VASCULTTE ISOLADA DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
E ACOMETIMENTO DO VIII NERVO CRANIANO
MANIFESTAÇÕES R A R A S D A SÍNDROME DE IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
VALENTINA VAN BOEKEL * — SAMIRA ASSUF * — JOSÉ MAURICIO GODOY **
LUIZ A. LAMY *** — SÓNIA B. SARAIVA ****
RESUMO — O objetivo de nosso estudo é enfatizar a exuberante anarquia dos mecanismos
imunológicos na síndrome de imunodeficiência adquirida. Tal anarquia propicia a eclosão
de manifestações clínicas atípicas e, por vezes, bizarras, de difícil diagnóstico. N o estudo
em questão, chamamos a atenção para duas raras manifestações da doença: vasculite isolada
do sistema nervoso central (SNC) e acometimento do> V I I I nervo craniano, que exigem amplo
diagnóstico diferencial, o que significa dizer intervenção de especialistas de diversas áreas.
Após revisão da literatura, identificamos apenas dois casos de vasculite isolada do SNC
induzida pelo vírus da imunodeficiência, humana e um caso de surdez neurossensorial
com-provadamente ocasionada pelo retrovírus mencionado. Em passado longínquo, os médicos de
boa formação clínica diziam ser necessário raciocinar «sifiliticamente» e hoje, diante de
doença tão complexa e multissistêmica, nos parece necessário raciocinar «aideticamente».
P A L A V R A S CHAVE: SIDA, vasculite do sistema nervoso central, acometimento V I I I
nervo craniano.
Primary central nervous system vasculitis and eight cranial nerve dysfunction: an uncommon
manifestation of AIDS.
SUMMARY — The authors report the case of an AIDS patient with rare neurologic
mani-festations: primary vasculitis of the central nervous system and V I I I cranial nerve
dys-function. The authors make a review on the subject, and call special attention for the
differential diagnosis. In fact, the patient, a 36 years old woman, with promiscuous life,
presented with dizziness, gait ataxia, nausea, headache and hipoacusia. Seven days after
the admission, she noted blurred vision in both eyes and soon she became blind. The
physical examination showed bilateral optic neuritis and vestibulocochlear dysfunction, stiff
neck and fever. N o abnormalities were detected on CT scan. CSF showed 40 mononuclear
cells/mm3, 79 mg/dl of proteins and normal glucose content. Microbiological research was
negative. Serum anti-HIV test was positive. The hypothesis of primary CNS vasculitis was
made, and pulse methylprednisolone therapy was introduced with good recovery of
neu-rological syndrome except for persistent amaurosis.
W E T WORDS: AIDS, CNS vasculitis, V I I I cranial nerve dysfunction.
Embora as manifestações mais dramáticas da síndrome de imunodeficiência
adquirida ( S I D A ) estejam vinculadas ao profundo estado de imunodepressão,
ocasio-nando infecções oportunistas e ( o u ) neoplasias, é claro no momento que a infecção
pelo vírus da imunodeficiência humana ( H I V ) resulta em uma série de eventos
imuno-* Médica, Clínica de Medicina Interna, Hospital de Ipanema; imuno-*imuno-* Professor Adjunto de
Neurologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
( U E R J ) ; *** Médico Chefe, Clínica de Medicina Interna, Hospital de Ipanema; **** Médica
Residente, Clínica de Medicina Interna, Hospital de Ipanema.
lógicos altamente complexos, que não só determinam resposta imune deficiente, mas
profundamente caótica. Essa desordem imunológica pode culminar em diversos
fenô-menos autoimunes, incluindo síndromes de Sjõgren e Reiter, polimiosite, artrites,
vas-culites, síndrome lúpus símile, além de alterações laboratoriais tais como: fatores
antinucleares, anticorpos antiplaquetários e anticorpos antieritrocíticos, entre outros 2,15.
Até o ano de 1989 foram descritos 14 casos de vasculite necrotizante
asso-ciada à infecção pelo HIV
1 . 2 , 1 4 , 1 5 , 1 9 .Esta afirmação não deve ser motivo de surpresa,
já que a associação entre doenças virais e vasculite necrotizante constitui fenômeno
bem descrito tanto em seres humanos como em animais i. Somente foram descritos,
até o mesmo ano, dois casos de angeíte restrita ao sistema nervoso central ( S N C )
2-
1 4»
1 9.
Em um dos casos, Scaravilli et a l .
1 4descrevem a evolução de paciente do sexo
mas-culino infectado pelo HIV, cujos sintomas e sinais neurológicos foram atribuídos a
acidente vascular encefálico (AVE); o exame patológico do cérebro revelou, além
de múltiplos focos de necrose isquêmica, meningite basal crônica e vasculite; nenhum
microorganismo foi isolado. O segundo caso é particularmente interessante, descrito
por Yanker et a l .
1 9. Na publicação em questão, os autores diagnosticam angeíte
granulomatosa cerebral em paciente homosexual, no qual pesquisas de anticorpos
anti-HIV (por diferentes métodos) foram repetidamente negativas, tendo sido isolado
o vírus no líquido céfalorraquidiano (LCR) e no SNC mediante cultura; todas as
possíveis infecções de natureza oportunista foram excluídas. Engstrom et al.
4con-cluíram, após análise de 25 pacientes infectados pelo HIV, em diversos estágios
evolu-tivos da síndrome, que a população infectada pelo vírus em destaque, sobretudo
quando a faixa etária é inferior a 45 anos, é particularmente propensa a infarto
cerebral e(ou) déficit neurológico transitório. Tais complicações podem constituir as
primeiras manifestações da doença e, com frequência, associam-se a infecções tratáveis
do SNC. Entretanto, por diversas vezes, a etiologia tanto do infarto cerebral quanto
do déficit neurológico transitório permanecem sem definição. Mecanismos vasculares
potenciais na gênese do infarto cerebral e do déficit neurológico transitório em
enfer-mos com SIDA incluem: (a) deposição de complexos antígeno-anticorpo na parede
vascular com consequente infarto; (b) efeito tóxico direto do antígeno retroviral ou
de outro agente infeccioso em nível do endotélio v a s c u l a r
4. Conclui-se, portanto, que
a infecção pelo HIV deve ser considerada como etiologia potencial em uma variedade
de síndromes caracterizadas por vasculite, bem como no diagnóstico diferencial dos
AVE, em particular em pessoas jovens
1»
4.
A surdez neurossensorial em SIDA é atribuída a múltiplas causas. O estado
de imunodeficiência predispõe, em tais pacientes, uma série de mecanismos
meningo-gênicos capazes de ocasionar esse tipo de surdez, dentre eles: meningite criptocócica,
tuberculosa, virai, bacteriana; infecção pelo citomegalovírus (CMV) e vírus da
hepa-tite B; toxoplasmose do S N C
1 2»
1 6. Morris & P r a s a d
1 2enfatizaram tanto o
neurotro-pismo como o linfotroneurotro-pismo do HIV. Sendo assim, teoricamente, o vírus citado poderia
acometer o VIII nervo craniano, ocasionando surdez neurossensorial. Todavia o HIV,
até o presente momento, nunca foi isolado do referido nervo ou de células do gânglio
espiral. As neuropatias cranianas associadas a meningite asséptica e neoplásica têm
sido descritas em enfermos infectados pelo HIV. Contudo, o envolvimento do VIII
nervo nesses casos é r a r o
1 6, sendo registrado até 1989 um único caso na l i t e r a t u r a
1 0.
Morris & P r a s a d
1 2e Smith & C a n a l i s
1 6propõem que os severos defeitos da
imunidade celular induzidos pelo HIV, possam reativar sífilis latente ou acelerar suas
manifestações sistêmicas. Otossífilis, em geral, enquadra-se no estágio terciário da
infecção pelo Treponema pallidum. O diagnóstico pode ser confirmado mediante testes
sorológicos tais como VDRL e RPR, considerados indiretos, já que a positividade
deles poderá ou não ser confirmada nos casos de infecção latente. Já os testes
deno-minados diretos, como o FTA-Abs permanecem positivos por toda a vida. O exame
do LCR é em geral inespecífico. A otossífilis pode ocorrer em todos os estágios da
infecção pelo HIV e deve ser considerada em pessoas com manifestações otológicas e
infectadas pelo H I V
1 2. Timon & W a l s h e tiveram a oportunidade de estudar dois
pacientes infectados pelo HIV, com surdez neurossensorial: em nenhum dos dois casos
observados existiam evidências clínicas ou laboratoriais de infecção oportunista e(ou)
neoplasias envolvendo o SNC. Kohan et al.8 acreditam que a surdez neurossensorial
se relacione, com frequência, ao uso de drogas ototóxicas e infecções neurológicas.
Muitas drogas utilizadas no tratamento de infecções oportunistas, em indivíduos com
colesteatoma (pólipos aurais infectados por Pneumocystis carinii), surdez
neurossen-sorial, aceleração de otossífilis a partir do estágio latente e sarcoma de Kaposi do
pavilhão auditivo externo ou da nasofaringe
5 , 8 , 1 2 , 1 6 , 1 8 .Stern et a l .
1 7enfatizam ainda,
como importante causa de perda da audição na população infectada pelo HIV,
pre-sença de volumosas massas nasofaríngeas, cuja histopatologia foi compatível a
proli-feração linfóide benigna.
No presente estudo é apresentado o caso de paciente com SIDA e surdez
neu-rossensorial associada a vasculite isolada do SNC.
O B S E R V A Ç Ã O
M F S , p a c i e n t e c o m 36 a n o s d e i d a d e , d o s e x o f e m i n i n o , n a t u r a l d o P a r a n á , d a n ç a r i n a d e c a s a s n o t u r n a s , s o l t e i r a , r e g i s t r o n o H o s p i t a l d e I p a n e m a n<> 206047. A h i s t ó r i a t e v e i n í c i o e m m e a d o s d e j u l h o 1 9 9 0 , t r a d u z i d a p o r i n s t a l a ç ã o d e v e r t i g e m r o t a t ó r i a e g r a v e s e n -s a ç ã o d e d e -s e q u i l í b r i o a c o m p a n h a d a -s d e n á u -s e a -s e v ô m i t o -s p r e c i p i t a d o -s , -s o b r e t u d o , p o r m u d a n ç a d e d e c ú b i t o e m o v i m e n t a ç ã o d a c a b e ç a . T a i s s i n t o m a s e r a m e x u b e r a n t e s a p o n t o d e j u s t i f i c a r o c o n f i n a m e n t o d a e n f e r m a a o l e i t o . H a v i a , t a m b é m , r e g i s t r o d e c e f a l é i a d i f u s a , d e c a r á t e r i n t e r m i t e n t e , d e s e v e r a i n t e n s i d a d e . R e d u ç ã o d a a c u i d a d e a u d i t i v a f o i o b s e r v a d a p e l a p a c i e n t e d e s d e o i n í c i o d e s u a d o e n ç a . N e g a v a t i n i t u s . S e t e d i a s a n t e s d a d a t a d e i n t e r n a ç ã o n a c l í n i c a d e M e d i c i n a I n t e r n a d o H o s p i t a l d e I p a n e m a ( 1 4 - 0 8 - 9 0 ) , r e f e r i u r e d u ç ã o i n t e r m i t e n t e , b i l a t e r a l , d a a c u i d a d e v i s u a l , d e d u r a ç ã o f u g a z . T r ê s d i a s a p ó s a i n t e r n a ç ã o e v o l u i u p a r a a m a u r o s e b i l a t e r a l . I n e x i s t i a m f e b r e p r é v i a à i n t e r n a ç ã o , a r t r a l g i a , a r t r i t e , d o r o c u l a r , q u e i x a s r e s p i r a t ó r i a s o u g a s t r o - i n t e s t i n a i s . O a p e t i t e e r a m a n t i d o , e m b o r a r e l a t a s s e p e r d a p o n d e r a l e s t i m a d a e m 3 , 5 K g n o p e r í o d o d e t r ê s s e m a n a s . A l e g a v a s e r p r o s t i t u t a , p o r c o n s e g u i n t e m a n t i n h a r e l a ç õ e s s e x u a i s c o m m ú l t i p l o s p a r c e i r o s . N e g a v a u s o d e d r o g a s p o r v i a p a r e n t e r a l , p o r é m a d m i t i a o u s o e s p o r á d i c o d e c o c a í n a p o r v i a i n t r a n a s a l . N e g a v a p a s s a d o d e c i r u r g i a s o u t r a n s f u s õ e s s a n g u í n e a s . A h i s t ó r i a p a t o l ó g i c a p r e g r e s s a e r a i n e x p r e s -s i v a , i n c l u -s i v e c o m r e l a ç ã o a d o e n ç a -s v e n é r e a -s . T a b a g i -s t a d e -s d e a a d o l e -s c ê n c i a , f a z e n d o u -s o d e 20 c i g a r r o s p o r d i a . E t i l i s t a d i á r i a . H i s t ó r i a s f a m i l i a r e f i s i o l ó g i c a s e m d a d o s d i g n o s d e n o t a .
O e x a m e c l í n i c o d e a d m i s s ã o r e v e l a v a d e p o s i t i v o : e m a g r e c i m e n t o d i s c r e t o ; h i p e r t e r m i a (38,5<>C); l e v e t a q u i c a r d i a s i n u s a l ( 1 1 2 b p m ) ; l e s õ e s v e s í c u l o - p á p u l o - c r o s t o s a s p e r i - o r a i s e e m j u n ç ã o m u c o - c u t â n e a l a b i a l c o m p a t í v e i s a H e r p e s s i m p l e x ; p l a c a s b r a n c a c e n t a s e m m u c o s a o r a l e l í n g u a q u e , q u a n d o d e s t a c a d a s , o c a s i o n a v a m s u p e r f í c i e l e v e m e n t e s a n g r a n t e a l é m d e q u e i l i t e a n g u l a r b i l a t e r a l , c o m p a t í v e i s a c a n d i d í a s e ; m i c r o p o l i a d e n o p a t i a g e n e r a l i z a d a ; r i n o e o t o s c o p i a n o r m a i s ; l e v e c o n f u s ã o m e n t a l ; c a m p o s v i s u a i s e a c u i d a d e v i s u a l c o m p a t í v e i s a a m a u r o s e ; n e u r i t e ó p t i c a b i l a t e r a l ; n i s t a g m o h o r i z o n t a l d u r a n t e a m i r a d a l a t e r a l e, v e r t i c a l d u r a n t e a m i r a d a p a r a c i m a ; m i d r í a s e p a r a l í t i c a b i l a t e r a l ; h i p o a c u s i a b i l a t e r a l ; r i g i d e z d e n u c a . H o u v e r e g i s t r o d e h i p e r t e r m i a d i á r i a q u e c h e g a v a a t é 39«>C, o q u e f o i o b s e r v a d o a t é o 18o d i a d e i n t e r n a ç ã o . V i n h a e m u s o d e c e t o c o n a z o l e 2 0 0 m g p o r d i a e a c y c l o v i r lOOOmg p o r d i a . C o m o u s o d o s r e f e r i d o s m e d i c a m e n t o s h o u v e d e s a p a r e c i m e n t o d a c a n d i d í a s e o r a l e d a s l e s õ e s h e r p é t i c a s p o r v o l t a d o 7o d i a d e i n t e r n a ç ã o . A e n d o s c o p i a d i g e s t i v a , r e a l i z a d a n o 3o d e i n t e r n a ç ã o , f a l h o u e m r e v e l a r l e s õ e s o c a s i o n a d a s p o r C â n d i d a a l b i c a n s , C M V o u o u t r o s v í r u s d o g r u p o H e r p e s . N á u s e a s , v ô m i t o s e v e r t i g e m r o t a t ó r i a m a n i f e s t a r a m - s e d i a r i a m e n t e a t é o d i a 0 1 - 0 9 - 9 0 , s e n d o n e c e s s á r i o s u p o r t e n u t r i c i o n a l p a r e n t e r a l .
O s e x a m e s c o m p l e m e n t a r e s r e v e l a r a m o s s e g u i n t e s r e s u l t a d o s : h e m o g r a m a n o r m a l , e x c e t o p o r d i s c r e t a l i n f o c i t o p e n i a ; V H S = 8 1 m m / h (1» h o r a ) , m é t o d o W e s t e r g r e e n ; b i o q u í m i c a , p r o v a s f u n c i o n a i s h e p á t i c a s e E A S n o r m a i s ; p a r a s i t o l ó g i c o d e f e z e s a c u s o u p r e s e n ç a d e G i a r d i a l a m b l i a , d e v i d a m e n t e t r a t a d a ; u r i n o c u l t u r a e 6 h e m o c u l t u r a s n e g a t i v a s ; p r o v a s d e a t i v i d a d e r e u m á t i c a ( f a t o r r e u m a t ó i d e , f a t o r a n t i n u c l e a r , C 3 , C4 e C H 5 0 ) n e g a t i v a s ; h i p e r -g a m a -g l o b u l i n e m i a p o l i c l o n a l s é r i c a ; r a d i o -g r a f i a d o t ó r a x n o r m a l , b e m c o m o u l t r a s s o n o -g r a f i a p é l v i c a e a b d o m i n a l ; e c o c a r d i o g r a m a b i d i m e n s i o n a l n o r m a l ; t o m o g r a f i a c o m p u t a d o r i z a d a c o n -t r a s -t a d a c e r e b r a l ( T C C ) , r e a l i z a d a e m d u a s o c a s i õ e s ( i n -t e r v a l o d e 1 4 0 d i a s ) , n o r m a l . A a n á l i s e d o L i C R r e v e l o u : c i t o l o g i a , 4 0 c é l u l a s / m m 3 ( 5 6 % l i n f ó c i t o s , 2 9 % m o n ó c i t o s , 5 % m a c r ó f a g o s , 6% p l a s m ó c i t o s , 4 % n e u t r ó f i l o s ) ; p r o t e í n a s 7 9 m g % ; g l i c o s e 4 8 m g % ; c l o r e t o s 6 9 7 m g % ; a n t i -- H I V n e g a t i v o , b e m c o m o p e s q u i s a p a r a T o x o p l a s m a grondii, C M , h e r p e s v í r u s , t ó r u l a , s í f i l i s
D i a n t e d a s e v i d ê n c i a s c l í n i c a s e l a b o r a t o r i a i s , f i z e m o s a h i p ó t e s e d i a g n o s t i c a d e v a s -c u l i t e d o S N C i n d u z i d a p e l o H I V , v i s t o q u e e s t a s e j u s t i f i -c a v a p e l a p r e s e n ç a d e s í n d r o m e m e n í n g e a a s s o c i a d a à d i s f u n ç ã o d o I I p a r c r a n i a n o c o n c o m i t a n t e s à n e g a t i v i d a d e d o s e s t u d o s m i c r o b i o l ó g i c o s n o L C R . A s í n d r o m e v e s t í b u l o c o c l e a r p o d e r i a s e r e x p l i c a d a p o r a c o m e t i -m e n t o d i r e t o d o V I I I p a r c r a n i a n o p e l o H I V . S e n d o a s s i -m , i n s t i t u i -m o s p u l s o t e r a p i a d e c o r t i c o s t e r ó i d e ( 0 1 - 0 9 - 9 0 ) e m t r ê s c i c l o s d e m e t i l p r e d n i s o l o n a ( 3 0 m g / K g / d i a ) c o m i n t e r v a l o d e 7 d i a s . A o c a b o d e s e g u n d o c i c l o m e l h o r i a s i g n i f i c a t i v a f o i o b s e r v a d a , c u l m i n a n d o c o m r e g r e s s ã o e x p r e s s i v a d o d i s t ú r b i o n e u r o l ó g i c o n o t e r c e i r o c i c l o , e x c e t o p e l a p e r s i s t ê n c i a d e a m a u r o s e b i l a t e r a l e d i s c r e t a h i p o a c u s i a à d i r e i t a .
C O M E N T A R I O S
Na situação em apreço, como tivemos oportunidade de demonstrar, todas as
infecções oportunistas ou neoplasias que, por ventura, pudessem justificar as
mani-festações clínicas da enferma, foram afastadas mediante a série de exames
comple-mentares explicitada na apresentação do caso. Atribuimos ao próprio vírus da
imuno-deficiência humana a síndrome meníngea, a neurite óptica bilateral e a síndrome
vestíbulo-coclear, todas por provável mecanismo traduzido por vasculite. Por duas
vezes realizamos TCC contrastada e, nas duas ocasiões, o laudo foi normal. A
pró-xima etapa para comprovação diagnostica poderia incluir arteriografia cerebral seguida
de biópsia cerebral ou de leptomeninge, procedimentos não realizados.
Segundo Moskowitz et a l .
1 3, a biópsia cerebral constitui método valioso na
avaliação de lesões do tipo expansivo em pacientes com SIDA. No estudo
apre-sentado pelos mencionados autores, tal procedimento foi realizado em 7 enfermos,
todos tendo lesões bem definidas na TCC. A biópsia cerebral não constitui
proce-dimento inócuo, pois o risco de séria morbidade oscila entre 0,5 e 2,0%. Todavia,
com o advento da biópsia cerebral (por agulha) estereotáxica, a abordagem
diagnos-tica de lesões cerebrais focais tornou-se indubitavelmente mais segura. Por ser
fre-quente a coexistência de múltiplos agentes infecciosos e neoplasias em diferentes áreas
do encéfalo, em função da alta incidência de achados morfológicos atípicos e pela
relativa ineficácia da abordagem terapêutica, o uso indiscriminado de biópsia cerebral
em pessoas com SIDA deve ser desencorajado 6.
No caso apresentado, a ausência de lesões no estudo radiográfico e a forte
hipótese diagnostica de vasculite encefálica justificaram a não realização de biópsia
cerebral, pois o citado procedimento com pouca frequência demonstra vasculite 3 , n .
Segundo Cupps et al.3 e Moore & Cupps l i , deve-se dar preferência à biópsia de
leptomeninge, pois esta estrutura encontra-se, invariavelmente, acometida no exame
«postmortem» de pacientes com vasculite isolada do SNC. Infelizmente tal
procedi-mento não é facilmente executado em nosso meio, face a pouca experiência com o
método, o que inviabilizou sua realização.
A angeíte isolada do SNC é entidade clínico-patológica rara, caracterizada por
vasculite restrita aos vasos do SNC na ausência do mesmo processo em nível sistêmico.
Em geral, os vasos de pequeno calibre são lesados, acometimento caracterizado por
processo inflamatório segmentar, necrose de pequenos vasos leptomeníngeos e de vasos
parenquimatosos, circundados por arcos tissulares de isquemia ou hemorragia. O
infil-trado inflamatorio é composto de células mononucleares, células gigantes
multinuclea-das, células plasmáticas. Contudo, qualquer artéria ou veia do SNC pode estar
envolvida 3 , u .
Cefaléia, confusão mental, deterioração intelectual e alteração do nível de
cons-ciência sugerem doença difusa. A cefaléia pode ser difusa ou focal, usualmente de
intensidade severa e pulsátil. Envolvimento cerebral focal ou medular e crises
convul-sivas podem, algumas vezes, representar as primeiras manifestações da doença.
Vascu-lite das artérias retinianas e da coróide é descrita, sendo habituais os sintomas visuais.
Distúrbios visuais de origem cortical podem ocorrer. Mal estar, febre, mialgias,
artralgias e artrite, comuns nas vasculites sistêmicas, caracteristicamente estão ausentes
nessa entidade. A VHS e o leucograma são geralmente normais. O LCR pode ser
normal ou demonstrar discreta linfocitose, além de aumento na concentração de
pro-teína ou, ainda, presença de hemácias (200 a 4 0 0 / m m
3) . Nenhum estudo laboratorial
pode, com certeza, afirmar ou excluir a doença em pauta, daí a necessidade de
reali-zação de biópsia de leptomeninge para confirmar o diagnóstico.
apre-sentavam em vida angiogramas cerebrais normais, provavelmente pelo fato da
vascu-lite ter acometido vasos de diminuto calibre, inviabilizando a detecção do seu
envol-vimento pelo estudo contrastado. Raciocínio similar é válido com referência à
TCC
3'
n. O tipo de acometimento vascular segmentar, visto na angiografia cerebral,
é típico de vasculite isolada do SNC. Tal alteração é chamada de «aspecto em
salsicha»
1 1. Esta afirmação é contestada por Levine et al.9. Estes autores citam que
o mesmo achado pode ser visto em ateroesclerose, êmbolos múltiplos, displasia
fibro-muscular e vasoespasmo após ruptura de aneurisma intracraniano, em especial quando
limitado a vasos proximais de grande calibre.
Respaldados pelo exame clínico-neurológico e investigação complementar,
inclu-indo TCC da paciente, não indicamos arteriografia cerebral por acreditarmos que a
vasculite acometia vasos de diminuto calibre. Optamos, então, por prova terapêutica
traduzida por pulsoterapia com corticosteróide, cujo resultado foi satisfatório.
Desa-pareceram febre, rigidez de nuca, cefaléia, náuseas, vômitos, vertigem rotatória e
nistagmo. Além disso, houve melhora sensível da hipoacusia bilateral, permanecendo
leve prejuízo da audição à direita, e normalização da VHS. Infelizmente, como era
esperado, houve permanência da amaurose bilateral.
A angeíte isolada do SNC é entidade de péssimo prognóstico, evoluindo para
o óbito na maioria dos casos, a despeito da utilização de imunossupressores 3.
Foi descrito, no relato do caso apresentado, que a enferma fazia uso esporádico
de cocaína intranasal. É do nosso conhecimento que a citada droga é capaz de
pro-duzir vasculite cerebral 7,9. Entretanto, para que tal complicação ocorra, é necessário
que o consumo intranasal da droga seja de cerca de 500mg por período de duas
semanas antecedendo a instalação do quadro neurológico
7, fato não detectado com
relação ao caso apresentado.
Concluimos, pois, que tivemos a oportunidade de diagnosticar e acompanhar a
evolução do terceiro caso de vasculite isolada do SNC e segundo de acometimento
do VIII nervo craniano, induzidos pelo HIV.
R B F E R a f i N C I A S
1. C a l a b r e s e L#H. T h e r h e u m a t i c m a n i f e s t a t i o n s o f i n f e c t i o n w i t h t h e h u m a n i m m u n o -d e f i c i e n c y v i r u s . S e m i n A r t h r i t i s R h e u m 1989, 1 8 : 2 2 5 - 2 3 9 .
2. C a l a b r e s e L H , E s t e s M , Y e n - L i e b e r m i a n B , P r o f f i t M R , T u b b s R , F i s h l e d e r A J , L e v i n K H . S y s t e m i c v a s c u l i t i s i n a s s o c i a t i o n w i t h h u m a n i m m u n o d e f i c i e n c y v i r u s i n f e c t i o n . A r t h r i t i s R h e u m 1989, 3 2 : 5 6 9 - 5 7 6 .
3. C u p p s T R , M o o r e P M , F a u c i A S . I s o l a t e d a n g i i t i s o f t h e c e n t r a l n e r v o u s s y s t e m : p r o s p e c t i v e d i a g n o s t i c a n d t h e r a p e u t i c e x p e r i e n c e . A m J M e d 1983, 7 4 : 9 7 - 1 0 5 .
4. E n g s t r o m J W , L o w e n s t e i n D H , B r e d e s e n D E . C e r e b r a l i n f a r c t i o n s a n d t r a n s i e n t n e u -r o l o g i c d e f i c i t s a s s o c i a t e d w i t h a c q u i -r e d i m m u n o d e f i c i e n c y s y n d -r o m e . A m J M e d 1989, 8 6 : 5 2 8 - 5 3 2 .
5. G h e r m a n C R , W a r d R R , B i a s s i s M L . P n e u m o c y s t i s c a r i n i i o t i t i s m e d i a a n d m a s t o i d i t i s a s t h e i n i t i a l m a n i f e s t a t i o n o f t h e a c q u i r e d i m m u n o d e f i c i e n c y s y n d r o m e . A m J M e d 1988, 8 5 : 2 5 0 - 2 5 2 .
6. G r a y F , G h e r a r d i R , S c a r a v i l l i F . T h e n e u r o p a t h o l o g y o f t h e a c q u i r e d i m m u n e d e f i c i e n c y s y n d r o m e ( A I D S ) : a r e v i e w . B r a i n 1988, 1 1 1 : 2 4 5 - 2 6 6 .
7. K a y e B R , F a i n s t a t M . C e r e b r a l v a s c u l i t i s a s s o c i a t e d w i t h c o c a i n e a b u s e . J A M A 1987, 2 5 8 : 2 1 0 4 - 2 1 0 6 .
8. K o h a n D , R o t h s t e i n S G , C o h e n N L . O t o l o g i c d i s e a s e i n p a t i e n t s w i t h a c q u i r e d i m m u n o -d e f i c i e n c y s y n -d r o m e . A n n O t o l R h i n o l L a r y n g o l 1988, 9 7 : 6 3 6 - 6 4 0 .
9. L e v i n e S R , W e l c h K M A , B r u s t J C M . C e r e b r a l v a s c u l i t i s a s s o c i a t e d w i t h c o c a i n e a b u s e o r s u b a r a c h n o i d h e m o r r h a g e ? J A M A 1988, 2 5 9 : 1 6 4 8 - 1 6 4 9 .
L0. L e v y R M , B r e d e s e n D E , R o s e n b l u m M L . N e u r o l o g i c a l m a n i f e s t a t i o n s o f a c q u i r e d i m m u n e d e f i c i e n c y s y n d r o m e ( A I D S ) : e x p e r i e n c e a t U . C . S . F . a n d r e v i e w o f t h e l i t e r a t u r e . J N e u r o s u r g 1985, 6 2 : 4 7 5 - 4 8 6 .
11. M o o r e P M , C u p p s T R . N e u r o l o g i c a l c o m p l i c a t i o n s o f v a s c u l i t i s . A n n N e u r o l 1983.
1 4 : 1 5 5 - 1 6 7 .
L2. M o r r i s M S , P r a s a d S. O t o l o g i c d i s e a s e i n t h e a c q u i r e d i m m u n o d e f i c i e n c y s y n d r o m e .
E a r N o s e T h r o a t J 1990, 6 9 : 4 5 1 - 4 5 3 .
13. M o s k o w i t z L B , H e n s l e y G T , C h a n J C , C o n l e y F K , P o s t M J D , G o n z a l e z - A r i a s S M . B r a i n b i o p s i e s i n p a t i e n t s w i t h a c q u i r e d i m m u n e d e f i c i e n c y s y n d r o m e . A r c h P a t h o l L a b M e d
14. S c a r a v i l l i F , D a n i e l S E , H a r c o u r t - W e b s t e r N , G u i l i f f R J . C h r o n i c b a s a l m e n i n g i t i s a n d v a s c u l i t i s i n a c q u i r e d i m m u n o d e f i c i e n c y s y n d r o m e : a p o s s i b l e r o l e f o r h u m a n i m m u n o -d e f i c i e n c y v i r u s . A r c h P a t h o l L a b M e -d 1989, 1 1 3 : 1 9 2 - 1 9 5 .
15. S c h w a r t z N D , S o Y T , H o l l a n d e r H , A l l e n S, F y e K H . E o s i n o p h i l i c v a s c u l i t i s l e a d i n g t o a m a u r o s i s f u g a x i n a p a t i e n t w i t h a c q u i r e d i m m u n o d e f i c i e n c y s y n d r o m e . A r c h I n t e r n M e d 1986, 1 4 6 : 2 0 5 9 - 2 0 6 0 .
16. S m i t h M E , C a n a l i s R F . O t o l o g i c m a n i f e s t a t i o n s o f A I D S : t h e o t o s y p h i l i s c o n n e c t i o n . L a r y n g o s c o p e 1989, 9 9 : 3 6 5 - 3 7 2 .
17. S t e r n J C , L i n P T , L u c e n t e F E . B e n i g n n a s o p h a r y n g e a l m a s s e s a n d h u m a n i m m u n o -d e f i c i e n c y v i r u s i n f e c t i o n . A r c h O t o l a r y n g o l H e a -d N e c k S u r g 1990, 1 1 6 : 2 0 6 - 2 0 8 .
18. T i m o n C I , W a l s h M A . S u d d e n s e n s o r i n e u r a l h e a r i n g l o s s a s a p r e s e n t a t i o n o f H I V i n f e c t i o n . J L a r y n g o l O t o l 1989, 1 0 3 : 1 0 7 1 - 1 0 7 2 .