II Congresso Nacional de Formação de Professores
XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores
UMA ANÁLISE SOBRE A GEOMETRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS Rubia Barcelos Amaral, Ana Paula Belegante Da Silva
Eixo 7 - Propostas curriculares e materiais pedagógicos no ensino e na formação de professores
- Relato de Pesquisa - Apresentação Oral
UMA ANÁLISE SOBRE A GEOMETRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS
Ana Paula Belegante da Silva; Rúbia Barcelos Amaral. UNESP, Rio Claro. FAPESPi
Introdução
O uso do livro didático é uma prática no Brasil há anos. Programas governamentais
foram criados com o objetivo de garantir a qualidade desse material, fornecido aos alunos
das escolas públicas gratuitamente. O papel do livro didático é dar suporte ao professor,
que tem liberdade para usá-lo à sua maneira, integrando-o, por exemplo, com outras
mídias, como computador, internet, vídeo, material concreto, outros livros etc.
Atualmente, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é responsável pela
análise dos livros didáticos destinados à Educação Básica.
Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. O guia é encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político pedagógico (BRASIL, 2012, p.2).
Ressalta-se que a análise acontece a cada três anos para cada ciclo. “Assim, a
cada ano o MEC adquire e distribui livros para todos os alunos de um segmento, que
pode ser: anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental ou
ensino médio” (BRASIL, 2012, p.2). À exceção dos livros consumíveis, é esperado que os
livros distribuídos sejam conservados e devolvidos para utilização por outros alunos nos
anos subsequentes.
No âmbito dos conteúdos matemáticos que compõem essas obras, vale ressaltar
que a trajetória da Geometria nos livros didáticos merece um estudo cuidadoso. Em
meados das décadas de 80 e 90, esse conteúdo constava no final dos livros, de modo
que se os professores não cumprissem todo o conteúdo do livro, os alunos ficavam
prejudicado, pois não era estudado. Do ponto de vista histórico, a análise de Gouvêa
(1998, p.43) aponta que, no período pós Matemática Moderna,
O ensino da Geometria passou a ser abandonado pelos professores, os quais a planejavam para o último ano [...]. Ensinar e aprender Geometria por meio de espaços vetoriais ou por meio de transformações, como pregava a Matemática Moderna, era difícil tanto para professores, como para alunos, por se tratar de nova abordagem. E a Geometria, cada dia mais, foi sendo relegada ao último plano do currículo escolar de 1º. grau.
Em consequência desse caminhar histórico, a Geometria é um tema considerado
problemático pelos professores, que costumam ter dificuldade, tanto com seus conceitos
como com seu ensino (ALMOULOUD et al., 2004). Costa (2008, p.32) afirma que “grande
têm os conhecimentos básicos de Geometria esperados para esse nível de ensino”. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ressaltam que a Geometria tem tido pouco
destaque nas aulas de Matemática e, muitas vezes, é confundida com o ensino de
medidas, apesar de desempenhar papel fundamental no currículo, por desenvolver um
tipo particular de pensamento para compreender, descrever e representar, de forma
organizada, o mundo em que vive o aluno.
Nessa direção, pode-se considerar que estava se constituindo um “ciclo vicioso”,
pois com pouco estudo destinado à Geometria nas aulas de Matemática, ao longo da
Educação Básica, o professor, então aluno, se formava com deficiência nesse conteúdo,
nem sempre suprida pelo Ensino Superior. Quando egresso de seu curso de formação,
em suas aulas pouco aprofundava o tema com seus alunos. Almouloud et al. (2004, p.99)
apontam, “em relação à formação dos professores, que esta é muito precária quando se
trata de geometria, pois os cursos de formação inicial não contribuem para que [os
futuros professores] façam uma reflexão mais profunda a respeito do ensino e da
aprendizagem dessa área da matemática”.
No âmbito da aprendizagem dos alunos em Geometria,
A avaliação educacional da rede estadual de São Paulo em 1998 – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP, 2000) – revela que muitos tópicos de matemática, pelo fato de não serem planejados ou ensinados pelos professores, não são aprendidos por seus alunos. Um exemplo disso é que, embora os professores indiquem a geometria como item importante, que merece lugar em todos os níveis de ensino, não há concordância quanto à seleção e à organização dos conteúdos a serem ensinados tanto no ensino fundamental como no ensino médio. Desta forma, não podemos esperar que os alunos construam uma pluralidade de conceitos geométricos a partir de conhecimentos obtidos por procedimentos experimentais, tal como recomendam os PCN (ALMOULOUD et al., 2004, p.94-95).
Há alguns anos, no entanto, tem havido ações para reverter essa realidade. A
Geometria agora não mais é deixada para o final em muitos livros, mas está presente
logo no início, ou se intercalando com os demais temas. Ademais, desde a ampliação da
divulgação dos softwares de geometria dinâmica, mais fortemente a partir de meados do
ano 2000, muitas têm sido as pesquisas que apontam suas potencialidades para os
processos de ensino e aprendizagem de Geometria, dando novo “status” a ela.
Nesse cenário, o Projeto “A geometria nos livros didáticos e a integração das
tecnologias digitais” visa fazer um estudo profundo sobre a Geometria presente nos livros
didáticos e sobre a integração entre este conteúdo e as tecnologias.
Relacionado a esse Projeto nasceu a pesquisa desenvolvida pela primeira autoraii,
Ensino Médio”. Nesta, o foco foi olhar os livros de Ensino Médio, especialmente para as
figuras neles presentes. Aqui são apresentados os resultados desse estudo.
Metodologia
Para o desenvolvimento dessa pesquisa foi feita uma análise dos conteúdos de
Geometria presente em livros didáticos de Matemática aprovados pelo PNLD,
sistematizando os conceitos presentes, a metodologia, a abordagem pedagógica, entre
outros aspectos.
Por uma questão de tempo, foram selecionados dois exemplares, de autores
diferentes, aqui denominados de “livro 1” e “livro 2”. Em ambos foram analisados os
temas “Geometria de Posição”, “Poliedros”, “Prismas”, “Pirâmides”, “Cilindros”, “Cones” e
“Esferas” (“Corpos redondos”). O estudo se iniciou com a tabulação dos conteúdos e
posterior análise a partir da interlocução entre eles, identificando semelhanças e
diferenças.
Vale observar que na coleção do livro 1, esses conteúdos são tratados no
exemplar do segundo ano, enquanto na coleção do livro 2, esses conteúdos estão no
terceiro ano.
Tabulando os conteúdos
Nessa seção são apresentados alguns exemplos que mostram a distribuições dos
conteúdos nos dois exemplares estudados. Algumas semelhanças e diferenças já podem
ser percebidas no âmbito da apresentação dos conteúdos.
Olhando para o índice dos livros, é possível notar que a relação de conteúdos é
semelhante, como mostra a tabela:
LIVRO 1 LIVRO 2
Geometria no plano e no espaço Geometria espacial de posição
Tópicos da geometria plana Poliedros
Poliedros Corpos redondos
Prismas
Pirâmides
Cilindros
Cones
Esferas
No âmbito das posições relativas, ambos os livros tratam de:
- Paralelas
- Concorrentes ou secantes
- Perpendiculares
- Coincidentes
A forma de apresentar é semelhante, como se pode notar pelo subtítulo das
seções:
LIVRO 1 LIVRO 2
Posições relativas: duas retas no espaço Posições relativas entre duas retas
Posições relativas: uma reta e um plano no espaço
Posições relativas entre reta e plano
Dois planos no espaço Posições relativas entre dois planos
Quadro 2: Apresentação do conteúdo das subseções.
No âmbito do paralelismo e perpendicularismo, foi possível observar que no livro 1
eles são tratados separadamente desde o início, enquanto no livro 2 são apresentados
conjuntamente a princípio, mas na sequência as propriedades os separam:
LIVRO 1: Paralelismo
Teorema 1: Se uma reta r é paralela a um plano α, e se um plano β contém r e é secante a α
segundo uma reta s, então as retas r e s são paralelas.
Teorema 2: Se uma reta r, não contida num plano α, é paralela a uma reta s, contida em α,
então r e α são paralelas
Teorema 3: Se α e β são planos paralelos, então qualquer reta r contida em α é paralela ao
plano β.
Teorema 4: Se um plano α contém duas retas, r e s, concorrentes e ambas paralelas a outro
plano β, então α e β são paralelos.
Quadro 3: Apresentação dos conteúdos referidos ao paralelismo
LIVRO 1: Perpendicularismo
Teorema 1: Se uma reta r é perpendicular a um plano α, então r faz ângulo de 90º com
qualquer reta contida em α.
Teorema 2: Se uma reta r, concorrente a um plano α em um ponto A, faz ângulo reto com duas
retas concorrentes s e t desse plano α, então a reta r é perpendicular ao plano α.
Teorema 3: Sejam dados uma reta r e um plano α tais que no ponto A. Sendo s uma reta
de α que passa pelo ponto A e t uma reta de α perpendicular a s e concorrente com esta num
ponto B ≠ A, então qualquer reta que passa pelo ponto B e por um ponto de r é perpendicular à
reta T.
Teorema 4: Duas retas, r e s, perpendiculares a um mesmo plano α são paralelas.
Teorema 5: Dados dois planos α e β perpendiculares segundo uma reta t, e uma reta r, contida
em α e perpendicular à reta t, então r é perpendicular β.
LIVRO 2: Paralelismo e Perpendicularismo
Primeiramente são apresentadas as propriedades de Paralelismo
Propriedade 1: Uma reta s não contida em um plano α é paralela a esse plano se for paralela a
uma reta r é contida em α.
Propriedade 2: Uma reta s paralela a um plano α é paralela a pelo menos uma reta r desse plano Propriedade 3: Se α e β são planos paralelos, toda reta s contida em um deles será paralelo ao outro.
Propriedade 4: Se α e β planos paralelos e um plano secante a α e β. As interseções de com
α e β são retas paralelas.
Na sequência, as propriedades de Perpendicularismo
Propriedade 1: Sejam r e s retas contidas no plano α e concorrentes em ponto P. Para que uma
reta t seja perpendicular a α em P, é necessário e suficiente que ela seja perpendicular a r e s.
Propriedade 2: Se s é uma reta perpendicular a um plano α, então qualquer reta r, paralela a s é
perpendicular a α.
Propriedade 3: Se α e β são planos paralelos, toda reta s perpendicular a um deles será perpendicular ao outro.
Quadro 5: Apresentação dos conteúdos referidos ao paralelismo e ao perpendicularismo
Quanto aos poliedros e corpos redondos, ambos os livros trazem semelhante
conteúdo, trazendo a nomenclatura, a definição de poliedros convexos e não convexos, a
relação de Euler e os Poliedros de Platão. As tabelas abaixo mostram a forma como
esses temas são distribuídos, como exemplo, iniciando com os conceitos bidimensionais:
Livro 1
• Elementos de um polígono regular inscrito:
O centro O e o raio r da circunferência na qual o polígono regular esta inscrito são denominados,
respectivamente, centro e raio do polígono.
Um ângulo α, cujo vértice está no centro da circunferência e cujos lados passam por dois vértices
consecutivos do polígono regular, é chamado ângulo central do polígono.
Os ângulos cujos lados são dois lados consecutivos do polígono são chamados ângulos internos
do polígono. A medida de cada ângulo interno de um polígono de n lados é dada por .
A distância m do centro O até o ponto médio M de um lado do polígono regular denomina-se
apótema do polígono
• Relações métricas nos polígonos regulares: Quadrado, hexágono regular e triângulo
equilátero
Quadro 6: Apresentação dos conteúdos bidimensionais
Prismas
Livro 1 Livro 2
Definição Definição
Elementos Elementos
Classificação Classificação
Secção de um prisma Volume de um prisma
Área da superfície de um prisma Volume do paralelepípedo reto retângulo
Paralelepípedo Principio de Cavalieri
Diagonal de um paralelepípedo retângulo Volume de um prisma qualquer
Área da superfície de paralelepípedo retangular
Volume de um paralelepípedo e de um cubo
Principio de Cavalieri
Volume de um prisma
Quadro 7: Apresentação dos conteúdos referentes a prismas.
Pirâmides
Livro 1 Livro 2
Definição Definição
Elementos e classificação Elementos
Pirâmide regular Secção meridiana
Secção de uma pirâmide Área da superfície de pirâmide
Área da superfície de uma pirâmide Volume da pirâmide
Tetraedro regular Volume de uma pirâmide qualquer
Altura do tetraedro regular Tronco de uma pirâmide reta
Área total do tetraedro regular Área de superfície de um tronco de
pirâmide reta
Volume de uma pirâmide Volume de um tronco de pirâmide reta
Tronco de uma pirâmide
Volume do tronco de pirâmide
Quadro 8: Apresentação dos conteúdos referentes a pirâmides.
Um último exemplo escolhido pra ser apresentado são dois exercícios, um de
cada exemplar, para mostrar como o mesmo tema foi abordado de forma semelhante.
Exemplo
Livro 1:
Em uma publicação cientifica de 1985, foi divulgada e descoberta de uma molécula tridimensional de carbono, na qual os átomos ocupam os vértices de um poliedro convexo cujas faces são 12 pentágonos e 20 hexágonos regulares. Em homenagem ao arquiteto norte-americano Buckminstes Fuller, a molécula foi denominada fulereno. Determine o número de átomos de carbono nessa molécula e o numero de ligações entre eles.
Resolução:
Sendo V o numero de átomos e A o numero de ligações entre eles, temos:
Face pentagonal: ligações
Como cada aresta (ligação) foi contada duas vezes, temos:
O numero de átomos (vértices) pode ser obtido pela relação de Euler:
A molécula possui 60 átomos e 90 ligações.
Livro 2:
(UFPel - RS) No país do México, há mais de mil anos, o povo Asteca resolveu o problema da armazenagem da pós-colheita de grãos com um tipo de silo em forma de uma bola colocado uma base circular de alvenaria. A forma desse silo é obtida juntando 20 placas hexagonais e mais 12 placas pentagonais.
Com base no texto, é correto afirmar que esse silo tem:
a. 90 arestas e 60 vértices
b. 86 arestas e 56 vértices
c. 90 arestas e 56 vértices
d. 86 arestas e 60 vértices
e. 110 arestas e 60 vértices
Resolução:
Número de faces
Número de arestas
20 faces hexagonais:
12 faces pentagonais:
Como cada aresta é comum a duas faces, o número de arestas do silo é:
Número de vértices
Substituindo o número de faces e o de arestas na relação de Euler, obtemos o número de vértices do silo.
Portanto, o silo tem 90 arestas e 60 vértices, ou seja, a alternativa correta é a.
Quadro 9: Exemplos. (livro 1, p. 203 e livro 2, p. 75)
Entrelaçando os exemplares
Ao fazer a análise dos dois exemplares, a partir da interlocução entre eles, foi
Inicialmente cabe observar que como se tem afirmado na literatura (por exemplo
GOUVÊA, 1998), alguns autores têm se preocupado em não deixar o capítulo de
Geometria para o final do livro. No livro 2, a Geometria está já no segundo capítulo. No
livro 1 ela ainda está no final, no capítulo 7, de um total de oito. Obviamente que estar no
início não é garantia de que o conteúdo será efetivamente estudado, menos ainda com
qualidade, mas evita, a princípio, que por falta de tempo o conteúdo não seja abordado
por estar no final do livro.
Além dessa diferença entre a posição do capítulo de Geometria, nota-se,
t
ambéma quantidade de exercícios dos dois exemplares é significativamente diferente. O livro 1
traz 137 exercícios referentes aos temas aqui tratados, enquanto o livro 2 totaliza 208.
Uma última diferença que se registra é a abordagem mais formalista do livro 1.
Este tem uma preocupação maior com o rigor matemático, apresentando como um dos
objetivos específicos do capítulo “Reconhecer postulados (ou axiomas) e teoremas,
estabelecer diferenças entre essas noções e saber utilizá-las em problemas e
demonstrações” (p. 58).
Quanto às semelhanças, elas já foram indiretamente apresentadas na seção
anterior. É possível notar forte semelhança na apresentação dos conteúdos, na estrutura,
nos tópicos abordados, e até em alguns dos exercícios.
Esses são alguns dos resultados a partir do estudo realizado. São aspectos
iniciais para a análise dos livros didáticos aprovados pelo PNLD e das possibilidades de
comparação entre eles. Especialmente pensando na profissão docente, foco do evento,
este tema é relevante na medida que a escolha dos livros didáticos, no âmbito da escola
pública brasileira, está nas mãos do professor, e conhecer algumas das diferenças entre
eles pode contribuir para uma escolha consciente do professor.
Referências
ALMOULOUD, S.A.; MANRIQUE, A.L.; SILVA, M.J.F.; CAMPOS, T.M.M. A geometria no ensino fundamental: reflexões sobre uma experiência de formação envolvendo professores e alunos. Revista Brasileira de Educação, n.27, p.94-210, set/dez. 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=
GIOVANNI Jr., J.R.; BONJORNO, J.R.; Sousa, P.R.C. Matemática uma nova abordagem: progressões: 2º ano, ensino médio/José Ruy Giovanni... [et al]. – 3. ed. – São Paulo: FTD, 2013. – (Série clássicos do ensino médio).
GOUVÊA, F.A.T. Aprendendo e ensinando Geometria com a demonstração: uma contribuição para a prática pedagógica do professor de Matemática do Ensino Fundamental. 1998. 200f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 1998.
SOUZA, J.R. Matemática: volume 3/Joamir Roberto de Souza. – 1. ed. – São Paulo: FTD, 2011. Coleção Novo olhar.
i Auxílio à Pesquisa – Regular, Processo 2013/22975-3, “A geometria nos livros didáticos e a integração das tecnologias digitais”.
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