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Noites brancas de "Luchino Visconti" : uma tradução cinematográfica: Noites brancas de Luchino Visconti

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Academic year: 2017

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Ana Luiza Cavalcanti Carneiro

UMA TRADUÇÃO CINEMATOGRÁFICA:

Noites Brancas de Luchino Visconti

Belo Horizonte

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Ana Luiza Cavalcanti Carneiro

UMA TRADUÇÃO CINEMATOGRÁFICA:

Noites Brancas de Luchino Visconti

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Artes.

Área de concentração: Arte e Tecnologia da Imagem Linha de pesquisa: Criação e Crítica da Imagem em Movimento

Orientador: Prof. Dr. Luiz Nazário

Belo Horizonte

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Agradecimentos

A meu marido RICARDO,

amoroso carinho eterno.

A meu PAI e à minha MÃE,

que me ensinaram o que é o amor.

Aos meus amados irmãos, PEDRO, DUDU, JO e JU,

queridos ao meu lado, sempre.

A toda minha FAMÍLIA,

pelos momentos de união e sabedoria.

Aos meus SOGRINHOS, NEIDE e CHICO,

tão queridos e presentes.

Ao NAZARIO,

pela constante e detalhista orientação.

Aos queridos PROFESSORES DA FALE,

que me ensinaram a viver com amor aos livros.

Aos queridos PROFESSORES DE CINEMA DA EBA,

que me ensinaram a amar ainda mais o cinema.

A todos os COLEGAS DE MESTRADO e à ZINA,

amigos de caminhada.

À CAPES, pela bolsa de pesquisa.

À MALU, MARI, MAÍRA, CAMILA, JORDANA, E A TODOS

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Onde começa o filme e termina a literatura?

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Lista de imagens

FIGURAS (FRAMES CAPTURADOS DO DVD DO FILME NOITES BRANCAS):

Figura 1: Inquilino e Natália se abraçam: desvenda relação escusa entre os personagens.

Figura 2: Mário e Natália dançam ao som de uma lenta música: seus lábios quase se tocam.

Figura 3: Triângulo amoroso: Mário, Natália e prostituta.

Figura 4: Natália conta a Mário como conheceu o Inquilino: mesmo espaço cenográfico do plano seguinte.

Figura 5: Natália vê o Inquilino pela primeira vez: mesmo espaço cenográfico do plano anterior.

Figura 6: Inquilino despede-se de Natália: refere-se ao flashback da moça.

Figura 7: Natália conta para Mário sobre sua despedida com o Inquilino. Atualização da cena anterior, Mário ocupa o lugar do Inquilino.

Figura 8: Triângulo amoroso, Natália, Inquilino e Mário.

Figura 9: Mário caminha solitário pela Livorno reconstruída. Plano geral em plongeé. Figura 10: Na segunda noite, Natália foge de Mário. Reflexo do casal nas densas águas do canal que corta o quadro.

Figura 11: Natália no quarto do Inquilino. Sua imagem está quadruplicada.

Figura 12: Natália espera o Inquilino. As letras em neon estão invertidas, como se estivessem sendo vistas de um espelho.

Figura 13: Natália começa a contar suas lembranças a Mário. Contraste entre a parte nova e a parte velha da cidade.

Figura 14: No bar dançante, todos observam o dançarino (Dick Sanders) que se apresenta.

Figura 15: Prostituta ao meio da Praça de Livorno. Neblina feita com véus de tule, técnica advinda do teatro.

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CROQUIS (RETIRADOS DO LIVRO LE NOTTI BIANCHE DE LUCHINO

VISCONTI, DE RENZO RENZI)1:

Croqui 1: Montagem de traquitana para criar efeito de céu. Croqui 2: Planta baixa – seqüência do início da segunda noite. Croqui 3:Planta baixa – seqüência final da segunda noite.

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Resumo

O presente estudo investiga as soluções encontradas nos processos da tradução da

literatura para o cinema efetuados por Luchino Visconti e seus colaboradores no filme

Noites Brancas (Le Notti Bianche, Itália, 1957), através da aproximação entre o conto

homônimo de Fiódor Dostoievski, o roteiro de Luchino Visconti e Suso Cecchi

d’Amico e o longa-metragem realizado, com o intuito de realizar uma leitura das dobras

entre as artes que se influenciaram. Noites Brancas é uma livre leitura para o cinema do

conto de Dostoievski por Visconti, na qual são alterados consideravelmente muitos

elementos do primeiro texto, como o país, a língua e o peso dos personagens. Seguimos

um percurso ondulante entre as obras, tomando como foco principal o filme de Visconti.

O fio condutor dos caminhos não se restringe às comparações que buscam semelhanças

e diferenças entre os textos, mas visa, sobretudo, uma pontuação rica de sentidos, em

que prevalecem os níveis simbólico, criativo, inspirador, mutante e transformador do

conto ao roteiro e ao filme.

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Riassunto

Questo studio cerca le soluzione trovate per Luchino Visconti ed i suoi collaboratori nei

proccessi di traduzione dalla literatura al cinema nel film Le Notti Bianche (1957),

attraverso l'aproccio tra il racconto omonimo di Fiodor Dostoievski, la sceneggiatura di

Luchino Visconti e Suso Cecchi d'Amico, e il lungometraggio, con la fine di dare

un'altra interpretazione alle pieghe tra le arte, che lavorono insieme. Le Notti Bianche è

una lettura libera dal cinema del racconto di Dostoievski fatta per Visconti ed i suoi

colaboratori, nella quale vediamo la trasformazione di tantissimi aspetti del testo, come

il paese, la lingua ed l'importanza dei personaggi. Andiamo per un percorso ondulante

tra le opere, ma il principale fuoco è sul film di Visconti.

Il filo condutore del lavoro non è costretto ai paragoni che cercano similitudine ed

differenze tra i testi, però busca, sopratutto, frammenti pieni di sensi, nei quali

rimangono i livelli simbolico, creativo, ispirato, mutante ed trasformatore del racconto

alla sceneggiatura ed al film.

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Abstract

The present study it investigates the solutions found in the processes of the translation

of literature for the cinema effected by Luchino Visconti and its collaborators in the

film White Nights, (Le Notti Bianche, Italy, 1957), through the approach enters the

story homonym of Fiodor Dostoievski, the script of Luchino Visconti and Suso Cecchi

d’ Amico and the lengthy carried through, with intention to carry through a reading of

the folds between the arts that had influenced. White Nights it’s a free reading for the

cinema of the story of Dostoievski for Visconti, in which they are modified

considerably many elements of the first text, as the country, the language and the weight

of the personages. We follow a undulant between the work, taking as main focus in the

film of Visconti. The conducting wire of the ways does not restrict the comparisons that

search similarities and differences between the texts, but aims, over all, a rich

punctuation of directions, where the levels prevail symbolic, creative, inspired, mutant

and transforming of the story to the script and the film.

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Resumen

El presente estudio tiene como objetivo la investigación de las soluciones encontradas

en los procesos de traducción de la literatura para el cine, efectuada por Luchino

Visconti y sus colaboradores en el film Noches Blancas (Le Notti Bianche, Italia, 1957),

a través del acercamiento entre el cuento homónimo de Fiódor Dostoievski, el guión de

Luchino Visconti y Suso Cecchi d’Amico y el largometraje realizado, con el intuito de

realizar una lectura de las doblas entre las artes que se influenciaran. Noches Blancas es

una libre lectura para el cine del conto de Dostoievski por Visconti, en que se cambian

considerablemente varios elementos del texto primero, como el país, la lengua, el peso

de los personajes. Seguimos un ondeante trayecto entre las obras, tomando como

principal enfoque, el film viscontiano. El hilo conductor de los caminos no se restringe

comparaciones que buscan semejanzas o diferencias entre los textos, pero, sobretodo,

visa una puntuación rica de sentidos, en que prevalezcan los niveles simbólicos,

creativo, inspirador, cambiante del cuento al guión y al film.

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...13

1. ANOITECER: O OLHAR VISCONTIANO ...18 1.1. Traduções viscontianas

1.2. A história contada em Noites Brancas

1.3. Noites Brancas, um “filme menor”?

2. PRIMEIRA NOITE: O SUJEITO SONHADOR ...38 2.1. Do Romantismo ao melodrama decadentista

2.2. Subjetividades de um sonhador romântico

2.3. Fragmentos de um discurso amoroso

3. SEGUNDA NOITE: NO TEMPO-ESPAÇO CINEMATOGRÁFICO ...64 3.1. Na cadência das horas

3.2. Água e espelhos

3.3. Antítese espacial

3.4. Circularidade narrativa

4. TERCEIRA NOITE: VÁRIAS ARTES E MUITAS VOZES ...85 4.1. Articulação literatura e cinema

4.2. Espetáculo “total” viscontiano

5. AMANHECER ...100 5.1. Conclusão

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INTRODUÇÃO

A noite terminou e não completei minha história,

mas como posso culpar a noite por isso?

Jean-Claude Carrière

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira,

de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

Carlos Drummond de Andrade

A tradução da literatura para o cinema pode gerar a criação de uma nova obra

artística. Um texto literário pode ser a alavanca para a concepção de um roteiro

cinematográfico, que, por sua vez, servirá de guia à produção de um filme. A

experiência de leitura, formada pelas vivências de cada um, gera sensações e imagens

visuais originadas dos efeitos do ato de ler. A partir de então, constrói-se um roteiro

capaz de viabilizar a transformação dos elementos abstratos da escrita em visualizações

da imagem-som, que serão novamente transpostos para realização da obra

cinematográfica. Nas intercessões entre as obras estão os processos de tradução dos

diferentes meios, em que a aproximação entre estas artes acontece de forma particular.

As impressões obtidas na ação de leitura, tanto do texto literário como do roteiro, são

subjetivamente adaptadas para criar o som e as imagens em movimento na arte

cinematográfica. Neste sentido, a literatura e o cinema têm uma proximidade em relação

a seus modelos, que se baseiam em fatos escritos. Assim, a obra literária e o roteiro são

como escrituras a serem transformadas em imagens e sons. E o roteiro seria o

instrumento que se estabelece na fronteira de transmutação entre as dobras de uma

estrutura a outra.

Novas idéias surgem a cada momento de junção, através de inesgotáveis

espelhamentos, em que as substâncias refletidas de um texto se desdobram em

diferentes formas da nova criação. A modificação de um texto literário, na transposição

para o cinema, é algo intrínseco ao processo de tradução cinematográfica, pois, ademais

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adaptações, aglutinações de elementos simbólicos, narrativos e estilísticos próprios de

cada arte. Algumas expressões abstratas da literatura serão traduzidas a frases que

descrevem ações no roteiro, assim como cenas propostas no roteiro serão recriadas, por

meio de técnicas e estudos de fotografia, figurino, cenografia, mise-en-scène, trilha

sonora e montagem, na transposição para as telas. Gera-se o diálogo entre as dicções,

em várias dimensões de experimentação dos sentidos que não se fecham, mas suscitam,

cada vez mais, um mútuo intercâmbio.

A relação entre as expressões artísticas é permeada por uma riqueza de

contribuições em que todas se nutrem dos processos de interação, não se trancando em

um universo confinado, mas abrindo-se de seus próprios confins para decifrar outros

caminhos onde não se pode prosseguir solitário. Literatura e cinema são duas artes que

cada vez mais se influenciam. São artes capazes de contar histórias, cada qual com

peculiaridades inerentes de sua narrativa, unindo elementos com a função dramática de

trazer emoções e sentimentos.

Expressão dos sentimentos é o que transmite também a singular filmografia de

Luchino Visconti, a qual se exibe, em sua maior parte, na constituição de roteiros

originados de grandes obras literárias, num percurso fortalecido a cada nova produção.

Poucos filmes do diretor não foram diretamente guiados por um texto específico; ainda

assim, pode-se dizer que foram inspirados em um conjunto literário. O diálogo

estabelecido entre literatura e cinema, nas narrativas viscontianas, é uma forma de

criação rica e plural na arte cinematográfica. Não só a literatura, mas a ópera, a dança, o

teatro e o cinema fizeram parte do universo plural viscontiano, em que todas as artes se

mesclam na profusão de um espetáculo total.

União de várias artes é o filme Noites Brancas (Le notti bianche, 1957), uma

tradução do conto homônimo do escritor russo Fiódor Dostoievski2. Livre leitura de

2

(15)

Visconti para o cinema, em que são alterados consideravelmente muitos elementos do

primeiro texto, como o país, a língua e o peso dos personagens. Visconti não foi fiel a

toda narrativa do conto, mas não traiu sua atmosfera, que pode ser recriada em um outro

lugar, numa outra época. Constitui um passo fundamental no sentido do aprimoramento

do projeto estético do cineasta, voltado para as adaptações, num processo de constante

aprendizado e invenção na transposição de escrituras verbais para o cinema. O filme

Noites Brancas, é uma história de amor que rompe, na Itália do fim dos anos de 1950,

com o neo-realismo cinematográfico ali então dominante, sem deixar de refletir a

realidade através da ficção, tomando como alicerce as vozes de muitas artes para

construir sua narrativa rica, universal e atemporal.

Neste trabalho buscamos as soluções encontradas por Luchino Visconti nos

processos de tradução da literatura para o cinema na elaboração do filme Noites

Brancas. Com este objetivo, aproximamos o conto homônimo de Fiódor Dostoievski, o

roteiro, de Visconti e Suso Cecchi d’Amico e o longa-metragem com o intuito de

realizar uma leitura das dobras entre as artes que se influenciaram. Seguiu-se um

percurso ondulante entre as obras, tomando como foco principal o filme de Visconti. O

fio condutor dos caminhos não se restringe às comparações que buscam semelhanças e

diferenças entre os textos, mas visa, sobretudo, uma pontuação rica de sentidos, em que

prevalecem os níveis simbólico, criativo, inspirador, mutante e transformador do conto

ao roteiro e ao filme.

A escolha dos nomes dos capítulos alude poeticamente à estrutura do filme,

dividido em três noites e um amanhecer. No primeiro capítulo, intitulado Anoitecer: o

olhar viscontiano, começamos a adentrar no universo do diretor. No subcapítulo

Traduções viscontianas é apresentado um panorama da filmografia viscontiana calcada

nas traduções cinematográficas de obras literárias. Subseqüentemente, em A história

contada em Noites Brancas, expomos o enredo do filme, no qual são trazidos os

personagens e os acontecimentos principais, em linhas gerais. Em Noites Brancas, um

“filme menor”?, discute-se a avaliação crítica da obra, à época de sua estréia, que

assinalou o trabalho viscontiano como um “filme menor”.

O segundo capítulo, intitulado Primeira Noite: O sujeito sonhador inicia-se com

o subcapítulo Do romantismo ao melodrama decadentista, definindo o conto de

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da estética decadentista, corrente literária e artística que ocorre no final do século XIX

designando por uma inclinação estética marcada pelo subjetivismo, movimento

reberverado do romantismo. Em seguida, o subcapítulo Subjetividades de um sonhador

romântico pontua as ações do sujeito sonhador, percorrendo seu trajeto do romantismo

ao decadentismo, ilustrando suas principais características existenciais. Finalmente, em

Fragmentos de um discurso amoroso, seguindo a estrutura seqüencial do conto literário,

que remete ao roteiro e ao filme, apontam-se as figuras do discurso amoroso, tal como

descritas por Roland Barthes, presentes ao longo da narrativa: a solidão, as nuvens, o

encontro, o choro, a ausência, a espera, a lembrança, a literatura do enamorado, a carta,

o despertar, a cena, dentre outras, em que se buscaram os sentidos das figuras na

transposição do texto para o filme.

No terceiro capítulo, Segunda Noite: No tempo-espaço cinematográfico,

testemunhamos como a tradução das memórias do sonhador, do texto literário para o

roteiro e para o filme, reflete-se na construção cinematográfica da dimensão temporal e

do espaço cênico. A tensão entre a dimensão temporal, delimitada pela marcação

cronológica das horas e a construção espacial, percebida na tortuosidade cênica,

demonstram uma ambigüidade do sujeito, através do encadeamento tempo-espaço. Este

encadeamento suscita em Noites Brancas o movimento circular da narrativa. O capítulo

está subdividido em: Na cadência das horas, Água e espelhos, Antítese espacial e

Circularidade narrativa, elementos que compõem o tempo-espaço da narrativa

cinematográfica.

Em Terceira Noite: várias artes e muitas vozes, observamos como o filme de

Visconti é marcado pela multiplicidade de vozes e consciências, assim como o conto de

Dostoievski, que lançam mão de outras artes para a construção de suas narrativas.

Articulação literatura e cinema é o primeiro subcapítulo, em que se abordou a questão

comparativa entre tradução literatura e cinema, nomeadamente de Noites Brancas. Em

Espetáculo “total” viscontiano, foi observado como as diversas artes interagem para a

confecção de uma obra plural e rica.

Finalmente, em Amanhecer, revisamos os caminhos da pesquisa, assim como

foram recuperadas as descobertas das análises. Na corrente estabelecida entre os textos

literários e fílmicos – o conto, o roteiro e o filme –, inserimos um olhar que pretende

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de uma leitura detalhista. Desdobramentos que não esgotam uma obra, que continuará

instigando novas possibilidades de interpretações através dos reflexos iluminadores das

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1. ANOITECER: ATRAVÉS DO OLHAR VISCONTIANO

Noite. Todo estado que suscita no sujeito a metáfora da

obscuridade (afetiva, intelectual, existencial) na qual ele se

debate ou se apazigua.

Roland Barthes

1.1. Traduções viscontianas

Luchino Visconti nasceu em 2 de novembro de 1906, em Milão. Filho de

Giuseppe Visconti, duque de Modrone, e de Carla Erba, proprietária e herdeira de uma

célebre empresa farmacêutica. Luchino tinha mais seis irmãos. Desde criança

freqüentou o teatro La Scala, de que sua família foi sócio-fundadora. Visconti

interessou-se desde cedo pela música, pelo teatro e pela literatura; leu os clássicos e

aprendeu violoncelo. Aos quatorze anos já tinha lido todas as peças de Shakespeare. Em

1926, foi alistado como soldado, suboficial de cavalaria, e apaixonou-se por cavalos,

sua dedicação após o serviço militar. O milanês viajava com freqüência e, numa de suas

excursões a Paris, conheceu Coco Chanel, que se tornou sua grande amiga. A estilista o

apresentou ao diretor Jean Renoir, de quem se tornou segundo assistente de direção em

Une Partie de Campagne (1936), experiência que despertou seu interesse pelo cinema.

Os contatos com o ambiente artístico francês, próximo à Frente Popular e ao Partido

Comunista, tornaram-se uma escolha ideológica fundamental do diretor italiano. Após a

morte da mãe, ocorrida em 1939, Visconti mudou-se de Milão para Roma, onde passou

a freqüentar os jovens artistas da capital que se reuniam ao redor da revista Cinema.

Nessa ocasião, trabalhou novamente com Jean Renoir em La Tosca (1941). Mas Renoir

teve que deixar a Itália, devido à guerra, e seu assistente Carl Koch assumiu a direção

do filme, no qual Visconti trabalhou também como assistente de direção.

Entre 1942 e 1943, o diretor rodou seu primeiro longa-metragem Obsessão

(Ossessione, 1943), adaptação do conto O carteiro sempre toca duas vezes (The

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precursor do neo-realismo cinematográfico italiano que explode nas telas após a guerra.

O filme mostra a desesperança e a miséria da vida italiana às margens do Vale do rio

Pó. Narra a história de uma mulher casada que se apaixona por um forasteiro e os dois

tramam a morte do marido dela. Visconti ressalta uma Itália habitada pela miséria e

desocupação, onde a paixão e a morte são os elos da trama. Assistindo à história de

Giovanna (Clara Calamai) que planeja com o amante Gino (Massino Girotti) o

assassinato do marido, o público acompanhava passo a passo a destruição de um lar,

numa crítica ferrenha ao símbolo fascista da sagrada instituição familiar. A adaptação

não autorizada, enriquecida com a temática social do desemprego e da ausência de

perspectivas, contava com muitas locações externas, rompendo com os cânones da

estética fascista. A censura barrou o filme, condenando sua “visão pessimista” da Itália

sob o fascismo.

O neo-realismo cinematográfico não foi um milagre do pós-guerra, mas um

movimento plural nascido da conjuntura histórica, social, econômica, cultural e

artística. Diversas técnicas e tendências confluem e culminam neste movimento da

primeira metade do século XX caracterizado, também, por uma adesão às críticas da

atualidade. Utilizando a paisagem italiana natural, o emprego dos dialetos, questões

documentais com atores nem sempre profissionais para retratar a crônica do dia-a-dia e

o sentimento dos humildes, o neo-realismo pretende, antes de qualquer coisa, contar a

história das pessoas de seu país, sob vários olhares, numa ruptura estética com o cinema

de Mussolini, criticando o passado de guerra e o fascismo. Todas estas influências

reunem-se em um cinema intenso, em cenários naturais, unindo o documental e a ficção

para mostrar a sociedade daquela época. O movimento se desenvolveu ao redor de um

círculo de críticos cinematográficos que se agrupavam em torno da revista italiana

Cinema, dentre os integrantes podemos citar Michelangelo Antonioni, Luchino

Visconti, Gianni Puccini, Giuseppe de Santis e Pietro Ingrao. Longe de abordar temas

políticos, os críticos atacavam os filmes que dominavam a indústria da época. Os

neo-realistas foram fortemente influenciados pelo realismo poético francês, pois tanto

Antonioni como Visconti trabalharam como colaboradores de Jean Renoir. Os filmes

dessa geração refletem principalmente a situação econômica e moral da Itália no

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estúdios da Cinecittà, que haviam sido o centro da produção cinematográfica desde

1936, estavam ocupados por muitos desabrigados devido às penúrias da guerra.

O termo “neo-realismo” nasceu com Obsessão (Ossessione, 1942), filme

realizado ainda sob o fascismo. “Foi quando de Ferrara enviei a Roma os primeiros

trechos do filme para meu montador, que é Mario Serandrei. Após alguns dias ele

escreveu para mim aprovando aquelas cenas.” E acrescentava: “Não sei como eu

poderia definir esse tipo de cinema se não como o apelido de neo-realístico”3; conta Visconti sobre a expressão que posteriormente foi batizada por Umberto Bárbaro.

Apesar das primeiras definições do movimento neo-realista nascerem com Obsessão, o

marco do movimento é Roma cidade aberta (Roma città aperta, 1945), de Roberto

Rosselini, rodado no momento de libertação da cidade, quando católicos e comunistas

unem-se ideologicamente na Resistência antifascista,

Paralelamente às tendências caligráficas e documentais, desenvolveu-se a corrente batizada, em 1942, de neo-realismo, por Umberto Bárbaro. Suas teorias tinham sido elaboradas por los colaboradores antifascistas da revista Cinema. Giuseppe de Santis, o mais combativo dentre tais críticos, reivindicava, em relação clandestina com a Resistência, a criação de um cinema italiano realista, popular e nacional. Luchino Visconti, teve de Santis como assistente, em

Obsessão, livremente inspirado em O carteiro sempre chama duas

vezes, de James Cain. A censura tinha proibido adaptar o grande romancista verista Verga. Visconti tinha sido formado por Jean Renoir. Em Obsessão, camisas negras e telefones brancos foram expulsos das telas pela realidade italiana, suas ruas, suas multidões, suas festas, seus dramas, sua vida cotidiana. Aparecia um novo estilo que se repetia, mas superava as conquistas francesas antes da guerra. Fundada sobre uma supressão criminal, a ação não continha incidências sociais diretas, mas seu conformismo foi capaz de proibi-la depois de algumas apresentações. Fato que impediu que a primeira obra mestra neo-realista exercesse uma influencia direta sobre o cinema italiano. 4

Durante a guerra, o diretor milanês ajudava o Partido Comunista, permitindo que

seu palácio fosse utilizado como centro do comando secreto. Visconti participava

ativamente dos grupos de resistência comunista e acabou preso e quase foi fuzilado.

Após a libertação de Roma, Visconti realizou o documentário Dias de Glória (Giorni di

gloria, 1945), em que registrou a execução do chefe de polícia italiana, Pietro Caruso,

3

VALENTINETTI, Luchino Visconti: um diretor de outro mundo, p. 32

4

(21)

que o havia condenado à morte. No imediato pós-guerra, Visconti afastou-se um pouco

dos projetos de cinema por motivos econômicos e dedicou-se à direção teatral,

produzindo muitas peças, com seu perfeccionismo técnico. O Partido Comunista

encomendou-lhe então uma série de três filmes sobre pescadores, mineiros e

camponeses da Sicília, no sul da Itália, numa abordagem sobre a luta de classes. Mas

somente o primeiro, A terra treme (La Terra Trema - Episodio del maré, 1948) foi

realizado. O filme conta a história de um pescador, Ntoni Valastro (Antonio

Arcidiacono), cansado de ser explorado na venda dos peixes e convida todos os outros

iguais a se rebelarem. Com roteiro não totalmente preestabelecido, os diálogos em

dialeto local, o filme conta com atores que são verdadeiros pescadores de Aci Trezza,

para ressaltar as questões políticas e sociais. Livremente inspirado em Malavoglia,

novela do escritor Giovanni Verga, representante da corrente literária do verismo. O

filme foi realizado com poucos recursos técnicos e quase sem pré-produção. No outono

1948, foi apresentado sem sucesso em Veneza, despertando críticas contraditórias.

Belíssima (Bellissima, 1953), terceiro filme do diretor, foi baseado num livro de

Cesare Zavattini, expoente roteirista de filmes neo-realistas da época. A produção

representa, também, o momento do período neo-realista do pós-guerra do cinema

italiano. O filme retrata os perigos de uma fama passageira nos fantásticos estúdios da

Cinecittà, fábrica de ilusões e desilusões. Neste melodrama burlesco, uma mãe,

Maddalena Cecconi (Anna Magnani) coloca a filha Maria (Tina Apicella) em um

concurso de cinema para que ela se torne uma estrela mirim. Apesar da narrativa não

possuir todas as características do movimento, pois a história encaminha-se para o

espetáculo total e para o melodrama, próprios do universo viscontiano. Anna Magnani

novamente atua em Nós, as mulheres (Siamo donne, 1953), episódio traduzido também

de um conto de Zavattini em que as atrizes interpretam a si próprias em ocasiões

cotidianas.

Quarto longa-metragem de Luchino Visconti e seu primeiro em cores, Sedução

da Carne (Senso, 1954), uma adaptação do conto de Camillo Boito, escritor e arquiteto

italiano do final do século XIX. Com grandes alterações na transposição para o cinema,

foi o primeiro filme considerado como afastamento do neo-realismo, uma homenagem a

Verdi e uma revisão crítica do Risorgimento, movimento de unificação da península

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condessa veneziana Lívia Serpieri (Alida Valli) com o oficial austríaco desertor Franz

Mahler (Farley Granger). A fraqueza da carne, a paixão devoradora e o desejo de

vingança ultrapassam os limites da política, da ética e da razão.

Mas é com Noites Brancas que essa ruptura ficou mais evidente, ainda que

alguns críticos considerem Rocco e seus irmãos (Rocco e i suoi Fratelli, 1960) um

retorno de Visconti às problemáticas do neo-realismo. Noites brancas conquista o Leão

de Prata no Festival de Cinema de Veneza. Tradução cinematográfica do lírico conto de

Dostoievski, o filme é totalmente reconstruído em estúdio e traz, com o melodrama

fabuloso, outras artes para ilustrar o psiquismo do caminhante sonhador numa atmosfera

onírica e poética.

Rocco e seus irmãos (Rocco e i suoi fratelli, 1960) conta a saga de uma viúva,

Rosaria Parondi (Katina Paxinou) e seus cinco filhos, Rocco (Alain Delon), Simone

(Renato Salvatori) Vincenzo (Spiros Focás), Ciro (Max Cartier) e Luca (Rocco

Vidolazzi), que saem da Lucania, na Sicília, para viver em Milão, uma grande cidade

industrial, em busca de novas oportunidades de trabalho. Cada um tenta seguir o seu

caminho, mas a degradação da família é contaminada por valores e costumes de uma

sociedade agressiva e rude. Inspirado em obras literárias, o filme une influências de

Thomas Mann, que recontou a história de José, filho de Jacó, em José e seus irmãos; e

de Dostoievski, em que as características do personagem principal, Rocco,

aproximam-se das inocências do príncipe Mishkin de O Idiota, do escritor russo.

Ao abordar a temática do trabalho, Visconti dedica o episódio O trabalho (Il

lavoro) contido no filme Boccaccio ‘70, de 1962, realizado também pelos diretores

Vittorio De Sica, Federico Fellini, Mario Monicelli. O curto filme, livremente baseado

num texto do escritor e poeta francês Guy Maupassant, denominado Na borda da cama

(Au bord du lit, 1883), narra a história de Pupe (Romy Schneider) uma mulher que, após

a traição do marido com prostitutas, resolve também cobrar por suas relações sexuais,

ato consentido por seu marido. A brincadeira torna-se uma mercificação do erotismo

como exemplificação do casamento burguês. Para Visconti, funciona também como

crítica à família de sua primeira namorada, a austríaca Pupe. A família da moça havia

rejeitado o namoro com Visconti, pois ele não era um modelo de homem com sucesso

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Reverenciado pela crítica, O Leopardo (Il gattopardo, 1963), tradução fílmica

do romance homônimo de Tomasi di Lampedusa, importante escritor italiano, foi

vencedora da Palma de Ouro do Festival de Cannes, no mesmo ano de sua estréia. O

filme narra o enlace entre a aristocracia e a burguesia, metaforizados pelos personagens,

Príncipe de Salina Don Fabrizio (Burt Lancaster), que casa seu filho Tancredi (Alain

Delon) com a filha de um latifundiário burguês, Angélica (Cláudia Cardinale). A

palavra italiana gattopardo pode ser uma alusão ao felino selvagem, que foi

impetuosamente caçado na Itália até sua extinção, em meados do século 19,

precisamente o mesmo momento em que Don Fabrizio assistia o declínio da aristocracia

siciliana.

Vagas estrelas da Ursa (Vaghe stelle dell’Orsa, 1965), substancialmente

inspirado na Oréstia, de Ésquilo, faz referência ao mito de Electra, personagem da

mitologia grega. O termo complexo de Electra é, na psicanálise, a correspondência

feminina ao complexo de Édipo, que assinala o desejo da filha pelo pai. Vencedor do

Leão de Ouro do Festival de Veneza, o filme conta a história de Sandra (Cláudia

Cardinale) que retorna a Volterra, cidade onde passou sua infância com o marido

Andrew (Michael Craig). Ela deseja uma homenagem ao pai, que morreu quando ela era

criança.

Compondo o filme As bruxas (Le streghe, de 1967), Visconti produziu o

episódio de 37 minutos A bruxa queimada viva (La strega bruciata viva), do escritor e

roteirista Zavattini. Com a diva Silvana Magnano no papel de uma atriz que passa mal

no meio da comemoração social do casamento de uma amiga, deixando à mostra rede

de cabelo, cinta íntima e tensores para disfarçar rugas. Metonímias que assinalam uma

crítica à diva e à lógica burguesa da “boa aparência”.

Também em 1967, estréia O estrangeiro (Lo straniero, 1967), inspirado no título

homônimo de Albert Camus, em que não impera tanto o melodrama viscontiano. O

diretor foi pressionado pela viúva de Camus a uma fiel adaptação do texto literário,

além de ser intercedido a usar Mastroianni, ao invés de Alain Delon, fatos que fazem

com que Visconti afirme que o filme tornou-se uma ilustração da novela:

(24)

previsão que existe na novela eu, depois, a teria realizado cinematograficamente. O estrangeiro agora é a ilustração de um livro e não tem minha verdadeira participação assim como nos meus outros filmes, também no sentido de uma interpretação da realidade. 5

Nos anos seguintes, o diretor realiza a chamada trilogia alemã composta por três

filmes passados na Alemanha. Os deuses malditos (La caduta degli dei, 1969) narra a

saga de uma família de industriais do aço, na qual cada um de seus membros não mede

esforços para alcançar o poder. O homicídio, a manipulação, o incesto, a mentira são

exemplos de crimes que ficam sem justiça neste contexto. Shakespeare, Dostoievski,

Sartre foram algumas influências de Visconti, além dos livros de história sobre o

‘Terceiro Reich’, como a obra de William L. Shirer.

Com Morte em Veneza (Morte a Venezia, 1971) o máximo da beleza é expresso

na tradução fílmica da novela de Thomas Mann. O compositor alemão Gustave

Aschenbach (Dirk Bogarde) viaja à Veneza para repousar. Hospedado no Hotel Des

Bains, o músico é fortemente atraído pelo belo adolescente sueco Tadzio (Bjorn

Andresen), em férias com a família. O escritor alemão apresenta, neste texto, uma

escrita complexa cheia de abstrações e simbolismo, com enredo praticamente

inexistente. O filme pode ser considerado uma obra prima, no que se refere às

adaptações literárias para o cinema e ponto máximo na filmografia de Visconti, que

consegue, na transposição, expressar toda singularidade de uma obra que trata do olhar,

através do uso das lentas panorâmicas e do zoom pontual, com atuação refinada dos

atores que foram escolhidos para representação.

O terceiro componente da trilogia é Ludwig (Ludwig, 1972), que trata de um

épico sobre o rei louco da Baviera, diretamente relacionado à biografia do rei que

construiu lendários castelos na Europa e era mecenas do compositor Richard Wagner,

apresentado por Visconti neste deslumbrante universo monumental. Durante as

filmagens, o diretor sofre um acidente vascular cerebral que paralisa suas pernas.

Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno, 1974) é uma tradução

intimista de Enrico Medioli. Uma história sobre um solitário professor aposentado (Burt

Lancaster) que coleciona obras de arte. Ao alugar o andar superior para estranhos

Inquilinos, uma marquesa (Silvana Mangano) e sua filha (Claudia Marsani) com o

5

(25)

namorado (Helmut Berger), eles modificam sua rotina com atitudes vulgares e

incomodas, transformando a monótona vida do egoísta professor num caos. O filme

inspirou-se também no estilo de vida do famoso crítico de arte e escritor Mario Praz.

O último filme do diretor, O inocente (L’innocente, 1976), inicia-se com as mãos

de Visconti folheando as páginas do livro do escritor decadentista Gabriele

D’Annunzio, no qual se baseou. Na história de amor e traição, o casal Tullio Hermil

(Giancarlo Giannini) e Giuliana (Laura Antonelli) mantêm relações com seus amantes.

Entretanto, a relação se complica quando a moça engravida-se. Tullio não aceita o filho

bastardo e pede para que ela aborte. Mas ela não aceita e, ao final, o marido mata o bebê

e se suicida. Visconti não participou da montagem do filme, pois neste meio tempo

falecera em Roma, no dia 17 de março de 1976.

A filmografia viscontiana é composta por dezesseis longas-metragens, dois

curtas-metragens, um dos quais integra o filme em episódios Boccaccio’70 (1962), que

conta com outros diretores italianos: Vittorio De Sica, Federico Fellini, Mario

Monicelli; um documentário, Dias de Glória; e um making-of do casting para a busca

do personagem Tadzio para o filme Morte em Veneza: Em busca de Tadzio (Alla

ricerca di Tadzio, 1970). O cruzamento entre literatura e cinema demarca a trajetória do

percurso filmográfico do diretor milanês, em que a maior parte de seus filmes é

composta por roteiros adaptados. Poucos de seus filmes não operam uma tradução

cinematográfica de um texto literário, como Belíssima; o episódio Anna Magnani, do

filme Nós as mulheres; A bruxa queimada viva, do filme As bruxas; e ainda Os deuses

malditos e Ludwig, ainda que este esteja diretamente relacionado à biografia de Ludwig

da Baviera, entre outras influências. Contando com roteiristas como Gianni Puccini,

Suso Cecchi d’Amico, Enrico Medioli, Nicola Badalucco, Cesare Zavattini, o diretor

transpõe da literatura para o cinema não contos e novelas “pulp”, como geralmente

ocorre no cinema, mas obras famosas de grandes escritores, correndo grandes ricos, mas

(26)

1.2. A história contada em Noites Brancas

Da literatura para o cinema, Noites Brancas narra a história de Mário (Marcello

Mastroianni), um jovem solitário que se mudara para a cidade a pouco, transferido por

causa de seu trabalho. Numa noite escura e vazia, após o passeio com a família de seu

chefe, ele caminha pelas ruelas e pontes da cidade e procura alguma companhia, mas as

portas se fecham e as luzes se apagam. Segue e tenta chamar a atenção de um cachorro

vira-lata que também se afugenta. Ao avistar uma ponte sobre o canal, encontra a jovem

Natália (Maria Schell) chorando debruçada no parapeito. Tenta aproximar-se da garota,

mas ela se afasta do desconhecido. Alguns rapazes dirigindo motocicletas a atazanam,

mas Mário a ajuda afastando os importunos. Ele insiste em acompanhá-la até sua casa e

a moça concorda. Na porta de casa, ela promete encontrá-lo na noite seguinte, às dez

horas da noite. Mal ele se afasta, a mocinha volta sozinha à ponte onde estava.

Na manhã seguinte, um ruidoso despertador toca insistentemente no quarto da

pensão onde Mário vive. O cômodo é pequeno e desorganizado. A dona da pensão

Aurora acorda-o enquanto leva-lhe o café. Está atrasado para o trabalho, mas não se

importa; está feliz com o novo encontro marcado. Manda inclusive preparar seu terno

para a noite esperada.

Já é noite. Pouco antes das dez horas, Mário toma um café em um bar da cidade

e espera o horário do seu encontro. De dentro do bar, vê Natália sair correndo, fugindo

dele. A moça esconde-se no galinheiro de um cortiço, mas ele a encontra. Ela lhe pede

perdão e conta-lhe sua história. Relata que seus pais foram embora de casa deixando-a

com sua avó quase cega, que com medo de que ela também fosse embora, prendia sua

saia à dela com um alfinete. Conta que sua família é estrangeira, de origem eslava, seu

avô era comerciante de tapetes, mas depois de sua morte a família perdeu tudo e passou

a consertar os tapetes de outras pessoas. Para ajudar nas despesas da família, sua avó

costumava alugar um dos quartos de sua casa. Um ano atrás, ao ver um belo homem

(Jean Marais) ser aceito como novo Inquilino da avó, ela se sentiu fortemente atraída

por ele. Certo dia, ela sobe até seu quarto, mexe em suas coisas e lê os livros que

estavam em sua penteadeira. O Inquilino chega e a moça se assusta. Ele dá os livros

para ela e a convida para um passeio, mas ela não aceita. Nos dias seguintes, a netinha

(27)

Inquilino bate à porta da sala que estavam e convida as mulheres para assistirem uma

apresentação da ópera O Barbeiro de Sevilha. Durante o espetáculo, sentados no balcão,

os dois se abraçam apaixonados.

Na manhã que se segue, através de sua avó, Natália soube que ele desistira do

aluguel do quarto e estaria indo embora. Desesperada, ela o procura para confessar-lhe

seu amor. Na ocasião, ele lhe diz que não tinha condições de esposá-la por ter grandes

problemas a resolver, mas que voltaria para encontrar-se com ela, exatamente um ano

depois, na ponte onde os dois se conheceram.

Mário não acredita na história da moça e pensa como ela é ingênua. Ele estranha

que ela não saiba nenhum detalhe da vida do Inquilino, para onde o mesmo viajou e,

principalmente, o fato dele não ter dado qualquer notícia por tanto tempo. Uma forte

chuva começa a cair na cidade. O casal corre para debaixo da marquise de um edifício e

Natália diz que não está louca e que o tão esperado homem voltou à cidade, mas não a

procurou ainda.

A chuva cessa e uma densa neblina invade o ambiente. Ambos sentam-se a uma

mesa de madeira e Mário sugere que ela lhe mande uma carta, marcando um encontro, a

fim de decidirem sobre sua situação. Eles escrevem cuidadosamente a carta de amor,

escolhendo as palavras certas. Ele aceita ser o portador da carta. A mocinha o agradece

e vai embora. Entretanto, de posse da mesma, ele a rasga e joga nas águas do rio. Uma

prostituta (Clara Calamai) que roda a cidade observa-o.

No dia seguinte, Mário acorda insatisfeito e triste com sua situação. O dia está

frio e chuvoso. Ele está resfriado e resolve que este caso não é seu problema e que nesta

noite irá divertir-se. À noite, na rua movimentada, distrai-se com vendedores

ambulantes, mocinhas bem vestidas e música. Ele encontra-se com Natália, mas

esconde-se dela. Entretanto, a moça o aborda e ambos decidem ir a um bar dançante.

Ela diz que gosta dele quase tanto quanto do Inquilino. O par dança ao som de um rock

n’ roll dos anos de 1950 e assiste a apresentação de um dançarino que inova nos passos.

Uma música lenta começa a tocar e o casal baila abraçado, suas bocas quase se tocam.

Uma mulher grita da janela para seu filho chamar seu pai, que já se passava da

meia-noite. Desesperada, Natália sai correndo do bar, mas é alcançada pelo idealista, ocasião

em que lhe diz que, enquanto os dois continuarem a se encontrar, o Inquilino não se

(28)

prostituta que o difama, pois ele não aceita ficar junto da cortesã. Ele se limpa numa

torneira e surge a moça, dizendo que o Inquilino não havia aparecido. Ele então,

confessa que não entregou a carta ao desconhecido, por amá-la. Ela se mostra contente

pela decisão que ele tomara evitando que viesse a sofrer algum tipo de constrangimento.

Eles entram num barco e, debaixo de uma ponte, abraçam-se. O personagem principal

diz que gostaria que ela dormisse a acordasse somente no dia em que fosse feliz, como

nas fábulas. Começa a nevar. E o casal festeja com alegria. Eles brincam na neve e o ele

diz que a moça que ele ama será sua esposa toda vestida de branco, como a neve que

caíra sobre a mulher. Mas ao caminhar por uma rua da cidade, ela avista de longe um

homem parado na ponte. - É ele, diz. E corre ao seu encontro. Minutos depois, volta até

Mário, a quem diz que se enganou ao acreditar, por um momento, que os dois poderiam

ser felizes. Ele a agradece pelos momentos de felicidade que ela lhe proporcionou. Ela

pede-lhe perdão e afirma que lhe será infinitamente grata, despede-se e volta para os

braços do Inquilino. As campanas dos sinos anunciam a chegada do dia e a claridade já

invadiu as ruas refletindo na branca neve. Mário novamente caminha solitário pela

cidade acompanhado pelo cão vira-lata. Ele retoma sua solidão.

1.3. Noites Brancas, um filme “menor”?

O filme Noites Brancas, na época de sua estréia, foi considerado um filme

“menor” em relação à filmografia de Visconti, visto como um parêntesis no percurso do

desenvolvimento temático de seu trabalho, opinião proferida por vários especialistas

viscontianos. Formalismo e estetismo são as acusações que atravessam, aliás, toda a

obra do diretor. Essa intercalação está contida em um período entre 1953 e 1963, em

que o tema dos filmes se refere à Itália monárquica e republicana, que abarca momentos

históricos tópicos, como as lutas do Risorgimento e a emigração dos camponeses para

as áreas metropolitanas, temas retratados ao estilo do melodrama, uma visão de mundo

viscontiana, simultaneamente aristocrática e popular.

Noites Brancas foi criticado em sua estréia por tratar-se de um filme

“passadista”, pois romântico e intimista. Nas palavras de Giullio Cesare Castello, “a

(29)

romantismo exacerbado, que se adapta mal à época moderna e que fazia mais sentido no

final do século XIX.”6 O livro homônimo, publicado em 1848, foi escrito quando Dostoievski estava envolvido na conspiração que quase o levou ao fuzilamento,

comutado à hora em que estava para ser executado. Existem críticos desta novela que

vêem nas confidências do sonhador à sua namorada alusões veladas à atividade

revolucionária do escritor. Por outro lado, revisto em 2003 pelo crítico Lino Miccichè,

este afirmou que, “num momento em que as ideologias começam a ruir, em que a noção

de utopia parece condenada pela história, Noites Brancas é o único filme que vence a

utopia. Aparentemente neo-intimista, mas que diz ser possível pelo menos em nível

individual a utopia em 1957.”7 Esteticamente diverso aos preceitos do neo-realismo cinematográfico italiano, por tratar-se de um filme de estúdio, intimista e fabuloso, o

filme Noites Brancas não deixa de mostrar a realidade miserável daquela época.

Mendigos, prostitutas, uma burguesia medíocre, aparecem como personagens que

compõem uma cidade em ruínas. Não é seu intento transmitir uma impressão de

realidade, mas este simulacro imaginário termina por refletir, de alguma forma, a

própria realidade e as relações humanas. As referências, citações e alusões a outras artes

nunca são utilizadas de forma gratuita ou exibicionista, mas com o propósito de

acentuar os recursos cinematográficos. É no seu poder narrativo ficcional que reside a

originalidade da obra cinematográfica, este conjunto de vozes, de colaborações de

várias artes, que ecoam a idéia da realidade de cada um, mas que finalmente se reúnem

para formar uma única realidade, desdobrada em múltiplas facetas.

Noites Brancas é uma adaptação livre, lúdica e fantasiosa, ao estilo

melodramático, de uma lírica novela de Fiódor Dostoievski. Aproximando-se do

Romantismo, o conto foi escrito quando o autor era ainda muito jovem e começava a se

acercar de um mundo poético que anunciava um percurso grandioso. O filme destaca-se

até certo ponto das temáticas da trajetória viscontiana. Porém, apesar deste afastamento

do movimento neo-realista, mantém-se coerente com a filmografia do diretor, calcada

em traduções da literatura para o cinema, no melodrama como espetáculo total e na arte

decadentista como estética de realização. Integram a filmografia viscontiana neste

6

VISCONTI, Noites Brancas, DVD Coleção Versátil.

7

(30)

período, além de Noites Brancas, os filmes: Sedução da Carne, Rocco e seus irmãos, O

trabalho, episódio do filme Boccaccio ‘70 e o Leopardo.

Num momento de crise produtiva do cinema italiano, era necessário realizar um

filme de baixo custo, mas diziam que Visconti não conseguia rodar um longa-metragem

em menos de seis meses e com altos gastos. Então, o crítico de cinema Emilio Cecchi,

pai de Suso Cecchi d’Amico, sugere a Luchino Visconti a adaptação do conto

homônimo de Dostoievski, história que poderia ser contada com simplicidade. Com um

projeto de produção independente, numa tentativa de afastar da realização os

intermediários entre o capital e o trabalho, reuniram-se Visconti, a roteirista Cecchi

d’Amico, Marcello Mastroianni, o protagonista do filme e o produtor Franco Cristaldi,

para a realização do filme no estúdio número 5 da Cinecittà. O filme custou 400

milhões de liras, um valor na verdade bem alto, ainda que o prazo de realização tenha

sido cumprido. Pelas próprias palavras do diretor, nota-se o anseio por um novo

momento em seu caminho de realizações:

Realizei Noites Brancas porque estou convencido de seguir um caminho diferente daquele que o cinema italiano está hoje percorrendo. Pareceu-me que o neo-realismo se tornou nesses últimos tempos um código transformado em condenação. Com Noites

Brancas, eu quis demonstrar que alguns limites eram superáveis, sem,

com isso, negar nada. O meu último filme foi realizado todo em ‘teatro de posa’, em um bairro reconstruído que lembra Livorno, mas sem demasiada fidelidade. Também com a cenografia quis alcançar não uma atmosfera do imaginário, mas uma realidade diferente, reelaborada. Ou seja, eu quis destacar nitidamente a realidade documentada, precisa, propondo-me a uma clara ruptura com o caráter habitual do cinema italiano de hoje.8

Desde o início, a atuação de Luchino Visconti como diretor de cinema gera

muitas polêmicas. Dentre as questões, destacam-se a contradição entre suas

manifestações neo-realistas e decadentistas, que se acentua a cada novo filme, e o

conflito entre a marca aristocrática pontuada em sua expressão artística e sua posição

política, como comunista.

Renzo Renzi publica em 1957 a compilação Le notti bianche di Luchino

Visconti, pela editora Capelli, que traz em seu interior tópicos como uma aproximação

entre o universo viscontiano e dostoievskiano, o próprio conto do autor russo, o roteiro

8

(31)

cinematográfico num tratamento anterior às filmagens, ademais de várias informações a

respeito da cenografia, figurino, maquiagem, fotografia, montagem, direção de atores,

produção, dentre outros ricos apontamentos sobre as filmagens. A edição, ilustrada com

fotogramas e permeado por depoimentos dos técnicos e artistas, é um importante

material crítico e informativo. Com igual entusiasmo, o autor relata, na publicação

Visconti segreto, sua visita ao set de filmagem da produção:

O bairro da cidade, que deveria ser Livorno, reconstruído por dentro, é ainda lá, na memória, no teatro 5 de Cinecittà, com o canal, as águas oleosas, o mofo crescido sobre as pedras verdadeiras, como uma zona submersa por uma inundação, que agora apodrece na sombra. Para entrar ali, quando Visconti filmava, era necessário não somente vestir o sobretudo, por causa da umidade excessiva, mas também superar um impedimento quase invencível. O diretor, de fato, tinha imposto uma disciplina de ferro, útil para criar tranqüilidade, pontualidade, recolhimento. 9

O palco construído no estúdio de Roma para abrigar esta história de amor foi

constantemente visitado por várias personalidades, dentre elas, Sophia Loren, Alida

Valli, Jonh Wayne e Vittorio De Sica, que vinham assistir ao espetáculo que estava

sendo preparado e que seria premiado com Leão de Prata no Festival de Veneza de

1957. Renzo acompanhou de perto a produção de Noites Brancas e pode publicar uma

edição do roteiro cinematográfico juntamente com outros elementos.

Guido Aristarco, roteirista e crítico cinematográfico, fundador da revista Cinema

Nuovo, é, segundo o próprio Visconti, o crítico mais autorizado a ler corretamente sua

produção por ser considerado pelo diretor como “o mais viscontiano dos meus críticos”,

segundo descrito na tese de doutorado de Mauro Porru. Contudo, Aristarco afirma que

Noites Brancas é um parêntesis na filmografia do diretor, indispensável para que

descarregue e se livre das “taras e escórias” do neo-realismo.

Mauro Porru, estudioso viscontiano, propõe uma leitura atenta à obra do diretor,

ressaltando sua especificidade definida como “poliédrica e polígrafa, próprias da

estética decadentista”10. Sua tese de doutorado, intitulada Luchino Visconti: o intérprete do estetismo decadente, traz, sobretudo, uma revisão crítica sobre o Decadentismo, o

olhar da crítica e biografemas no corpus viscontiano. Sobre as críticas, o autor expõe:

9

RENZI, Visconti segreto, 1994.

10

(32)

As opiniões redutoras e equivocadas a respeito da obra viscontiana, muitas vezes, derivam da pluralidade das temáticas abordadas pelo intelectual milanês. São freqüentes os casos em que pesquisadores são induzidos a privilegiar estradas que se distanciam do decadentismo, negligenciando assim uma componente, que julgamos fundamental em todo seu processo criativo. A situação de descrédito que por muitos anos impediu uma abordagem séria dessa estética, talvez, possa justificar esse descaso por parte da própria crítica italiana. Tal equívoco também se repetirá no cenário da crítica estrangeira, quando o aspecto político e social prevalece sobre os demais elementos estruturantes da obra viscontiana.11

Lino Micciché, historiador e crítico cinematográfico, considerado hoje um dos

mais conceituados especialista viscontiano, acompanhou de perto as realizações do

diretor e publicou livros e artigos dedicados, como os livros Visconti e il neorealismo,

de 1990, e Luchino Visconti un profilo critico, de 1996. O autor concorda com muitos

críticos que consideram o filme como uma obra “menor”, por apartar-se do

compromisso ideológico dos seus primeiros filmes. Conquanto reconhece, nesta

produção, peculiaridades de grande interesse,

Le notti Bianche não apenas não sonha – como pode parecer – uma

linha involutiva passivamente adequada à retirada generalizada de todo o cinema italiano daquela temporada crítica, mas apresenta mais de um motivo de interesse. E – além da refinada elegância da escritura fílmica, da maravilhosa cenografia que foi construída em interni e também os falsos esterni, da excelente fotografia em que muitas vezes o diretor pediu ao diretor de fotografia um verdadeiro roteiro da luz, do ótimo nível das duas interpretações principais (Maria Schell e Marcello Mastroianni) e de algumas seqüências filmadas (e musicadas) de modo fascinante e de grande sugestão rítmica, como aquela, um pouco longa e recontada em dois ou três tempos, da dança – é só até certo ponto um filme menor.12

Ademais, o crítico ressalta como ponto forte dois temas. Primeiro, a introdução

na Itália do estilo Kammerspiel, como uma representação teatral alemã, utilizado

também no episódio O trabalho, do filme Boccaccio ‘70, em parte em Vagas estrelas

da Ursa e em Violência e Paixão. Segundo, o fato de que o filme seria o único do

cinema italiano, naquela época, em que a utopia vencia, mesmo que somente para

11

PORRU, Luchino Visconti: o intérprete do estetismo decadente, p.39

12

(33)

Natália, que realiza seu sonho com a chegada vista como impossível por Mário, o

protagonista da história.

Laurence Schifano, crítica francesa, escreveu a biografia Luchino Visconti: o

fogo da paixão (1987), contemplada com o prêmio de biografia da Academia Francesa,

na qual, detalhadamente, nos conta acerca da vida e obra de Visconti desde as origens

de sua família, descrevendo o ambiente luxuoso e seguindo sua trajetória com ricas

particularidades sobre as circunstâncias de suas realizações. A autora põe o relevo,

especialmente, na infância adolescência do diretor, que marcariam as obras do “conde

vermelho”. Sobre Noites Brancas, Schifano examina as questões autobiográficas

pertencentes ao universo viscontiano, foco que enfatiza a consonância pertinente à

realização do filme com o desenvolvimento artístico completo da obra viscontiana,

Todas as estratificações de sua vida e de seu passado estão ali: dos longínquos prazeres rossinianos, da oficina de bordadeiras de Cernobbio ao presente – os jovens transviados na sala de um café gosmento; e também a época de Obsessão, e ainda a dos anos parisienses – Jean Marais, o estilo à Cocteau de certas seqüências -, e a própria lembrança da noiva austríaca à qual Maria Schell tentará, com bastante inabilidade, dar de novo vida...13

A autora define Noites Brancas como uma “estranha câmara de ecos”, na qual se

confluem elementos diversos em citações e pastiches de outras artes para criar um filme

de gosto refinadíssimo, em que o diretor não hesitava em selecionar quilômetros de tule

para envolver o cenário e criar a falsa neve, nem hesitava em escolher os mais caros

tecidos. Nesta biografia, através de depoimentos e pesquisas, a autora dá voz às

testemunhas para alcançar o perfil minucioso do homem que imprimiu sua marca na

história da arte do século XX.

A crítica francesa, Suzanne Liandrat-Guigues, em seu livro Luchino Visconti

(1997), discorre sobre a heterogeneidade das referências culturais viscontianas e

pondera sobre as incompreensões enfrentadas por Visconti acerca de sua produção

como um todo. A autora explana como o diretor apresenta a tradição artística como

alguém que abre uma nova via de expressão cinematográfica. Sobre Noites Brancas, é

grifada a importância do filme e muitas páginas dedicadas à sua análise:

13

(34)

Noites Brancas obra tão deliberadamente desenvolta e tão sutilmente

desencantada, suscitou certa perplexidade. Foi considerada algumas vezes como um erro de trajetória, outras como um produto de um conjunto de decisões econômicas. (Senso foi um filme muito caro e era necessário realizar outro com orçamento mais baixo). Essas limitações explicavam tudo. Mas eram nefastas para compreender uma criação decididamente viscontiana, que muito ao contrário, o mundo tudo se satisfez em louvar e reconhecer Rocco e seus irmãos. 14

Em outubro de 1957, ano em que estréia Noites Brancas, o cineasta e crítico

francês Eric Rohmer publicou um artigo na revista Cahiers du cinéma sobre o filme de

Visconti. O autor elaborou uma metáfora sobre o processo de adaptação fílmica como

semelhante ao trabalho de um virtuoso instrumentista,

Talvez seja conveniente considerar essa adaptação como um concerto tocado por um músico virtuoso com um instrumento outro que aquele para o qual foi previamente escrito. E este filme, de fato, comporta uma cadência muito longa na qual Visconti envolve o tema inicial de tamanhos ornamentos, que ele faz aparecer novos motivos, e que lhe são pessoais.15

Cláudio M. Valentinetti em seu recente estudo Luchino Visconti: um diretor de

outro mundo (2006) revisa criticamente toda produção cinematográfica do diretor,

apresentando informações sobre os filmes e citações de entrevistas concedidas por

Visconti. Em sua análise de Noites Brancas ressalta o espírito polêmico do filme contra

a posição de estagnação de produção do cinema italiano pós-neo-realismo,

O filme ganha em Veneza o ‘Leão de Prata’, mas isso não ofusca o quanto Noites brancas esteja dominado pela ambigüidade entre presente e passado, entre velho e novo, entre realidade e memória. Ambigüidade que exprime um mal-estar da pessoa de Visconti, que, porém, reflete a sociedade; um mal-estar político, ideológico, criativo, existencial, que o imaginário dele (sucessivamente mais caracterizado e definido) não resolve.16

O crítico e cineasta Glauber Rocha, nos ensaios publicados em O século do

cinema, profere sua opinião acerca da dinâmica visual do diretor: “A sua marcação do

tempo, o seu sistema de também marcar as cenas, a sua visão que se confunde no

14

LIANDRAT-GUIGUES, Luchino Visconti, p.9

15

ROMER, Les nuits blanches. Cahiers du cinema, N°75

16

(35)

pictórico, a sua extrema funcionalidade psicológica são as células desse cinema, que é,

sem dúvida, um caminho de vanguarda num tempo exausto.”17 Dessa forma, o cinema viscontiano conseguiria alcançar um novo universo em várias dimensões,

(...) jogando com múltiplos e difíceis elementos, não investindo em domínios mais ousados como a problemática temporal na técnica expositiva, mas buscando um verdadeiro tempo real na sua temática de solidão – in Ossessione, Senso e Notti Bianche – logra elaborar um universo particular, conjuga num corpo total o aristocrata, o comunista, o homossexual, fazendo, também, um cinema de densidade existencial e, mais, de especulação e conhecimento de tais fenômenos. Colocando-se no centro de uma polêmica universal, consegue – pela sua própria força, sem nenhuma intencionalidade – corporificar a sua existência numa expressão concreta de forma indiscutível. Tal equilíbrio o isola como artista consumado.18

“Funcionalidade psicológica através dos planos longos, da lente zoom, dos leves

movimentos de panorâmicas, por meio de um ponto de vista pictórico, dramatizados

pelos atores ícones”, são os pontos que Glauber Rocha destaca para definir o cinema de

Visconti como idealista, num cinema antropomórfico, conforme a figura do homem no

mundo cenográfico das pulsações inconscientes.

Para o crítico e historiador de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, o filme Noites

Brancas seria uma ruptura na carreira de Visconti, de caráter admirável, ainda que não

acrescente muito à obra do diretor. Entretanto, seria de cabal importância para o cinema

italiano, profere o autor em Infidelidades de Visconti, ensaio dedicado ao filme em

questão, que “(...) a fórmula não foi feliz para Luchino Visconti, mas nada permite

afirmar que deva no futuro, necessariamente, impedir os lampejos criadores deste ou de

outros cineastas.”19. O crítico ainda discorre sobre a atuação da atriz austríaca Maria Schell no papel da personagem Natália: observa que o diretor foi levado a intensificar a

ação fisionômica da intérprete com vários planos próximos, obtendo uma atuação

pormenorizada da jovem atriz, talvez mesmo em excesso. Esta teria sido a razão,

inclusive, de no Brasil o filme ter recebido o estranho título de Um rosto na noite.

Francisco Luiz de Almeida Salles, ensaísta cinematográfico brasileiro, no texto

Vagas estrelas, de Visconti, aborda a questão da variação na filmografia do diretor e

17

ROCHA, O século do cinema, p.158

18

ROCHA, O século do cinema, p.161

19

Imagem

Figura  1:  Inquilino  e  Natália  se  abraçam:  desvenda  relação  escusa  entre  os  personagens
Figura  2:  Mário  e  Natália  dançam  ao  som  de  uma  lenta  música:  seus  lábios  quase  se  tocam
Figura 3: Triângulo amoroso: Mário, Natália e prostituta.
Figura  4:  Natália  conta  a  Mário  como  conheceu  o  Inquilino:  mesmo  espaço  cenográfico do plano seguinte
+7

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