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Indicadores de biodiversidade e modelos propostos para uso da terra em AICV

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.5. Indicadores Ambientais

2.5.1. Indicadores de biodiversidade e modelos propostos para uso da terra em AICV

A quantidade de estudos com base na ACV dos biocombustíveis, que consideram a perda da biodiversidade associada à mudança no uso da terra na sua avaliação, é considerada reduzida, além de restringirem-se apenas às análises preliminares. Este fato está diretamente associado à falta de procedimentos metodológicos cientificamente validados para avaliação nesta área do conhecimento, limitando a aplicação da ferramenta ACV como instrumento para a tomada de decisão.

Nesse contexto, os especialistas em ACV têm envidado esforços para a escolha de indicadores possíveis de associar os impactos decorrentes dos processos de uso da terra e a perda de biodiversidade.

Para Mattson (2000), a biodiversidade da forma, como é definida pela UNEP 2002, não pode ser medida diretamente, especialmente se considerarmos a complexidade dos

ecossistemas e a própria diversidade genética. Por este motivo, diferentes abordagens têm sido conduzidas, no sentido de encontrar indicadores que atendam aos objetivos específicos de cada estudo.

Ecologistas afirmam que o termo diversidade de espécies é de difícil definição e mensuração e apontam formas de medi-la, incorporando informações sobre o número (riqueza de espécies) e a abundância relativa de indivíduos em cada espécie (abundância de espécies) (HAMILTON, 2005).

O mesmo autor afirma que a diversidade pode ser medida por meio de índices matemáticos conhecidos como Índices de Diversidade (ID), sendo os mais usuais: o índice de Simpson e o de Shannon-Weaver, ambos calculados a partir das proporções de cada espécie (pi) na amostra total de indivíduos, ou seja, combinando informações sobre a riqueza e a abundância de espécies numa única medida, observando padrões de abundância de espécies, os chamados modelos de abundância.

Cabe salientar que, embora existam medidas mais eficazes do que a riqueza de espécies para mensurar a biodiversidade, há um consenso entre os estudiosos da área sobre a dificuldade de disponibilidade de dados, associados a determinados usos da terra em ecossistemas específicos, principalmente se considerarmos as especificidades de cada espécie e as funções que cada uma desempenha no ecossistema.

Segundo a OECD (2002a), um índice pode ser compreendido como o resultado da agregação de vários indicadores, podendo ser constituído por vários níveis de agregação (OECD, 2002a).

Milà i Canals et. al. (2006) afirma que há pouco consenso sobre os melhores indicadores de uso terra, principalmente devido ao pouco conhecimento acerca do que se quer proteger, incluindo a biodiversidade, os serviços ambientais e o uso econômico dos recursos naturais.

Diversos modelos têm sido propostos para avaliação da categoria uso da terra, levando em consideração, além da perda da biodiversidade, outros componentes ambientais que interferem direta e indiretamente na qualidade da terra.

Os modelos para avaliação qualitativa da terra consideram aspectos referentes à qualidade física e química do solo e, para tanto, analisam a massa do solo erodida, o acúmulo de metais pesados e teor de fósforo e potássio (COWELL; CLIFT, 2000, MILA I CANALS;

ROMANYÀ; COWELL, 2006; MATTSON; CEDERBERG; BLIX, 2000).

Especificamente para avaliar a perda da biodiversidade, inúmeros modelos com potencial para aplicação na ACV têm sido desenvolvidos, com destaque para:

Ruedi Müller-Wenk (1998)

O autor propõe um modelo de uso da terra com base em dados da Suíça, que leva em consideração o percentual de espécies de plantas vasculares ameaçadas de extinção, tomando como base dados históricos do grau de intensidade de uso da terra, se baixo ou alto, além de informações acerca das espécies ameaçadas de extinção.

A partir destes dados, o autor realiza um cálculo da redução na extensão de atividades de alta intensidade, de modo que haja uma redução significativa no percentual de espécies ameaçadas de extinção.

O autor faz um levantamento das espécies de plantas vasculares que existiam em 10 regiões da Suiça, sem mencionar o ano de referência para os dados, sendo que cada espécie é classificada de acordo ao grau de ameaça:

Ex – extintas, E – em perigo, V – vulneráveis, R – espécies raras ou potencialmente vulneráveis e U – não ameaçadas. Através deste levantamento, foi constatado que todas as espécies correm algum risco de desaparecer na Suiça.

Portanto, pode-se elaborar a função de dano, de acordo a intensidade de uso da terra e o grau de ameaça das espécies de plantas vasculares, que do número total de 2696 espécies, 1.815 (67%) não estão sob ameaça de extinção, 223(8%) correspondem às espécies raras ou potencialmente vulneráveis, 579 (22%) espécies mais vulnerávies à extinção e 79 (3%) são consideradas extintas ou em processo de extinção.

Daí, pode-se determinar um percentual atual de espécies de plantas vasculares potencialmente ameaçadas (Sp%threat) por meio da equação [1]:

Para Müller-Wenk (1998) a escolha de plantas vasculares como indicador deve-se ao fato de ser um grupo grande dentro do total de espécies europeias, de modo que possuam certa representatividade de todos os seres vivos.

O autor enfatiza que embora outras categorias de impacto, em especial a acidificação atmosférica, a eutrofização e a ecotoxicidade exerçam influência na perda de espécies e a emissão de gases do efeito estufa comprometa a diversidade de espécies no futuro, não apenas na Europa, mas em todo o mundo, essa perda está diretamente relacionada à mudança no uso da terra.

Erwin Lindeijer (2000)

O autor afirma que a biodiversidade local expressa o valor intrínseco da natureza de uma determinada região. Com base nesta premissa, propõe medir a biodiversidade usando apenas a diversidade de espécies de plantas vasculares como indicador. Segundo o autor, a escolha deste grupo taxonômico deve-se ao fato de possuírem disponibilidade de dados em escala mundial.

Para o autor, a diversidade de espécies pode ser medida em diferentes escalas, devendo ser normalizada em um parâmetro, conforme exemplificado na equação 2.

Smap __ Sref cell = α* LOG (Amap/ Aref cell) [2]

Sendo que Smap representa o mapa da área que os dados foram coletados e Srefcell é um mapa de referência em que cada metro quadrado deverá conter 10 espécies. De acordo com o autor, essa relação permite a comparação de dados de vários sistemas, mas é preciso escolher uma área onde a diversidade de espécies seja elevada, o que permite uma comparação entre a mudança no uso da terra com uma situação, antes e após a intervenção, estabelecendo uma relação de causa e efeito.

Thomas Köllner (2003)

Köllner (2003) estabelece uma relação entre o uso da terra e a qualidade ambiental e, para isso, utiliza como indicadores a diversidade de espécies de plantas vasculares, associada aos diferentes tipos de uso da terra e a um fator de vulnerabilidade do ecossistema.

Köllner (2003) apud por Souza (2010) propõe a modelagem de impactos do uso da terra, segundo a diversidade de espécies. Para tanto, são definidos fatores de caracterização para as escalas local e regional, para 30 tipos de uso da terra e oito diferentes intensidades de uso.

O dano total ao ecossistema, resultante das análises de danos regional e local, é finalmente expresso através da perda da diversidade de espécies de plantas vasculares que

ocorrem em certa região. O autor utiliza o termo “regional species pool” para expressar o conjunto de espécies de uma determinada região.

O modelo tem como base fatores qualitativos dos impactos ao ecossistema no que se refere à perda de espécies e quantitativo, que consiste na quantificação dos impactos de uso de terra na diversidade de espécies em escalas regionais e locais, os quais são, posteriormente, agregados em um fator único (KÖLLNER, 2003).

A

Figura 4 representa um resumo esquemático do modelo de Köllner (2003)

Figura 4. Esquema do modelo de Köllner.

Fonte: Adaptado de Köllner (2003) apud (SOUZA, 2010).

Weidema e Lindeijer (2001)

Fonte de dados Análise de efeitos Análise

danos/benefícios

Validade e análise de incertezas

Escala Local

Escala Regional

Meta-análise dos dados utilizando a relação entre espécies-área

Transformação dos efeitos em danos/benefícios.

Fator de caracteriza ção local (EDPlocal)

Agregação em um fator de caracterização total (EDPtotal)

Estatísticas de áreas na Suiça (BFS 99)

Fator caracterização regional DPregional) Intensidade de

uso do solo

Transformação dos efeitos em danos/benefícios.

Análise de correlação da intensidade de uso

do solo e espécies perdidas Atlas de tipos de

vegetação da Suiça em ameça de

extinção

Avaliação de incertezas com

simulação Monte Carlo

Julgamento qualitativo da

validade e confiabilidade Riqueza de espécies

de plantas de um tipo específico de uso do solo.

Riqueza de espécies de plantas da Suiça

(EDVFlora)

Espécies de plantas potencial/te perdidas

Os autores propõem avaliar a perda de biodiversidade a partir de três fatores: dois deles referem-se às características do ecossistema (vulnerabilidade e escassez) e o terceiro, à riqueza de espécies. A escassez inerente do ecossistema é expressa como o inverso do potencial de área que poderia ser renaturalizada, caso não houvesse nenhuma atividade; a vulnerabilidade do ecossistema é indicada pelo número relativo de espécies afetadas por uma mudança na área do ecossistema, expressa numa relação espécie-área. Aliada a isso, os autores propõem a combinação desses fatores na composição de um indicador adequado de biodiversidade, que inclua aspectos quantitativos e qualitativos.

Os autores afirmam que o fator mais simples para avaliar a biodiversidade é a riqueza de espécies, ou seja, o número de espécies por região. Para normalizar a riqueza de espécies (SR), de modo que o valor da menor pontuação seja a unidade do ecossistema, divide-se pela riqueza de espécies de plantas vasculares mínimas (SRmin), chegando-se à equação [3]:

nSR = SR/SRmin. [3]

A escassez do ecossistema é inversamente proporcional à área, ou seja, quanto menor for a área de um ecossistema mais escasso ele se apresenta. A equação [4] expressa esta relação:

ES = 1/Apot. [4]

Por outro lado, a vulnerabilidade do ecossistema apresenta uma relação direta de proporcionalidade, ou seja, quanto maior for a ocupação de área do ecossistema, mais vulnerável e pressionado ele se apresenta.

Desta forma, os autores consideram que o número de espécies seja um bom indicador para avaliar a biodiversidade de um determinado ecossistema. A vulnerabilidade do ecossistema (EV) indica o número relativo de espécies afetadas por alterações (transformação ou ocupação) no uso da terra, em seu habitat natural, expressos pela curva “espécie x área”

(SCHILLING 2007).

Para se chegar a um índice de biodiversidade, os três fatores são combinados através de uma multiplicação, associando a qualidade da terra com a perda ou o ganho de biodiversidade, expresso na equação [5], resultando num índice que mede a quantidade de espécies que se perde por m2 de área por ano, durante o processo de ocupação.

Qbiodiversity = nSRa * nESb * nEVc [5]

No modelo proposto por Weidema e Lindeijer (2001), seis classes de uso da terra são divididas em três grupos, de acordo com a hipótese de redução de espécies de plantas vasculares. São eles: (i) áreas urbanas e agricultura (culturas temporárias e permanentes); (ii) pastagens com alta e baixa produtividade e áreas desérticas (por ação antrópica); e (iii) áreas em processo de regeneração, após desflorestamento.

Ottar Michelsen (2008)

Propõe avaliar a biodiversidade indiretamente a partir de três fatores: a escassez do ecossistema (ES), vulnerabilidade do ecossistema (EV) (Weidema e Lindeijer, 2001) e as condições da biodiversidade mantida (CMB), sendo a qualidade em um determinado local e tempo, avaliada como um produto desses três fatores, conforme a equação [6]:

Q = ES x EV x CMB [6]

De acordo com o autor, os indicadores sobre escassez e vulnerabilidade dos ecossistemas dão informações sobre o valor intrínseco da biodiversidade de uma área. Por outro lado, o indicador relativo às Condições da Biodiversidade Mantida (CMB) fornece informações sobre as condições atuais do ecossistema, avaliadas segundo a condição da biodiversidade da área, ou seja, intacta ou reduzida.

A CMB é um índice composto por indicadores, conhecidos por serem importantes para se chegar ao índice para as condições da manutenção da biodiversidade. O autor sugere a identificação de fatores-chave (KF) propostos por Larsson (2001).

Dentre 17 fatores-chave (KFi) identificados, apenas três são inicialmente apontados por serem os mais importantes para se avaliar a biodiversidade nas florestas boreais da Europa. São eles: a quantidade de madeira em decomposição; a percentagem de áreas abandonadas e a introdução de espécies de árvores exóticas. Neste sentido, cada fator-chave é analisado de acordo com dois parâmetros, utilizando a seguinte escala de pontuação numérica:

0 = nenhum impacto, 1 = leve impacto, 2 = impacto moderado e 3 = maior impacto.

A metodologia proposta prevê a possibilidade de distinguir o impacto do uso da terra a partir de vários tipos de manejo florestal em diferentes ecorregiões.

Jannick Schmidt (2008)

O indicador, proposto por Schmidt (2008), avalia a diversidade de espécies de plantas vasculares por área ocupada e transformada e pode ser determinado a partir de curvas de

“espécie x área”. Para tanto, o número de espécies afetadas por área padrão, estimada em 100m2 é multiplicado pela duração da ocupação. O cálculo do indicador é realizado por meio da multiplicação dos seguintes fatores: (i) área ocupada; (ii) número de espécies afetadas, em uma área padrão; (iii) vulnerabilidade do ecossistema; e (iv) duração da ocupação e recuperação da terra. É importante observar que a distinção entre espécies raras e em extinção e entre espécies invasoras ou endêmicas não foi indicada. O autor propõe fatores de caracterização segundo diferentes tipos de uso da terra para a Dinamarca, extrapolando os dados para o Norte da Europa, para a Malásia e Indonésia (Sudeste da Ásia). Schmidt (2008) propõe equações que simplificam seu modelo.

A Eq. [7] descreve o cálculo do fator de vulnerabilidade do ecossistema, que assim como em Weidema e Lindeijer (2001) e em Köllner (2000) é derivada do número de espécies, calculada por meio da curva espécie versus área (S= a*Ab), sendo normalizada com o número de espécies da região (SOUZA, 2010).

Na Eq. [7], “b” é o fator de acumulação de espécies para uma área relativa com baixa intensidade de uso da terra (LI). O valor de “b” é de 0,22 para a Dinamarca e 0,23 para Malásia e Indonésia. O fator b/LI representa a vulnerabilidade do Ecossistema e "c” é o parâmetro para riqueza de espécies. Considerando que o modelo proposto lida apenas com usos da terra de baixa intensidade, Schmidt (2008) realizou o cálculo da forma apresentada na Eq. [8], na qual ALI(pp), ALI(f&w) são, respectivamente, a área permanente de pastagens e de florestas com baixa intensidade de uso, e ALI(total) é a área total (alta e baixa intensidade de uso).

O valor de LIcountry calculado para a Dinamarca corresponde a 0,24, enquanto para a Malásia e Indonésia, o valor encontrado foi 0,56. Realizando o cálculo apontado na Eq. [8],

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[8]

foi possível encontrar o fator de vulnerabilidade do ecossistema para a Dinamarca (0,92) e para Malásia e Indonésia (0,41).

Tempos de recuperação

Para o cálculo do tempo de recuperação – trec –, Schmidt (2008) utilizou os valores estimados por Köllner (2003) – trec.K –, para o norte da Europa, tendo-se como referência o fator de relaxamento (trelax) igual a 100, para latitudes 40° e altitudes de 0-1000m. Para o sudeste da Ásia, o autor utilizou o fator de relaxamento como correção (índice 71, para latitude 0° e altitude 0-1000 m), relativamente ao fator europeu.

Fatores de caracterização

Para os fatores de caracterização para ocupação e transformação, Schmidt (2008) utiliza, respectivamente, as Eq. [10] e Eq. [11]. Na Eq. [12], o cálculo do fator de caracterização é realizado por meio da subtração de valores do estado de referência para o relaxamento natural e do uso da terra em questão. S100 representa a diversidade de espécies em uma área padrão de 100m².

Na Eq. [11], trec indica o tempo de recuperação para o uso da terra em questão.

Diversos indicadores têm sido utilizados para mensurar a biodiversidade no campo da ecologia, porém quando se considera as especificidades de cada ecorregião, especialmente os fatores ecológicos e as diferenças climáticas e geofísicas, estas podem se constituir como fatores limitantes ao uso e aplicação destes indicadores.

Embora a inserção da categoria ambiental uso da terra na ACV seja uma discussão recente e metodologicamente complexa, especialmente no que se refere à definição de indicadores para sua quantificação, constitui-se em uma etapa de significativa importância para embasar estudos que forneçam parâmetros seguros aos tomadores de decisão na

[9]

[10]

[11]

formulação de políticas públicas, considerando aspectos ecológicos e ambientais relevantes para a produção de bicombustíveis (ANTÓN et al., 2002).

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