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Escrita e leitura que tecem o cotidiano de pessoas pouco escolarizadas: um estudo

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Academic year: 2017

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THAINARA BONFANTE GASPARINI

ESCRITA E LEITURA QUE TECEM O

COTIDIANO DE PESSOAS POUCO

ESCOLARIZADAS: UM ESTUDO

Rio Claro 2015

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ESCRITA E LEITURA QUE TECEM O COTIDIANO DE PESSOAS

POUCO ESCOLARIZADAS: UM ESTUDO

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estatual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Câmpus de Rio Claro, para a obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia.

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80 f. : il., figs., tabs., quadros

Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro

Orientador: Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo 1. Educação de adultos. 2. Práticas culturais. 3. Educação de Jovens e Adultos. I. Título.

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À minha família, em especial aos meus pais e irmã, pela presença constante durante esta etapa da minha vida, pelo apoio e confiança em mim depositados. Vocês tornaram o meu sonho possível. E ao meu namorado, pela amizade e companhia de todas as horas.

Aos meus amigos da turma de Pedagogia, com carinho à Monise, Danielly, Juliane, Rafaela, Tatiane, Mariana e Hellen pela amizade, companhia, conversas, festinhas, trabalhos, enfim, por todos os dias e momentos compartilhados. Que a amizade construída durante esses quatro anos permaneça mesmo distantes. E aos meus professores, que me ensinaram, acima de tudo, a ser mais humana.

À professora Maria Rosa, pela orientação dos trabalhos que juntas escrevemos, pela sensibilidade e olhar sempre atento, por não dar todas as respostas, mas ajudar a formular as perguntas, por caminhar comigo na construção desse trabalho e por contribuir em possibilidades de uma educação outra.

Agradeço aos educadores(as) e educandos(as) do PEJA - Rio Claro, por me acolherem nessa família, pelos encontros de aprendizagem, por compartilharem comigo momentos de angustia e alegria, pelas leituras, conversas e discussões que possibilitaram a escrita desse trabalho. Ensinaram-me que quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, como disse Paulo Freire.

À D. Dirce, educanda, poetisa e amiga muito especial, pelo carinho e ternura, pelas conversas, dedicação, honestidade e amor em tudo o que faz, pela ajuda constante e por fazer parte do processo e escrita desse trabalho, sem você este não seria possível. Obrigada por ser quem tu és.

Com vocês, familiares, amigos, professores, orientadora e PEJA comecei a me fazer professora.

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Este estudo visa aprofundar as reflexões sobre as práticas de leitura e escrita efetivadas por pessoas jovens e adultas pouco escolarizadas. A partir das experiências vivenciadas enquanto educadora do Projeto de Educação de Pessoas Jovens e Adultas: Práticas e Desafios (PEJA) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), câmpus de Rio Claro, que instigaram-me a olhar para as práticas de leitura e escrita de pessoas pouco escolarizadas, surgiram algumas indagações que aqui se colocam enquanto problemas da pesquisa: O que move as práticas de leitura e escrita efetivadas por esses sujeitos, pessoas comuns? E qual o sentido atribuído pelo sujeito que escreve e lê às suas próprias práticas de escrita e leitura? Pautando-se por uma abordagem qualitativa, o presente estudo se organiza iniciando-se pelo levantamento realizado nos trabalhos submetidos e encomendados, no período de 2000 a 2013, nos Grupos de Trabalho GT-18, GT-10 e GT-03, nas Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) sobre a temática. Na sequência, aponto as contribuições teóricas de autores tais como Roger Chartier e Michel de Certeau sobre as práticas de ler e escrever, assumidas como práticas culturais. Por fim, apresento e comento tópicos das entrevistas realizadas com uma educanda que se faz poetisa no PEJA - Rio Claro e o levantamento dos escritos por ela produzidos, de modo a constituir um arquivo de sua produção escrita. A análise do material coletado nos faz perceber que tais práticas ultrapassam a esfera escolar produzindo outros sentidos; portanto o ensino escolarizado transcende a prática educativa escolar. Há que se refletir sobre a existência da diversidade de saberes e descobrir modos outros de realização de trabalhos que atrelem os saberes escolares e as práticas culturais.

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Quadro 1 - Autor e título dos trabalhos selecionados dos GTs no período de 2000 a

2013...26

Figura 1 - Capa do caderno de D. Dirce...45

Figura 2 - Primeira página do caderno de D. Dirce...46

Figura 3 - Segunda página do caderno de D. Dirce...46

Figura 4 - Poesia “Infância, Saudade Tamanha!”...51

Figura 5 - Poesia “Mulheres em todos os tempos!”...54

Figura 6 - Texto “O tempo”...56

Figura 7 - Texto “Vou-me para Unesp”...58

Figura 8 - Poesia “O rio quis abraçar o mar”...60

Figura 9 - Texto “O capinzal extinto”...62

Figura 10- Fotos do capinzal extinto...63

Figura 11 - Poesia “A garça”...64

Figura 12- Fotografia da garça...64

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Tabela 1 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 18 no período de 2000 a 2013...21

Tabela 2 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 18 no período de 2000 a 2013...21

Tabela 3 - Seleção final dos trabalhos do GT 18 no período de 2000 a 2013...22

Tabela 4 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 10 no período de 2000 a 2013...22

Tabela 5 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 10 no período de 2000 a 2013...23

Tabela 6 - Seleção final dos trabalhos do GT 10 no período de 2000 a 2013...23

Tabela 7 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 3 no período de 2000 a 2013...24

Tabela 8 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 3 no período de 2000 a 2013...24

Tabela 9 - Seleção final dos trabalhos submetidos do GT 3 no período de 2000 a 2013...25

Tabela 10 - Total de trabalhos submetidos e encomendados dos GTs no período de 2000 a 2013...25

Tabela 11 - Seleção inicial de trabalhos submetidos e encomendados dos GTs no período de 2000 a 2013...25

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ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

EJA - Educação de Jovens e Adultos

PEJA - Projeto de Educação de Pessoas Jovens e Adultas: Práticas e Desafios

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INTRODUÇÃO...10

1 CAMINHOS PERCORRIDOS...16

2 EM BUSCA DAS PRÁTICAS DA LEITURA E ESCRITA EM TRABALHOS NA ANPEd...20

3 LEITURA E ESCRITA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS...29

4 ESCRITA E LEITURA QUE TECEM O COTIDIANO DE D. DIRCE...36

4.1 D. Dirce: Um Arquivo em Produção...49

4.2 Escrita e leitura que se tecem. Um arquivo em produção...produz o que?...68

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...73

REFERÊNCIAS...75

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INTRODUÇÃO

Pretende-se com esta pesquisa aprofundar as reflexões sobre as práticas culturais de leitura e escrita efetivadas por pessoas jovens e adultas pouco escolarizadas, que se encontram em salas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), no município de Rio Claro, São Paulo. Neste trabalho o foco de aprofundamento converte-se no acompanhamento das práticas de leitura e escrita, enfatizando-se esta, tomando como sujeito participante uma educanda que vem acompanhando uma turma do Projeto de Educação de Pessoas Jovens e Adultas: Práticas e Desafios (PEJA - Rio Claro)1 da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), câmpus de Rio Claro. As reflexões no âmbito desse Projeto - PEJA - têm repercutido em nossas considerações das referidas práticas, em salas de EJA, no ensino regular.

Esta proposta vem em concomitância ao projeto intitulado “Escrita, linguagem e experiência: reflexões acerca da produção escrita por pessoas pouco escolarizadas como espaço de interlocução e formação com professores”, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo, aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo número 406934/2012-6, com vigência de 12 de dezembro de 2012 a 11 de dezembro de 2014 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências da Unesp - câmpus de Rio Claro, decisão CEP número 066/2013, protocolo número 2922.

O interesse pelo tema da pesquisa está relacionado diretamente à minha participação como colaboradora e bolsista no PEJA - Rio Claro. Ainda no primeiro ano de graduação no curso de Pedagogia, confusa e ansiosa, à procura de um grupo de estudos sobre educação que me despertasse curiosidade, encontrei no PEJA um espaço fecundo de discussões a respeito da educação de pessoas jovens e adultos e das práticas culturais.

1 O PEJA - Rio Claro integra o Programa de Educação de Jovens e Adultos, desenvolvido na Unesp,

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As experiências vivenciadas e compartilhadas nestes quase quatro anos enquanto educadora no PEJA instigou-me a olhar às práticas de leitura e escrita de pessoas pouco escolarizadas. Destaco entre estas duas experiências marcantes que justificam a escolha pessoal pelo tema. No ano de 2012, em um dos encontros da Turma do Bonsucesso, composta em sua maioria por mulheres migrantes pouco escolarizadas, uma educanda demostrou interesse em escrever uma carta para uma educadora que não participava mais do projeto e aos poucos, essa escrita foi envolvendo outras mulheres educandas que integravam a turma. O motivo que pautou essa escrita para as educandas foi à busca por informação acerca do cotidiano de pessoas queridas, inserindo-se temas, tais como: atividades desenvolvidas no PEJA; saudade; trabalho; etc. Esta ideia despertou não só a escrita de uma carta, mas toda uma atividade que abarcou as práticas de leitura e escrita, com o objetivo de dar sentido a essas práticas em sua perspectiva dialógica, que envolve interlocutores diversos, nas aulas de alfabetização. As cartas proporcionaram a contato com a linguagem própria da correspondência postal. Estas foram enviadas e perante as respostas recebidas foi trabalhada a leitura. A experiência proporcionou às educandas um contato com as cartas, como meio de comunicação entre pessoas, possibilitando-as serem as autoras e de se reconhecerem como parte de uma cultura, que também é construída por elas. A escrita de cartas por mulheres pouco alfabetizadas gerou algumas reflexões escritas que foram apresentadas em congressos e seminários na área da educação permitindo minha participação em outros espaços de difusão de conhecimentos, o que considero de extrema importância para a formação profissional, acadêmica e pessoal. A segunda experiência ocorreu na Turma da Comunidade ao ter contato logo nos primeiros meses como educadora com uma senhora pouco escolarizada que se faz poetiza através de suas experiências de escrita no PEJA, esta apresenta uma prática efetiva de ler e escrever que adere ao cotidiano, e se caracteriza como sujeito participante desta pesquisa.

A participação efetiva como bolsista e educadora no PEJA levou-me a desenvolver um projeto de iniciação científica2 financiada pelo CNPq e integrado ao projeto “Escrita, linguagem e experiência: reflexões acerca da produção escrita por pessoas pouco escolarizadas como espaço de interlocução e formação com professores” acima mencionado. Tendo como objetivo apontar elementos que contribuíssem para o campo da educação de jovens e adultos no Brasil, norteando-se por dois eixos de ação: a) tomar como objeto de

2 Processo número 120451/2013-1 com vigência de 1º de agosto de 2013 a 31 de julho de 2014.

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estudo as práticas de ler e escrever, efetivadas por pessoas pouco escolarizadas, que se encontram em salas de EJA, em escolas municipais de Rio Claro - São Paulo, através de questionários composto de duas partes, a primeira com perguntas referentes aos dados pessoais visando traçar um perfil socioeconômico, trajetórias escolares e contatos com objetos culturais (livros, jornais, rádios etc.) e a segunda parte com questões semiabertas, sobre tópicos que remetem às práticas de leitura e escrita. A análise dos dados do questionário norteará a seleção de sujeitos participantes para entrevistas, as quais visavam à busca do sujeito praticante da escrita; e b) propor espaços de discussão e formação envolvendo professores que atuam em EJA, a partir das questões suscitadas com propósito de mediação entre os saberes que constituem as práticas de leitura e escrita dos alunos e possíveis desdobramentos para a ação transformadora das práticas pedagógicas. Inicialmente a proposta para esse trabalho de conclusão de curso envolvia como sujeito participante da pesquisa educandos do PEJA e alunos da EJA que participassem das entrevistas do projeto descrito, mas devido a um atraso no cronograma do projeto, nesta pesquisa serão apresentadas e analisadas apenas entrevistas realizadas com uma educanda do PEJA.

Cabe informar que venho acompanhando e colaborando no projeto referido desde o início da aplicação dos questionários em 4 escolas públicas de Rio Claro (205 questionários respondidos), da tabulação minuciosa dos dados, análise, apresentação e discussão desses dados com os professores das escolas envolvidas.

Além da afinidade pessoal pelo tema, essa pesquisa também se justifica pela necessidade de aprofundar estudos e reflexões sobre as práticas de leitura e escrita enquanto práticas culturais efetivadas por pessoas pouco escolarizadas, pois temos constatado que pouca atenção tem sido voltada aos processos de escrita focando o sujeito que escreve, objetivando apontar elementos que possam contribuir para o campo da educação de jovens e adultos.

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referidos objetos materiais, situados no campo da linguagem e, particularmente, em apontamentos sobre a escrita de si. A realização desse trabalho e dos trabalhos acima mencionados aporta-se na abordagem da história cultural (CHARTIER 2002; CERTEAU 1998), e nos estudos da linguagem (BAKHTIN, 1997).

Segundo Barros (2005) a história cultural, que se torna mais evidente nas últimas décadas do século XX não se restringe a investigar apenas a produção cultural reconhecida oficialmente, ignorando as manifestações da cultura popular e a vida cotidiana enquanto parte do mundo da cultura, pois,

Ao existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual ou um artesão. A própria linguagem e as práticas discursivas que constituem a substância da vida social embasam esta noção mais ampla de Cultura. (BARROS, 2005, p. 127).

A história cultural tem um de seus focos na produção e na recepção dos objetos culturais, estes, que podem ser localizados no campo das Artes, Literatura e Ciência, relacionadas à “cultura letrada” e os objetos da “cultura popular” produzidos na vida cotidiana. Para entender melhor os mecanismos de produção e recepção, Barros (2005) cita o livro como exemplo, no qual o escritor desempenha o papel de produtor cultural ao escrever um livro, e o leitor comum através de suas especificidades recria o texto lido, desempenhando também o papel de produtor cultural. “Desta forma, uma prática cultural não é constituída apenas no momento da produção de um texto ou de qualquer outro objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção.” (BARROS, 2005, p. 128).

Destaca-se também o interesse pelos sujeitos produtores e receptores de cultura e pelos mecanismos de produção e transmissão desta, as práticas e processos. Neste caso, a prática cultural “deve ser pensada não apenas em relação às instâncias oficiais de produção cultural, às instituições várias, às técnicas e às realizações [...], mas também em relação aos usos e costumes que caracterizam a sociedade examinada pelo historiador.” (BARROS, 2005, p. 131).

A história cultural para Chartier (2002, p. 16-17) “tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.”.

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práticas sejam nas cartas, diários, cadernos de poesias, ou cadernos que são veículos de diálogo consigo mesmo, aderem-se ao cotidiano, são suportes materiais que evidenciam invenções no e do cotidiano (CERTEAU, 1998) das vidas de quem escreve, e geram indagações, que aqui se estabelecem enquanto problemas de pesquisa:O que move as práticas de leitura e escrita efetivadas por esses sujeitos, pessoas comuns? E qual o sentido atribuído pelo sujeito que escreve e lê à suas próprias práticas de escrita e leitura?

Sendo assim, a construção desta pesquisa tem como objetivo geral buscar compreender o que move a escrita e a leitura, entendendo-as como propulsoras dos significados construídos e modificados, no e do próprio ato de escrever pelos sujeitos participantes envolvidos; e qual o sentido atribuído pelo sujeito que escreve e lê à suas próprias práticas de escrita e leitura. E apoia-se nos seguintes objetivos específicos:

- Levantar pesquisas já desenvolvidas sobre práticas de leitura e escrita realizadas por pessoas jovens e adultas pouco escolarizadas;

- Coletar e analisar depoimentos através de entrevistas sobre o que move e quais os sentidos das práticas de ler e escrever para estes sujeitos participantes;

- Rastrear e analisar objetos materiais que são suportes de práticas da escrita e da leitura, produzidos pelos sujeitos participantes dessa pesquisa;

- Levantar e analisar indicadores que possam contribuir para as questões que interpenetrem os conceitos de práticas sociais de escrita e leitura, realizadas por pessoas de pouca escolarização.

Esta pesquisa está organizada em quatro seções. Na primeira seção são apresentados os referenciais metodológicos e o percurso deste trabalho; a segunda seção traz um levantamento realizado nos trabalhos submetidos e encomendados em Grupos de Trabalho das Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) sobre a temática, qual seja, práticas de ler e escrever entre pessoas pouco escolarizadas; na terceira seção faço algumas considerações teóricas sobre as práticas de ler e escrever e na quarta seção apresento o que levou à escolha do sujeito participante da pesquisa – D. Dirce3, apresento-a, comento tópicos das entrevistas com ela realizadas e trago o

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1 CAMINHOS PERCORRIDOS

A pesquisa em questão foi desenvolvida através da abordagem qualitativa, assim descrita por Bogdan e Biklen (1994) suas principais características,

Utilizamos a expressão investigação qualitativa como um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo outrossim, formuladas com o objetivo de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa possam vir a selecionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16, grifo do autor).

E compreende a seguintes etapas: estudos sobre as perspectivas teórico-metodológicas de pesquisa com o objetivo de tomar conhecimento das dimensões que constituem uma pesquisa, seus métodos de investigação, análise de dados e sistematização do conhecimento produzido; pesquisa bibliográfica relacionada com a temática da pesquisa objetivando ampliar a compreensão acerca do campo da EJA e ter contato com sistemáticas de atualização de estudos; pesquisa de campo e análise do material coletado.

No intuito de focar os estudos das perspectivas teórico-metodológicas da pesquisa foram realizadas leituras de artigos em periódicos científicos que tematizam o campo da Educação de Jovens e Adultos (FERRARO, 2008; MAZZA; SALLES; CAMARGO, 2002; RIBEIRO; VÓVIO; MOURA, 2002), textos de base metodológica (BOGDAN; BLIKEN, 2004; MEIHY, 1996) e autores que embasam uma reflexão crítica do campo como Michel de Certeau, Roger Chartier, e Jorge Larrosa, com o objetivo de compreender a escrita e a leitura enquanto práticas culturais.

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científica no campo em que se insere a pesquisa, abarcando o período de 2000 a 2013. Com isso pretende-se apresentar o que vem sendo realizado sobre o tema em outras pesquisas, nos últimos treze anos, data que se refere à formulação do PEJA.

A pesquisa de campo compreende o levantamento dos dados, que se referem “[...] aos materiais em bruto que os investigadores recolhem do mundo que se encontram a estudar; são os elementos que formam a base da análise.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 149). Para isso foi utilizada a história oral temática como base.

De acordo com Meihy (1996) a história oral se preocupa com o registro e análise de documentos recolhidos e editados e com “a inclusão de histórias e versões mantidas por seguimentos populacionais antes silenciados, por diversos motivos, ou que tenham interpretações próprias, variadas e não-oficiais, de acontecimentos que se manifestam na sociedade contemporânea.” (MEIHY, 1996, p.9).

A história oral dá sentido social às experiências vividas e desconstrói o conceito de “personagem histórico” ligado apenas aqueles que deixaram marcas oficiais, os grandes homens, pois entende que todos os cidadãos fazem parte do mesmo processo. Além disso, trabalha com questões do cotidiano, “evidenciando que a história dos ‘cidadãos comuns’ é trilhada em uma rotina explicada na lógica da vida coletiva de gerações que vivem no presente.” (MEIHY, 1996, p. 11).

Está diretamente ligada a depoimentos gravados através de entrevistas, principalmente individuais, que para melhores reflexões e estudos, devem ser revertidas para a linguagem escrita. Na história oral, o entrevistado deixa de ser um mero objeto de pesquisa ou apenas um informante.

A história oral temática utilizada para o desenvolvimento dessa pesquisa parte de um assunto específico e preestabelecido (práticas de leitura e escrita), então o grau de condução da entrevista pelo entrevistador é maior. Para que as respostas sejam mais completas, é necessário de um roteiro mais indutivo, com questões mais complexas, contextualizadas e em tópicos principais. (MEIHY, 1996).

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de poesias que retratam experiências vividas (infância, juventude, mãe e esposa, dona de casa). A cada entrevista um retalho foi tecido, transformando-se em uma colcha de escritos e histórias, histórias em escritos.

De acordo com Bogdan e Biklen “[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo.” (1994, p. 134).

A realização de entrevistas é fundamental para um aprofundamento do objeto de estudo. Nossa opção é pela entrevista semiestruturada, pois se desenrola a partir de um roteiro básico sobre o tema, aplicado de forma mais flexível, permitindo adaptações quando necessário. Para isso, é preciso estar atento às exigências, tais como: respeito ao entrevistado; capacidade de ouvir e de captar sinais não verbais; tratar de assuntos familiares aos sujeitos, etc. (LUDKE; ANDRÉ, 1986). Ao solicitar que o sujeito compartilhe algo consigo é importante não avalia-lo, para que este não se sinta diminuído, o papel do investigador “[...] não consiste em modificar pontos de vista, mas antes em compreender os pontos de vista dos sujeitos e as razões que os levaram a assumi-lo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 137).

Através das entrevistas D. Dirce disponibilizou seusmateriais escritos, sendo possível a produção de um arquivo de escritos. “O objectivo de recolher este tipo de materiais é de ‘obter provas detalhadas de como as situações sociais são vistas pelos seus actores e quais os significados que vários factores têm para os participantes.’” (ANGELL, 1945, p. 178 apud BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 177).

Constituem como material de análise os depoimentos gravados através das entrevistas com D. Dirce e seus materiais escritos disponibilizados para a pesquisa. A análise desse material norteia-se por categorias de codificação, formuladas a partir de questões da investigação.

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recolhendo os dados. Deve anotar estas categorias para as utilizar mais tarde. [...] um passo crucial na análise dos dados diz respeito ao desenvolvimento de uma lista de categorias de codificação depois de ter recolhido os dados e de se encontrar preparado para os organizar. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.221, grifo do autor).

Às categorias de codificação, associo os eixos temáticos delineados no material coletado, que se encontram entrelaçados. A título de organização, considero-os como as práticas de leitura e escrita na infância; leitura e escrita após conhecer o PEJA; seu caderno de registros diversos; livro PEJA e anseio de publicações outras. Os eixos, como compostos, encontram-se na quarta seção. Destaco que os elementos ali contidos podem contribuir para o campo da educação de jovens e adultos, mais especificadamente às práticas culturais de ler e escrever efetivadas por pessoas pouco escolarizadas e para possíveis desdobramentos da ação transformadora de práticas pedagógicas.

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2 EM BUSCA DAS PRÁTICAS DA LEITURA E ESCRITA EM TRABALHOS NA ANPEd

Foi realizado um levantamento dos trabalhos submetidos e encomendados em Grupos de Trabalhos das Reuniões Anuais da ANPEd, um dos principais eventos científicos em Educação no Brasil, como segue: GT 18 - Educação de Pessoas Jovens e Adultas; GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita e GT 3 - Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos. Os GTs especificados são campos relevantes para acompanhar parcela significativa da produção científica no campo em que se insere a pesquisa. Abarcando o período de 2000 a 2013, pretende-se apresentar o que vem sendo realizado sobre o tema em outras pesquisas, nos últimos treze anos, data que se refere à formulação do PEJA.

Após o levantamento e a coleta dos resumos foram selecionados trabalhos que focam mais diretamente as práticas de leitura e escrita entre pessoas jovens e adultas pouco escolarizadas. A continuidade deu-se com a leitura dos textos completos selecionados buscando a emergência de categorias analíticas (assumindo-as como eixos temáticos) que remetam às práticas da leitura e escrita, na escola ou fora dela. A leitura dos trabalhos selecionados foi delineando eixos temáticos que se organizaram em torno das seguintes questões: Quem são os sujeitos dessas práticas? Onde eles estão? Que relações os sujeitos estabelecem com o objeto da pesquisa? É o próprio sujeito que diz sobre suas práticas de leitura e escrita?

O levantamento iniciou-se nos anais eletrônicos da 36ª reunião da ANPEd (2013) à 23ª reunião (2000), totalizando 556 trabalhos submetidos e 13 trabalhos encomendados nos três GTs analisados (GT 18 – 186 submetidos e 6 encomendado; GT 10 – 206 submetidos e 3 encomendado e GT 03 – 164 submetidos e 4 encomendados) . Destes, inicialmente foram selecionados 49 trabalhos submetidos (GT 18 – 29 submetidos; GT 10 – 19 submetidos e GT 03 – 1 submetido). E a seleção final totaliza 23 trabalhos submetidos (GT 18 – 13 submetidos; GT 10 – 9 submetidos e GT 03 – 1 submetido).

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x Tabelas referentes ao GT 18:Educação de Pessoas Jovens e Adultas

Tabela 1 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 18 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36 12 1

2012 35 16

2011 34 16 1

2010 33 13

2009 32 15

2008 31 15

2007 30 11 1

2006 29 10 1

2005 28 22 2

2004 27 10

2003 26 9

2002 25 10

2001 24 11

2000 23 16

Total 186 6

Fonte: Elaborado pela autora.

Tabela 2 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 18 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36

2012 35 4

2011 34 2

2010 33 1

2009 32 1

2008 31 1

2007 30 3

2006 29 3

2005 28 6

2004 27 3

2003 26

2002 25

2001 24 3

2000 23 2

Total 29 0

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Tabela 3 - Seleção final dos trabalhos do GT 18 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos

2013 36

2012 35 1

2011 34 2

2010 33 1

2009 32

2008 31

2007 30 2

2006 29 1

2005 28 3

2004 27 1

2003 26

2002 25

2001 24 2

2000 23

Total 13

Fonte: Elaborado pela autora.

x Tabelas referentes ao GT 10: Alfabetização, Leitura e Escrita

Tabela 4 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 10 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36 13 1

2012 35 17 1

2011 34 22 1

2010 33 17

2009 32 18

2008 31 18

2007 30 15

2006 29 11

2005 28 19

2004 27 13

2003 26 8

2002 25 10

2001 24 11

2000 23 14

Total 206 3

(25)

Tabela 5 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 10 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36 3

2012 35 2

2011 34 4

2010 33

2009 32 1

2008 31 2

2007 30 2

2006 29 1

2005 28 1

2004 27

2003 26 1

2002 25 1

2001 24 1

2000 23

Total 19 0

Fonte: Elaborado pela autora.

Tabela 6 - Seleção final dos trabalhos do GT 10 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos

2013 36 2

2012 35 3

2011 34 2

2010 33

2009 32

2008 31 1

2007 30

2006 29

2005 28

2004 27

2003 26

2002 25 1

2001 24

2000 23

Total 9

(26)

x Tabelas referentes ao GT 3: Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos

Tabela 7 - Quantidade de trabalhos submetidos e encomendados do GT 3 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36 8 1

2012 35 15 1

2011 34 17 1

2010 33 12

2009 32 7

2008 31 12

2007 30 9

2006 29 11

2005 28 19

2004 27 15

2003 26 11 1

2002 25 11

2001 24 11

2000 23 6

Total 164 4

Fonte: Elaborado pela autora.

Tabela 8 - Seleção inicial dos trabalhos submetidos e encomendados do GT 3 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos Encomendados

2013 36

2012 35

2011 34 1

2010 33

2009 32

2008 31

2007 30

2006 29

2005 28

2004 27

2003 26

2002 25

2001 24

2000 23

Total 1 0

(27)

Tabela 9 - Seleção final dos trabalhos submetidos do GT 3 no período de 2013 a 2000

Ano Reunião Submetidos

2013 36

2012 35

2011 34 1

2010 33

2009 32

2008 31

2007 30

2006 29

2005 28

2004 27

2003 26

2002 25

2001 24

2000 23

Total 1

Fonte: Elaborado pela autora.

x Tabelas e quadro relacionados à seleção geral dos trabalhos

Tabela 10 - Total de trabalhos submetidos e encomendados dos GTs no período de 2013 a 2000

GTs Submetidos Encomendados

GT 18 186 6

GT 10 206 3

GT 03 164 4

Total 556 13

Fonte: Elaborado pela autora.

Tabela 11 - Seleção inicial de trabalhos submetidos e encomendados dos GTs no período de 2013 a 2000

GTs Submetidos Encomendados

GT 18 29 0

GT 10 19 0

GT 03 1 0

Total 49 0

(28)

Tabela 12 - Seleção final dos trabalhos submetidos dos GTs no período de 2013 a 2000

GTs Submetidos

GT 18 13

GT 10 9

GT 03 1

Total 23

Fonte: Elaborado pela autora.

Quadro 1 - Autor e título dos trabalhos selecionados dos GTs no período de 2013 a 2000

Seleção Final

Autor/ Título GT Ano

SOUZA, Marta. O sentido da escola para adultas pouco escolarizadas: a escola na

contramão 18 2012

VALLE, Mariana Cavaca Alves do. A prática da leitura literária de mulheres na

EJA 18 2011

SIMÕES, Fernanda Maurício; FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis.

Apropriação de práticas de letramento escolares por estudantes da EJA 18 2011 PEREIRA, Andréia da Silva. A produção de textos na educação de jovens e

adultos: questões sobre gênero e linguagem 18 2010

PIMENTEL, Álamo. As narrativas identitárias das produções textuais em

educação de jovens e adultos 18 2007

CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora; SILVA, Maria Cristina Borges da; NEVES, Vilma Fernandes. Letramento de jovens e adultos com ênfase nas questões socioambientais

18 2007

BARRETO, Sabrina das Neves; DIAS, Cleuza Maria Sobral. O processo de

alfabetização no MOVA-RS: narrativas e significados na vida de mulheres 18 2006 SOUZA, Marta Lima de. Letramento e hibridismo: a relação oral e escrita na

aprendizagem da linguagem escrita de jovens e adultos 18 2005 SOUZA, Maria das Dores Alves. Construindo significados: a alfabetização de

jovens e adultos para os trabalhadores 18 2005

SANTOS, Maria Lêda Lóss dos. Violência x não-violência nas produções textuais

em linguagem poética de alunos da educação de jovens e adultos 18 2005 SOUZA, Marta Lima de. Cartas de jovens e adultos em processo de aprendizagem

da linguagem escrita: autoria e letramento 18 2004

RIBEIRO, Vera Maria Masagão. Impactos da escolarização: programas de

educação de jovens e adultos e práticas de alfabetismo 18 2001 NÓBLEGA, Jorge Geraldo. Cultura, currículo e histórias de adultos/as 18 2001 MANKE, Lisiane Sias. Leitores rurais: apropriação ético-prática nos sentidos

atribuídos à leitura 10 2013

THIES, Vania Grim. O autor-criador e o(s) outro(s): a estética da vida na escrita

de diários de irmãos agricultores 10 2013

GERKEN, Carlos Henrique de Souza; OLIVEIRA, Ildete Freitas. Letramento,

(29)

RESENDE, Valéria Barbosa de; MACIEL, Francisca Izabel Pereira. Usos do

letramento escolar na produção escrita de adolescentes 10 2012 GARCIA, Inez Helena Muniz. Escrita, escritura e sociedade escriturária no

cotidiano de trabalhadoras e trabalhadores rurais de um assentamento de reforma agrária

10 2012

MACHADO, Maria Zélia Versiani. “Tem uns que têm mais leitura, outros que

têm menos”: a leitura em contextos do campo 10 2011

MASSOLA, Gisele; Bonin, Iara Tatiana. Significações e práticas de leitura em

uma biblioteca comunitária 10 2011

THIES, Vania Grim; PERES, Eliane Teresinha. Quando a escrita ressignifica a

vida: diários de um agricultor - uma prática de escrita “masculina” 10 2008 BERNARDES, Alessandra Sexto. Do texto pelas mãos do escritor ao texto nas

mãos do leitor: pressupostos bakhtinianos para pensar a leitura e a escrita na biblioteca

10 2002

STECANELA, Nilda; CRAIDY, Carmem Maria. Intérpretes de si: narrativas

identitárias de jovens em conflito com a lei 3 2011

Fonte: Elaborado pela autora.

Algumas considerações acerca...

Do levantamento. Este levantamento permitiu ampliar a compreensão do campo da EJA e das práticas da escrita e leitura entre pessoas pouco escolarizadas e justifica-se pela amostra significativa de pesquisas que vêm sendo realizadas em âmbito nacional. O que se confirma nos trabalhos selecionados: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

(30)

(NÓBLEGA, 2001); a escrita de cartas por jovens e adultos que frequentavam o Ensino Fundamental do Projeto SESC LER (SOUZA, 2005b) e por jovens em privação de liberdade num Centro de Atendimento Socioeducativo, no qual as cartas eram suportes para a escrita de si (STECANELA; CRAIDY, 2011); e a escrita de diários por três irmãos agricultores (THIES, 2013). Entre as práticas de leitura, destaca-se a leitura da bíblia por três mulheres entre 60 e 65 anos de idade que participam da escola dominical (SOUZA, 2012); a leitura de livros de literatura entre mulheres da EJA (VALLE, 2011); e a leitura de livros de histórias e revistas por homens e mulheres agricultores pouco escolarizados (MANKE, 2013).

Dos motivos que levaram à leitura e escrita. Os trabalhos destacados acima e os demais trabalhos que compõem o levantamento apontam que pessoas com pouca escolarização são motivadas a ler e escrever, pois buscam aprender a assinar o próprio nome; conseguir melhores trabalhos; auxiliar os filhos e netos nas lições da escola; resgatar as memórias pessoais e coletivas de fatos marcantes e a leitura das próprias histórias; reconhecimento social; o próprio reconhecimento como sujeito na e da história; legitimar seus saberes; aquisição de conhecimento de diferentes culturas; construções de novas relações com o ambiente em que vivem; participação mais efetiva na comunidade; olhar mais crítico sobre a realidade, entre outros.

Das práticas. Também nos ajudam a compreender como esses sujeitos pouco escolarizados inseridos em contextos letrados recorrem a táticas para dar conta das necessidades cotidianas de ler e escrever, apontando que a aquisição da linguagem escrita teve seu início através de experiências anteriores ao processo de escolarização. Isso nos indica a necessidade de diálogo entre as escolas/ projetos com os desejos e anseios dos sujeitos, pois a educação não se faz presente somente no ambiente escolar, esta extrapola seus muros.

A leitura dos trabalhos completos selecionados deu indícios de caminhos a seguir teoricamente nesta pesquisa e em futuras leituras, pois foi recorrente a referência de autores, tais como: Ana Maria de Oliveira Galvão, Angela B. Kleiman, Antonio Viñao Frago, Carlo Ginzburg, Claudia Lemos Vóvio, Ecléa Bosi, Jean Marie Goulemot, João Wanderley Geraldi, Jorge Larrosa, Judith Kalman, Lev Vygotsky, Magda Soares, Michel de Certeau, Michel Foucault, Mikhail Bakhtin, Paulo Freire, Roger Chartier, Vera Masagão Ribeiro, entre outros.

(31)

3 LEITURA E ESCRITA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

A proposição de um estudo sobre as práticas de ler e escrever requer um aprofundamento de leituras, pois como venho acompanhando, são múltiplas as possibilidades de abordagem dessas práticas. Com esse intuito, apoio-me em alguns autores, como segue.

Segundo Pécora (1996) a partir dos estudos de Chartier, há três direções que avançam as pesquisas no campo da história das práticas da escrita, são direções distintas, porém não contraditórias. A primeira se refere à origem histórica, que tem como objetivo buscar modos de ler que não acontecem no presente. “Estudar a leitura, por essa via, é, pois, repor as referências históricas de uma pragmática já dissolvida no presente.” (PÉCORA, 1996, p. 9). Nessa direção, há dois importantes “protocolos de leitura” para a remontagem nessas antigas atitudes das práticas de leitura, o primeiro “[...] inscrevem no texto a imagem de um ‘leitor ideal’, cuja competência adequada decodificaria o sentido preciso com que o autor pretendeu escrevê-lo.” (PÉCORA, 1996, p. 10) e o outro é produzido “[...] na própria matéria tipográfica, em geral de responsabilidade do editor, de modo a favorecer certa extensão da leitura e a caracterizar o seu ‘leitor ideal’, que não necessariamente precisa assemelhar-se àquele originalmente suposto pelo autor.” (PÉCORA, 1996, p. 11).

A segunda via relaciona-se às apropriações do texto pelo leitor, que muitas vezes “[...] escapam completamente ao controle ou previsão significativas do texto, submetendo-o a desvios semânticos e imprevistos pragmáticos notáveis.” (PÉCORA, 1996, p. 12).

E a terceira direção descreve e observa a pluralidade do termo “leitura” rompendo com “[...] a idéia monolítica e homogênea que se tem comumente do seu processo, dado como natural e espontâneo.” (PÉCORA, 1996, p. 14).

(32)

[...] dar a leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora e não anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor devesse inscrever-se no espírito de seus leitores, como toda imediatez e transparência, sem resistência nem desvios no espírito de seus leitores. Em seguida, pensar que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também, pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo. (CHARTIER, 1996, p. 78).

A história da leitura também se posiciona contra a sociologia histórica da cultura, que determina o estabelecimento de relações entre pertencimento social e produções culturais e a identificação dos objetos próprios de cada meio social. “Tendia a caracterizar culturalmente os grupos sociais ou socialmente os produtos culturais [...]” (CHARTIER, 1996, p. 78).

A circulação dos objetos impressos, de um grupo social a outro é, sem dúvida, mais fluida do que sugeria uma divisão sócio-cultural muito rígida, que fazia da literatura erudita apenas uma leitura das elites e dos livros ambulantes apenas a dos camponeses. De fato, hoje estão bem atestados tanto o manuseio de textos eruditos por leitores que não o são, quanto a circulação, nem exclusiva e talvez nem mesmo majoritariamente popular, dos impressos de grande difusão. Os mesmos textos e livros são objeto de múltiplas decifrações, socialmente contrastantes [...] (CHARTIER, 1996, p. 79).

A partir de referenciais, histórico-sociais e individuais, cada leitor atribui um sentido singular e ou compartilhado ao texto lido. Porém, é importante compreender que sendo a leitura uma prática de invenção/ produção de sentidos, esta também se vê refreada a certas imposições e condições de possibilidades socialmente e historicamente desiguais (CHARTIER, 2001).

Conforme Chartier (1996) além das diferenças de competências há diferenças de estilos de leitura que constroem relações das mais distintas entre o objeto lido e o leitor. Um estilo de leitura antigo característico na Europa até a metade do século XVIII (leitura intensiva ou traditional literacy) confronta o leitor com um pequeno número de livro, por

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maneira é a leitura de numerosos textos laicizados, lidos silenciosa e individualmente em uma relação de intimidade. “As maneiras de ler não se reduzem, portanto, aos dois grandes modelos propostos e sua coleta deve ser empreendida cruzando-se, de um lado, os protocolos de leitura adequados aos diferentes grupos leitores e, de outro lado, os traços e representações de suas práticas.” (CHARTIER, 1996, p. 89).

Para Goulemot (1996) a prática da leitura é lugar de produção de sentidos e este não acredita na existência de uma leitura ingênua, pré-cultural. A leitura sempre será produção de sentido, seja esta letrada, popular ou erudita. Ler não é encontrar o sentido desejado pelo autor, como se pretendeu algumas vezes, é emergir as memórias vividas, lidas, é construir um sentido e não reconstruir, pois o que foi lido torna-se outro a cada leitura. Portanto,

[...] a leitura é jogo de espelhos, avanço especular. Reencontramos ao ler. Todo o saber anterior – saber fixado, institucionalizado, saber móvel, vestígios e migalhas – trabalha o texto oferecido ao deciframento. Não há jamais compreensão autônoma, sentido constituído, imposto pelo livro em leitura. A biblioteca cultural serve tanto para escrever quanto para ler. Chega mesmo a ser, creio eu, a condição de possibilidades de constituição de sentido. (GOULEMOT, 1996, p. 115).

Certeau (1998) sublinha o paradoxo da leitura, aparentemente uma atividade passiva realizada por um consumidor observador em uma “sociedade do espetáculo”, mas que ao contrário, apresenta todos os traços de uma produção silenciosa, fazendo do texto um apartamento alugado transformando a propriedade do outro. Sendo assim, a leitura se coloca enquanto arte.

[...] flutuação através da página, metamorfose do texto pelo olho que viaja, improvisação e expectação de significados induzidos de certas palavras, intersecções de espaços escritos, dança efêmera [...] Ele insinua as astúcias do prazer e de uma reapropriação no texto do outro: aí vai caçar, ali é transportado, ali se faz plural com os ruídos do corpo. Astúcia, metáfora, combinatória, esta produção é igualmente uma ‘invenção’ de memória. [...] Um mundo diferente (o leitor) se introduz no lugar do autor. (CERTEAU, 1998, p.49).

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transgressoras de leitura, insinuando a sua inventividade nas brechas A autonomia leitora depende de uma política de leitura que a partir de análises e descrições de práticas efetivas as torne politizáveis. Dar destaque a essas práticas já indica uma resistência à lei da informação.

Longe de serem escritores, fundados de um lugar próprio, herdeiros dos servos da antiguidade mas agora trabalhando no solo da linguagem, cavadores de poços, e construtores de casa, os leitores são viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta própria através dos campos que não escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-los. A escritura acumula, estoca, resiste ao tempo pelo esquecimento de um lugar que multiplica sua produção pelo expansionismo de reprodução. A leitura não tem garantias contra o desgaste do tempo (a gente se esquece e esquece), ela não conserva ou conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por onde ela passa é repetição do paraíso perdido. (CERTEAU, 1998, p. 269-270).

Larrosa (2004) nos faz pensar/ ler a expressão “dar a ler” como se não soubéssemos ler e para isso é preciso problematizar o óbvio, dar as palavras sem dizer o que dizem as palavras. No momento que o escritor “dar a ler” as suas palavras, este perde todo o seu poder, pois não controla o momento da leitura. “Por isso há que se dar as palavras retirando ou interrompendo ao mesmo tempo o que dizem as palavras para dar assim o infinito durar das palavras, sua possibilidade de dizer sempre de novo mais além do que já dizem.” (p. 20).

Para Freire (1989) a importância do ato de ler envolve a percepção crítica, a interpretação e a reescrita do lido. A compreensão crítica desse ato vai além da pura decodificação da palavra escrita ou da linguagem escrita, pois realidade e linguagem se entrelaçam. Então para que exista uma compreensão crítica do texto através de uma leitura também crítica faz-se necessário perceber as relações entre texto e contexto, “[...] a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (p. 13). Há um movimento dinâmico do mundo à palavra e da palavra ao mundo, e este é um dos aspectos centrais na alfabetização, alfabetização esta entendi enquanto ato político, ato de conhecimento e ato criador.

Assumindo então a leitura enquanto uma prática de produção/ invenção de sentido e como um ato crítico, a escrita não poderia aqui ser entendida apenas como um símbolo gráfico, mas principalmente como uma prática cultural que exerce diferentes funções e adere ao cotidiano. Para Certeau (2000),

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com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velados. Não se deve esquecer este ‘mundo memória’, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. (p. 31).

A escrita na e da vida carrega tristezas, alegrias, acontecimentos, enfim serve para contar o dia, experiências vividas, através de estilos e modos próprios que aparecem em suportes materiais diversos. Experiência entendida aqui como “[...] aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma.” (LARROSA, 2002, p. 25-26), a experiência é sempre singular, impossível de ser repetida, por tanto o saber da experiência não pode separar-se do sujeito. “A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida.” (LARROSA, 2002, 27).

A escrita também é compreendida enquanto possibilidade de criação. Para entender melhor os processos de criação na e com a linguagem escrita busca-se apoio em Munhoz e Zanella (2008) e Vygotsky (2008).

Segundo Munhoz e Zanella (2008) a linguagem escrita é uma atividade complexa, pois depende de processos psicológicos associados à própria linguagem e emoção, tais como: memória, imaginação, percepção e pensamento abstrato. E é através dessa linguagem que o ser humano tem a possibilidade de “[...] inscrever no tempo a sua própria história e reler, tantas vezes quantas se fizerem necessárias, o que escreveu para então (re)criá-la.” (p. 288), se deslocando para um mundo imaginário, aumentando assim a sua experiência. A linguagem não é apenas uma ferramenta de mediação, mas é constitutiva do sujeito, e é por meio da produção de sentidos que suas ações se fazem significativas permitindo que o sujeito produza e se constitua em um ser cultural. Portanto, ler e escrever são atividades culturais, pois se relacionam aos sentidos construídos e compartilhados culturalmente e possibilita a produção de sentido por ser polissêmico.

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fantasia, e se manifesta em toda a vida cultural. Comumente a criação é relacionada apenas as pessoas ditas como gênios, autores, etc., porém a imaginação “[...] comparece em todos os casos, qualquer que seja o modo como se apresenta: em personalidades isoladas ou na coletividade” (VYGOTSKY, 2009, p. 12).

Essa atividade criadora está ligada a experiência acumulada, pois não se cria algo do nada, portanto “[...] a atividade criadora da imaginação encontra-se em relação direta com a riqueza e variedade da experiência acumulada pelo homem [...]” (VYGOTSKY, 2009, p. 12), quanto mais rica a experiência, maior o material disponível a criação.

Sendo assim, para Munhoz e Zanella (2008) o ato de escrever representa uma das possibilidades de concretização da criação/ imaginação. A escrita como atividade cultural complexa permite a produção de mudanças na realidade e o reconhecimento do sujeito enquanto autor da própria história.

Na prática de ler e escrever pode ocorrer o processo criativo e para se criar através da escrita faz-se necessário também, conforme Munhoz e Zanella (2008) estabelecer relações estéticas, pois estas impulsionam os processos criadores. Estabelecer relações estéticas com o mundo significa “[...] superar o que é apresentado como real, como dado; é ir além do hedonismo e desenvolver um olhar de estranhamento que permita romper com cristalizações no modo de ver” (p. 292). É preciso que o sujeito e o objeto se relacionem para que ocorra uma relação estética. Essa relação estética não prioriza a forma em detrimento do conteúdo ou vice-versa, mas busca uma síntese entre as dimensões, já que uma implica na outra na constituição do objeto. Desta forma, “[...] a relação estética acontece quando, em relação com um objeto, o sujeito mobiliza-se pela contradição entre razão e emoção e busca superá-la, uma vez que se relaciona com este mundo como um sujeito inteiro, e não fracionado” (p. 293), reinventando assim a sensibilidade do sujeito, fazendo com que este desenvolva maior reflexão, imaginação e afetividade, condições necessárias para a efetivação da produção criadora. Na relação estética, mais precisamente no caso da linguagem escrita, acontece um diálogo constante entre as práticas de ler e escrever e o sujeito, que se reconhece como escritor/leitor - leitor/escritor, um ser que é produzido e produz cultura. Focando-se somente na dimensão técnica durante o processo de ensino aprendizagem, a linguagem escrita perde seu caráter de experiência e criação.

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para produção alheia ou própria. “É um movimento em que o sujeito se distancia de sua realidade e tem condições de (re)constituí-la esteticamente; isto é, de retomá-la sob um novo olhar” (MUNHOZ; ZANELLA, 2008, p. 294). Através desse movimento o sujeito tem a possibilidade de observar o texto em constante metamorfose, pois a cada leitura nasce um texto novo “[...] de forma que o leitor também se torna autor ao apropriar-se da obra, atribuindo-lhe sentidos, e o autor se transforma em leitor, pois ao ler seu trabalho, também se apropria deste de maneira diversa.” (MUNHOZ; ZANELLA, 2008, p. 294).

Portanto a prática de escrita/ o ato de escrever, estabelece relações intrínsecas com o sujeito que escreve, com a memória, com a experiência e com o ato criador, assim através da escrita o sujeito cria e (re)cria, forma-se e transforma-se.

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4 ESCRITA E LEITURA QUE TECEM O COTIDIANO DE D.DIRCE

Sendo esta uma pesquisa sobre as práticas culturais da leitura e escrita efetivadas por pessoas pouco escolarizadas, concomitante às leituras teórico-metodológicas e ao levantamento bibliográfico, anteriormente apresentado, foram realizadas entrevistas com D. Dirce a fim de obter maior aproximação a essas práticas. A essa aproximação soma-se o desejo de registar sua voz e seus escritos, sem o intuito de medi-los ou avaliá-los.

O roteiro inicial para as entrevistas foi construído com perguntas semiabertas para que D. Dirce pudesse respondê-las com maior liberdade e também para que permitisse a criação de novas questões, se necessário. Essas foram pensadas com objetivo de conhecer a trajetória de sua prática de leitura e escrita que entremeia sua própria trajetória de vida; e buscar entender o que move essas práticas culturais em seu dia-a-dia e qual o sentido atribuído por D. Dirce a suas próprias práticas de ler e escrever. As questões separadas para a primeira entrevista permitiram conhecer parte de sua trajetória escolar, focando as práticas de ler e escrever; o momento em que a escrita começa a fazer parte de sua vida; o processo de criação de alguns de seus escritos, o que a levou a escrevê-los e temas mais recorrentes em seus textos. Na segunda entrevista focou-se na prática de ler, tomando contato com os livros e leituras de sua preferência. A terceira entrevista aprofundou as questões que se relacionam ao sentido que essas práticas têm em sua vida. Na quarta e quinta entrevistas o foco foi conversar sobre os materiais escritos disponibilizados para a pesquisa. E na última entrevista focou-se em sua participação no livro “PEJA - Rio Claro como espaço de formação: nossas práticas, nossas histórias” e anseio de publicações outras.

As seis entrevistas aconteceram ora na sala do PEJA no Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Unesp - Rio Claro, ora nas salas de estudos da biblioteca da Unesp - Rio Claro, sendo estes espaços acordados com D. Dirce. Em média as gravações tiveram entre uma hora e uma hora e trinta minutos por encontro, porém esses chegavam a durar quase três horas. Algumas conversas não foram transcritas, pelo seu caráter confidencial, foram contadas no vínculo de confiança e amizade estabelecida.

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Em 2011, ainda no primeiro ano de graduação no curso de Pedagogia, comecei a participar do PEJA como colaboradora e depois bolsista e foi nesse espaço através de experiências vividas e compartilhadas que o meu olhar voltou-se para as práticas de ler e escrever. Nesse espaço também conheci uma pessoa pouco escolarizada com uma prática efetiva de leitura e escrita: D. Dirce. Por meio dos encontros do PEJA e das atividades propostas foi possível perceber seu gosto e intimidade com a escrita, com o tempo fomos nos aproximando e seus escritos foram aparecendo/surgindo e junto a isso o seu reconhecimento enquanto poetiza. Sendo assim, o primeiro contato com sua produção escrita ocorreu através de atividades desenvolvidas nos encontros do PEJA. E também em uma das aulas em que D. Dirce me presenteou com uma copia digitada de sua poesia “Mulheres em todos os tempos”.

Em 2012, D. Dirce foi convidada a participar do livro “PEJA - Rio Claro como espaço de formação: nossas práticas, nossas história” compondo com poesias e outros textos de sua autoria o capítulo “Vou para Unesp e outros escritos”. Neste livro deixa registrado em palavras “Foi no PEJA que tive a experiência pela escrita e descobri em mim o dom de ser poetisa!” (p. 163)

Este livro foi pra mim mais uma oportunidade de conhecer D. Dirce através de seus escritos, despertando ainda mais o meu olhar para as práticas de ler e escrever, principalmente entre pessoas pouco escolarizadas. No anseio de aprofundar reflexões na área, D. Dirce torna-se, além de educanda e amiga, sujeito participante desta pesquisa. Então, em abril de 2014, após um dos encontros do PEJA, convidei-a para participar da pesquisa, explicando o tema e objetivos já delineados. D. Dirce aceitou imediatamente e logo neste primeiro contato diz sobre sua prática de escrita e dispara outros registros como escritura. Foi no contato com D. Dirce que o meu objeto de estudo (leitura e escrita) foi sendo construído, ganhando corpo.

Quem é D. Dirce? Ela por ela mesma

“Eu sou a DD!

Porque DD? É assim que meus filhos chamam DD mãe com carinho, Dona Dirce.

Nasci de uma família de sete irmãos, sou a caçula. Tive uma infância muito gostosa, brincava

de vendinha, casinha, pega-pega, amarelinha, caracol, quadrilha, pular-corda, peteca,

cobra-cega, passar anel, contava as estrelas, andava com a lua, tinha medo do arco-íris.

(40)

Para passar na roupa para ficar brilhante.

Que inocência!

A primeira professora minha, foi a minha mãe ela era muito carinhosa comigo.

Ajudava ela nos serviços de casa.

Aos domingos ia a missa, de vez em quando fazia um gostoso piquenique com a turma que

fazia catecismo.

A segunda professora foi quem ensinou a ler e escrever em 1961, e assim como as outras que

tive, fui aprendendo tudo a seu tempo ou melhor, matemática, geografia, português, ciências,

história, por falar em “história” como era bom ouvir dos meus pais e outras pessoas as

histórias...

Que tempo bom era aquele, pena que não pode voltar!

E o tempo passou...

Quando tinha vinte e dois anos, casei.

Outra família formei.

Continuo ser a Dircinha, Dirce, DD, mãe!

A pessoa que sou, nasci, vivi, cresci, aprendi, graças a Deus.

Espero aprender muito mais, porque a vida é a maior lição que temos.

Eu sou:

Dirce T[...] P[...]” (Quem sou eu? D. Dirce, junho de 2009)

O texto transcrito acima é uma primeira apresentação de si e foi escrito por D. Dirce, em uma das atividades do PEJA. As informações que seguem, buscadas a posteriori, foram levantadas nos meus encontros presenciais com ela.

D. Dirce, senhora de 60 anos de idade é a caçula de uma família de sete irmãos, nasceu na cidade de Rio Claro interior de São Paulo, onde continua vivendo. Filha de pai carpinteiro e mãe dona de casa, desde os 6 anos ajudava-os em seus afazeres, lenhava, limpava o chiqueiro, também cuidava das galinhas e recolhia os ovos, varria a casa, tirava pó, ajudava nos serviços de carpintaria, vendia verduras para o dono de uma chácara vizinha, etc. Em 1977 aos vinte e dois anos casou-se e dessa união teve dois filhos, hoje com 36 e 31 anos. É dona de casa e faz tricô para obter uma renda própria.

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Claro. Após quinze dias de aula D. Dirce não queria mais ir à escola, pois era canhota e sua professora dava reguadas e beliscões em sua mão para que aprendesse a escrever com a mão direita, mas sua mãe muito carinhosa incentivou a continuar. Hoje D. Dirce escreve com a mão direita, mas continua usando a borracha com a mãe esquerda. Na mesma escola, permaneceu até o ano de 1964, concluindo o quarto ano e recebendo o seu primeiro diploma.

Em 1965 aos 11 anos de idade, D. Dirce concluiu o preparatório no SESI (Serviço Social da Indústria), mas seu pai não deixou continuar os estudos para que pudesse ajudar nos serviços do lar, principalmente depois do falecimento de sua mãe em 1968.

Voltou a estudar apenas em 1975 no curso de educação de jovens e adultos chamado na época de Madureza4 no Colégio Alem em Rio Claro, este era pago. E para receber o diploma do ginásio era necessário fazer um exame na cidade de Limeira, porém por motivos de saúde de seu pai, D. Dirce não pode realizar a prova e consequentemente precisou parar com os estudos.

Em 2009começou a frequentar as primeiras aulas no PEJA - Rio Claro na Turma da Comunidade e junto aos educadores foi relembrando, a cada encontro, seus tempos de primário e também aprendendo e ensinando muitas outras coisas. Foi através dos encontros entre educadores e educandos que a escrita passou a se fazer presente em sua vida. D. Dirce continua participando das atividades do PEJA sempre que possível.

Das entrevistas, alguns eixos temáticos foram sendo organizados que apresento na sequência.

As práticas de leitura e escrita na infância

D. Dirce conta que começou a escrever na segunda ou terceira série do primário, quando a professora pedia para fazer descrições; as primeiras descrições que recorda foi a da sua mãe e do seu cachorrinho de estimação; essas descrições são significativas para ela, pois remetem a família. Em sua casa, também escrevia em uma lousa de madeira bem fininha e pintada de preto feita por seu pai, com carvão ou com giz que pedia na escola. No primário,

4 Esse é o termo por ela referido; no entanto, não encontrei tal referência, em 1975. O termo refere-se,

a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961, ao curso de educação de jovens e adultos e ao exame final de aprovação do curso, sendo este substituído em 1971, pelo Projeto Minerva. Informações conferidas no site Agência EducaBrasil: informação para formação, através do Dicionário

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D. Dirce também gostava muito de recitar, em dias comemorativos, poesias que as professoras davam prontas. Utilizei fonte diferente nos trechos das entrevistas para distinguir de citações de autores referenciais e mantive, na transcrição escrita da sua fala, a forma as quais as palavras foram pronunciadas.

Eu sempre gostei de recitar. As professoras convida né. Porque na sala tinha trinta e oito, quarente alunos se não me engano, e era eu e o menino que recitava da minha sala. Então, ainda o diretor falava quando chamava a gente...ia recitar no Grêmio, e às vezes né, em dias de festa, dia de mãe, dia das mães assim, 7 de setembro, 15 de novembro, 21 de abril, dia de Tiradentes, dia do soldado. Então o diretor falava “a menina que não precisa de microfone, que fala alto”. (Entrevista com D. Dirce 19/05/2014).

D. Dirce tinha um caderninho com as poesias que recitava e com duas descrições que fez no terceiro ano do primário, mas aos 18 anos de idade emprestou este caderno para uma colega de escola, que nunca mais devolveu. Ao falar sobre este, dispara lembranças das práticas de ler e escrever efetivadas na infância.

[...] eu já perdi caderno com todas as escritas, as escritas de descrição minha que eu fazia da escola e os poemas que eu recitava na escola que as professoras davam sobre 15 de novembro, 7 de setembro, da bandeira, a poesia do meu filho que era linda demais [...] E a professora do terceiro ano que ensaiou eu, eu recitei no Grêmio, no nosso Club sabe, e então eu emprestei quando eu tinha uns 18 anos o caderno pra uma amiga de escola e até hoje ela não me devolveu, perdeu o caderno. Então, depois as escritas, os poemas ficou na casa do meu pai né, sumiu, então eu perdi, então eu senti muito [...] (Entrevista com D. Dirce 07/07/2014).

Era uma lembrança que eu tinha, que eu quis. Mas tem da bandeira, tem algumas que eu escrevi em casa depois quando eu lembrei, mas não foi escrita minha. É um caderno que eu quis guardar de recordação das poesias que eu recitava e a descrição da minha mãe e da cachorrinha Bolinha, eu também coloquei lá. (Entrevista D. Dirce 19/05/2014).

O caderninho era uma herança dos tempos de infância e uma forma de recordar/ consultar as poesias que recitava.

Leitura e escrita após conhecer o PEJA

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dos Anjos”, “Mananciais no Deserto” volumes 1 e 2, “Os anjos e eu”, “Psiquiatria de Deus”, “O poder da oração”, “Caixinha de versículos”, “Pão diário”, “Médico de homens e de almas”, “O segredo do Pai Nosso”, “Jesus, o maior psicólogo que já existiu”, e outros livros, como: “Poesias de Castro Alves”, “Marley e Eu”, “O guia dos curiosos”, “Dicionário Aurélio”, “Olhai os lírios do campo”, “A cabana”, “PEJA - Rio Claro como espaço de formação: nossas práticas, nossas histórias”, “Crônicas para se ler na escola”, etc. Conta que gosta de livros com boas histórias, que tragam ensinamentos.

Apesar de a leitura ser uma prática recorrente em seu dia-a-dia, o ato de escrever se fez presente em sua vida em 2009 quando começou a participar do PEJA e principalmente através da poesia “Mulheres em todos os tempos!” que escreveu em março de 2011, por incentivo de uma educadora do PEJA, para um concurso de poesias, impulsionando-a a outras escritas. Antes disso ajudava os filhos nas lições de casa, mandava cartões e postais de aniversário para parentes e amigos e escrevia cartas para o irmão que vive em outra cidade.

Leitura, sempre eu li, agora escrever poemas e escrever coisas não, porque eu não pensava né, eu só escrevia mensagem que eu...cartão de aniversário que eu achava bonita a mensagem. Ai então eu escrevia pra mandar pra outra pessoa, ou amiga aqui da cidade ou parente de fora, sobrinha, sobrinhos. Sempre eu procurei mensagem de cartão sabe? (Entrevista com D. Dirce 07/07/2014).

Mandava de aniversário. E sempre comprei aqueles cartões que é tipo postal com mensagem bíblica na frente e depois escrevia atrás, mas sempre coisa que eu ganhei sabe? mensagem que eu ganhei. Mas agora que eu mesma escrevo foi em 2009, porque depois do primário eu parei. A não ser que eu ajudava meus filhos né, ai escrevia assim coisas, corrigia né, ajudava eles em alguma coisa da escola e sempre dei opinião “faz isso, faz aquilo” sabe? até eles falavam “nossa mãe”. Mas escrever mesmo foi aqui no PEJA. (Entrevista com D. Dirce 07/07/2014).

Para ela, a leitura além de ser uma maneira de adquirir conhecimento, saberes, é também uma viagem a outros espaços/tempos como se estivesse vivendo os momentos lidos.

Ler é saber, conhecimento né? É, por prazer em ler, porque quanto mais você tá lendo...você tá lendo um livro que você nunca leu então você quer chegar...que chegue logo a próxima página. (Entrevista com D. Dirce 03-06-2014).

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parece que você tá vendo o jardim sabe? Tudo o que tá no livro você imagina, você tá vivendo aquele momento. O último que eu li foi A Cabana, que eu li mesmo, depois eu comecei ler outros, dei uma parada por outras coisas né. (Entrevista com D. Dirce 16-06-2014).

Igual eu li Médicos de homens e de almas né. Que é a vida de São Lucas. Nossa é lindo, é lindo! Tem 54 capítulos. E eu falei “nossa, nem acredito que eu li né?”. Mas um pouquinho por dia eu li, mas olha valeu, porque ele é lindo. Conforme você vai lendo, parece que tá vivendo aqueles momentos junto com ele né? (Entrevista com D. Dirce 03-06-2014).

Também compartilha da ideia de que cada pessoa através de sua leitura dá um sentido singular ao material escrito.

Ah, cada pessoa é uma, eu acho que às vezes o que você lê ali é um sentimento, você tem um sentimento, outras têm outros. É, porque cada pessoa é diferente uma da outra, é por isso. Você é de um jeito e eu sou de outro. Então o que você lê você expressa diferente, eu acho. (Entrevista com D. Dirce 07-07-2014).

Nessa era da tecnologia, D. Dirce acha muito bonito ver pessoas idosas com livros nas mãos, também aponta para a importância de se pesquisar em livros, pois jovens estão utilizando cada vez mais a internet e esquecendo o valor de um livro.

Eu acho tão bonito quando eu passo pela rua assim, eu vou sempre pro centro a pé, eu vejo senhoras de idade e mesmo homem né de idade com livros na mão. E eu falo...e hoje criança é só aparelho né? Tá tudo na modernidade, fazer o que né, a gente tem que seguir né? Embora eu não tenho o conhecimento do computador, mas um pouquinho eu sei, então já acho ótimo, mas eu vou aprender....(Entrevista com D. Dirce 03-06-2014).

E na minha opinião, eu Dirce, é melhor pesquisar em livros. E tem o Aurélio também, tem o dicionário Aurélio, que eu gosto de ler...fazer pesquisa...procurar palavras e de uma você procura, acha outras né? Então eu acho melhor procurar em livros do que na internet, porque eu acho que o livro, além de você lê, você tá mais....na internet você tem que ler também, mas no livro você tá mais atento. E hoje os jovens, não estão mais dando valor aos livros. (Entrevista com D. Dirce 03-06-2014).

A leitura pública de seus escritos na Semana do Idoso realizada pelo PROFIT5 ressignifica o sentido da leitura para D. Dirce.

5 Programa de Atividade Física para Terceira Idade - Departamento de Educação Física do Instituto de

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