• Nenhum resultado encontrado

"Meu avô era tropeiro!" : identidade, patrimônio e materialidades na construção da

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share ""Meu avô era tropeiro!" : identidade, patrimônio e materialidades na construção da"

Copied!
264
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM HI STÓRI A

“ Meu avô era tropeiro!” : identidade, patrim ônio e m aterialidades

na construção da Terra do Tropeirism o – Bom Jesus ( RS)

ADRI ANA FRAGA DA SI LVA

(2)

“ Meu avô era tropeiro!” : identidade, patrim ônio e m aterialidades

na construção da Terra do Tropeirism o – Bom Jesus ( RS)

Tese de dout oram ent o apresentada com o requisit o parcial e últim o à obt enção do grau de Dout or no Program a de Pós- Graduação em Hist ória, área de Concent ração: Hist ória das Sociedades I béricas e Am ericanas. Orient ador: Dr. Arno Alvarez Kern

(3)

+ . /(

! %0 1 2 ' " /

3 4 1 *53& (

6 3 1 2 789

(

: * /( 0 ( ; < (

.( 1 2 ( +( ! " & = " 1 2 (

>( ! ( ?( * ( ( 3 (

(4)

Adriana Fraga da Silva

“ Meu avô era tropeiro!” : identidade, patrim ônio e m aterialidades

na construção da Terra do Tropeirism o – Bom Jesus ( RS)

Tese de dout oram ent o apresent ada com o requisito parcial e últ im o à obt enção do grau de Dout or no Program a de Pós- Graduação em Hist ória, área de

Concent ração: Hist ória das Sociedades I béricas e Am ericanas.

Aprovada em : 14 de Janeiro de 2010

Banca exam inadora:

___________________________________________________ Dr. Arno Alvarez Kern ( orient ador) – PUCRS

___________________________________________________ Dra. Beat riz V. Thiesen – FURG

___________________________________________________ Dr. Klaus C. P. Hilbert – PUCRS

___________________________________________________ Dra. Véra Lucia Maciel Barroso – FAPA

(5)
(6)

AGRADECI MEN TOS

A elaboração de um a t ese é um t rabalho que exige m om ent os de concent ração e de t em porários afast am ent os de pessoas que gost am os de reencontrar cot idianam ent e. Cont udo, nesse m om ento de criação não ficam os de todo isolados. Sem pre contam os com e- m ails e ligações de am igos, colegas e

fam iliares. Enfim , pessoas que sem pre nos dão aquele “ em purrão” nas horas em que m ais precisam os de incentivos e forças. A t odos os que procuraram , à sua m aneira, aj udar, m esm o que na com preensão de m eu dist anciam ent o: m uit o obrigada!

Agradeço, em especial, à m inha fam ília. À m inha m ãe pela com preensão das ausências nos alm oços de final de sem ana. Agora prom et o est ar present e em t odos os m om entos da fam ília. Ao Sérgio, agradeço pelas m uit as palavras de incent ivo. Ao Daniel, m eu irm ão e grande am igo, pela aj uda nos m om ent os de “ m aior apert o” e por t odos os “ em purrões” que, j unt o com a Claudia e a Mariana, m e deram .

Ao m eu orient ador, o professor Dr. Arno Kern, sou grat a pelo espaço de liberdade oferecido para o desenvolvim ent o dos rum os dest e t rabalho e pela confiança. I gualm ente agradeço ao PPGH- PUCRS por t odas as possibilidades e reflexões aos alunos disponibilizadas e const ruídas nas disciplinas a nós ofert adas.

À ex- aluna e am iga, I lza Carla Favaro de Lim a, agradeço pela aj uda num dos t rabalhos de cam po e pela dedicada t ranscrição de t odas as ent revist as e relat os colet ados. Obrigada pelo apoio, am izade e incent ivo!

(7)

t ropeiros e aos t ropeiros de ont em , de hoj e e do am anhã por t oda a confiança em m ost rar- m e a sua terra.

Ao Fabiano Teixeira dos Sant os, chefe da divisão t écnica do I phan- SC, agradeço pelos m at eriais disponibilizados.

À Luciane Sgarbi Santos Grazziotin agradeço pela pronta disponibilização das ent revist as realizadas durant e sua t ese de dout orado.

Aos am igos de longa dat a, Nat ália Piet ra, Leandro Boeira, Mariana Cabral, João Saldanha, Caroline Aveline, Zeli Com pany, Clarisse Jacques, Fernanda Tocchet t o, José Alberione, Silvia Copé, Luciana Paiva Coronel, Ant onio Fernandes ( o Nico) , agradeço por todos estes anos de am izade e aprendizado. Obrigada pelo constante incentivo!

Aos colegas do curso de Hist ória do I PA, Ram iro Bicca, Claudira Cardoso e Édison Cruxen, bem com o aos nossos alunos e parceiros, obrigada por m e aguent arem , principalm ent e durant e t oda a correria e o cansaço no final dest e 2009. O convívio com vocês é um grande aprendizado.

Sou grata t am bém à t orcida e parceria e com preensão dos colegas de t rabalho. A Elaine I ndrusiak, agradeço pela aj uda com o abst ract.

À Frida, coit ada, quant os dias sem dar um a volt inha na rua. Agradeço a est a parceira que ficou horas e horas deit ada nos m eus pés, com o que esperando o m om ent o de at enção que lhe era prom et ido para o final do parágrafo seguint e, que nunca chegava. Mas ela ent ende. Eu acho! Foi por um a boa causa.

(8)

E t u, ó cornaca que raios vais t u fazer com o

elefant e a Viena, Provavelm ent e o m esm o

que em Lisboa, nada de im port ant e,

responde Subhro, irão dar- lhe m uit as

palm as, irá sair m uit a gent e à rua, e depois

esquecem - se dele, assim é a lei da vida,

t riunfo e olvido…

(9)

RESUMO

Na cont em poraneidade inúm eras cidades buscam sua ident idade e repert ório pat rim onial, um processo em que adm inist radores e com unidades alm ej am pert encer à capit al ou à t erra de algum a coisa. Nessa m esm a busca, a cidade de Bom Jesus ( RS) vem constituindo- se com o a Terra do Tropeirism o, um m ovim ent o que ao envolver e ser fom ent ado por part e da com unidade local é consolidado na busca de m em órias e referenciais hist óricos cent rados no t em po passado, na const rução da ident idade e na at ivação de repert órios pat rim oniais no t em po present e. Esse é o processo aqui abordado, a const rução da Terra do Tropeirism o. Trat a- se de um a elaboração paut ada, nest e t rabalho, a part ir de conceit os com o: m em ória, ident idade, pat rim ônio, ent re out ros; num processo que envolve, igualm ent e, expect at ivas de fut uro cent radas no desenvolvim ent o do t urism o local e regional. Para t ant o, busquei abordar diferentes m anifest ações em que t ropeiros e t ropeirism o são represent ados, por distint os agent es e em diversos espaços na cidade de Bom Jesus. Trata- se de m anifestações que paut am a const rução, a at ribuição de significados e a divulgação da Terra do Tropeirism o. Um context o em que a criação de elem ent os da cult ura m at erial cont em porânea t om a lugar na cena dessa const rução, com o represent ação do passado idealizado em diferent es obj etivos e contextos de criação, com unicação e consum o.

(10)

ABSTRACT

Nowadays count less cit ies and t owns search for t heir ident it y and pat rim onial repert oire, a process t hat reveals adm inist rat ors’ and com m unit ies’ wishes of belonging t o t he capit al or t he land “ of som et hing” . Following t his sam e t rend, t he cit y of Bom Jesus ( RS, Brazil) has been at t em pt ing t o est ablish it self as Land of Muleteering, a m ovem ent that involves and is supported by t he local com m unit y, com bining t he search for m em ories and hist orical references t o be found in t he past wit h t he const ruct ion of ident it y and im plem ent at ion of pat rim onial repert oires in t he present . This is t he process st udied here, t he developm ent of t he Land of Mulet eering. The present work addresses this const ruct ion based on concept s such as m em ory, ident it y and pat rim ony, am ong ot hers, in a process t hat also involves expect at ions about t he fut ure which are based on t he developm ent of local and regional t ourism . To achieve t hat , t he research tackles different m anifestations in which both m uleteers and m uleteering are represented by various agent s and in several areas of t he cit y of Bom Jesus. Such m anifest at ions guide t he const ruct ion, t he at t ribut ion of m eaning and t he advert ising of t he Land of Mulet eering. Wit hin t his cont ext t he creat ion of elem ent s of cont em porary m aterial culture asserts it s role as represent at ion of an idealized past for and wit hin different obj ect ives and cont ext s of com m unicat ion and consum pt ion.

(11)

LI STA DE FI GURAS

Figura 1 – “ Mapa de las Doct rinas del Paraná y Uruguay y de la Linea divisória del año 1750 en cuanto a estas doctrinas t oca.” ( FURLONG, 1936, p. 98) . Nesse m apa é possível verificar as estâncias das reduções e seus lim ites, além das cidades colônias espanholas de Mont evideo, Maldonado, Cast illos e Buenos Aires, bem com o a Colônia do Sacram ent o ... 34 Figura 2 – “ Mapa de las Missiones de la Com pañía de Jesus en los rios Paraná y Uruguay. Año de 1749.” ( FURLONG, 1936, p. 71) . Nesse m apa est á assinalada, ent re os paralelos 26 e 29, próxim a à m argem esquerda do m apa, a região dos Pinares ... 35 Figura 3 – O pessoal se preparando para a travessia do rio Pelotas a cam inho do t ão esperado casam ent o do Cacau ... 69 Figura 4 – Cacau e Maria no t ão esperado casam ent o. A m ãe da noiva ainda m arca presença, de olho no genro ... 70 Figura 5 – Abril de 2008, Cacau, Maria e sua filha caçula. Depois de um bom café e m uit a hist ória, na residência da fam ília, em Bom Jesus, m ost ram as fot os da fam ília ... 70 Figura 6 – Cavalarianos bom - j esuenses na fazenda da Guarda, 1˚ Dist rit o de Bom Jesus, local de part ida para encont ro dos cavalarianos de Lages, e faixa do lançam ent o do I I Senat ro ... 77 Figura 7 – Abril de 2008, visit a ao Passo de Santa Vitória em com panhia de Manoel Gaspar, que seguia sem pre à frent e, guiando nosso cam inho com as histórias de suas vivências com o t ropeiro, rum o às m argens do rio Pelotas ... 81 Figura 8 – Manoel Gaspar sentado em frente ao Passo de Santa Vitória relatando suas experiências nas tantas travessias que realizou enquant o t rabalhava com o t ropeiro ou para docum ent ários e program as de t elevisão. À direit a, nosso ret orno à cidade com a noit e j á post a. ... 81 Figura 9 – Cavalarianos bom - j esuenses no início da t ravessia do rio Pelot as .... 84 Figura 10 – Lançam ent o do I I Senat ro, realizado durant e a Cavalgada da I nt egração, ocorreu nas ruínas no Registro de Sant a Vit ória ... 84 Figura 11 – Anúncio publicado em j ornal regional, O Pioneiro, em m aio em 2004,

(12)

Figura 14 – Cláudio m ost rando fragm ent os do ant igo cam inho, próxim o ao rio

dos Touros ... 90

Figura 15 – Manoel Gaspar e t io Juca confeccionando um a bruaca ... 92

Figura 16 – Cláudio Borges expondo os art efat os necessários para arrear um a m ula e a m at éria- prim a capt ada na região ... 92

Figura 17 – Manoel Gaspar dem onst rando com o dobrar a capa do t ropeiro, vest im ent a indispensável para enfrent ar o frio dos Cam pos de Cim a da Serra .. 93

Figura 18 – No galpão da fazenda do Cilho, além de m uit a lenha e pedra para m anut enção das t aipas, ficam guardados os utensílios ut ilizados para arrear m ulas ... 93

Figura 19 – Mat erial organizado por Gessira para as film agens de frei Arlindo. Apresent a t odos os ut ensílios e alim entos tradicionalm ent e carregados pelos t ropeiros para a alim ent ação durant e a viagem ... 95

Figura 20 – Gessira, durant e a ent revist a realizada em m aio de 2008 ... 96

Figura 21 – Culinária apresent ada no sit e de divulgação t uríst ica da cidade ... 97

Figura 22 – Sit e de divulgação da Rot a dos Cam pos de Cim a da Serra. Det alhe para a indicação da set a: referência ao t ropeirism o ... 113

Figura 23 – Fôlder de apresent ação dos at rat ivos t uríst icos de Bom Jesus. .... 114

Figura 24 – Sit e de apresentação da Rot a dos Cam pos de Cim a da Serra. As set as indicam a apresent ação da cidade e os produt os ofert ados. ... 115

Figura 25 – Folha de rost o do fôlder. ... 117

Figura 26 – Página interna do fôlder. ... 117

Figura 27 – Últ im a página do fôlder. ... 118

Figura 28 – Detalhes indicados no sit e de divulgação t uríst ica da cidade. ... 120

Figura 29 – Fôlder de divulgação da cidade. “ Bom Jesus. Os cam inhos de nossa hist ória” . ... 122

Figura 30 – Abert ura da prim eira dobra do fôlder. ... 122

Figura 31 – Abert ura da segunda e últ im a dobra do fôlder. ... 123

Figura 32 – Últ im a página da part e int erna do fôlder. ... 124

Figura 33 – Fôlder da Rot a dos Tropeiros no Rio Grande do Sul. ... 127

Figura 34 – Novo fôlder da Rot a dos Tropeiros no Rio Grande do Sul. ... 129

(13)

Figura 36 – Ut ensílios ( faca e lixa) para confecção e pré- form as das m ulas art esanais ... 139 Figura 39 – Mulas arreadas com sacas de carga e com cargueiro de couro ( bruacas) ... 140 Figura 40 – Em det alhe a divulgação do art esanat o no sit e da cidade ... 146

(14)

SUMÁRI O

DE I NÍ CI O, PRA COMEÇO DE CONVERSA… ... 14

1 O AVANÇO PARA O PASSADO, DE VOLTA PARA O FUTURO: A BUSCA PELO BRASI L GRANDE DO SUL ... 26

1.1 Sobre t ropeirism o e a abert ura de est radas no Rio Grande colonial ... 28

1.2 A produção da Hist ória e a const rução do passado ... 37

1.3 Os olhares e discursos que buscaram a fidelidade ... 44

2 NAQUELE TEMPO… NESTE TEMPO… ... 56

2.1 Passados ( re) vividos, presentes ( re) velados ... 62

2.2 O elefant e e a professora ... 71

2.3 O cordão um bilical ainda não cort ado ... 78

2.4 A cult ura convenient e na est eira da hist ória: na sequência da vó ... 85

2.5 Os criadores e a professora: um por t odos e t odos por um t ropeirism o no hoj e ... 100

3 ELES, OS TROPEI ROS ... 102

3.1 I dent idade e pat rim ônio ... 103

3.2 I dent idade e pat rim ônio na const rução de um produt o t uríst ico ... 106

4 REPRESENTAÇÕES MATERI AI S NA CONSTRUÇÃO DA I DENTI DADE E DO TURI SMO LOCAL ... 131

4.1 A cult ura convenient e na est eira da hist ória: a fábrica de m ulas ... 134

4.1.1 A criação ... 136

4.1.2 A com unicação ... 141

4.1.3 O consum o ... 143

4.2 Novas criações, com unicações e consum os ... 147

4.2.1 O consum o com o preser vação: o t r opeir ism o no espaço m useal ... 149

4.2.2 A criação das boas vindas ao consum o dos que chegam ... 152

4.3 Passado, present e e fut uro no fazer educacional ... 154

4.3.1 A caixa de m em ória ... 154

4.3.2 Repr esent ação e produção da cult ur a m at erial na sala de aula ... 156

O FI M DO COMEÇO: ALGUMAS CONSI DERAÇÕES FI NAI S ... 163

(15)
(16)

DE I N Í CI O, PRA COMEÇO DE CON VERSA…

O m eu avô não foi t ropeiro. No ent ant o, nos Cam pos de Cim a da Serra conheci t ant as pessoas cuj os avôs t ropearam que, por razões que não cabem no papel, descobri out ro m undo que aqui desbravo. Um universo cult ural vivenciado e experim ent ado em suas m at erialidades, hist órias, percepções e m em órias.

Com preender os processos, os m ecanism os e os agent es da atribuição dos significados e do dar valor à cult ura m at erial produzida e ( re) apropriada pelos hum anos é um a das t arefas da arqueologia. Tarefa que dirige os arqueólogos a novas vivências e out ras form as de ver o m undo. Talvez m enos focados em abordagens que hoj e cham am os de t radicionais, buscam cam inhos para as análises que vão além das relações ent re form as e funções, quant ificações, ident ificações de relações diret as ent re diferent es áreas de um sít io, regularidades cult urais e est rut urais que certificavam um m odelo t eórico ou aparat o m et odológico, por exem plo.

At ualm ent e, os profissionais da arqueologia buscam novos cam inhos, escolhas que aproxim am os pesquisadores das com unidades em que os sít ios arqueológicos est ão espacialm ent e e socialm ent e inseridos. A relação ent re as dit as “ coisas do passado” e as com unidades em presença t em anim ado m uit os t rabalhos e ancorado, t am bém na prát ica, a arqueologia entre as disciplinas vinculadas às ciências hum anas e sociais. I sso escapa de abordagens que fazem , ainda hoj e, algum as arqueologias fixadas no m at erial pelo próprio m at erial.

O cult ural realm ente andou, por m uit o t em po, deixado de lado, separado do m at erial. Por sort e, ou m elhor, pelo t rabalho árduo de m uit os, os ventos t êm soprado com out ra velocidade e direção, e a cult ura m at erial é novam ente abordada com o part e da experiência hum ana. Conform e Pesez ( 1990, p. 181) , a cultura m at erial “ é a relação do hom em com os obj etos, pois o hom em não pode est ar ausent e quando se t rat a de cult ura” . Pois é, arqueólogas e arqueólogos insist iram , alguns ainda insist em , em t ratar do m at erial fechado nele m esm o e esquecem que ele só exist e, no m undo e socialm ent e, em função das relações sociais, com unicações e consum os que o criam e lhe dão valor/ significado/ sent ido em diferent es cont ext os ( GLASSI E, 1999) .

(17)

apresentada no repert ório pat rim onial at ivado nessa com unidade. E é nessa relação que a pergunt a central se apresent a: qual o papel da vivência, da experiência com a cult ura m at erial e os lugares relacionados a um a at ividade do passado na construção de Bom Jesus com o a Terra do Tropeirism o? Qual e o que é essa cult ura m at erial? Qual o papel dos lugares1 nesse processo?

Port ant o, busco a m at erialidade da cult ura m at erial, seu sent ido e significado para det erm inada com unidade, na const rução da ident idade cult ural, do pat rim ônio e da Terra do Tropeirism o2 com o produt o t uríst ico. At ribuições e significados que se dão na relação ent re pessoas e coisas ( THOMAS, 1996) . Para ent ender o sent ido das coisas, da m at erialidade no t em po present e, m et odologicam ent e, com o falo brincando a alguns colegas, t ive de exercer o papel de um “ espírit o evoluído” , desencarnar da m at éria! Sem prepot ências ou brincadeiras, o que quero dizer é que: busco observar o m at erial a part ir do hum ano. Met odologicam ent e, com o num a observação part icipant e, procurei vivenciar, na e com a com unidade, a experiência das coisas e dos lugares, m esm o que at ravés de m em órias, narrat ivas e represent ações, quando não podíam os est ar fisicam ent e present es neles.

Est e t ext o é frut o de novas escolhas elaboradas na reform ulação do proj et o de t ese, iniciada a part ir dos desafios da própria pesquisa. As novas escolhas estão ligadas à autocrítica que realizei após propor um estudo dos post os de regist ro, focado no passado, fechado em seu próprio t em po. Um passado que apenas, com o coloquei no proj et o apresent ado para ingresso no doutorado, deixou m arcas. No ent ant o, esse é o pont o cent ral dest e t ext o:

abordar essas “ m arcas” e o significado do t ropeirism o para os m oradores de Bom Jesus, de form a a ext rapolar a abordagem de um a “ herança” do passado. O foco

está em analisar o tem po presente

1 Com o “ lugar” aponto, de acordo com Thom as ( 1996) , os locais relacionados à experiência e

vivência hum anas. Nesse sentido, os lugares são elaborados, tornam - se lugares no seu envolvim ento com estruturas de pensam ento e prát ica, quando experim entados, consum idos, pela atividade hum ana. Assim , os lugares t am bém fazem parte do que cham am os de cultura m aterial e são atribuídos de m aterialidades particulares a cada grupo ou suj eito que os vivencia.

2 “ Terra do Tropeirism o” é com o, desde m eados dos anos 1990, a cidade de Bom Jesus é

apresent ada. É o slogan elaborado para m ostrar o m unicípio aos de fora, aos turistas, e para si. No

(18)

propriam ente dito, na relação das pessoas com as coisas, ou sej a: a cultura m at erial e out ras represent ações dessa atividade, na const rução da ident idade, do pat rim ônio e de um produt o t uríst ico. Um present e que t em em si um passado. Naquilo que, quem sabe, podem os cham ar de arqueologia do contem porâneo, ou então: “ arqueologia dos vivos” , do vivido.

Assim , o t em a dest a pesquisa segue, desde os prim eiros esboços do proj et o, est á cent rado no t ropeirism o, m as não t em seu obj et o cont ext ualizado no passado que envolveu as m últ iplas facet as do Regist ro de Sant a Vit ória, com o propunha at é ent ão. Abordo com o obj et o de pesquisa a própria sociedade contem porânea de Bom Jesus, na sua relação com o tropeirism o. Proponho a reflexão sobre um passado que se faz present e, um passado que, present ificado, não t al qual foi no “ seu t em po” , é at ualizado. Um passado recriado na m em ória e no viver de alguns m oradores do m unicípio, os quais buscam um a relação histórica e idealizada com o tropeirism o.3 Desej am , nessa identificação, alcançar um lugar na hist ória regional e local para m ost rarem - se diferent es perant e os desafios do m undo cont em porâneo, do m undo globalizado. Trat a- se de um m om ent o e cont ext o em que out ros suj eit os elaboram a consciência de seu papel na hist ória local.

Nessa discussão, o obj et ivo central é tratar da construção de um a ident idade, a ident idade t ropeira, e das forças polít icas, elem ent os m at eriais e agent es sociais que a produziram e ( re) produzem . Logo, o foco da pesquisa saiu de um passado preso a ele m esm o e passa a t rat ar do passado- present e- fut uro. Mas por que essa m udança? Vam os ao com eço de t udo.

Minha aproxim ação com os m oradores de Bom Jesus com eçou num quente verão de 1999. Desde então, t odos os feriados e férias foram dest inados aos t rabalhos arqueológicos na região.4 Nesses anos, m uitas histórias ouvi sobre “ aquele t em po…” ou sobre “ segundo os ant igos…” e as façanhas de m uit os avôs t ropeiros m e foram narradas. Mas agora as escut o de out ra form a. O que ant es const it uiu um bat e- papo em rodas de m at e agora, sem deixar o m at e e o bom

3 O fluxo de hom ens no transporte de gado em pé e diversos produtos em lom bo de m ulas. Um a

prática que, ao transport ar anim ais e outros gêneros a serem com ercializados, tam bém fom enta a dinâm ica da circulação de ideias, costum es, práticas cotidianas ligadas aos fazeres da profissão, etc. Esse fluxo constituiu o que cham am os de tropeirism o ( SI LVA, A., 2006, f. 15) .

4 Com o m em bro da equipe de pesquisa das professoras Dra. Silvia M. Copé ( de 1999 a 2006) e

(19)

papo de lado, const it ui fonte e inst rum ent o de pesquisa: as conversas, as ent revist as e o convívio com o grupo. Ou sej a, um a vivência em cam po que não

busca som ente a localização de sít ios arqueológicos, m as t am bém alm ej a abordar as ações e percepções de agent es sociais que ativam a Terra do Tropeirism o, at ravés de sua m at erialidade, das form as de ser, saber e fazer. Mot ivação alim ent ada pelo desej o de “ sair do lugar” . Deixar a ilusória zona de confort o encont rada em algum as práxis de pesquisa, j á perpet uadas na com odidade das receit as m et odológicas pront as. Cient e de que, ao sair da zona de confort o, corro o risco de não chegar ao lugar desej ado, m e posiciono de form a segura, por não carregar o fardo de não t er t ent ado sair do lugar.

O exercício de explorar out ras abordagens nos é há t em pos apresent ado, a chance m e foi post a e decidi experim entar outros am argos e doces gost os da pesquisa arqueológica. Além disso, ao rever o proj et o e dar início ao t rabalho percebi que faria “ m ais do m esm o” e pouco cont ribuiria às reflexões sobre nosso papel social com o agent es pesquisadores do passado no present e. Quest ão que t em m e inst igado em dem asia e m e feit o repensar desde as prát icas de cam po, de escolha das fontes de pesquisa, at é as dinâm icas e prát icas em sala de aula.

(20)

com o grupo ou suj eit o que o vivencia, lem bra, ouve falar e/ ou const rói. É na represent ação desse t em po passado no present e que a propost a de t rabalho t em seu foco est abelecido.

Para t ant o, part i da concepção de que a arqueologia é um a ciência dedicada aos est udos da m at erialidade da experiência hum ana, a part ir da cult ura m at erial e out ras fontes que cont ribuem , de form a dialét ica, para a análise propost a. É, port ant o, um m et adiscurso, um enunciado sobre o passado const ruído no present e ( OLSEN, 1990) . Nesse sent ido, com o m at erialidade t rat ei

dos sent idos, significados e papéis atribuídos à cult ura m at erial at ravés da experiência, da vivência e da agência hum ana, na const rução da Terra do Tropeirism o.

A const rução dessa “ terra prom et ida” não rem et e a algo que surge de um vazio, m as sim de um caldo cultural potencializador para a ativação desse pat rim ônio. Um t errit ório onde o passado t ropeiro est ava present e, m as não ativado. O com bustível que alguns suj eitos necessitavam para a eleição e at ivação do repertório patrim onial, a part ir do invent ário exist ent e, é localizado em part e da produção hist oriográfica sobre o t em a. Nela, t ropeiros são apresentados com o heróis, at ores principais de verdadeiras epopeias e o m it o profano de origem da cidade. Dessa form a, os enunciados discursivos, t rat ados no prim eiro capít ulo, inspiram os olhares ao passado a part ir do t em po present e, criam heróis e alim ent am o processo de const rução das ident idades, na m edida em que oferecem referenciais e m odelos a serem seguidos para o hoj e.

A relação e o papel do passado com o part e do present e em Bom Jesus, bem com o instrum entos, m ecanism os e agentes que constroem as lem branças e as m em órias lançadas num a expect at iva de fut uro, são alguns dos aspect os t rat ados no segundo capít ulo. Fazendo uso da oralidade5 e da vivência na com unidade, com o font es, nele são abordados os agent es envolvidos na const rução da Terra do Tropeirism o e da dit a ident idade t ropeira. Trat a- se de agent es m obilizados, diret a ou indiret am ent e, pela hist oriografia, pelas ações

5 As entrevistas diretam ente citadas no texto seguem transcritas na íntegra no Apêndice A, onde

(21)

polít icas na busca por econom ias criat ivas, pelo Sem inário Nacional sobre Tropeirism o ( Senat ro)6, et c.

No t erceiro capít ulo, por sua vez, proponho- m e a apresentar os elem ent os e as represent ações da const rução aqui analisada at ravés de font es bast ant e ut ilizada por t urism ólogos, ant ropólogos e sociólogos do t urism o, m as pouco exploradas por hist oriadores e quase nada por arqueólogos: os sit es de

divulgação dos produtos turíst icos e a folhetaria elaborada para o fom ent o desse consum o. Com esse obj et ivo, os fôlderes são t rat ados com o elem ent os da cult ura m at erial, na m edida em que possibilit am aos recept ores a prim eira experiência m at erial e visual com o local divulgado e suas peculiaridades. Os at rat ivos t uríst icos apresentados nesse m at erial geram as percepções e expect at ivas iniciais, bem com o t razem à experiência do lugar as represent ações da cult ura m at erial present e no repert ório at ivado nesse context o.

No quarto e últim o capítulo observo outros espaços da cidade onde a cult ura m at erial relacionada ao t ropeirism o se faz present e, com o frut o e m ot or dessa const rução ident it ária, pat rim onial e t uríst ica. O cent ro da discussão, em t oda a t ese, perpassa a invest igação de qual cult ura m at erial est á present e na const rução da Terra do Tropeirism o, seu papel na experiência e vivência de um passado const ruído no e para o present e. Est es são alguns pont os que, ant es das considerações finais, porque às conclusões j am ais chegam os, desenvolvo nest e t rabalho.

Logo, para com preender a ação dos agent es que, por desem penharem diferent es papéis, est ão envolvidos, diret a ou indiret am ent e, na const rução da Terra do Tropeirism o e das m at erialidades cult urais desse passado- present e, optei por abrir o leque de possibilidades no que se refere ao uso das fontes para um t rabalho em arqueologia. Dessa form a, as vivências com a com unidade, as observações em cam po, as ent revistas, as narrativas, os m ateriais de divulgação da cidade, o art esanat o, o m useu m unicipal, os m at eriais didát icos, et c., t ornaram - se font es de invest igação. Represent ações de um a m at erialidade abordada com o o abst rat o, o subj et ivo sim bólico que é const ruído pelos hum anos

6 Evento bianual que cam inha para a nona edição em 2010, prom ovido pela Secretaria Municipal de

(22)

a part ir de sua experiência no m undo, ou sej a: o significado atribuído à cult ura m at erial.

A m at erialidade é const ruída a part ir das com plexas redes dos processos de cult uralização do m at erial. Para I ngold ( 2007) , os hum anos se preocupam com aquilo que out ros hum anos deixaram e é nessa preocupação e ação prát ica sobre as coisas que a exist ência e experiência do m at erial se dá para a vivência hum ana. Nesse aspect o, a m at erialidade ultrapassa as propriedades físicas das coisas, é hist ória ( I NGOLD, 2007) , é relação. E, para est e est udo de caso, é o at ribuir valor à cult ura m at erial relacionada ao t ropeirism o que const it ui a m at erialidade da cult ura m at erial, apresent ada na hist ória e na relação das pessoas com as coisas do passado- presente, na construção de seu tem po presente.

Essas discussões rem etem à ideia central do conceito de m em ória cunhado por Nora ( 1993) . Ao m aterializarem - se no concret o, as m em órias de diferent es agent es t êm e buscam correspondent es represent at ivos na cult ura m at erial, correlatos m ateriais. Ao ultrapassar as propriedades físicas destes, a m em ória abre espaço à Hist ória, um processo de t ransform ação que perm it e a elaboração do relat ivo, j am ais do absolut o ou da ilusória e m ít ica obj et ividade. A cult ura m at erial e as m em órias, aqui abordadas, são apresentadas com o vet ores7 pot encializadores, em diferent es graus, desse processo e, por conseguint e, da const rução da hist ória present e.

Um a questão m e foi feita logo no início dos t rabalhos em cam po: com o t rabalhar a part ir de font es com o m inhas vivências, entrevistas e narrativas de suj eit os com quem , ao longo desses dez anos de convívio, criei laços de proxim idade? A respost a é com plexa e nunca definit iva, m as devem os, ao realizar um t rabalho de pesquisa, est ar conscient es de t rês coisas, a saber:

a) a part ir de onde falam os – das escolhas t eóricas e m et odológicas, bem com o do espaço de vivência no m undo e dos códigos por nós com partilhados, o nosso contexto;

7 Vetores, nesse contexto, relacionam -se à cultura m aterial proveniente da atividade tropeirística

(23)

b) de quem falam os – obj et o de pesquisa, context o e agent es sociais envolvidos;

c) para quem falam os – part indo da prem issa de que t odo o enunciado é construído para receptores específicos.

No m om ent o em que assum im os posição, com o pesquisadores que apresentam um olhar que é do t em po present e e j am ais isent o de valores ( FUNARI , 2003) , no cont ext o da invest igação, podem os “ dorm ir t ranquilos” . Terem os perdido a ingenuidade de que as ações dos pesquisadores nas ciências, e principalm ent e nas ciências hum anas, são assépticas, em relação aos suj eit os e com unidades em quest ão. Ao não serm os at raídos pelo charm e e pela sedução das ilusórias im parcialidades e obj et ividades, ant eriorm ent e paut adas nas ciências dit as “ duras” e am plam ent e post as em prática nas ciências hum anas do século XI X e início do XX, alcançarem os relações m ais claras, sinceras e éticas com as com unidades em presença e com o próprio fazer arqueológico. O assum ir- se diant e de seu obj et o e cont ext o de pesquisa, o posicionar- se, libert a-nos da ilusão do pesquisador com o um observador neutro.

Ao est rut urar est e t rabalho pensei, em prim eiro lugar, em t odas as vivências que t ive com a com unidade e, de form a m uit o segura, afirm o que essa abordagem , esse olhar é fort em ent e enriquecido em função dos dez anos de relações const ruídas. O conhecer, o fam iliar da observação, faz da proxim idade não um problem a, m as a t ônica que m ovim enta o t rabalho e as quest ões nele apresentadas.

As pesquisas em cam po foram estruturadas a partir da base de inform ações desenvolvidas durant e a dissert ação de m est rado. Naquela ocasião as prospecções realizadas perm it iram a localização e o regist ro de corredores, bem com o sondagens no ent orno do sít io arqueológico Regist ro de Sant a Vitória.8 Conhecendo os lugares em que sít ios arqueológicos relacionados à at ividade do t ropeirism o est ão localizados, bem com o o envolvim ent o de alguns agentes com essa t em ática, iniciei a invest igação acerca do significado e da relação desses sít ios com o cot idiano e a form ação da ident idade dos m oradores

8 As prospecções a as sondagens foram realizadas entre os anos de 2004 e 2006 com o parte de

(24)

da cidade. Para chegar a esses suj eit os, m inha prim eira at ividade de cam po se deu nas pesquisas no Museu e Arquivo Municipal de Bom Jesus. Nessa instituição busquei os regist ros de t odos os Senat ros e out ros event os que envolveram o t ropeirism o, prom ovidos na cidade. Finalizadas as pesquisas, dei início às ent revist as. E, m et odologicam ent e, essa et apa de t rabalho foi riquíssim a, ao m esm o t em po em que se apresentou com o com plexa e desafiadora.

Escolher a m elhor form a e m et odologia a ser post a em prát ica num t rabalho que t rat a da const rução de um a ident idade m unicipal não é t arefa fácil. No entant o, tem os de fazer opções. O cam inho que escolhi foi trabalhar com as font es orais, ent re out ras, at ravés de ent revist as que dão voz aos agent es sociais que, de diferent es form as, est ão envolvidos com o t ropeirism o na cidade, sej a através do turism o, de ações educacionais e culturais, apoio logístico e/ ou part icipação e organização de event os, et c.

Est e não se t rat a de um t rabalho que t em com o m et odologia cent ral a hist ória oral. Mas que, em part e de seu desenvolvim ent o, t em present e o uso de font e oral, at ravés de ent revist as e out ras vivências na com unidade.9 As ent revist as foram est rut uradas, m et odologicam ent e, com o ent revist as livres/ abert as, nas quais busquei com preender a percepção e o envolvim ent o dos ent revist ados com o t ropeirism o no passado e no present e. Dessa form a, cient e do t ipo de envolvim ent o do( a) ent revist ado( a) com a quest ão cent ral dest e t rabalho, preparei, com ant ecedência, rot eiros- base para as ent revist as. No ent ant o, grande part e dos pontos de paut a são post os, aos locut ores, a part ir das surpresas apresentadas em suas narrativas. São questões que surgem na dinâm ica do m om ento da gravação, t endo sem pre com o base o t em a geral da pesquisa. Busco, com essa m odalidade de abordagem , t ransform ar o que são relat ados de m em órias e hist órias part iculares em fonte de pesquisa, para a com preensão da percepção e do papel dos ent revist ados na const rução da Terra do Tropeirism o, bem com o a relação dest es com os lugares de m em ória, considerando t oda e qualquer cult ura m at erial. Talvez o m elhor t erm o a ser em pregado não sej a ent revist a, m as sim “ relat o guiado” de envolvim ent o, por sem pre t er em paut a a experiência dos agent es com as diferent es facet as do t ropeirism o no passado e/ ou no present e.

9 O registro das entrevistas se deu através de film agem , com gravação em DVD, e posterior

(25)

A colet a de relat os m ost rou- se im port ant e para o desenvolvim ent o dest e t rabalho. Const rói sua base. Assim , um a quest ão poderá surgir ao leit or nest e m om ent o: m as não é um t rabalho de arqueologia? O que o relat o, a oralidade, t em a ver com est a abordagem ? Onde est á o m at erial, o art efat o?

As m udanças na práxis do cam po da hist ória, desde o m at erialism o hist órico at é a nova hist ória cult ural, t rouxeram , com novas abordagens provenient es da ant ropologia, para os est udos arqueológicos, out ras possibilidades de investigação e novas fontes de estudos. A “ abertura das fontes” no cam po da hist ória deu a t ônica às novas m et odologias nas quais, a oralidade, através de entrevistas estrut uradas de diversas form as e com diferent es obj et ivos, é a font e principal. Est e t rabalho, que visa com preender a const rução da Terra do Tropeirism o, em Bom Jesus, a part ir da relação das pessoas com a m at erialidade que rem et e a essa at ividade, não pode fugir do desafio do uso da oralidade com o font e. Para com preender com o e o que é apropriado, represent ado e ressignificado pelos agent es sociais, devo, em prim eiro lugar, ouvi- los, observá- los e dialogar, para, post eriorm ent e, m e aproxim ar de seu papel, dos m ecanism os e inst rum ent os relacionados à m at erialidade do t ropeirism o no present e, ut ilizados para a const rução da m em ória, da ident idade e do pert encim ent o à Terra do Tropeirism o.

Devo deixar regist rado o fat o de que essas fontes, assim com o as de outra nat ureza, não fornecem dados de pesquisa, nada é “ dado” . Est as são const ruções est rut uradas a part ir das quest ões post as pelos pesquisadores. O relat o aqui se t orna font e em função das quest ões cent rais dest e t rabalho, as quais m e levaram a criar e analisar essas fontes com o tal.

Se font es, para pesquisas nas dit as ciências hum anas, são t odo e qualquer produt o, m at erial e im at erial, provenient e da experiência hum ana no m undo ( SI LVA; SI LVA, 2006, 152- 16210) , o relat o oral t om a part e nesse conj unt o, inclusive em trabalhos arqueológicos. Por considerar que estudam os a experiência hum ana na m at erialidade cultural, at ravés da cult ura m at erial, os relat os t ornam - se o eixo cent ral da significação e apropriação da cult ura m at erial com o font e de pesquisa. Para est e est udo, encilhar m ulas, confeccionar bruacas11

10 Verbete: “ Fonte Histórica” .

11 A bruaca é um artefato produzido em couro e utilizado para o transporte de produtos em lom bo

(26)

e cest os,12 produzir m ulas, elaborar a culinária tropeira, relacionar- se com diferent es lugares de m em ória, edit ar livros didát icos, part icipar do Senat ro, et c., são ações sobre m at eriais que rem et em a um ser/ saber/ fazer que não t em sent ido se abordado a part ir da análise dos art efat os som ent e por sua nat ureza m at erial. Nessa perspect iva, abordar sua m at erialidade, o sent ido, o significado at ribuído e o papel social desses art efat os, nas ações de suj eit os que t rabalham para fazer de Bom Jesus a Terra do Tropeirism o, se t orna viável at ravés da oralidade, das observações e das vivências.

Para essa abordagem é necessário, com o sugerido pelos vários aut ores present es no texto organizado por Revel ( 1998) , m udar as escalas. Abordar não o t ropeirism o com o um fenôm eno de grandes dim ensões sociais, cult urais e econôm icas, em perspect ivas m acroanalít icas, m as sim seu papel nas vidas de diferent es agent es com , por vezes, divergent es agências e obj et ivos. Ao m udar o foco, com o t rocar as lent es at é ent ão ut ilizadas por um a t eleobj et iva, observam os o vivido e o experim ent ado de suj eit os part iculares. Trazem os à Hist ória agent es at é então “ esquecidos” , não vist os, por est arem escondidos pela névoa que parecia im pedir sua visibilidade, at ravés de lent es não adequadas ao olhar desej ado. Analisar o m icro, o saber/ fazer de cada suj eit o envolvido com a elaboração Terra do Tropeirism o, envolve t am bém a observação e a vivência em cam po.

Observar e part icipar de event os da com unidade com o m et odologia de pesquisa não é t arefa fácil, pois as rot inas são m odificadas e perdem part e de sua “ originalidade” sem pre que alguém de fora, nesse caso eu, está entre eles. Apesar da um a década de aproxim ação, não posso fugir daquilo que sem pre sou em Bom Jesus: um a visit ant e, alguém de fora, que vai at é lá para ouvir e falar sobre o t ropeirism o, os sít ios arqueológicos, o turism o, et c. Por m enos que isso sej a desej ado e por m ais int im idade que eu t enha com as pessoas e os lugares, m inha presença, assim com o a de out ros pesquisadores, sem pre quebra rot inas e incent iva ou “ dirige” narrativas. Trago esse aspect o para deixar evident e que, com o pesquisadora, estou ciente dos problem as da observação em cam po, bem com o das problem át icas das m em órias e das idealizações de enunciados de suj eit os que narram seu passado, ou de sua cidade. Minha presença, de um a

12 Artefato côncavo confeccionado em fibra veget al, com grande profundidade, tam bém utilizado

(27)
(28)

1 O AVAN ÇO PARA O PASSADO, DE VOLTA PARA O FUTURO:

A BUSCA PELO BRASI L GRAN DE DO SUL

Todos os conceit os que se fazem present e ao longo dest e t rabalho, t ais com o t ropeirism o, m em ória, t radição, pat rim ônio, ident idade, ent re out ros, rem etem e entrelaçam - se à ideia de “ const rução” . E const rução é de per si, um conceit o que pressupõe com posição, j ust aposição, arranj o de elem ent os. Elem ent os, no plural, dada a im possibilidade de const ruir- se algo a part ir de um único elem ent o. Ainda que esse algo sej a um a única m at éria- prim a, est a, por si só, não se m oldará. Pressupõe- se a presença do art ífice, suas m ãos e suas ideias, por assim dizer, m et aforicam ent e. A const rução a que se faz referência aqui é a da im agem do t ropeirism o e do t ropeiro. Na sequência, a de seus usos, apropriações, representações no present e; e suas im plicações nas perspect ivas de fut uro para um a com unidade, os habit ant es do m unicípio de Bom Jesus. Se const rução, com o expost o acim a, pressupõe os elem ent os para a m esm a, quais seriam alguns desses elem ent os elencados, arrolados, escolhidos para dar consist ência e form a ao “ obj et o” const ruído, no caso os t ropeiros e o t ropeirism o?

(29)

reivindicam , pois “ alej ar en el t iem po el origen de unos sím bolos es est rat egia com ún a t oda afirm ación de identidad” ( SANMARTI N, 1993 apud PRATS, 1997, p. 19) . Esse afast am ento é um a operação at ual, que desconsidera a m udança de sentido dos sím bolos através do t em po, hom ologando e legit im ando sua significação, sem percebê- la com o algo at ribuído no present e. A possível origem do sím bolo perde- se no t em po, et erniza- se, t orna- se “ at em poral” , t ão perene, “ desde sem pre” , com o a própria nat ureza.

(30)

A const rução do discurso hist oriográfico que apresent a o t ropeirism o, a part ir de alguns aut ores da hist oriografia gaúcha ( t rat ados nest e capít ulo) , com o part e do processo de form ação de um Rio Grande do Sul nat uralm ent e port uguês e, consequent em ent e, brasileiro desde os t em pos coloniais, perm it e reflet ir sobre a construção de out ros enunciados discursivos a respeit o do tropeirism o. Esses discursos m ost ram novos cam inhos que possibilitam , nos capítulos seguintes, analisar não som ente com o o t ropeirism o é apresent ado para e no t em po present e, m as t am bém com preender a part ir de quais discursos hist oriográficos o t ropeirism o do t em po present e é est rut urado e t om a part e na vida dos agent es do m unicípio de Bom Jesus, com o m it o fundador da com unidade local. Ent ret ant o, é necessário que t enham os com o pont o de part ida a perspect iva de que, assim com o as diferentes apropriações e significações que a sociedade bom -j esuense faz do t ropeirism o são frut o do processo de const rução do passado e da ident idade, a cont ext ualização hist órica e a breve revisão hist oriográfica aqui apresentada tam bém são frut os de um a const rução, um a leit ura part icular e no hoj e.

O t ropeirism o enquant o at ividade pret érit a t em sido t em a de inúm eros t rabalhos de diferentes áreas do saber. Para m uit os dos t rabalhos de pesquisa realizados, principalm ent e no cam po da Hist ória, o int eresse por essa t em át ica foi cent rado na análise dos t ropeiros com o agent es que, de diferent es form as e int ensidades, dinam izaram o m ercado int erno colonial e int egraram o ent ão Rio Grande de São Pedro às dem ais áreas da Am érica port uguesa. Discurso que aponta, com o abordarem os neste capítulo, anacronicam ente a at ividade com o int egradora da sociedade brasileira.

Para com preender esses enunciados discursivos, num prim eiro m om ent o farei um a breve cont ext ualização do t ropeirism o no t em po passado para, post eriorm ent e, discut ir a const rução do t ropeiro com o m it o e herói, bem com o os discursos, a part ir dos quais tais const ruções e apropriações do passado t êm sido processadas.

1 .1 Sobre t ropeirism o e a abert ura de est radas no Rio Grande colonial

(31)

ainda não regist ravam os lim it es de países com o a Argent ina, o Brasil e o Uruguai. Eram tem pos em que as fronteiras oscilavam , m ovendo- se ao ritm o das disputas t errit oriais dos im périos ult ram arinos de Port ugal e Espanha. Tam bém naqueles t em pos, com o nos dias at uais, hom ens circulavam , com seus obj et os e suas ideias, nas am plas áreas da região plat ina. Mas o faziam de m odo inteiram ente dist into. Cruzavam as cam panhas, as planícies lit orâneas, a serra e os Cam pos de Cim a da Serra, at ravessavam pradarias, serrados e planalt os. Deslocavam - se sobre o lom bo de cavalos e m ulas, conduzindo rebanhos de gado bovino, m uar, ovino, suíno e equino, ent re out ros. Transport avam t oda a sort e de m ercadorias dest inadas a suprir as necessidades de regiões localizadas a cent enas de quilôm et ros. E, ao fazê- lo, acabavam por const ruir novas paisagens por onde passavam e est abeleciam cam inhos, perm eados por est rut uras de apoio às suas lides. O conj unt o dessas atividades de deslocam ent o e t ransport e de m ercadorias é regularm ent e conhecido com o t ropeirism o, dado o carát er de form ação de t ropas e t ropilhas de anim ais que ora apresentavam - se com o m eio de transporte, ora com o a própria m ercadoria a ser conduzida.

(32)

t am bém um a int ensa aproxim ação, na form a de t rocas com erciais, relações de parent esco, et c. À m edida que a presença de diversos agent es era increm ent ada, m aior era a quant idade dos novos cam inhos abert os e as dist âncias por est es cobertas.

Ao longo do século XVI I I , as rot as foram , paulat inam ent e, am pliadas e a at ividade do t ropeirism o consolidou- se. Consolidaram - se t am bém as est rut uras m at eriais a ela relacionadas. De form a que, além dos fluxos de hom ens, gado de t odo o t ipo, m ercadorias e ideias deslocadas pela região, espaços de fixos foram estabelecidos, com o suporte às ações desenvolvidas ao longo dos cam inhos. A paisagem foi alt erada pela configuração de diferent es espacialidades, que desenharam a nova ordem colonial sobre os, at é ent ão, t errit órios indígenas. Assim , as espacialidades indígenas foram alteradas, reorganizadas e repensadas sob novos propósit os, paut ados pelos int eresses dos agent es coloniais. Est e processo não esteve livre de tensões, m ais ou m enos agudas, segundo a int ensidade e dinam icidade das alt erações provocadas e as possibilidades do est abelecim ent o de adequações, negociações e consensos entre os suj eitos envolvidos ( SI LVA, A., 2006, 2008; SI LVA; BARCELOS, 2009) .

Desta m aneira, os olhares coloniais portugueses, deslocados para a Am érica m eridional, est iveram relacionados a dois m om ent os: o prim eiro, que inicia no século XVI I , consist e na aproxim ação de bandeirantes aos confins m eridionais da Am érica port uguesa, com o obj et ivo de capt urar m ão de obra indígena nas reduções de índios guarani estabelecidas pelos m issionários j esuítas no I tatin ( atual Mat o Grosso do Sul) , no Guairá ( atual Oeste do Paraná) e no Tape ( at ual Rio Grande do Sul) . A ação dos j esuít as ent re os Guarani do Tape havia iniciado em 1626, at ravés da evangelização prom ovida pelo padre Roque Gonzáles de Sant a Cruz, seguido m ais t arde por out ros com panheiros. Baseado na experiência desenvolvida na região do Guairá, os j esuít as prom overam a int rodução do gado bovino ent re os Guarani. Cont udo, o cont role sobre os rebanhos que se form avam era dificult ado pela falt a de dem arcações ou lim it es art ificiais ou nat urais nas áreas de past agem . Conduzindo anim ais para as planícies cost eiras, os Guarani e j esuít as t erm inaram por criar um a am pla área de reserva de gado. A proxim idade com o lit oral dos at uais Rio Grande do Sul e Uruguai levou à denom inação dessa área com o Vaquería del Mar, ou Vacaria do

(33)

inst aladas no Tape. Cont udo, após o acosso dos bandeirant es, j esuít as e índios afast am - se do t errit ório no qual est avam est abelecidos. Nessa ret irada, o gado ut ilizado para o sust ent o das Missões, deixado para t rás, se reproduziu livrem ent e, am pliando consideravelm ent e os rebanhos da Vacaria do Mar. Sem a presença j esuít ica no Tape, não era m ais possível m ant er o cont role e a posse sobre esses anim ais. Buenairenses, correntinos e santafesinos passaram então a abat er e ret irar anim ais da Vacaria do Mar, alegando direit os em um a discussão não isenta de argum entos hist óricos, frent e aos prot est os dos j esuít as. Paulat inam ent e, luso- brasileiros passaram a dirigir seu int eresse para os rebanhos. “ Est ava lançado o fundam ent o econôm ico básico de apropriação da t erra gaúcha: a preia do gado xucro.” ( PESAVENTO, 1994, p. 9) .

A crescent e presença de port ugueses e luso- brasileiros na região ao sul da capit ania de São Paulo a part ir do final do século XVI I não se deve, obviam ent e, apenas e t ão som ente à busca de ganhos com a exploração dos rebanhos de gado alçado na Vacaria do Mar. I nsere- se em um processo m ais am plo, onde a coroa port uguesa desenvolveu um a concepção geopolít ica segundo a qual as front eiras nat urais de seus dom ínios deveriam est ender- se at é a m argem nort e do rio da Prat a. Ao longo dos séculos XVI , XVI I e XVI I I , a conform ação nat ural servia com o balizadora para a dem arcação de lim it es, de m odo que cadeias de m ontanhas, colinas, rios e arroios, ent re out ros, serviriam de m arcos nat urais ent re áreas coloniais. E a enorm e bacia hidrográfica do rio da Prata era um fort e elem ent o a ser considerado no t ocant e aos lim it es t errit oriais da Am érica m eridional port uguesa.

(34)

j unt am ent e com o com ércio que iniciaram com Buenos Aires e out ras cidades espanholas do int erior.13

A presença port uguesa em lat it udes t ão elevadas am pliou a im port ância est ratégica não apenas da desem bocadura do rio da Prat a, m as de t oda a região circunvizinha. As terras localizadas a leste do rio Uruguai passaram a ser denom inadas Banda Orient al e, com o form a de garant ir a posse do t errit ório e a am pliação da ação m issionária, a Com panhia de Jesus decidiu pela fundação de novas reduções, a partir de 1682. Esse retorno se deu em um context o diferent e daquele present e nas prim eiras reduções do Tape. Ent re 1682 e 1706, os j esuít as lograram est abelecer set e reduções, que se som aram às out ras 23 assentadas na m esopot âm ia dos rios Uruguai e Paraná e ao nort e dest e últ im o, perfazendo t rint a reduções, m aj orit ariam ent e de índios guarani. A int egração com as dem ais reduções é um aspect o im port ant e a ser considerado. Durant e a prim eira m et ade do século XVI I I , os j esuít as prom overam um sist em a de t rocas e int ercâm bios ent re suas reduções, fazendo com que aquelas sit uadas na Banda Oriental passassem a se especializar na extração de erva- m ate e na criação de gado bovino. Cont udo, a ut ilização dos rebanhos da Vacaria do Mar se via prej udicada pela disput a com espanhóis e port ugueses. Dessa form a, os j esuít as est abeleceram na Banda Orient al est âncias de gado para cada um a das set e reduções e para a redução de Yapeyú, localizada na m argem oest e do rio Uruguai, em at ual t errit ório argent ino. Nessas estâncias, o controle sobre os rebanhos se fazia m ais efet ivo. Seguindo a lógica da época, rios, arroios e m at as foram ut ilizados com o lim it es ent re as est âncias, de form a a garant ir a posse individual de cada povoado sobre seus rebanhos.

Em 1704, diant e das frequent es ret iradas de gado da Vacaria do Mar por part e de colonos espanhóis e de portugueses, os j esuít as buscaram est abelecer um a nova reserva de gado, em um a área dist ant e das cidades coloniais plat inas e da Colônia do Sacram ent o. A região escolhida foi a dos at uais Cam pos de Cim a da Serra. A t opografia, j unt am ent e com a presença de m at as de araucária, oferecia as condições para evitar a dispersão dos anim ais ( BARCELOS, 2000; KÜHN, 2007; PESAVENTO, 1994; SI LVA, A., 2006) .

13 Especificam ente sobre a Colônia do Sacram ento a produção bibliográfica brasileira é pouco

(35)

Diferent e da Vacaria do Mar, form ada em consequência da perda do cont role sobre os rebanhos, essa nova vacaria fora frut o de um a iniciat iva planej ada pelos j esuít as. Cabeças de gado foram ret iradas das est âncias das reduções e a exploração deveria se dar de form a proporcional à contribuição de cada um a. A área ficou conhecida com o Vaquería de los Pinares, ou Vacaria dos

Pinhais, e a ela se refere o irm ão Silvest re Gonzáles ( 1705 apud DE MASY, 1989, p. 179) :

[ …] no tiene que hacer esta vaquería, con la bondad en un t odo, con la de Pinares, así en los pastos, com o en las aguadas, com o en las rinconadas, en el cam ino y en la cerca, y en la com odid; y tam bién en la com odid de hacer vacas y el poder ver desde luego adonde las hay. Algo m ás fría sí es que está, porque es tierra m ás alta, pero m ucho m ás am ena.

(36)

Figura 1 – “ Mapa de las Doctrinas del Paraná y Uruguay y de la Linea divisória del año 1750 en cuanto a estas doctrinas toca.” ( FURLONG, 1936, p. 98) . Nesse m apa é possível verificar as estâncias das reduções e seus lim ites, além das cidades colônias espanholas de Montevideo,

(37)

Figura 2 – “ Mapa de las Missiones de la Com pañía de Jesus en los rios Paraná y Uruguay. Año de 1749.” ( FURLONG, 1936, p. 71) . Nesse m apa está assinalada, entre os paralelos 26 e 29, próxim a

à m argem esquerda do m apa, a região dos Pinares.

(38)

cont ext o, a região sul da Am érica port uguesa est abeleceu fort es ligações econôm icas com out ros espaços coloniais, espanhóis e portugueses. E foi nesse m om ent o que os “ cam inhos do gado” ou “ cam inhos de t ropeiros” adquiriram significat iva im port ância, t anto para a dinam ização econôm ica e quest ões ligadas a t rocas e int ercâm bios cult urais quant o para o povoam ent o colonial da região ( SI LVA, A., 2006) .

I núm eras est radas e picadas foram abert as para o escoam ent o do gado e out ros produt os que abast eciam o m ercado local e de diferent es regiões. Rot as assum iram funções históricas que transcenderam o sim ples transporte de gado. Com o passar do tem po e a intensificação das at ividades dos t ropeiros, essas ant igas est radas foram t am bém im port ant es para a ocupação colonial das regiões do t ráfego t ropeiríst ico. Colonização que, para a Coroa port uguesa, foi sinônim o de posse do território ( BARROSO, 1979; 2006; JACOBUS, 1997; SI LVA, A., 2006) . Três dessas est radas m arcaram indelevelm ent e esse cont ext o:

a) “ Cam inho da Praia” : est rut urada a partir de 1703 por Dom ingos da Filgueira, seguia pelo lit oral, ent re a Colônia de Sacram ent o e Laguna; b) “ Cam inho dos Convent os” ou “ Cam inho de Sousa Farias” : abert o em 1728, part ia de Araranguá, cruzava pelos Cam pos de Cim a da Serra at é chegar à região da atual Curit iba;

c) “ Cam inho das Tropas” : est abelecido por volt a de 1731, por Crist óvão Pereira de Abreu, part ia de Viam ão, onde se localizava o Regist ro de Viam ão ( ou Guarda Velha, no at ual m unicípio de Sant o Ant ônio da Pat rulha) , seguia rum o ao nort e até alcançar os Cam pos das Vacarias, onde então cruzava o atual rio Pelot as ( ant es denom inado rio do I nferno) . Post eriorm ent e, dirigia- se aos Cam pos de Lages e aos Cam pos Curit ibanos, cruzava o rio Negro e o rio I guaçu, chegando ent ão aos Cam pos Gerais de Curit iba, onde se localizava o Regist ro de Curit iba, últim o registro antes da feira de Sorocaba.

(39)

relações, os quais const it uíram grande capit al polít ico e foram bast ant e privilegiados com o com ércio do gado e a apropriação de t erras sulinas ( HAMEI STER, 2002) .

No ent ant o, a análise desses cam inhos não deve ser resum ida a quest ões prát icas e logíst icas de um a só facet a, a econôm ica. Deve- se cham ar a at enção ao carát er social do tropeirism o, possibilit ador da dinam ização de fluxos e relações socioculturais int ensas. Tendo im plicado a t ransform ação do espaço por onde t rafegavam não só o gado ( de pequeno ou grande port e) , m as t am bém hom ens com suas ideias, seus cost um es, seus saberes e fazeres cot idianos, construindo assim o que cham am os de t ropeirism o ( SI LVA, A., 2006) . Por sua vez, o com ércio em lom bo de m ulas, represent ado pelos diversos t ipos de t ropas, m ovim entou a econom ia a part ir do prim eiro quart el do século XVI I I , ao longo do século XI X e início do século XX, quando paulat inam ent e as m ulas dão lugar ao t ransport e ferroviário e rodoviário.

Dest acar esse cont ext o em que a região da Banda Orient al est ava em disputa ent re as pot ências coloniais de Espanha e Port ugal j ust ifica- se na m edida em que part e da hist oriografia gaúcha t ratou de negar o passado espanhol do Rio Grande do Sul, e essa negação cont ribui largam ent e para o m it o da brasilidade

original do est ado e o papel do t ropeirism o na int egração “ nacional” , com o se verá adiante.

1 .2 A produção da Hist ória e a const rução do passado

(40)

Em um prim eiro m om ent o é im port ant e quest ionar: por que a hum anidade se int eressa pela hist ória? Ou ent ão, por que se int eressa pelo passado? Para Paul Veyne ( 1987) , dois são os m otivos:

a) porque os agent es pert encem a grupos sociais, fam iliares, et c., e seu passado pode despertar interesses de diferent es obj et ivos para diversos agent es envolvidos;

b) por sim ples curiosidade.

Ent re os dois m otivos Veyne ( 1987, p. 95) apont a o prim eiro com o m ais frequent em ent e referenciado por diferent es agent es, um a vez que envolve “ o sent im ent o nacional, a t radição: a hist ória seria a consciência que os povos t êm de si próprios” para const ruir um passado digno de ser ident ificável com o seu. Cont udo, os diferentes m otivos que j ust ificam a confort ante “ retom ada” do passado se dão de diversas form as: de acordo com a finalidade e o context o de uso e ident ificação com est e, da perspect iva de fut uro lançada, bem com o de sua at ualização. A part ir desses aspect os poderem os abordar a busca, por part e da sociedade bom - j esuense, no t ropeirism o, pela origem da cidade, por seu m it o fundant e e ident idade cult ural.

Nesse m ít ico ret orno ao passado, deve- se considerar a ação de diferent es agent es, com o, por exem plo: part e da com unidade local diret am ent e envolvida com a const rução da Terra do Tropeirism o; part e da com unidade que não se envolve, ao m enos diret am ent e, nesse processo; “ os de fora” , aqueles que visitam o m unicípio com finalidades turísticas e out ras. Ou sej a, considera- se quem produz e vivencia a hist ória const ruída com o sua; quem não se envolve na const rução dest a ou não a conhece – por com preender out ras dim ensões históricas, com as quais se sente partícipe e/ ou representado – e quem a consom e pela curiosidade de conhecer o outro diferente do “ seu” .

(41)

sua própria hist ória. O dever da m em ória faz de cada um o hist oriador de si m esm o.” ( NORA, 1993, p. 17) .

Para que t ais t ransform ações fossem possíveis e para que o passado t om asse lugar ent re as dem ais const ruções do t em po present e, fez- se necessário que a com unidade se posicionasse com o agente ativo e cont asse suas histórias. Que a escrevesse, não apenas com o lem branças, m as com a consciência do conhecim ent o produzido a part ir dest as. Com o at o de criação, frut o de um a at ividade int elect ual que apresent a, no t em po present e, a hist ória na qual os grupos sociais em presença reivindicam sua ident idade, na perspect iva de que “ não se poderia considerar o passado sem o ver através das inquietações do present e” ( VEYNE, 1987, p. 102) . Da m esm a form a, a busca das origens engrandece as populações, quant o m ais buscam os origens, m ais “ veneram os a nós m esm os através do passado” ( NORA, 1993, p. 19) .

Nessa perspect iva, a busca pelo passado acaba por criar a idealização de um a hist ória que segue o desenvolvim ent o dos obj et ivos t raçados pela com unidade e o poder público, em suas expect at ivas com o present e- fut uro. E a construção do t ropeirism o com o m it o profano fundant e da cidade é o cent ro da discussão. “ Os m it os são essenciais à polít ica de ident idade pela qual grupos de pessoas, ao se definirem hoj e por et nias, religião ou front eiras nacionais passadas ou present es, t entam encont rar algum a cert eza em um m undo incert o e inst ável.” ( HOBSBAWM, 1998, p. 19) .

Pode- se dizer que um m it o é, ent ão, a ( re- ) elaboração, a organização e a represent ação de um a realidade const ruída, com a função de nat uralizar, de m anter determ inados aspect os hist óricos ( OLSEN, 1990, p. 170) . Aceitos universalm ent e, ou dent ro de um cont ext o sociocult ural específico, os m it os possuem arquét ipos universais e, ao discut i- los, é necessário depurá- los, buscar os m últ iplos papéis e significados que lhes foram atribuídos nos processos que os const ruíram . Dessa form a,

(42)

Desde a produção historiográfica at é nos inst rum ent os de divulgação turística, nas produções artesanais, nos m ateriais didáticos, etc., em Bom Jesus percebe- se a construção do m ito, com o verem os nos capítulos seguint es. Um m ito que não foi iniciado pela população, m as sim alim ent ado por Hist órias que fizeram dele referência.

Na produção hist oriográfica que, de diferent es form as, apresent a o t ropeirism o, percebem os, por vezes, a reprodução de ideias de uns pelos out ros. Ao passo que a “ versão t ransm it ida” pelos predecessores form a um a t radição. Assim , as t radições hist oriográficas, repet idas inúm eras vezes e acrescidas das at it udes de coragem dos grandes heróis e da necessidade de narrar fat os e suj eit os enaltecedores do passado, acaba por criar heróis – com o o tão m encionado nos t rabalhos sobre t ropeirism o, Crist óvão Pereira de Abreu – em det rim ent o de out ros que, sem t erem t ido seus nom es escrit os nas linhas const ruídas pelas hist órias oficiais, desem penharam papéis t ão im port ant es e significat ivos quant o os “ heróis oficiais” .14

Ao analisar o t ropeirism o, a part ir da produção hist oriográfica t radicional, o que t em os encont rado em inúm eros t ext os é um suj eit o bravo ident ificado apenas com o “ t ropeiro” . Um herói sem nom e, à exceção de Crist óvão Pereira de Abreu, que, conhecido unicam ent e por seu t rabalho, desenhou t raj et os nunca antes percorridos, cruzou t errenos intransponíveis, desbravou m at os, enfrent ou e venceu feras indom áveis e índios de diferentes parcialidades culturais.15 É j ust am ent e a t ão cit ada bravura do t ropeiro, fechada no t em po passado, que perpassou, nos últim os anos, por boa part e da hist oriografia, apesar dos ainda

14 No capítulo 2 tratarei das ações de suj eitos que, de variadas form as, fazem de Bom Jesus a

Terra do Tropeirism o. Muitos desses agentes, em parte a partir das atividades e do papel social desem penhado pelo Senatro, encontraram seus espaços na história local. Um a história que, construída no presente, coloca a com unidade local na condição de suj eitos ativos na construção do passado- presente- futuro.

15 Poucos tropeiros são nom eados pela historiografia tradicional. Essa honraria ficou guardada aos

(43)

t ím idos t rabalhos que buscam out ras perspect ivas e abrem espaços a novos suj eit os e abordagens, ainda que inspirados nos heróis do passado.16

Para abordar os tropeiros na historiografia, visando dem onst rar com o a est es foram at ribuídos novos significados e papéis sociais, sendo m it ificados pela sociedade na busca de sua ident idade cult ural, iniciarem os com a análise de aut ores que seguem um viés t radicional,17 em contraponto com as novas produções. O prim eiro passo é o próprio conceit o de “ t ropeiro” que, para Flores ( 1996, p. 519) , é o

[ …] dono ou quem dirigia a tropa de gado vacum ou de m uares. Docum entos do séc. XVI I I , em Viam ão, referem - se indiferentem ente a tropeiro e com boieiro, um a das figuras m ais t radicionais do Planalto Meridional do Brasil e dos Cam pos de Viam ão. É condutor de tropa de gado, o peão da tropa, que leva tropas de seu patrão [ …] .

O tropeiro é apresentado com o alguém a serviço de out ros ou a seu próprio serviço, no t ransport e de anim ais ou produt os em lom bo de anim ais; é o condut or e/ ou propriet ário da t ropa. No ent ant o, para além do papel funcional por eles assum ido e exercido diant e de um a t ropa, a hist oriográfica cont em porânea, inspirada em est udos t radicionais, em linhas gerais, m ost ra- nos a vida dos t ropeiros da seguint e form a: “ at ravessavam ext ensos sert ões onde só havia indígenas e feras bravias, e rasgavam a solidão da s cam pinas at é os cantos m ais distantes do Rio Grande, chegando, por vezes, at é as part es

cast elhanas, at rás de m ercadoria e de negócios m ais vant aj osos” ( TRI NDADE,

1992, p. 58, grifo m eu) . Apesar de o aut or apont ar para a exist ência de indígenas, indica que o espaço “ rasgado” pelos t ropeiros est ava na solidão, sem

16 Nesse sentido, não desej o afirm ar que os tropeiros não foram im portantes no processo de

colonização europeia, na área correspondente ao atual estado do Rio Grande do Sul. No entanto, tais abordagens pouco ou nunca trataram de etnias que representam suj eitos ativos desse contexto. A bravura, a coragem e outros adj etivos heroicos narrados fazem parte de um discurso elaborado desde os anos 1920. Um discurso historiográfico que buscou, nesses hom ens, a brasilidade necessária para o contexto de construção da dita identidade nacional ( GUTFREI ND, 1992) . Em trabalhos recentes outros suj eitos, índios, negros, m ulheres, etc., têm sido abordados ( JACOBUS, 1997; SANTOS; BARROSO, 2004; SANTOS; SI LVA, 2003; SANTOS; VI ANNA; BARROSO, 1995; SANTOS et al., 2000; SI LVA, A., 2006; SI LVA; BARCELOS, 2009; SOUZA, 2004) .

17 Alguns autores são identificados com o positivistas, no entanto, segundo I eda Gutfreind ( 1992, p.

(44)

ninguém . Ao não reconhecer a ocupação indígena, Trindade com part ilha da ideia de um t ropeirism o nat uralm ent e luso- brasileiro, m as que, “ por vezes, at é” avançava espaços castelhanos. Aspectos que serão aprofundados m ais adiante.

Já a pesquisadora e escrit ora Anit a Mart ins Fraga ( 2004) apresenta o t ropeiro de form a m ais det alhada. Vej am os:

O tropeiro, desde o Brasil nascente, até m eados do século XX,

arquit et ou nossa Pát ria, de sul a nort e. Foi aquele hom em

destem ido e laborioso – que ( tanto na sua em presa rural, com o a repontar as tropas de alim árias, por longo tem po e distância) se constituiu no form ador de com unidades rurais e urbanas [ …] . Hom em , quiçá rude, ao m esm o tem po dócil, porque lapidado pelas arestas de sua faina a desbravar cam inhos inóspitos, onde por vezes, obrigava- se dorm ir ao relent o [ …] . Todavia, de sem elhant e am adurecido pelos galopes e corcovos dessas tropeadas, tam bém irradiava bondade e alegria não só pelo sucesso, sobretudo, pela em oção da volta ao aconchego fam iliar, após o dever cum prido. ( FRAGA, 2004, p. 601, grifo m eu) .

Nesses excert os dos t ext os de Trindade ( 1992) e Fraga ( 2004) , m esm o que inconscient em ent e, os aut ores represent am bons exem plos da m aneira com o a historiografia tradicional aborda esse agente social, fazendo- o ícone heroico que rasgou solitariam ente cam pos e m atas, ficou m eses longe de sua fam ília e percorreu cam inhos inóspit os. Trat a- se de um hom em que est á acim a do bem e do m al, um hom em rude e, paradoxalm ent e, afável, sem m uit os luxos, sério e de grande coração. O exem plo clássico de dedicação à causa port uguesa, à int egração nacional brasileira18 e de grande honest idade. Adj et ivos que geraram , nas com unidades contem porâneas, m uit o m ais do que o enalt ecim ent o, m as um a verdadeira dívida com um t em po passado que lhes deixou com o “ herança” t am anhas virt udes.

A aut ora cit ada acim a finaliza seu art igo coroando definit ivam ent e o t ropeiro com o herói: “ a guardilha, t enacidade e habilidade no agir do t ropeiro, ent re t ant os perigos, onde ent ra em j ogo a própria vida. Aí, percebe- se a presença de Deus escondida sob os sinais da Hist ória de cada um desses heróis.” ( FRAGA, 2004, p. 605) .

18 Parte da historiografia atribui aos tropeiros o papel de terem feito do Rio Grande um espaço

português e, anacronicam ente, por se tratar do período colonial, o elem ento unificador da nação

Referências

Documentos relacionados

A Parte III, “Implementando estratégias de marketing”, enfoca a execução da estratégia de marketing, especifi camente na gestão e na execução de progra- mas de marketing por

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Resultados Gerais do SPAECE (v.2); Boletim de Resultado da Escola (v.3); Boletim Contextual: Fatores associados ao desempenho 14 (v.4). No volume 4 ‘Boletim Contextual: Fatores

Neste capítulo, tendo como referência o caso de gestão intitulado gestão e Aprendizagem: Evidenciando o Pacto pela Educação, que buscou avaliar a ação dos gestores

Embora ainda não haja uma padronização quanto aos valores das velocidades das ondas de cisalhamento para o tecido mamário, considera-se que ondas menores de 2 m/s são indicativas

To demonstrate that SeLFIES can cater to even the lowest income and least financially trained individuals in Brazil, consider the following SeLFIES design as first articulated

De acordo com o exposto, verifica-se que a teoria e a legislação portuguesa, acrescidas das diretivas europeias sobre o audiovisual, podem contribuir para a definição de