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A CLÁUSULA PENAL NO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE

3.1 A CLÁUSULA PENAL: CONCEITO, FUNÇÃO E APLICAÇÃO

3.1.1 A CLÁUSULA PENAL NO CONTRATO DE TRABALHO DO ATLETA PROFISSIONAL DE

A cláusula penal surgiu para o contrato de trabalho do atleta de futebol profissional com a extinção do passe e a vigência da Lei 9.615/98 (art.

28, caput).

Sobre o surgimento, em sentido amplo, e inclusão do novo instituto introduzido no direito desportivo, Navía101 destaca:

La evolución de la normativa relacionada al derecho desportivo, inexorablemente condujo a considerar la relación del deportista profesional como de natureza laboral, pero sujeta a una legislación específica em atención a una serie de institutos jurídicos que son propios de estos trabajadores. Una de esas particularidades, precisamente, es la inclusión generalizada de cláusulas penales em estos contratos, como garantía a favor de las entidades deportivas (los empleadores) de que el deportista cumpla com el plazo de duración contractual pactado102.

A priori, a norma que prevê a cláusula penal era tida como em desuso, porque não estipulava valores referentes a sanção.

Assim, a lei n. 9.981/2000 e depois a lei 10.672/2003, adicionaram no artigo 28 da Lei Pelé, os parágrafos 3º, 4º e 5º, os quais tratam, em espécie, da aplicação da referida cláusula, a saber:

§ 3º. O valor da cláusula penal a que se refere o caput deste artigo será livremente estabelecido pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante da remuneração anual pactuada (parágrafo incluído pela lei n. 9.981, de 14.7.2000).

§ 4º. Far-se-á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando-se, para cada ano

101 NAVÍA. Ricardo Frega. Cláusulas penales en la extinción de trabajo de los deportistas profesionales. Revista Brasileira de Direito Desportivo, n. 3, 2003, p. 37.

102 Tradução: A evolução da norma relacionada ao direito desportivo, inexoravelmente conduziu a considerar a relação do atleta profissional como de natureza laboral, porém sujeita a uma legislação específica em atenção a uma série de institutos jurídicos que são próprios destes trabalhadores. Uma dessas particularidades, precisamente, é a inclusão generalizada de cláusulas penais nestes contratos, como garantia em favor das entidades desportivas (os empregadores) de que o desportista cumpra com o prazo de duração contratual pactuado.

integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não-cumulativos (acrescido pela lei 10.672/03):

I – dez por cento após o primeiro ano;

II – vinte por cento após o segundo ano;

III – quarenta por cento após o terceiro ano;

IV – oitenta por cento após o quarto ano.

§ 5º. Quando se tratar de transferência internacional, a cláusula penal não será objeto de qualquer limitação, desde que esteja expresso no respectivo contrato de trabalho desportivo (parágrafo incluído pela lei n. 9.981, de 14.7.2000).

Observa-se que o § 3º supra citado estipula uma sanção, como cláusula penal, de até cem vezes o montante da remuneração anual pactuada, na hipótese de transferência interna do atleta.

A rigor, tal artigo não segue norma do direito civil, mesmo que a cláusula penal tenha aí seu regramento (art. 412, CC), qual seja: “o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.

Para alguns doutrinadores, isso se explica porque é aplicado o artigo 444 da CLT, bem como respeitado a vontade das partes.

Nesse diapasão, Melo Filho103 explica:

Este art. 444 da Consolidação tem como premissa central a livre estipulação dos interessados, ou seja, a própria lei faculta às partes a discussão das condições e cláusulas do contrato. Isso significa que, na lei pátria, atleta e clube (empregado e empregador) podem tudo estipular nos respectivos contratos de trabalho desportivo. Só não poderão ajustar condições ofensivas às disposições de proteção do trabalho, às decisões das autoridades e aos convênios coletivos que lhes sejam aplicáveis.

E, no elenco dessas limitações à autonomia da vontade não há

103 MELO FILHO. Álvaro. Lei Pelé. Comentários à Lei n. 9.615/98. p. 98

qualquer referência a teto ou patamar máximo de quantificação da cláusula penal que venha a ser pactuada para os casos de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva.

Tratando-se de um contrato de trabalho, de natureza especial, vale dizer, de uma “relación laboral especial de los deportistas profesionales”, não se lhe aplicam as limitações das leis civis sobre cláusula penal, como ocorre em outros países.

Para outros, o montante exacerbado é devido as altas cifras empregadas na celebração desse contrato.

Nessa linha, Navía104 explica:

Pero en la disciplina deportiva, al existir la figura de las transferencias, y debido a las altas cifras económicas que usualmente allí se abonan, si se permitieran incluir cláusulas penales de este tipo por um valor ajustado a la normativa laboral ordinaria (o sea mucho más baja dela que acoge la LDB, y a lo sumo limitada a um monto igual a la de un par de anõs de la remuneración anual del trabajador), todas la entidades deportivas poderosas económicamente utilizarían fraudulentamente esta figura jurídica para contratar a los deportistas más cotizados105. Por certo, que a estimativa normatizada pelo referido parágrafo condiciona os operadores do direito à discussões acirradas, porque daí reflete argumentos constitucionais, como o direito fundamental da liberdade de trabalho, além da função social do contrato, da Justiça contratual, do princípio da boa-fé e a nova concepção do princípio da autonomia privada, anteriormente conhecida como autonomia da vontade.

104 NAVÍA. Ricardo Frega. Cláusulas penales en la extinción de trabajo de los deportistas profesionales. Revista Brasileira de Direito Desportivo. p. 40.

105 Tradução: Porém na disciplina desportiva, ao existir a figura das transferências, e devido as altas cifras econômicas que usualmente ali se garantem, se permitiu incluir cláusulas penais deste tipo por um valor ajustado na norma laboral ordinária (ou seja muito mais baixa daquela que acolhe a LDB, e ao máximo limitada a um monte igual a de um par de anos de remuneração anual do trabalhador), todas as entidades desportivas poderosas economicamente utilizariam fraudulentamente esta figura jurídica para contratar os desportistas mais cotados.

No parágrafo 4º, ao contrário do § 3º, a lei se utiliza da redução da cláusula penal já anteriormente prevista pelo código civil (art. 413), não obstante a irredutibilidade da cláusula ante o pactuado pelas partes.

Nesse norte, o TST106 já decidiu:

Não obstante ser inalterável a cominação estipulada na cláusula penal ao arbítrio das partes, permite a legislação pátria a intervenção do juiz para reduzi-la, não permitindo, entretanto, seu aumento. E essa intervenção judicial permitida pela lei, somente poderá ser feita observando-se o princípio da eqüidade, nas hipóteses em que a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo. Esclareceu o Regional que o contrato de seis meses foi cumprido pelo período de cinco meses. Assim, entendo que a eqüidade prevista no dispositivo que embasou a decisão recorrida estaria de fato sendo observada se o valor da cláusula penal fosse dividida em seis (pois esse é o período de meses do contrato rescindido), considerando como valor da multa o número de meses restantes para o término do ajuste. Desse modo, a forma como o Regional entendeu, com efeito, favoreceu ao clube, que foi condenado a pagar um valor muito menor que estipulado na cláusula penal, ficando, portanto, desrespeitada a eqüidade exigida no artigo 413 do CCB. Ante o exposto, conheço do recurso por violação do artigo 413 do CCB. As demais violações apontadas pelo reclamante são impertinentes ao caso dos autos, pois não abordam a questão afeta à possibilidade de redução da cláusula penal, por ato de ofício de juiz. Os paradigmas trazidos ao cotejo também são inservíveis ao fim pretendido, pois ou são oriundos de outros órgãos do Poder Judiciário, que não da Justiça do Trabalho, ou não se mostram específicos com a tese desenvolvida pelo v. acórdão recorrido.

Sobre o sentido da redução do nominado parágrafo, Navía107 ensina:

Regresando al art. 28 da LDB, su parágrafo 4 incorpora um gran acierto de filosofía legislativa al imponer la reducción del valor de

106 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. n. 1490/2002-022-03-40.7/RR, rel. Horácio Senna Pires. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 dez. 2004.

107 NAVÍA. Ricardo Frega. Cláusulas penales en la extinción de trabajo de los deportistas profesionales. Revista Brasileira de Direito Desportivo. p. 40-41.

la cláusula penal pactada, en forma proporcional em relación al tiempo de cumplimiento de la duración del contrato. El razonamiento aplicado es de lógica elemental: a mayor tiempo de cumplimiento contractual, menor será el perjuicio y expectativas frustradas para la entidad deportiva respecto de la previsión hecha al firmar el contrato108.

Por fim, o parágrafo 5º trata da hipótese da cláusula penal na transferência internacional, que aliás é muito utilizada pelo futebol brasileiro.

Nesse caso, a lei não limitou a sanção da respectiva cláusula, desde que esteja expresso no contrato de trabalho.

Segundo Zainaghi109, este parágrafo apresenta um problema, a saber:

O problema que se apresenta com o § 5º do art. 28, reside em que o valor da cláusula penal deve ser estipulado na celebração do contrato, não podendo, evidentemente, ser estipulado após sua rescisão.

Portanto, no silêncio do contrato valerá o limite que constar na cláusula penal geral, ou seja, tanto para transferências internas quanto para o exterior.

Conclui-se, então, que na celebração do contrato de trabalho deverá haver duas cláusulas penais, uma para transferência interna e outra para externa, sob pena de aplicação integral do parágrafo 4º.

Outra questão levantada a respeito do parágrafo 5º, é a incompatibilidade dos institutos da cláusula penal e da transferência, para alguns doutrinadores, norma de caráter inaplicável.

Assim se manifesta Navía110:

108 Tradução: Regressando ao art. 28 da LDB, seu parágrafo 4 incorpora em grande acerto de filosofia legislativa ao impor a redução de valor da cláusula penal pactuada, na forma proporcional em relação ao tempo de cumprimento da duração do contrato. O racionamento aplicado é de lógica elemental: ao maior tempo de cumprimento contratual, menor será o prejuízo e expectativas frustradas para a entidade desportiva a respeito da previsão feita ao firmar o contrato.

109 ZAINAGHI. Domingos Sávio. Nova Legislação Desportiva Aspectos Trabalhistas. p. 15.

(...) Al parecer esto fue lo que intentó el paráfo 5 del art. 28. Pero incurre em um importante error jurídico (...).

Resulta que la figura de la cláusula penal prevista en este art. 28 es completamente incompatible con el instituto jurídico de la transferencia (que recordemos se regula en outra parte de la LDB, en arts. 38 a 40), ya que ella presupone una extinción contractual por mutuo acuerdo.

O se trata de una transferencia, y se requiere como indiqué el consentimiento de las tres partes incolucradas (y por tanto es improcedente la inclusión de una cláusula penal); o se trata de un

“descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral” (aquí sí cobra vida la cláusula penal).

Por esta deficiente redacción, entiendo que la falta de limitación prevista em el art. 28.5 para fijar el monto pactado en la cláusula penal para cuando sea parte como futura contratante una entidad deportiva com domicilio legal en el extranjero, podría ser inaplicable ya que esta norma regula un supuesto imposible (una cláusula penal para una transferencia)111.

A não fixação de um quantum indenizatório da cláusula penal para transferências internacionais acabou, ainda, por gerar duras criticas dos clubes brasileiros, conforme Machado112 justifica:

O texto revogado pela Lei Pelé, que originalmente não contemplava diferença alguma entre as duas situações – transferência interna ou externa -, desencadeou imediata reação contrária entre os clubes brasileiros, porque a não previsão de um quantum indenizatório livremente estabelecido quando se

110 NAVÍA. Ricardo Frega. Cláusulas penales en la extinción de trabajo de los deportistas profesionales. Revista Brasileira de Direito Desportivo. p. 41.

111 Tradução: Ao que parece este foi o que buscou o parágrafo 5º do art. 28. Porém incorre em um importante erro jurídico. Resulta que a figura da cláusula penal prevista neste art. 28 é completamente incompatível com o instituto jurídico da transferência (que recordamos se regula em outra parte da LDB, nos arts. 38 a 40), já que ela pressupõe uma extinção contratual por mútuo acordo. Ou se trata de uma transferência, e se requer como indica o consentimento das três partes envolvidas (e, portanto, é improcedente a inclusão de uma cláusula penal); ou se trata de um “descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral” (aqui se cobra vida à cláusula penal). Por esta deficiente redação, entendo que a falta de limitação prevista no art. 28.5 para fixar o monte pactuado na cláusula penal para quando seja parte futura contratante uma entidade desportiva com domicílio legal no estrangeiro, poderia ser inaplicada já que esta norma regula um suposto impossível (uma cláusula penal para transferência).

112 MACHADO, Jayme Eduardo. O Novo Contrato Desportivo Profissional. p 31.

cogitasse de transferência para o exterior os colocaria inteiramente à mercê da “pirataria” de empresários inescrupulosos, intermediários e todo o gênero e de atravessadores que hoje rondam os vestiários e os gabinetes diretivos dos clubes brasileiros, sem falar na ação direta do poder econômico das mega organizações financeiro-esportivas que atuam nesse mercado em escala mundial.

Por tudo isso, é que queda à jurisprudência pacificar entendimento no concernente a lides relacionadas às transferências internacionais dos atletas de futebol, bem como pela cláusula penal aplicada.

Por fim, ficou faltando delimitar as aplicações e diferenças da cláusula penal e da multa rescisória, matéria esta de dissidência doutrinária.

Assim, será aberto um item para a discussão.

3.1.2 A cláusula penal e a multa rescisória no contrato de trabalho do atleta