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88 4 MEDIAÇÃO PARENTAL E ATITUDE CRÍTICA

A partir de nossas pesquisas exploratórias e do aprofundamento na literatura específica sobre o tema do uso de celulares por crianças, definimos, de antemão, duas macrocategorias para guiar a elaboração do questionário online e também das perguntas que conduziriam as conversas individuais: tipo de uso, para entender o que a criança faz com o dispositivo, e tempo de uso. Como o objetivo deste trabalho é colher e analisar as estratégias da formação da CCI das crianças no uso do dispositivo, outra categoria fez-se imprescindível: estratégias de mediação parental.

As mediações, aprendemos por meio das conversas, baseiam-se diretamente na avaliação que os responsáveis fazem sobre as oportunidades e os riscos do ambiente digital, conforme discutido no capítulo 2. À medida que procedíamos com a análise das respostas dos questionários, bem como das entrevistas individuais, outras subcategorias foram surgindo, baseados nestes tópicos, de forma a melhor organizar todo o extenso material. Nesse sentido, cabe destacar as atitudes críticas que queremos fomentar nas crianças, por meio do desenvolvimento da competência crítica em informação. “Atitudes”

porque, como vimos afirmando nesta dissertação, a CCI une a reflexão, através da conscientização crítica, à práxis. Assim, as três atitudes relevantes para a criança no uso do celular e que culminam na atitude crítica são: de uso seguro, de uso ético, de uso saudável. Elas serão explicadas ao longo deste capítulo.

No capítulo anterior demonstramos os principais tipos de uso que as crianças fazem do celular. No próximo, nos debruçaremos sobre o tempo de uso, que tanto inquieta pais e mães. Agora, passaremos a tratar de como os responsáveis observam as oportunidades e riscos do uso do celular por seus filhos e filhas. Neste momento, apresentaremos os relatos obtidos por meio das respostas abertas dos questionários, bem como as narrativas mais aprofundadas relatadas nas entrevistas individuais.

89 razão da pandemia que ainda nos assola, está a comunicação, a possibilidade de “trazer para perto os amigos, os avós, a escola”, “interagir durante a reclusão”, “diminuir a solidão de ser filho único” estão entre as respostas. Nas entrevistas individuais, três mães também citaram como oportunidades o fato de as conversas com a pesquisadora serem possíveis pela mediação tecnológica: “este benefício está aqui, estamos em conexão, em diálogo”.

É interessante observar nos relatos das entrevistas individuais o fato de que muitas crianças passaram a usar o celular para isso apenas depois da pandemia. O dispositivo, em muitos casos, era prioritariamente usado para entretenimento (jogos, streaming) e para se comunicar apenas com os responsáveis, tanto no caso de crianças com pais separados, quanto no caso da locomoção da criança da casa para a escola, ou para a casa dos amigos.

É curioso observar que, só a partir da pandemia, alguns passaram a usar com frequência o celular para ligações telefônicas.

Nesse caso, claro, elas usam os recursos mais modernos: chamadas de vídeo para amigos e fazem uso massivo do WhastApp para troca de mensagens. “Achei boa essa coisa de eles aprenderem a se virar com os grupos de WhatsApp. Eles mesmos vão bloqueando, desbloqueando, se estapeando, criando suas regras”, conta J.L., mãe da H., de 9. Outra mãe revela que precisou ensinar o filho a se comunicar por meio do aplicativo, já que há muitas possibilidades de a comunicação não ser bem entendida por quem está do outro lado da tela.

Alguns responsáveis também mencionaram a relevância de fomentar neles as habilidades instrumentais/técnicas, o que demonstra a importância que estes pais dão à tecnologia como parte do mundo contemporâneo e à necessidade de introduzir a educação tecnológica no rol de atividades fundamentais para que a criança seja capaz de lidar com essas ferramentas: “desenvolvimento das habilidades tecnológicas”, “domínio de plataformas”, “manter-se atualizado com os dispositivos disponíveis”, “se auto incluir na vida digital” e “ser digitalmente independente e saber manejar dispositivos sem necessidade de ajuda” são algumas das oportunidades mencionadas por estes responsáveis.

Um moleque de oito anos pega o celular e pergunta: ‘Google o que é não sei o quê?’ Isso é bárbaro. (...) Essa semana eu vi o H. fazer uma coisa que eu fiquei orgulhoso. Ele queria aprender a dar um drible, no [jogo] Fifa. Achou o tutorial, botou os vídeos, ficou assistindo, depois treinou e quando a gente foi jogar e ele conseguiu fazer. Todo o processo foi demais: pesquisou, baixou, treinou, teve perseverança e

90 conseguiu. Foi magnífico, ainda mais pra uma criança de 8 anos. (F.C., pai do H., 8).

Tem um aplicativo de fãs clubes, o Vine, no qual eles montam vídeos, edições de fotos, vão fazendo efeitos. Aí montam perfis no Instagram que são só para colocar essas edições de vídeos, que vão viralizando.

E são muito bonitas as imagens. Ela com 11 anos já sabe mexer num programa de edição de imagens, sabe procurar tutorial no YouTube e vai se aprimorando. (P.G., mãe da J., 11).

Nas respostas também encontramos relatos que, em alguma medida, podem ser categorizados como estímulo a atitudes críticas no uso da tecnologia. Para estes pais, o uso do dispositivo pode gerar competências que vão auxiliar a criança a entender, por si só, as oportunidades, levando-a a ter autonomia para usar em benefício próprio os recursos oferecidos pelo dispositivo, como destacamos abaixo algumas respostas abertas do questionário digital.

Eu vejo como uma maneira de ela aprender coisas novas e se entreter sozinha nas suas horas vagas. Fico satisfeita em ver que ela está cada dia mais familiarizada com o uso do aparelho em si, e que ela não se sente intimidada pela tecnologia.

A interação com as comunidades de interesse comum e fãs (Harry Potter, IT) levam ao desenvolvimento de habilidades artísticas com aplicativos de edição de imagem e desenho, além do desenvolvimento de autonomia no mundo digital.

É o mundo de hoje e ela deve aprender a observar o que ele traz de benefício ou não.

A educação foi outro tema recorrente, desta vez na avaliação do grupo de entrevistados individualmente. Além do “uso facilitado à plataforma da escola”, “o acesso a milhares e milhares de livros”, “acesso ao noticiário de jornais e informações sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo” aparecem ao lado das oportunidades de usar o smartphone para atividades extracurriculares, como “curso de desenho”, “aula de violão”, “acesso aos vídeos educativos para complementar ou tirar dúvidas sobre o que aprende na escola”. O respeito à necessidade de entretenimento é relatado por todos os pais. Jogar online, assistir aos filmes e ouvir as músicas que interessa às crianças fazem parte da cultura digital e da infância contemporânea.

Por outro lado, alguns responsáveis têm grande dificuldade de vislumbrar os pontos positivos do uso da tecnologia e parecem deixar a criança usar o dispositivo apenas porque se renderam à pressão da criança ou de parentes. Declarações como: “não vejo

91 nenhum ponto positivo, mas o pai permite”, “odeio que use celular”, “chupeta virtual”,

“perda de tempo, deveria ler um livro” estiveram presentes nos questionários. Há também aqueles que reduzem o potencial positivo a “apenas entretenimento” ou “apenas para socializar durante a pandemia”, algo usado “só para gastar o tempo”.

Por fim, também encontramos nos relatos declarações dos pais que atribuem o uso do celular a algo em benefício próprio (para o adulto), relegando como maiores oportunidades o “entretenimento para a criança em programas de adultos”, como é possível observar em restaurantes e bares da cidade, bem como permitir tempo para os afazeres de casa: “deixar a mãe fazer o jantar, enquanto conversa com alguns amigos e avós”, “deixar a mãe estudar”, “deixar a mãe cuidar de bebê”.

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