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Risco e saúde reprodutiva: a percepção dos homens de camadas populares.

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Academic year: 2017

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Risco e saúde reprodutiva:

a percepção dos homens de camadas populares

Reproductive health and risk as perceived

by low-income Brazilian men

1 Facu ldade de Serviço Social, Un iversid ad e d o Estad o d o Rio d e Jan eiro. Ru a São Fran cisco Xavier 524, Bloco D, Rio d e Jan eiro, RJ 20550-013, Brasil. 2 In stitu to de Filosofia e Ciên cias Hu m an as, Un iversid ad e Estad u al d e Cam p in as. Cid ad e Un iversitária Zeferin o Vaz , C. P. 6110, Cam p in as, SP 13081-970, Brasil. caralm eid a@u ol.com .br

Carla Cristin a Lim a d e Alm eid a 1,2

Abstract Stu d ies in th e field of rep rod u ctive h ealth d iscu ss existin g gap s in trad ition al research m od els, w h ich n eglect n ot on ly socia l a n d cu lt u ra l a sp ect s bu t a lso et h ica l a n d p h ilosop h ica l on es. Su ch a sp ect s cu t cross ov er t h e d efin it ion of essen t ia l t h em es for rep rod u ct iv e h ea lt h re-search , lik e sexu ality, rep rod u ction , an d gen d er. Th e re-search for con n ection s betw een th e tw o d is-cip lin es (Socia l Scien ce a n d Pu b lic Hea lt h ) rela t es t o h ow p eop le a n d socia l grou p s lim it a n d d ea l w it h t h e risk s t h ey fa ce. In t h is st u d y, w e a n a lyz e t h e p ercep t ion of risk in rep rod u ct iv e h ealth am on g a grou p of low -in com e m en from Rio d e Jan eiro. Th e grou p w as in terview ed d u r-in g a stu d y on m ale con tracep tion . Th e objective w as to id en tify th e situ ation s an d con texts from w h ich t h e p roblem (an d t h e con t en t s ascribed t o it ) em erge. On e can con clu d e from t h e in t erview s th at th ere is a risk h ierarch y w h ich is m od ified accord in g to cu ltu ral valu es an d relation -al, in stitu tion -al, an d social con texts.

Key words Rep rod u ctive Med icin e; Risk ; Gen d er; Ad u lt Health

Resumo Os estu d os d esen volvid os n a saú d e rep rod u tiva d iscu tem , en tre ou tras coisas, as lacu n as existen tes n os m od elos trad icion ais d e p esqu isa, os qu ais n egligen ciam asp ectos sóciocu ltu -rais e tam bém ético-filosóficos. Estes asp ectos atravessam a d efin ição d e tem as essen ciais à p es-qu isa em saú d e rep rod u tiva, tais com o: sex u alid ad e, rep rod u ção e gên ero. A bu sca d a articu la-ção en tre as d u as d iscip lin as (Ciên cias Sociais e Saú d e Pú blica) aju d a a p en sar com o as p essoas e os gru p os sociais d elim it am e p ercebem os riscos qu e en fren t am . N est e est u d o, an alisam os a p ercep ção d e risco em saú d e rep rod u tiva d e u m gru p o d e h om en s d e cam ad as p op u lares d o Rio d e Jan eiro, en trevistad os n o âm bito d e u m a p esqu isa sobre con tracep ção. Visam os id en tificar as situ ações e os con tex tos em qu e o p roblem a em erge e o con teú d o atribu íd o ao m esm o. A p artir d esses d ep oim en tos, é p ossível con clu ir qu e ex iste u m a h ierarqu ia d e riscos en tre os en trevista-d os, a qu al é m otrevista-d ificatrevista-d a trevista-d ep en trevista-d en trevista-d o trevista-d e valores cu ltu rais, con textos relacion ais, in stitu cion ais e sociais.

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Este trab alh o é fru to d e u m a p esqu isa qu e con tou com o ap oio d a FAPERJ (Fu n d ação d e Am -p aro à Pesq u isa d o Estad o d o Rio d e Jan eiro) e fo i rea liza d a ju n to a h o m en s d e ca m a d a s p o -p u lares, cu jo ob jetivo era refletir sob re o lu gar d estes n a rep rod u ção, em p articu lar n a con tra-cep çã o. As en trevista s, n o to ta l d e 27, fo ra m feitas n u m a m atern id ad e p ú b lica d o Rio d e Ja-n eiro, Ja-n o p erío d o d e ja Ja-n eiro a ju Ja-n h o d e 1999, com d u ração m éd ia d e 45 m in u tos e segu iram u m ro teiro q u e a b o rd a va o s segu in tes tem a s: rotin a fam iliar/ ativid ad es d om ésticas, p atern i-d ai-d e, con tracep ção e sexu alii-d ai-d e. Toi-d os os i-d e-p oim en tos foram tom ad os sem a e-p resen ça d as esp o sa s e em d iferen tes situ a çõ es: q u a n d o o s h om en s acom p an h avam as p arceiras n as con -su lta s d e p ré-n a ta l, n o a ten d im en to d e p ó s-p a rto o u q u a n d o a s visita va m n a o ca siã o d o n ascim en to d o b eb ê. Os h om en s aten d iam ao segu in te p erfil: estavam em u n ião, n a faixa etá-ria a d u lta e p o ssu ía m p elo m en o s u m filh o. Ho u ve b o a recep tivid a d e d o tra b a lh o d e p es-qu isa.

A id a d e m éd ia é d e 32 a n o s, 78% m o ra em áreas d e con cen tração d e p essoas com m en or p o d er a q u isitivo n o Rio d e Ja n eiro (45% zo n a n orte, 22% zon a cen tral e 11% Baixad a Flu m i-n ei-n se), algu i-n s são m orad ores d e favelas i-n essas regiões e a ren d a m en sal m éd ia é em torn o d e R$ 500,00. As a tivid a d es p ro fissio n a is sã o d o seto r in fo rm a l d e ser viço s e 37% d a s esp o sa s esta va m tra b a lh a n d o, n o m o m en to d a en tre-vista, em ocu p ações com o: em p regad a d om és-tica, técn ica d e arq u ivo, costu reira, ven d ed ora d e ren d a s d e fa b rica çã o p ró p ria e cozin h eira . Cab e d estacar qu e, m u itos relatam a realização d e a tivid a d es p ro fissio n a is em h o rá rio s flexí-veis e/ ou qu e im p licam n a con ju gação geográ-fica d os esp aços d a casa e d o trab alh o, favorecen d o u m a in tera çã o m a io r co m a ro tin a d o -m éstica. 30% d os h o-m en s refere-m n ão p ossu ir o 1ograu com p leto. Id en tificam -se com o “m o-ren o s” o u “b ra n co s” e, a p esa r d e n a scid o s n a cid ad e d o Rio d e Jan eiro, h á u m a forte p resen -ça , en tre o s h o m en s q u e en trevistei, d a exp e-riên cia m igra tó ria d o in terio r d o s esta d o s d o Nord este, com u m a exp ectativa d e salário m e-lh or e p osterior regresso aos locais d e origem . A gran d e m aioria p ossu i d ois filh os, m as cab e lem b rar qu e u m a p arte d os in form an tes estava viven cian d o a situ ação d o n ascim en to d e m ais u m a cria n ça . É releva n te a p resen ça d e filh o s n ão con san gü ín eos n a com p osição d e su as fa-m ília s e exp licita fa-m o d esejo d e terefa-m o “filh o d e san gu e”.

An tes d e p assar à d escrição d os d ad os, gos-ta ria d e fa zer a lgu m a s co n sid era çõ es so b re a n oção d e risco n as Ciên cias Sociais e n a Saú d e

Pú b lica . Nesse sen tid o, ca b e d izer q u e o co n -ceito ga n h a d iferen tes co n o ta çõ es em ca d a ca m p o, ten d o em vista a h istó ria e a n a tu reza d as d iscip lin as.

Na Saú d e Pú b lica, o con ceito d esen volveu -se a p a rtir d o s a p o rtes fo rn ecid o s p ela ep id e-m iologia e cae-m in h ou ju n to coe-m o p rob lee-m a d a ep id em ia d a AIDS. Isso trou xe con seq ü ên cia s p ara os estu d os d esen volvid os n a área d a saú -d e rep ro-d u tiva, qu e ap resen taram lacu n as m e-to d o ló gica s – p o u ca in co rp o ra çã o d e estu d o s d e n a tu reza q u a lita tiva – e co n ceitu a is. Co m resp eito a este ú ltim o a sp ecto, Pa rker (1995) a p o n ta p a ra a n ã o p ro b lem a tiza çã o d a s ca te-gorias u tilizad as n essas p esq u isas, com o foi o caso d o tem a d a “sexu alid ad e”.

Além d esse p rob lem a, a p ersp ectiva d o ris-co, a sso cia d a à ep id em ia d a AIDS, tro u xe u m con teú d o m oral e estigm atizan te p ara os estu -d os n o cam p o. Um b alan ço -d a h istória -d a assi-m ilação d o con ceito n as p esqu isas sob re AIDS, p o d e se r e n co n t ra d o n o t ra b a lh o d e Ayre s e t al. (1999), cab en d o registrar aq u i, ap en as, q u e o m esm o evo lu iu d e u m a p ro p o sta cen tra d a n os fatores d e risco, com p ortam en to e gru p os d e risco p ara u m a n oção m ais recen te d e “vu l-n erab ilid ad e”. Nessa ú ltim a ab ord agem , a p ers-p ectiva é a d e tom ar em con ta as ers-p articu larid a-d es sociais, p olíticas, cu ltu rais e su b jetivas qu e in tera gem co m d eterm in a d a s situ a çõ es d e ad oecim en to.

No qu e se refere ao cam p o d as Ciên cias So-ciais, o d eb ate gan h a fôlego n as ú ltim as d éca-d a s, co m a s fo rm u la çõ es éca-d e Giéca-d éca-d en s et a l. (1997) so b re o esgo ta m en to d a so cied a d e in -d u strial e o su rgim en to -d a socie-d a-d e -d e risco, cu ja d in â m ica esta ria cen tra d a n o s a va n ço s tecn ológicos d o fin al d o sécu lo XX. Não vam os n os a p rofu n d a r n este tem a , em b ora o m esm o forn eça u m con ju n to d e p rob lem as sob re a n a-tu reza, a n aa-tu reza h u m an a e a p róp ria qu estão d a rep rod u ção, cu jas im p licações são extrem a-m en te ia-m p orta n tes p a ra os estu d os ea-m sa ú d e rep ro d u tiva . Em o u tro sen tid o, m a s a in d a n o â m b ito d a s Ciên cia s So cia is, en co n tra m o s o s estu d os d e Mary Dou glas sob re risco (Dou glas, 1990; Dou glas & Wild avsky, 1982), p erigo, cor-p o e n atu reza (Dou glas, 1970) com en foq u e n a id éia d a p ercep ção d o risco.

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e com o tip os p articu lares d e p erigo vêm à ton a e ou tros n ão? Pergu n ta a au tora. Su a resp osta é q u e o s esco lh em o s n o m esm o “p acote em qu e escolh em os n ossas in stitu ições sociais”(Dou glas & Wild avsky, 1982:9). Assim , se p ara u n s, os p e-rigos m aiores são de n atureza física, com o polu i-ção; p ara ou tros, o p rob lem a é d e ord em social, com o p or exem p lo, in flação e d esem p rego.

A seleção d e u m a h ierarq u ia d e riscos a se-rem en fren tad os, d iz resp eito a qu estões d e n a-tu reza p olítica, d e m od o q u e este argu m en to é u m con trap on to a u m a p ersp ectiva qu e tom a o risco com o algo qu e em erge n atu ralm en te, n u -m a esp écie d e evolu ção d a socied ad e. Assi-m , a reflexão p rop osta p ela au tora p erm ite d iscu tir o su b stra to so cia l e cu ltu ra l d a s exp eriên cia s corp orais, d en tre as q u ais p od eríam os relacion a r o a d o ecim erelacion to p elo H IV/ AIDS, a s situ a -çõ es q u e en vo lvem a rep ro d u çã o e a vivên cia d a sexu alid ad e. Por trás d os sim b olism os atrib u íd os a cad a u m d esses even tos e d a p ercep -çã o d e risco d a s p esso a s e gru p o s en vo lvid o s, fica a p ergu n ta: Qu ais relações sociais e valores cu ltu ra is, q u e p a rticu la riza m ca d a socied a d e, aju d am a exp licar essas exp eriên cias?

Casamento e família:

“tentando fazer o meu mundinho”

Em b ora o ob jetivo d a p esq u isa n ão ten h a sid o p en sa r a q u estã o d o risco – n ã o h á n en h u m a p ergu n ta esp ecífica n o roteiro d e en trevistas a este resp eito – o tem a em ergiu d e form a esp on -tân ea n o d ecorrer d as h istórias qu e os h om en s co n ta va m so b re su a s p rá tica s rep ro d u tiva s e n ã o -rep ro d u tiva s. Assim , a lgu m a s situ a çõ es sã o cla ra m en te cla ssifica d a s co m o d e risco, d en tre as qu ais en con trei aqu elas vin cu lad as à aqu isição d o HIV/ AIDS. Ou tras qu estões relati-vas à saú d e rep rod u tiva (gravid ez, n ascim en to d o s filh o s, co n tra cep çã o ) sã o n o m ea d a s co m exp ressõ es d iversa s, ta is co m o : p erigo, m ed o,

tem or, receioe, a m ais com u m , preocu pação. De u m m o d o gera l, p o sso a firm a r q u e a id éia d e con trair d oen ças (sexu alm en te tran s-m issíveis, AIDS) é a s-m a is reco rren te q u a n d o exp ressam a n oção d e risco. Neste caso, o casa-m en to ap arece cocasa-m o u casa-m d ecasa-m arcad or d e exp o-siçã o / n ã o exp o o-siçã o a o m esm o. Sr. Jo sé, p o r exem p lo, afirm a qu e “vida de solteiro é arrisca-da”, o qu e ju stifica o fato d e ele ter b u scad o lo-go u m a vid a em fam íliaa ssim q u e ch ego u a o Rio d e Jan eiro. Para algu n s h om en s q u e en tre-vistei, a situ ação d e estar solteiro con figu ra u m risco. Mário exp lica qu e a d elim itação d a exp e-riên cia sexu al ao casam en to trou xe-lh e u m a vi-vên cia d e segu ran ça.

“O sexo p ra m im , h á m u itos an os atrás, qu an do eu era m ais n ovo[...], eu via assim com o [...] tesão, aqu ela coisa gostosa, n é? Hoje tam -bém n ão d eixa d e ser, m as só qu e h oje eu ten h o m u ito m ais segu ran ça n o sexo, n é, p orqu e an ti-gam en te... se d izia assim : qu e o sexo b om era o sexo d e ru a, era o sexo q u e se fazia lá fora, e eu até acreditava n isso, n é? E h oje n ão, h oje eu vejo qu e o sexo legal m esm o é o sexo com a p essoa q u e vo cê a m a , co m a p esso a q u e vo cê tem d o seu lad o, sab e, p orqu e te d á segu ran ça[...]Hoje eu n ão m e vejo cap az d e trair a m in h a m u lh er n a ru a com ou tra... com m u lh er n en h u m a p or m ais bela qu e ela seja, p or m ais ap resen tável qu e ela seja, p orqu e n ós sabem os m u ito bem qu e h oje ex istem m u itas d oen ças, n é, d oen ças irreversíveis com o a AIDS, qu e n ão tem rem édio, qu e n ão tem cu ra. [...] Nã o co n sigo ter tip o d e relação n en h u m a n a ru a; m ais p elo m ed o, p or aqu ela resp on sabilid ad e d e você saber qu e [...] você tem u m a boa esp osa, qu e você tem u m fi-lh o, sabe? Eu n ão m e perdoaria, ach o qu e eu m e su icidaria, [...] se u m dia eu faltasse com isso...”

(grifos m eu s).

Ta m b ém p a ra Ma n o el, Ta d eu , Lú cio, Má r-cio, Lau ro, Vin íciu s o p rob lem a está fora d e ca-sa, n as relações com m u lh eres d a ru a e vem d e

forap ara d en tro. Estas op osições d en tro/ fora, casa/ ru a são m u ito u tilizad as p ara caracterizar a d iferen ça en tre esta r em risco / n ã o esta r em risco, co m o ta m b ém a p a recem n o s tra b a lh o s d e Gold en b erg (1995), Sarti (1996), Gu im arães (1996) e Kn a u th (1999). As exp eriên cia s co m rela çõ es extra co n ju ga is sã o co n sid era d a s si-tu a çõ es d e foraa cu ja s im p lica çõ es b o a p a rte d o s en trevista d o s n ã o se sen te exp o sto, p o is n ão se in clu i n o gru p o d os q u e têm m u lh er fo-ra. Márcio, p or su a vez, relata q u e só teve u m a exp eriên cia extra con ju ga l, a ssim m esm o p or-q u e estava fora d e si – “bebida e festa do traba-lh o”– e d ep ois, n u n ca m ais isso ocorreu .

Ma rco s, Ro d rigo, Vin íciu s e Má rio co n ta m qu e com o casam en to estab eleceram u m a rela-ção d e exclu sivid ad e e fizeram u m a esp écie d e

pacto de fidelidadecom as esp osas. Pergu n tei a Marcos se ele fazia algo p ara evitar filh os, e es-te, referin d o-se ao fato d e n ão u sar cam isin h a resp on d eu :

“N ão[...]n ão faço n ada pra estragar a m in h a con d u ta aí fora. N ão sou san tin h o n ão, n ão existe, eu até só faço o possível... eu n ão sou san -to, m as n ão p rocu ro [...] fizem os u m p ac-to, u m p acto d e fid elid ad e e estam os levan d o a vid a bem m elh or. Ela n ão tem n in gu ém e eu tam bém n ão ten h o n in gu ém , até qu an d o Deu s qu iser e assim está feito o n osso pacto”.

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-zid a n a relação d o casal, em geral, associad a à id éia d e q u e é a lgo p rovisó rio n o ca sa m en to, d eve ser u sad a qu an d o solteiro ou em relações n ão d u rad ou ras. O casam en to é, p ortan to, u m a esp écie d e lib ertação d e algo qu e, p ara a m aioria dos en trevistados, in com oda, im p ede o con -tato n atu ralen tre os d ois sexos. Mário exp res-sa u m a id éia d e q u e a fa m ília co n stitu iu p a ra ele a sep a ra çã o en tre d o is m u n d o s, o q u e é avaliad o com o algo m elh or.

“E n u m m u n d o h o je m u ito m a is p erigo so, m u ito m ais ch eio de fagu lh as, m u ito m ais ch eio d e con seqü ên cias, n é [...] eu acred ito qu e essas coisas, devido a essa liberação, [...] estão se p er-den do, sabe? As coisas estão tom an do u m ru m o [...] qu e eu ach o qu e n ão é legal [...] En tão, p or isso qu e eu tô m e fech an d o m ais p ra m in h a es-p o sa , es-p ro s m eu s filh o s e tô ten tan d o fa zer o m eu m u n d in h ocom a cabeça do jeito qu e eu te-n h o, do jeito qu e eu pete-n so...”(grifos m eu s).

Para Fáb io e Nilton , n ão é exatam en te o ca-sam en to qu e d efin e u m a con d u ta m ais segu ra, m as o n ascim en to d os filh os. Em am b os os caso s esse a co n tecim en to sign ifico u u m a m u -d a n ça n a vi-d a , q u e eles co n si-d era m p a ra m e-lh or, “sem bares, festas sozin h os e farras”.

Ain d a em rela çã o à s d o en ça s sexu a is e a AIDS, a lgu n s en trevista d o s a p resen ta m u m a id éia d e qu e p ossu em d isp ositivos d e avaliação so b re se p o d em o u n ã o arriscara so rte ten d o u m a relação sexu al forado (casa)m en to. Assim , p a ra Fá b io, “é p egar u m a m u lh er lim p in h a, ch eirosa, edu cada”. O trab alh o d e Gogn a & Ra-m os (1999), sob re cren ças d e h oRa-m en s e Ra-m u lh e-res ad u ltas a e-resp eito d e p reven ção d e d oen ças sexu alm en te tran sm issíveis, tam b ém en fatiza a h igien e com o fator im p ortan te d escrito p elos h om en s p ara a aq u isição d e tais d oen ças e p a-ra a id en tificação d e situ ações d e riscos.

To rn a n d o u m p o u co m a is co m p lexo esse m o d elo h igiên ico d o co rp o, Jo n a s co n ta q u e h oje é “tu do m u ito con fu so”, referin d o-se às ex-p eriên cia s sexu a is d o s ra ex-p a zes. Afirm a n ã o se sen tir em risco, p ois é u m a p essoa m u ito p ara-d a e só sa i q u a n ara-d o con h ecea m u lh er. Em b o ra seu d iscu rso n ão esclareça com p recisão o tip o d e co n h ecim en to req u erid o, p a ra ele essa é u m a atitu d e cau telosa.

A p esqu isa d e Gogn a & Ram os (1999) citad a a cim a , en con trou q u e os h om en s en fa tiza m a id éia d a m u lh er d e con fian ça (d on a d e casa em o p o siçã o a o u tra d e vid a sexu a l m u ito a tiva ) p ara estab elecerem seu s critérios d e segu ran -ça, en qu an to as m u lh eres p recisam d e u m h is-tórico m aior d o p arceiro – “con h ecen d o b em a p esso a”. Ap esa r d isso, a s a u to ra s co n sid era m q u e a s “estra tégia s d e seleçã o” ten d em a ser a cio n a d a s p elo s h o m en s, visto q u e a s m u lh

e-res se in clin a m p a ra u m a ló gica b a sea d a em “estra tégia s d e p ro teçã o” (a ch a m q u e o s h o -m en s d eve-m u sar p reservativo ap en as e-m rela-çõ es extra co n ju ga is), u tiliza n d o u m a cla ssifi-cação su gerid a p or Pollack.

Tra n screvo, a segu ir, u m trech o d o d ep o m en to d e Sílvio, o qu al in d ica, d e m an eira m u i-to sign ificativa, os critérios ad otad os p or ele e p or am igos p ara con trolar as situ ações d e risco q u e viven cia va m n o p a ssa d o. O en trevista d o rela ta a s estra tégia s q u e a d ota va , em su a vid a d e so lteiro, p a ra a va lia r u m a p o ssível exp o si-ção a riscos n os en con tros sexu ais.

“Eu até p egu ei algu m risco com algu m as p arceiras [...] n o tem p o qu an d o era solteiro.[...] Com algu m as p arceiras eu realm en te n ão cor-ria o risco... por [...]...con h ecim en to, de você co-n h ecer co-n u m a co-n oite [...] ou co-n u m a praia, e depois m arcar u m en con tro à n oite. Eu sem pre m e pre-cavia, m as com determ in adas p arceiras a gen te até corre esse risco [...] p orqu e a gen te faz u m a an álise de repen te pela exp eriên cia, pela vivên

-cia, d e qu e realm en te aqu ela p essoa p ossa n ão estar in fectad a e, em algu n s casos, a gen te até assu m e, n é? No caso de já estar com 59 an os, [...] é u m a coisa qu e vai acon tecer p ro fu tu ro e até lá já vou estar m orto. (Risos)[...] Às vezes [...] n em é o am bien te, é o tip o d a p essoa, n é? É o m o d o d ela agir, a ed u cação q u e você n ota n a p essoa, o p ap o qu e a gen te leva ...”(grifos m eu s).

Ca b e d esta ca r n esse d ep o im en to, q u e Sílvio a firm a p o ssu ir u m co n tro le so b re a situ a -ção, valen d o-se d e algu m as qu alid ad es su b jeti-va s co m o m atu rid ad e, con h ecim en toe ex p e

-riên cia, co m o ta m b ém o co rre n o s d ep o im en -tos d as p esqu isas com m u lh eres d e Gu im arães (1996) e co m h o m en s e m u lh eres d e Loyo la (1994) e d e Gogn a (1998).

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estariam in vestid os d e u m lu gar d e au torid ad e n a vid a con ju gal e n a fam ília.

O d ep o im en to d e Sílvio ilu stra b em a im -p o rtâ n cia d a co n versa e d o con h ecim en tod o ou tro p ara se ter algu m a segu ran ça n a p rática sexual. O en trevistado relata esta situação qu an -d o con h eceu a esp osa atu al.

“... ficam os baten d o p ap o ali até d e n oite. Ela m e falou d a vid a d ela, eu falei d a m in h a e tal. En tão, qu an do n ós tivem os a p rim eira rela-ção, [n ão u sam os] cam isin h a n em n ada e a p ar-tir daí n ós n u n ca u sam os p raticam en te,n é? En -tão sei lá, é u m a coisa qu e você olh a e diz: ‘N ão, com aqu ela ali eu vou correr risco realm en te’. [...] N ão estam os falan do de profission ais do se-xo [...], lá n o fu n d o até são, n é, d e ou tra form a. N ão recebem d in h eiro, m as sem p re vêem a si-tu ação p ra lan ch ar, p ra com er, [...] são p essoas qu e às vezes p odem até n ão trabalh ar. A orla de Copacaban a é [...] ch eia disso e cabe a você, pela

exp eriên ciae p ela m atu rid ad e, d iscern ir qu em é qu em , n ão é? Claro qu e a gen te às vezes p od e se d ar m al, m as via d e regra... eu sem p re m e sen ti segu ro”(grifos m eu s).

A id éia d e qu e o casam en to é u m a segu ran -ça p a ra o s h o m en s co m q u em co n versei, p o is estaria sob o con trole d eles a seleção d as relações sexu ais, p arece caracterizar a extracon ju -ga lid a d e co m o u m a exp eriên cia m a scu lin a . Nã o se evid en cia n o s d ep o im en to s co lh id o s, q u alq u er sen tim en to sob re u m a p ossível rela-çã o sexu a l d a s esp o sa s “fo ra” d o ca sa m en to. Nesse sen tid o, vale a afirm ação d e q u e a exp e-rim en ta çã o sexu a l é d a n a tu reza m a scu lin a e q u e a extracon ju galid ad e d os h om en s é aceita tacitam en te en tre os p ares, e até m esm o p elas m u lh eres, co m o evid en cio u o estu d o d e Heil-b o rn & Go u veia (1999) so Heil-b re sexu a lid a d e em m u lh eres p o p u la res n o co n texto d a AIDS, e a an álise d e Kn au th (1999) p ara o caso d a legiti-m id a d e d a co n ta legiti-m in a çã o felegiti-m in in a p elo HIV/ AIDS ocorrid a através d os p arceiros.

Em b ora m eu gru p o d e en trevistad os n ão se sin ta sob risco, m esm o ten d o relações forad o ca sa m en to e sem ca m isin h a , co n fo rm e eles p róp rios classificam as situ ações d e vu ln erab i-lid ad e às d oen ças sexu ais, algu n s d ep oim en tos exp ressam u m alívio q u an d o as esp osas fazem o teste an ti-HIV, n a ocasião d a gravid ez, com o é o caso d e Rod rigo e Lú cio.

Nesse co n ju n to d e situ a çõ es, n a s q u a is o s in form an tes avaliam a existên cia ou n ão d e risco, este con ceito ap arece estreitam en te vin cu -lad o ao com p ortam en to. Assim , com p ortar-se d e fo rm a d iferen tep o d e ser a ga ra n tia p a ra sen tir-se fora d e p erigo. Na m ed id a em qu e ca-d a u m con trola, à su a m an eira, seu com p orta-m en to d e risco – relações sexu ais “fora” d o

ca-sam en to sem o u so d o p reservativo – o m esm o, ap aren tem en te, d eixa d e fazer p arte d e su as vi-das. En tretan to, a situ ação de realização do exa-m e an ti-HIV p arece in d icar u exa-m a aexa-m b igü id ad e: a p resen ça silen ciosa d o risco.

Construindo uma hierarquia de riscos

em saúde reprodutiva

A id éia d e risco n a saú d e rep rod u tiva, n ão ap a-receu ligad a ap en as à p ossib ilid ad e d e con trair AIDS o u d o en ça s sexu a lm en te tra n sm issíveis n os d ep oim en tos ou vid os. En con trei, é verd a-d e, q u e a-d e fo rm a b em m en o s en fá tica , sen ti-m en tos d e p reocu p ação, ti-m ed o ou p erigo atri-b u íd os à vivên cia d a con tracep ção, d a gravid ez e d o n ascim en to d os filh os.

No p rim eiro caso, o d a con tracep ção, os en -trevistad os con tam q u e a p reocu p ação d e n ão en gravid ar atrap alh a a p rática sexu al. Orlan d o ch ega a exp lica r q u e o m ed o d e en gra vid a r cau sa im p otên cia sexu al.

“Atrap alh ava m u ito [...]... p orqu e o sexo é você tá...com a su a m en te livre, n é, você n ão po-d e ter p reocu p ações, você tem qu e... se po-d epo-d icar aqu ele m om en to, só a você, só... a su a cabeça tem qu e tá ligada n aqu ele m om en to ali... E você fica com m ed o e o m ed o cau sa... [...] im p otên -cia... Na h ora da ejacu lação, por exem plo,[...] ... batia aqu ele m ed o; d e rep en te vin h a n a m in h a cabeça qu e n ão podia, en ten deu ?”

Sa n d ro, La u ro, Ta d eu e Den ilso n ta m b ém p a recem id en tifica r q u e a p rá tica d e evita r fi-lh os con stitu i u m a p reocu p ação e, em con tra-p artid a, a con tracetra-p ção tra-p od e ser en carad a co-m o u co-m a segu ran ça. Den ilson se d iferen cia d os d em a is p o rq u e a id éia d e rea liza r a regu la çã o d a fecu n d id ad e foi m otivo d e su a p reocu p ação som en te en q u an to esteve solteiro, já q u e com o ca sa m en to seu d esejo d e ter filh o s p ô d e se exp ressar livrem en te.

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Porta n to, n o q u e d iz resp eito à con tra cep -ção, os riscos p arecem estar associad os à saú d e em geral, à p erform an ce sexu al e à tecn ologia con tracep tiva, e, n ão se revestem d o con teú d o com p orta m en ta l p resen te n a q u estã o d a s d o-en ças sexu alm o-en te tran sm issíveis e d a AIDS.

O estad o gestacion al tam b ém foi evid en cia-d o e é cla ssifica cia-d o p o r Sa n cia-d ro co m o p erigoso; en q u a n to n a situ a çã o d e Ro d rigo, o m ed o d a gra vid ez ocorre d evid o a o fa to d a esp osa p os-su ir idade avan çada. Para San d ro, o m ed o esta-va relacion ad o d e m od o m ais gen érico à:

“[...] saú d e d a Su eli, n o caso se ia correr tu -d o bem p orqu e... n ão vou gen eraliz ar, n é, m as h oje em d ia a gravid ez d e u m a m u lh er é m u ito perigosa n é? Se n ão tiver cu idados n é, se n ão tiver bem assistida. En tão, sem pre procu rei acom -p an h á-la em tu d o [...] o m éd ico até já m e co-n h ecia”.

Nesse d ep oim en to, o risco é rem etid o ao ti-p o d e a ssistên cia à sa ú d e, esti-p ecia lm en te em u m m om en to con sid erad o crítico, com o é o ca-so d a gestação. Ou tra situ ação recon h ecid a co-m o vu ln erável n o con texto d o aten d ico-m en to eco-m sa ú d e, é a d o n a scim en to d o s filh o s. Orla n d o revela p reo cu p a çã o e m ed o co m o p a rto e o n a scim en to d o b eb ê, o q u e o levo u a cria r es-tratégias p ara garan tir o acom p an h am en to d o m éd ico qu e lh es d aria m aior con fian ça. Am b as a s fa la s se d irigem à situ a çã o d o a ten d im en to p ú b lico em saú d e rep rod u tiva, in d ican d o u m a esp écie d e vu ln erab ilid ad e social (Ayres et al., 1999) a cu jas im p licações os h om en s sen tem -se su b m etid os.

“...a gen te tin h a m u ita preocu pação com re-lação ao parto [...] A gen te pega n o jorn al m u ita n otícia aí de crian ças m orren do por falta de cu i-d ai-d o... i-d evii-d o à M atern ii-d ai-d e, p egar in fecção, u m m on te de coisa, rou bo de crian ça, sabe? En -tão, a gen te tin h a [...] m u ito m ed o p orqu e... a gen te vê m u ita coisa ru im , n é? En tão, con segu i con tato com o Dr. Jú lio, e aí vim aqu i e con versei com ele... os ú ltim os qu atro m eses foi ele qu em acom pan h ou , en ten deu ? E foi m arcado pra n as-cer n o dia em qu e ele estivesse de serviço”.

Ou tro in form an te, Dirceu , m ostrou ap reen -sã o co m a p o ssib ilid a d e d o b eb ê n a scer co m p rob lem a s, m ed o este origin a d o n a exp eriên -cia fam iliar d e h istórias d e crian ças com p ara-lisia in fan til. Nesse caso, a p ercep ção d o risco está vin cu lad a à u m a p ossível h eran ça gen éti-ca, classificad a p or ele com o perigosae relacio-n ad a ao seu gru p o d e origem .

“Tava m u ito preocu pado com a gravidez de-la.[...] É p orqu e [...] ten h o u m irm ão qu e tem paralisia in fan til, n é, n a [fam ília] dela tam bém . Isso aí ficou n a m in h a cabeça o tem po todo. [...] Eu ain d a tô p reocu p ad o p orqu e ain d a n ão vi

ela d e olh os abertos. Eu p ergu n tei até: Ela já abriu os olh in h os? Claro qu e já. Você tem certe-za? Claro qu e já”.

Um d o s d ep o im en to s co lh id o s, co lo ca a p róp ria d ecisão d e ter filh os n a lista d os riscos a serem en fren ta d o s. Nessa situ a çã o, p a rece qu e en tra em jogo u m a certa d efin ição d a id en -tid a d e d o gên ero m a scu lin o, a q u a l im p lica u m a id éia d e resp o n sa b ilid a d e p ela s d em a n -d as a-d vin -d as -d a criação e p ela garan tia -d e segu ran ça d os filh os, cu ja efetivação é qu ase im -p ossível d e ser con cretizad a n o con texto social e u rb an o em qu e vivem as cam ad as p op u lares. Arilh a (1998), trab alh a b em essa n oção d a res-p on sab ilid ad e com o atrib u to m ascu lin o fren te à fa m ília , e Sa rti (1996), d esta ca o có d igo d e h o n ra en vo lvid o n o p a p el d o h o m em -p a i n a s fam ílias p ob res. É Sílvio qu em afirm a:

“É u m a resp on sabilid ad e m aior, n é? Tan to qu e agora eu casei e... até n os m u d am os p ara p erto d os fam iliares d ela; ela é d o in terior d e M in as, e eu sem p re falei qu e n ão qu eria ou tro filh o n essa cid ad e p orqu e aqu i é m u ito d ifícil p ra gen te con segu ir as coisas. Aqu i n o Rio, é m u ito bom qu an do você está n u m a situ ação fi-n afi-n ceira m u ito boa, p orqu e p ra tu d o qu e você faz, você tem qu e ter d in h eiro p ra gastar, é con -du ção, é o ir e vir, n é? É com er fora [...], é u m m é-d ico, é u m a coisa e ou tra. E a vié-d a n o in terior é u m a vid a m ais tran qü ila, e eu qu e já tive fi-lh os... sem p re n os p rim eiros an os, é realm en te u m sacrifício m u ito gran d e d os p ais, é aqu ela etern a vigilân cia, o risco d e m éd ico, d e p assar m al, u m a coisa e ou tra. En tão, a gen te tá até preten den do ir talvez lá pro in terior de Min as”.

No con ju n to d as situ ações p erceb id as com o rótu lo d e risco p elos en trevistad os, en con tra-m os u tra-m a p red otra-m in ân cia d aq u elas vin cu lad as à co n ta m in a çã o a d o en ça s sexu a is. A co n tra -cep çã o e a gra vid ez a p a recem a p en a s em a l-gu n s d ep oim en tos. Con tu d o, q u an d o falam d a ed u ca çã o d o s filh o s, e esp ecia lm en te d a s fi-lh a s, o u tro s risco s em sa ú d e rep ro d u tiva p a s-sa m a ser con sid era d os. A gra vid ez é con sid e-ra d a u m p ro b lem a im p o rta n te, ju n ta m en te co m a s d o en ça s e a AIDS, o q u e leva o s p a is a se p reocu p arem em realizar u m a esp écie d e vigilâ n cia m a is in ten sa so b re a s m en in a s. Ta m -bém ap arecem afirm ações qu e revelam a m aior p reocu p ação em forn ecer in form ações às m e-n ie-n as, e-n a ocasião d a m ee-n stru ação, qu e fu e-n cio-n em co m o a d vertêcio-n cia s p a ra o s risco s a q u e elas estão exp ostas.

Além d esses tem as, su rge ain d a o p rob lem a d a violên cia sexu al, con form e afirm a Alu ísio:

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m en in as n é? [...] Vários casos de estu pros, de se-qü estros, geralm en te de 90, 10% dessa situ ação é com h om en s o resto é tu do m u lh er”.

Um assu n to qu e só é d estacad o com o risco q u a n d o p en sa m so b re o s seu s filh o s, d iz res-p eito à orien tação sexu al. Para Lú cio,

“... o pai tem qu e ir testan do a crian ça de to-d a form a, até a sexu alito-d ato-d e m esm o, esse n egó-cio d e beijo n a boca. Ten tar... n ão d ar u m a m á pessoa. O qu e adian ta você [ser] u m a pessoa es-tu diosa e ser u m h om ossexu al ou u m a p essoa... sapatão, com o se diz, n é, n o fu tu ro?”

Além d isso, as p essoas en trevistad as id en tifica m situ a çõ es d e risco s q u e n ã o estã o a sso ciad as à qu estão d a saú d e rep rod u tiva em sen -tid o estrito. Den tre elas, é p ossível citar aq u e-las relacion ad as ao tipo de trabalh ocom o qu al os h om en s estão en volvid os – u m p olicial, u m m eta lú rgico q u e lid a co m p ro d u to d e resp on

-sabilid ad e– e ou tros riscos ligad os ao local d e m orad ia, q u e lh es coloca fren te a situ ações d e violên cia e m orte qu e terão d e ad m in istrar d u -ra n te a cria çã o d os filh os. Além d esses d ep oi-m en tos, en con trei o d e Ad rian o, q u e traz u oi-m a h istória d e vid a m a rca d a p elo risco con sta n te d e se torn ar u m m argin al.

Ap esar d esses d iscu rsos levan tarem asp ec-tos sociais m ais am p los, q u e p arecem con cor-rer com a p ercep ção d e risco em saú d e rep ro-d u tiva, n ão foi p ossível ro-d eterm in ar com p recisã o a rela çã o en tre o s tip o s d e risco s veicu la -d o s, co m o p u -d e o b serva r n a leitu ra -d e o u tro s tra b a lh o s d e p esq u isa . Kn a u th (1999), p o r exem p lo, revela q u e a AIDS é secu n d á ria p a ra as m u lh eres casad as sorop ositivas d e cam ad as p op u lares, q u e além d e colocarem em p rim ei-ro p lan o os p arceiei-ros, fam iliares e filh os con vi-vem com in segu ran ça, m orte, in certeza d o ali-m en to, d o tra b a lh o e ali-m o ra d ia . É d ela s a a fir-m ação d e q u e “se p od e m orrer d e qu alqu er ou -tra coisa”(Ka n a u th , 1999:134). Ta m b ém Heil-b orn & Gou veia (1999), relatam u m a esp écie d e m in im ização d os riscos d a AIDS em fu n ção d o co n texto so cia l em q u e vivem a s m u lh eres d e ca m a d a s p o p u la res q u e fizera m p a rte d e seu estu d o. Gu im a rã es (1996), rea firm a a im p o r-tân cia d esses argu m en tos p ara a m an u ten ção d a AIDS com o u m a d oen ça d o “ou tro”, algo qu e estaria à d istân cia d as m u lh eres d e su a p esqu i-sa. A au tora avalia qu e “... assegu rar a m ascu li-n idade, a fem ili-n ilidade, o trabalh o, a vida afeti-va e os laços fam iliares certam en te coloca-se n o patam ar m ais alto da h ierarqu ia de riscos e per-das pessoais”(Gu im arães, 1996:315).

Os trab alh os citad os acim a, en focam esp e-cialm en te o p rob lem a d a AIDS e o gên ero fem i-n ii-n o, m eu estu d o, ao coi-n trário, cei-n trou -se i-n a a b o rd a gem d a d in â m ica d e gên ero n o ca m p o

d a regu lação d a fertilid ad e. Desse m od o, m eu m aterial n ão visou exp lorar em p rofu n d id ad e a categoria risco, m in h a in ten ção com esse arti-go foi ressaltar qu e, n este gru p o, m u ito em b ora os h om en s falem d e u m a boa h ora e d a n eces-sid a d e d e p la n eja m en to p a ra terem filh o s, ta l even to n ão in sp ira u m a visão d e risco n a relação sexu al. Esta con cep relação, p or su a vez, é fu n -d am en tal p ara os estu -d os volta-d os ao tem a -d a con tam in ação p elo HIV/ AIDS e estratégias d e p reven ção.

To d a via , p o sso a firm a r ju n to co m a s d e-m a is p esq u isa s, q u e a p ercep çã o d e risco d o s h om en s qu e en trevistei é m in im izad a m ed ian -te certos valores cu ltu rais d iretam en -te atrib u í-d os ao gên ero m ascu lin o. Assim , ain í-d a q u e se reco n h eça m vu ln erá veis à co n ta m in a çã o d e d o en ça s sexu a is e AIDS n o co n texto d e rela -çõ es extra co n ju ga is sem u so d o p reser va tivo, tal p ercep ção é aten u ad a m ed ian te a valoriza-ção d e características qu e seriam típ icas ao gê-n ero m ascu ligê-n o: vivêgê-n cia p essoal gê-n a p rática d a seleção d e p arceiras ( a exp erim en tação sexu al) e a id éia d e qu e a extracon ju galid ad e é u m a ex-p eriên cia ex-p rim ord ialm en te d os h om en s.

Levantando novas questões:

riscos e contexto sócio-cultural

Refletin d o sob re a rep resen tação d e risco p ara esse gru p o, con sid ero qu e a m esm a n ão está li-m itad a ao coli-m p ortali-m en to, eli-m b ora este ten h a u m p a p el im p o rta n te n a cla ssifica çã o q u e o s en trevistad os fazem sob re algu m as situ ações, com o é o caso d a aqu isição d e d oen ças sexu al-m en te tra n sal-m issíveis e d a AIDS. En treta n to, en con trei id éias d e risco associad as tan to a es-tad os d e vu ln erab ilid ad e p essoal qu an to social – locais d e m orad ia, in stitu ições, tip o d e assis-tên cia e tecn o lo gia s d isp o n íveis em sa ú d e re-p rod u tiva.

Ob servei u m a d iferen ça sign ificativa d e ên -fase n as situ ações vivid as p elos en trevistad os. As d o en ça s sexu a lm en te tra n sm issíveis e a AIDS são p erceb id as com o riscos, ao p asso qu e ou tros tem as d a saú d e rep rod u tiva, tais com o, gestação, p arto, con tracep ção (p ara citar ap e-n a s a q u eles q u e em ergira m e-n o co e-n texto d a s en trevistas) são trad u zid os p elos in form an tes com sen tim en tos m ais d ifu sos. O qu e faz algu -m as situ ações sere-m con sid erad as clara-m en te d e risco e ou tras n ão?

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traí-ra m o víru s H IV n a s m a is d iferen tes circu n s-tâ n cia s. Além d isso, a s d o en ça s sexu a lm en te tran sm issíveis trad icion ais sem p re foram tam -b ém a lvo d e im a gin a çã o p ú -b lica , a sso cia d a s qu e estavam à id éia d e u m a sexu alid ad e livre e p erm issiva . A co n cep çã o d e risco fico u a ssim atrelad a ao cam p o d as d oen ças.

Con tracep ção, gestação, p arto e os even tos rela cio n a d o s a o n a scim en to d o s filh o s p a re-cem fa zer p a rte d e u m gru p o d iferen te d e ex-p eriên cias. Estas situ ações estariam relacion a-d as a p rojetos a-d e form ação a-d e fam ília e à afir-m a çã o d a id en tid a d e a d u lta afir-m ed ia n te a efeti-vação d a p atern id ad e, com o b em d em on stram as p esq u isas d e Arilh a (1999), ju n to a joven s e ad u ltos d o sexo m ascu lin o.

Con sid eran d o q u e ter filh os (rep rod u zir ou n ão rep rod u zir) con stitu i u m asp ecto cu ltu ral-m en te recon h ecid o coral-m o p róp rio d a n atu reza h u m a n a (n a scem o s p a ra p ro cria r), p o d em o s d ed u zir q u e p or m ais p reocu p ação, tem ore re

-ceioqu e os h om en s exp ressem em relação a es-ses even to s, o s m esm o s sã o fu n d a m en ta is n a aqu isição d e su as id en tid ad es sociais. Além d o q u e, tais sen tim en tos d ifu sos referem -se m ais à esfera social d os cu id ad os e m an u ten ção d os filh o s, d o q u e p ro p ria m en te à fisica lid a d e, já qu e even tos rep rod u tivos são rem etid os à esfe-ra d e con trole e atrib u ições fem in in as. O tesfe-rab a-lh o d e Heilb o rn & Go u veia (1999) m en cio n a , p o r exem p lo, q u e em seten ta en trevista s co m m ulheres das cam adas m édias, n ão é iden tifica-d a a AIDS esp on tan eam en te q u an tifica-d o se fala tifica-d e p reven ção, m as sim o tem a d a con tracep ção.

Os d ep o im en to s q u e o u vi m e h a b ilita m a a firm a r so b re a existên cia d e u m a h iera rq u ia d e riscos, qu e é m od ificad a em fu n ção d os ato-res en volvid os. Nesse caso, q u an d o se trata d e

p en sar n os filh os, esp ecialm en te n as filh as, ou -tros riscos en tram em cen a ou an tigos são m ais en fatizad os. As m en in as p arecem m ais exp os-ta s a risco s em sa ú d e rep ro d u tiva (gra vid ez, violên cia sexual, doen ças sexuais), ao p asso qu e p ara os m en in os são en fatizad os riscos d e n a-tu reza social e u rb an a. Essa classificação d eixa referên cia s d e gên ero m u ito cla ra s n a fo rm a com o p erceb em os p erigos qu e en fren tam .

Dessa form a, a d efin ição d os riscos a serem evita d o s o u leva d o s em co n ta , n a lin gu a gem su gerid a p or Dou glas, n ão se p rod u z ao acaso o u d e m o d o in d ivid u a l, m a s é co m p a rtilh a d a n a coletivid ad e através d os valores cu ltu rais e d as in stitu ições sociais q u e con trib u em p ara a fo rm u la çã o so cia l d o s p ro b lem a s a serem en -fren tad os p or cad a socied ad e.

Sen do assim , e segu in do a su gestão de Mary Do u gla s (Do u gla s & Wild a vsky, 1982), ca b eria refletir a in d a so b re q u e tip o d e va lo res e co n textos sociais, cu ltu rais, in stitu cion ais d ão su p orte à esta h ierarq u ia d e riscos. Pod em os ob -servar qu e o valor-fam ília e o con texto d o casa-m en to, p a rececasa-m co n stitu ir icasa-m p o rta n tes ele-m en to s n a seleçã o d o s risco s, ele-m esele-m o p a ra o gên ero m a scu lin o. Ta m b ém p a recem co n co r-rer p a ra essa d efin içã o n o çõ es so b re o co rp o (em esp ecial a id éia d e u m corp o h igien izad o), o s gesto s e m o d o s (ed u ca d o s). A co m b in a çã o en tre classificações d e p essoas segu n d o a gera-ção e o gên ero, p or su a vez, con trib u i p ara d e-m a rca r u e-m gru p o (d e filh o s e filh a s) su jeito a riscos esp ecíficos, p ortan to, a u m n ovo arran jo n essa h ierarq u ia. Assim , a h ierarq u ia d e riscos p arece se m od ificar d ep en d en d o d e con textos sociais, cu ltu rais, in stitu cion ais, h istóricos e d a p o siçã o d o gru p o estu d a d o fren te à situ a çã o en focad a.

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Receb id o em 20 d e ju n h o d e 2000

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