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2. Contextualização da Investigação e Conceitos Relevantes

3.2. Outros exemplos de processos de decisão em sociedades animais

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consiste numa forma de cuidado através do contacto físico do próprio indivíduo ou de outros, que tem como propósito principal impedir a infeção por parasitas, neste caso, de fungos, permite reduzir a quantidade de esporos23. Foi também verificado por Reber, et al. (2011), que a frequência deste comportamento aumenta na presença de esporos de Metarhizium anisopliae, que demonstra que as formigas da espécie Formica selysi, são capazes de identificar o risco de contaminação/infeção fúngica. Este estudo mostrou também que a frequência de catação se mostrava superior quando a colónia já tinha tido uma exposição anterior ao agente patogénico, demonstrando a existência de memória. Esta técnica mostrou-se bastante eficaz na defesa profilática de uma infeção fúngica (Reber et al., 2011). Outro comportamento aplicado é a remoção dos cadáveres de indivíduos infetados do ninho (Meunier, 2015). Nas formigas da madeira da espécie Formica paralugubris, existe também um mecanismo de defesa onde são utilizados compostos vegetais como meio de defesa coletivo contra microrganismos. Esta espécie costuma acumular grandes quantidades de resina solidificada de coníferas no ninho. No estudo realizado por Christe et al. (2003), mostrou-se que esta resina tem a capacidade de inibir o crescimento de microrganismos, quando as condições são semelhantes às que ocorrem naturalmente, servindo como uma espécie de “medicação” coletiva para a colónia (Christe et al., 2003). Todos estes mecanismos permitem às colónias protegerem-se globalmente destes agentes patogénicos e infeciosos, apesar de não se saber ao certo o quão resilientes estes sistemas poderão ser a mudanças e alterações que eventualmente possam surgir. Isto é, nomeadamente devido às alterações climáticas, uma vez que poderá existir um efeito de proliferação destes agentes e a consequente alteração da sua performance, bem como outras alterações nas respostas de execução dos insetos sociais (Fisher et al., 2019).

3.2. Outros exemplos de processos de decisão em sociedades animais

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relativo ao processo de decisão em grupos de animais, foi realizado um modelo que permite analisar, de forma quantitativa, previsões acerca da tomada de decisões em grupo. Estes autores defendem que a democracia pode existir num variado conjunto de animais e que, esta não requer uma capacidade cognitiva avançada, ao contrário do que se pensava anteriormente. Muitos animais têm a necessidade de tomar decisões comunitárias aquando das atividades em grupo, e esta sincronização é essencial se o grupo pretender permanecer coerente do ponto de vista espacial. Para tal, com o objetivo de atingir um consenso, certos membros do grupo têm de fazer cedências nas suas atividades ideais. Os custos desta sincronização podem ser um fator importante para moldar a organização social das populações (Conradt & Roper, 2003). Esse trabalho concluiu que os animais da amostra podem tomar decisões de diversas formas (como demonstrado na Tabela 1). No entanto, olhando para diferentes formas da organização de tomadas de decisão em grupo, desde o despotismo, passando pela oligarquia, até à democracia, esta última parece ser a mais benéfica para o conjunto de indivíduos. Poderá ocorrer o caso de um indivíduo não ter acesso a toda a informação acerca do seu ambiente e, portanto, não saber ao certo qual o valor quer de parar ou de iniciar uma atividade mais cedo ou mais tarde. Nestes casos o grupo pode ser “guiado” pelo membro mais experiente (Conradt & Roper, 2003).

Porém, este cenário em que o grupo é guiado pelo membro mais experiente só compensa, em relação a uma decisão democrática, perante a existência de duas razões. A primeira, no caso de os erros serem grandes em relação às diferenças nas durações ótimas de atividade entre os membros. Na segunda, na instância em que o tamanho do grupo seja pequeno e a diferença de experiência entre o líder e os restantes membros do grupo seja tão grande, que o erro médio que a decisão do líder poderá ter seja inferior ao erro médio da decisão da média dos restantes membros do grupo (Conradt & Roper, 2003).

Noutro estudo mais recente (2005), os mesmos autores referem que a procura por uma decisão consensual em animais não-humanos é algo comum.

De igual forma, também é comum a cooperação entre membros de um grupo no processo de tomadas de decisão, mesmo quando a decisão envolve um conflito

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de interesses significativo (Conradt & Roper, 2005). Por conseguinte, é feita uma distinção entre consenso e decisões combinadas. O consenso implica que as decisões sejam tomadas em conjunto por membros de um grupo com o objetivo de atingir uma concordância, por parte de todos os membros, apesar de, por vezes, nem todos decidirem. Estas decisões são feitas por grupos coesos espacialmente e estão normalmente associadas à direção do movimento, ao destino de viagem e à duração de atividades. Estas podem também incluir decisões de caça coletiva sobre presas alvo. No caso das decisões combinadas os animais decidem individualmente, sem requerer um consenso, mas de uma forma que é dependente do comportamento de outros membros do grupo. O resultado da combinação destas decisões individuais afeta, frequentemente, todo o grupo. Este tipo de decisões inclui a distribuição de tarefas (em espécies eussociais), o desvio reprodutivo (em espécies de reprodução cooperativa), a entrada ou a saída de um grupo (em sociedades de fissão-fusão) e ainda inclui quer a utilização de informação pública, como a existência de variadas decisões de consumo em seres humanos. Estes tipos de decisões são tomados no caso de existir pouco ou nenhum conflito, levando os membros do grupo a agir livremente. O já referido caso de distribuição de tarefas em insetos eussociais é um exemplo possível, onde os membros se distribuem de forma autónoma de acordo com a necessidade local sem comandos centralizados (Conradt & Roper, 2005).

Em vários grupos muitas vezes surgem conflitos de interesse entre membros sobre o resultado de uma decisão consensual. A presença ou a ausência desses conflitos determina a troca de informação relacionada com a decisão entre os membros, o grau de cooperação durante o processo de decisão e as consequências da decisão para membros individuais. São exemplos de decisões com baixo ou, até, nenhum conflito a procura de local de nidificação em abelhas e a navegação de rotas de viagem em aves, uma vez que o objetivo é encontrar o melhor resultado possível, que seja partilhado por todos os membros. Todavia, a maioria das decisões consensuais envolvem conflitos de interesse entre alguns membros do grupo (Conradt & Roper, 2005). Existe, portanto, um “custo do consenso”, que pode ser ilustrado por várias espécies de

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ungulados que apresentam dimorfismo sexual, como o Cervus elaphus onde os conflitos entre sexos sobre a gestão de atividades é tal que leva à segregração social intersexual. A coação por um indivíduo dominante é um potencial mecanismo para a resolução de conflitos. Contudo, dificilmente funcionará na prática devido à incapacidade de um animal forçar um consenso, seja por ser fisicamente impossível, o que ocorre especialmente em grupos grandes, ou, ainda, porque não seria suficiente para superar os custos da coação. As decisões consensuais onde existem conflitos de interesse requerem, então, a existência de conformidade voluntária para que se desencadeiem as tomadas de decisão não acordadas por todos os indivíduos (Conradt & Roper, 2005).

Tabela 1- Exemplos de decisões democráticas em sociedades animais. Adaptado de (L Conradt & Roper, 2003).

ESPÉCIE DECISÃO COMPORTAMENTO DE VOTO MECANISMO DE DECISÃO

Veado vermelho (Cervus

elaphus) Mudança de atividade Levantar A maioria dos adultos decide

Gorila (Gorilla gorilla) Mudança de atividade Vocalização A maioria dos adultos decide

Babuíno-da-Guiné (Papio papio) Mudança de atividade Movimentos A maioria decide

Babuíno-sagrado (P. hamadryas) Mudança de atividade Movimentos A maioria decide

Macaco-uivador (Alouatta

palliata) Mudança de atividade Movimentos A maioria decide

Elefante africano (Loxodonta

africanus) Mudança de atividade Grunhidos de baixa frequência A maioria das fêmeas adultas decide

Cisne-bravo (Cygnus cygnus) Mudança de atividade Movimentos da cabeça Intensidade dos sinais atinge um limiar

Búfalo africano (Syncerus caffer) Direção de viagem Direção do olhar Média de votos de fêmeas adultas Babuíno-sagrado (P. hamadryas) Direção de viagem Posição sobre a rocha de repouso A Maioria dos machos adultos

decide Babuíno-amarelo (P.

cynocephalus) Direção de viagem Orientação do corpo Os adultos decidem

Prego-prego panamenho (Cebus

capucinus) Direção de viagem Vocalizações Direção muda continuamente com

cada vocalizador Abelhas (Apis mellifera) Escolha de local de nidificação Danças Integração de sinais

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