, pode não ser possível compreender exatamente quais são os comportamentos em condições naturais. De todo o modo, é difícil provar empiricamente este tipo de hipóteses, por isso, não existem provas empíricas de que seja este o caso. Poderá advir do facto de que as operárias podem parecer inativas, mas na verdade estão envolvidas em tarefas que não possam ser visualizadas e distinguíveis da inatividade. Outra possibilidade é as operárias mais jovens, ainda em fase de maturação, serem incapazes de demonstrar atividade elevada ou, pelo contrário, dever-se à sua senescência (envelhecimento). Estes investigadores questionam a possibilidade de existir uma distribuição de tarefas imperfeita ou, ainda, a existência de outros processos

33

desconhecidos inerentes à divisão de trabalho. Concluem dizendo que, apesar de terminar tarefas com rapidez ser algo importante no sistema, uma superabundância de trabalho não é ótima nem sustentável. Nestes casos é esperada a produção de mais operárias com a função de executar o trabalho extra até que a quantidade destas operárias se aproxime da quantidade de trabalho a executar, resultando novamente na inatividade de algumas operárias.

Condições ótimas de distribuição de tarefas podem levar, também, a operárias inativas em sistemas onde a quantidade de trabalho necessária para cada tarefa discriminada varia. Em suma, pode ser benéfico que exista um grande grupo destes indivíduos inativos disponíveis para executar tarefas maiores quando estas se revelam necessárias. São, então, necessários indivíduos inativos para uma distribuição adequada de tarefas. Pensa-se que estes mecanismos discutidos sejam resultado de processos adaptativos (Charbonneau & Dornhaus, 2015).