• Nenhum resultado encontrado

Falando de Diderot...

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Falando de Diderot..."

Copied!
4
0
0

Texto

(1)

Perspectivas, São Paulo 7:55-58, 1984.

F A L A N D O DE DIDEROT...

Vera Teresa Valdemarin G O N Ç A L V E S

RESUMO: A leitura de textos de Direrot, no contexto da Revolução Francesa e discussão do papel do crítico e ativista nas transformações sociais.

UNITERMOS: Revolução Francesa; ativista; burguesia.

A leitura de Diderot nos coloca a questão do homem atuando e captando as mudanças da história produzida pelos próprios homens. A o lê-lo têm-se a im-pressão de que ele passa o tempo dizendo às pessoas que o mundo está em constante movimento e que nem todos percebem es-se fato, ou es-seja, a relação do homem com seu trabalho e dos homens entre si foi al-terada pelo desenvolvimento das forças produtivas e a ela têm de corresponder novas formas de organização social repro-duzindo essa relação que se dá no traba-lho.

E m seus diálogos, a crítica mordaz está voltada para o comportamento das pessoas, às instituições, à organização so-cial em geral.

" B — Se as leis são boas, os costu-mes são bons; se as leis são más, os costumes são maus; se as leis, boas ou más, não são observadas, a pior condição de uma sociedade, não há quaisquer costumes. Ora, como quereis que leis sejam observadas quando elas se contradizem?

Percorrei a história dos séculos e das nações, tanto antigas como moder-nas, e encontrareis os homens sujei-tos a três códigos, o código da natu-reza, o código civil e o código reli-gioso, e coagidos a infringir alterna-damente os três códigos que nunca estiveram de acordo; daí decorre que não houve em nenhum país,

co-mo Oru adivinhou quanto ao nosso, nem homem, nem cidadão, nem re-ligioso.

A — De onde concluireis, sem dúvi-da que, baseando a moral nas rela-ções eternas que subsistem entre os homems, a lei religiosa torna-se tal-vez supérflua; e que a lei civil deve ser apenas a enunciação da lei da na-tureza. "(1)

Viver de acordo com seu tempo, para ele, parece ser o modo de organização so-cial que reflita o movimento da história e as conquistas da ciência de seu tempo. E a ciência e as novas formas sociais necessá-rias se expressam em Bacon com a ciência organizada através de um método que conduza a resultados exatos e seguros, com o uso dos instrumentos que o homem cria e que estendem suas capacidades; em Descartes, que separa a fé da ciência; em Locke que justifica a propriedade privada fundada no trabalho como forma de au-mentar a reserva comum da humanidade. O homem é então um ser racional, maté-ria em constante movimento, observando a natureza e suas leis, que dispensam a in-terferência de um criador nos fenômenos naturais.

Diderot expressa essa forma nova do homem no mundo. N ã o há milagres, não há ser supremo. H á matéria em movimen-to. A organização diferenciada desta ma-téria diferencia as espécies entre si, que por sua vez, também se estão

transfor-* Departamento de Ciências da E d u c a ç ã o — Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação — U N E S P — 14.800 —

Ara-raquara, SP.

(2)

G O N Ç A L V E S , V . T . V . — Falando de Diderot... Perspectivas, São Paulfi, 7-55-58, 1984

mando continuamente. Se a perfeição se encontra na natureza e ela está mudando a todo momento dentro de suas leis, a so-ciedade também deve mudar obedecendo essas leis. A sociedade não é justa porque não vive em conformidade com a nature-za, em obediência às leis naturais; daí, a importância do conhecimento da nature-za.

Esse homem que não mais se guia pe-la fé e pepe-la religiosidade, terá seu conhecimento compilado e divulgado na " E n c i -clopédia" que Diderot se encarrega de traduzir do inglês, mas cuja intenção é refazê-la totalmente. Juntamente com a "Enciclopédia", publica outras obras, nas quais sustenta o direito da razão e da crítica diante da fé e da revelação, o que contraria a versão das autoridades e pro-voca sua prisão. Apesar das perseguições e outros entraves são publicados os 36 vo-lumes da " E n c i c l o p é d i a " . ..."Apesar de todos os problemas tinha chegado ao fim uma das mais importantes obras para a compreensão do pensamento do século XVIII e das transformações que culmina-ram com a Revolução Francesa. Nela encontramse textos fundamentais de D i -derot, Rosseau, Voltaire, Turgot, Marmontel, Montesquieu, Quesnay e H o l -bach" (2) e outros.

Que transformações são essas que ocorrem e culminam na Revolução Fran-cesa? Barnave assim as descreve, em 1789, na " I n t r o d u ç ã o à Revolução Francesa":

"Desde que as artes e o comércio conseguem penetrar no povo e criar um novo meio de riqueza em be-nefício da clase laboriosa, prepara-se uma revolução nas leis políticas, uma nova distribuição da riqueza produz uma nova distribuição do poder. Da mesma forma que o domínio das terras elevou a aristo-cracia, a propriedade industrial ele-va o poder do povo. "(6)

E Sieyes, em sua brochura " O que é o Terceiro Estado", do mesmo ano, assim se expressa:

"Quem ousaria dizer que o Terceiro Estado não possui tudo quanto ne-cessita para formar uma ação com-pleta? Trata-se de um homem forte e robusto, mas com um dos braços acorrentado. Omitindo-se a ordem privilegiada, a nação não seria qual-quer coisa de menos, mas qualqual-quer coisa de mais. Assim, que é o Ter-ceiro Estado? Tudo — mas um todo entravado e oprimido. Que seria ele sem a ordem privilegiada? Tudo, mas um todo livre e florescente. Na-da se pode fazer sem ele, tudo se fa-tá infinitamente melhor sem os o u:

tros."(5)

A aristocracia tão bem descrita por Balzac na " C o m é d i a H u m a n a " vive para-sita da burguesia, esse Terceiro Estado que detém em si as forças econômicas. Es-tão nele todas as categorias que desempe-nham atividades produtivas, que d ã o for-ma e existência ao mundo, apesar das leis e instituições não refletirem esse mundo concreto. A o tomar o poder com a Revo-lução, a burguesia vai exercer agora, de direito, um poder que já exercia de fato e transformar as instituições à sua imagem.

Uma nova concepção de propriedade afirmou-se com a abolição do feudalismo: propriedade na acepção burguesa da pala-vra. Livre, individual, total, permitindo seu uso e abuso.

Na Declaração dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão (26-08-1789), os direi-tos aparecem como naturais e impres-critíveis: Liberdade, propriedade, igual-dade, segurança e resistência à opressão.

Igualdade civil — a lei é a mesma pa-ra todos. O Estado não constitui um ívm em si mesmo, tem como objetivo preser-var aos cidadãos o uso de seus direitos. Os constituintes constróem uma Declaração circunstancial e a transformam em univer-sal. N ã o consta da Declaração nenhum item específico de liberdade econômica, mas ela contém em si as normas que vão garantir o direito e uso da propriedade privada. Os direitos e garantias contidos nessa Declaração são aqueles reclamados, exigidos e necessários à nova ordem que

(3)

G O N Ç A L V E S , V . T . V . — Falando de Diderot... Perspectivas, São Paulo, 7:55-58. 1984.

se estava iniciando, portanto, circunstan-cial. Mas o capital não fica restrito à cir-cunstância, sua expansão tem de ser total, daí a universalidade dos direitos do ho-mem: todos os homens são iguais, o que vale dizer, todo homem é livre para ven-der sua força de trabalho a quem pagá-la. Esse liberalismo que só conhece o in-divíduo, tira todas as conseqüências dessa abstração: o mercado de trabalho deve ser livre como a produção não permitindo corporações.

"Igualdade e liberdade, portanto, não são apenas respeitadas na troca que se baseia em valores de troca, mas a troca de valores de troca é a base real, produtiva, de toda igual-dade e liberigual-dade.

Como puras idéias, são meramente a expressão idealizada dessa base; como desenvolvidas nas relações jurídicas, políticas e sociais, são elas apenas esta base em uma outra po-tência."(3)

Abstraem-se, assim, as determina-ções econômicas e pode-se naturalizar o homem. Ele é igual e livre; o Estado de-fende seus interesses. Que Estado é esse? O Estado burguês. Que interesses são es-ses? Os interesses burgueses.

Inicia-se então a fase da burguesia, onde ela desempenha sua função histórica de manter a propriedade:

"Vemos pois: os meios de produção e de troca sobre cuja base se ergue a burguesia foram gerados no seio da sociedade feudal. E m um certo grau do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as condições

em que a sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da manufatura, em su-ma, o regime feudal de propriedade, deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno desenvolvi-mento. Entravam a p r o d u ç ã o em lu-gar de impulsioná-la. Transfor-maram-se em outras tantas cadeias que era preciso despedaçar; foram d e s p e d a ç a d a s . E m seu lugar, estabeleceu-se a livre concorrência, com uma organização social e políti-ca correspondente, com a suprema-cia econômica e política da burgue-sia." (4)

É esse o tempo que Diderot anuncia. Ela é o sujeito que capta o movimento dos homens enquanto seres naturais; percebe as mudanças que se estão processando, a necessidade imposta de uma nova organi-zação social que corresponda às transfor-mações de seu tempo. O ativista anuncia ao nível das idéas as transformações que ocorrem no mundo material, no modo de produção. Desvelar os olhos para que se possa enxergar através da névoa, aquilo que é real.

No século X X onde a névoa é muito grande, cabe ao ativista a percepção e captação do movimento da história. N ã o mais a ascenção da burguesia, mas a sua decadência. U m a classe que transforma o mundo, dá-lhe um novo sentido e ao n ã o poder mais caminhar porque esgotou suas forças, vela o real para assegurar sua es-tagnação, porque preferível à sua extin-ção.

G O N Ç A L V E S , V . T . V . — Speakingof Diderot... Perspectivas, São Paulo, 7:55-58, 1984.

A BSTRA CT: A reading of Diderot in the context of the French Revotution and a discussion of the role of the critic and of the a activist in the social transformations.

(4)

G O N Ç A L V E S , V . T . V . — Falando de Diderot... Perspectivas. São Paulo, 755-58. 1984.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

1. D I D E R O T , D . — Suplemento à viagem de Bou-gainville. In:— Textos escolhidos. São Pau-lo, A b r i l Cultural, 1979. p. 152. (Os Pensado-res).

2. D I D E R O T , D . — Vida e obra. In: — Textos es-colhidos. S ã o Paulo, A b r i l Cultural, 1979. p. VIII. (Os Pensadores).

3. M A R X , K . — Troca, igualdade, liberdade. In:

TEMAS de ciências humanas. São Paulo, E d . Ciências Humanas, 1978. v. 3, p. 6. 4. M A R X , K . & E N G E L S , F . — Manifesto do

Par-tido Comunista. In: — Textos. São Paulo, E d . Sociais, s.d. v. 3, p. 25-26.

5. S O B O U L , A . — A Revolução Francesa. Rio de Janeiro, Zahar, 1964. p. 31.

6. Idem Ibidem, p. 38.

Referências

Documentos relacionados

As coordenadas do ponto M, onde M é ponto médio do segmento AB, do item(b)... Determine as coordenadas dos

Porém, confesso que só mais tarde, talvez já no decorrer do Mestrado, me dei conta que a História da Arte – e, porventura, qualquer outro curso, mas sobre esses não me cabe

Algumas regras de divisibilidade permitem que saibamos se um número é múltiplo de outro sem a necessidade de fazer

O programa Cuidado Total* é composto por quatro elementos - cada um deles concebido para ajudá-lo, enquanto empresa de limpezas, a cumprir as suas tarefas de limpeza da forma mais

A estratégia de desenvolvimento que se apresenta como orientadora para o PDS da Rede Social de Barcelos tem como focos de atuação as temáticas do emprego e empreendedorismo

nacionalidade brasileiro, divorciado, analista finan- ceiro, nascido em São Pau- lo - SP, aos 28/10/1982, residente e domiciliado Rua Antonio Cestarolli, nº 96, Nova

Avaliaram-se, nos horizontes tem- porais de um mês, um trimestre, um semestre e um ano, o viés e acurácia dos valores médios das previsões do relatório Focus elabo- radas entre

A digestão de lipídios ocorre no intestino delgado, em pH alcalino, através da ação de enzimas produzidas no pân- creas, as lipases pancreáticas, que quebram